INTRODUÇÃO
Peso vivo e medidas biométricas têm recebido considerável ênfase como importantes fatores na avaliação do mérito de carcaça do animal in vivo e, frequentemente, são usados para predizer a porção comestível em carcaças bovinas. As medidas biométricas permitem conhecer o desenvolvimento das diferentes partes que compõem o exterior dos animais e predizem com relativa acurácia o peso corporal e, também, algumas características da carcaça.
As relações entre biometria e desempenho já são há muito conhecidas, assim como o uso das medidas biométricas como preditoras de aspectos específicos da composição corporal. (FISHER, 1975). CYRILLO et al. (2002) estudaram as relações entre medidas corporais e características de desempenho e encontraram correlações genéticas altas entre perímetro torácico, largura da garupa e peso tomado a mesma idade. Da mesma forma, as relações entre características de crescimento e carcaça, foram estudadas por NARDON et al. (2001) e BONILHA et al. (2008), que encontraram relações positivas entre essas características.
Entretanto, as relações entre medidas corporais e cortes cárneos comerciais ainda não são claras para animais Zebu e Caracu. O conhecimento das relações entre medidas corporais e características de carcaça poderá ser uma valiosa ferramenta para a indústria e para os programas de melhoramento genético de bovinos de corte. Entre as vantagens do uso de medidas biométricas para predizer características de carcaça está o baixo custo de obtenção das informações, embora sejam conhecidas as limitações associadas à acurácia das tomadas de medidas, como a correta identificação e localização dos pontos de referência, distorções anatômicas devidos a mudanças na posição, entre outros (FISHER, 1975). Assim, este estudo foi desenvolvido com o objetivo de avaliar e quantificar as relações existentes entre medidas corporais, obtidas in vivo, e características físicas da carcaça, incluindo cortes cárneos comerciais e gordura da carcaça em bovinos de corte.
MATERIAL E MÉTODOS
Os dados utilizados no presente estudo são provenientes do Programa de Melhoramento Genético de Bovinos de Corte, conduzido desde 1976 no Centro APTA Bovinos de Corte, unidade de pesquisa do Instituto de Zootecnia, localizado em Sertãozinho-SP, Brasil. O programa inclui bovinos Bos indicus, das raças Nelore e Guzerá, e bovinos da espécie Bos taurus adaptados às condições tropicais, pertencentes à raça Caracu. Em 1980, foram estabelecidas as linhas de seleção direcional para as raças Guzerá (GuS) e Nelore (NeS) e em 1979 para a raça Caracu (CaS), sendo que para a raça Nelore estabeleceu-se, também, uma linha Controle (NeC), na qual foi praticada a seleção estabilizadora. Os reprodutores, para todas as raças, foram selecionados, dentro de rebanho × ano, para peso ao sobreano, padronizado aos 378 dias de idade (P378), obtido ao final da Prova de Ganho de Peso e as matrizes, da mesma forma, para peso padronizado aos 550 dias de idade (P550) obtido em regime de pasto. Nos rebanhos sob seleção direcional, GuS, NeS e CaS, foram utilizados como progenitores machos e fêmeas com diferenciais de seleção máximos para P378 e P550, respectivamente, enquanto que na linha controle (NeC), foram selecionados machos e fêmeas com diferencial de seleção nulo ou próximo de zero. Detalhes dos procedimentos e dos resultados obtidos para as características sob seleção direta, assim como daquelas correlacionadas, podem ser conferidos em CYRILLO et al. (2002), MERCADANTE et al. (2003); BONILHA et al. (2008).
Foram utilizadas amostras de animais machos NeS, NeC, GuS e CaS, nascidos entre 1993 e 1995, constituindo as 12a , 13a e 14a progênies do Programa de Melhoramento Genético de Bovinos de Corte de Sertãozinho, representadas por 12 animais de cada grupamento genético, a cada ano, totalizando 144 machos terminados em confinamento. As amostras dos animais avaliados representaram a média do peso corporal de cada rebanho, obtidos no final da Prova de Ganho de Peso. Os animais foram alojados, aos pares, em baias de confinamento e alimentados com dieta composta por 45% de silagem de milho ou sorgo e 55% de concentrado, em base seca. Os abates ocorreram quando os animais completaram em média 88 ± 10, 173 ± 11 e 266 ± 11 dias de confinamento, com média de idades de 16,1 ± 0,8; 19,0 ± 0,9 e 22,0 ± 1,1 meses e médias de pesos de 385 ± 33, 464 ± 33 e 547 ± 53 kg nos primeiro, segundo e terceiro abates, respectivamente. Os três pontos de abate foram escolhidos com base no peso vivo, por sua vez associado ao período de confinamento e ao acabamento. Maiores detalhes a respeito das práticas nutricionais e de manejo foram apresentadas por NARDON et al. (2001).
As medidas corporais foram coletadas antes do abate, sendo mensurados: altura na garupa, tomada por meio de fitas métricas instaladas no interior da balança e representada por uma vertical baixada da porção anterior do sacro ao solo; perímetro torácico, tomado pelo contorno do tórax, passando pelo cilhadouro e voltando perpendicularmente à linha do dorso; comprimento do corpo, tomado lateralmente entre a ponta inferior da espádua e a ponta do ísquio; comprimento do dorso, medido ao longo da área compreendida entre o final da cernelha e início do sacro; comprimento da garupa, medido lateralmente entre a ponta do íleo e a ponta do ísquio; distância entre ísquios, medida por trás, entre as tuberosidades isquiáticas; distância entre íleos, medida entre os dois ângulos anteriores externos dos íleos. Foi também mensurado o peso vivo, ao abate.
As características de carcaça foram obtidas a partir da meia carcaça direita resfriada, dividida em dianteiro (5 costelas), ponta-de-agulha e traseiro especial, e separada nos seguintes cortes cárneos comerciais: contra-filé, filé-mignon, alcatra completa, patinho, coxão-mole, lagarto, paleta e acém. Os cortes cárneos comerciais, depois de aparados, foram pesados individualmente. Foram coletadas as gorduras: da carcaça, por meio da dissecação total de meia carcaça, separação dos tecidos e pesagem da gordura; renal, por meio da separação e pesagem da gordura que envolve os rins; e visceral, pela soma das gorduras situadas na região pélvica, inguinal, cardíaca e dos intestinos.
As estimativas de correlações residuais entre as características de crescimento, biométricas e de carcaça foram obtidas em análise multivariada, utilizando-se o procedimento GLM (MANOVA) do SAS (SAS Inst. Inc., Cary, NC). O modelo de análise incluiu os efeitos fixos de grupo genético (NeS, NeC, GuS e CaS), ordem de abate (1, 2 e 3) e ano de nascimento (1993, 1994 e 1995), sendo as interações entre os efeitos principais testadas e removidas do modelo estatístico por não apresentarem significância. Com o propósito de quantificar as relações entre algumas medidas corporais e os principais cortes da carcaça, foram realizadas análises de regressão linear dos cortes em função das medidas biométricas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com a finalidade de caracterizar o conjunto de dados utilizado no presente estudo são apresentadas, na Tabela 1, as médias observadas (± DP) para os animais das raças Nelore e Guzerá (Zebu) e Caracu para as características peso vivo, medidas corporais, peso da carcaça, cortes comerciais e gorduras corporais.
Tabela 1. Número de animais e médias observadas (± DP) de peso, medidas biométricas e características de carcaça de bovinos das raças Nelore e Guzerá (Zebu) e Caracu
Análises detalhadas referentes à avaliação dos efeitos de seleção e de raça sobre atributos de carcaça para esse conjunto de dados, assim como para um conjunto maior, utilizado em meta-análise, podem ser encontradas em NARDON et al. (1998), RAZOOK et al., (2001) e BONILHA et al. (2008).
Na Tabela 2 estão apresentados os coeficientes de correlação residual e respectivo nível de significância entre peso vivo ao abate, medidas biométricas e características de carcaça, incluindo peso da carcaça, cortes cárneos comerciais e gorduras corporais.
Tabela 2. Estimativas de correlação residual entre peso, medidas corporais e características de carcaça em bovinos das raças Nelore e Guzerá (Zebu) e Caracu
A estimativa de correlação residual entre as características peso vivo ao abate e peso da carcaça foi alta e significativa (P<0,05), assim como as correlações entre peso vivo ao abate e cortes cárneos comerciais, com valores que variaram de 0,64 (patinho) a 0,95 (peso da carcaça) (Tabela 2).
Os coeficientes de correlação encontrados entre peso vivo e gordura da carcaça e gordura renal (Tabela 2) foram altos e significativos (P<0,05). Maiores correlações que as encontradas nesse estudo foram relatadas por FERNANDES et al. (2010), que trabalhando com animais cruzados terminados em pastagens, encontraram coeficiente de correlação de 0,93 entre peso vivo ao abate e gordura da carcaça. Da mesma forma, KUSS et al. (2005), ao avaliar o efeito de diferentes pesos de abate sobre a composição física da carcaça e características qualitativas da carne em vacas mestiças Nelore – Charolês, encontraram coeficiente de correlação de 0,83 entre peso da carcaça e gordura total da carcaça.
Embora a altura na garupa tenha importância significativa na avaliação de bovinos de corte, por apresentar correlações altas com características de crescimento (CYRILLO et al., 2002), as estimativas das correlações residuais desta característica com o peso da carcaça e os cortes comerciais foram, embora significativas (P<0,05), na maioria, baixas e moderadas, com valores de 0,37 com o peso da carcaça, 0,26 com o filé mignon a 0,46 com o patinho (Tabela 2).
Resultado semelhante, para altura na garupa, foi relatado por Butts et al. (1980) que estudou as relações de medidas corporais, desempenho e características de carcaça de garrotes das raças Angus, Hereford, Charolês e seus cruzamentos e encontrou correlação fenotípica entre altura e peso da carcaça de 0,29. MISSIO et al. (2010), ao avaliar níveis crescentes de concentrado na dieta sobre as características da carcaça e da carne de tourinhos abatidos aos 14-16 meses de idade, relataram estimativa de correlação bem superior às citadas acima (0,63), entre peso da carcaça e comprimento da perna, medida que compõe a característica altura na garupa.
Conforme apresentado na Tabela 2, as estimativas de correlações residuais entre altura na garupa e gordura da carcaça, gordura renal e gordura visceral foram não significativas (P>0,05) e próximas de zero, indicando, para a amostra estudada, não haver antagonismo entre a altura do animal e a deposição de gorduras.
A característica perímetro torácico apresentou estimativas de correlações residuais altas e significativas (P<0,05) com o peso da carcaça e com os cortes cárneos comerciais (entre 0,52 e 0,67), o que mostra a forte associação existente entre perímetro torácico e crescimento corporal (Tabela 2). Fernandes et al. (2010) afirmaram que a medida perímetro torácico pode ser um bom estimador do peso corporal, sendo o peso, por sua vez, o principal preditor de crescimento corporal.
As estimativas de correlação residual (Tabela 2) encontradas entre perímetro torácico e gordura da carcaça, gordura renal e gordura visceral foram moderadas e altas e predominantemente significativas (P<0,05). Fernandes et al. (2010), trabalhando com animais cruzados terminados em pastagem, encontraram coeficientes de correlação mais altos entre perímetro torácico e medidas de gordura corporal (entre 0,70 e 0,92).
As correlações entre comprimento do corpo e peso da carcaça, paleta, acém, contra-filé, alcatra completa e coxão-mole variaram de 0,24 a 0,38, essas estimativas, embora na maioria de baixa magnitude, foram significativas (P<0,05). O comprimento do corpo também foi significativamente (P<0,05) correlacionado a gordura da carcaça. As demais características estudadas não foram correlacionadas de forma significativa (P<0,05) com o comprimento do corpo (Tabela 2). FERNANDES et al. (2010), ao calcularem os coeficientes de correlação de Pearson entre a característica comprimento do corpo com peso e gordura corporais, encontraram correlações significativas variando entre 0,47 e 0,80 entre estas características. Missio et al. (2010) mediu o comprimento da carcaça e encontrou alta correlação (0,94) desta característica com o peso da carcaça.
Os coeficientes de correlação residual entre comprimento do dorso e comprimento da garupa e os cortes cárneos comerciais foram, na maioria, não significativos (P<0,05), mostrando independência entre essas medidas corporais e cortes cárneos comerciais (Tabela 2).
Correlações significativas (P<0,05) e de baixa magnitude foram encontradas entre as características distância de ísquios e peso dos cortes cárneos comerciais (Tabela 2). Os coeficientes de correlação encontrados entre distância entre íleos e características de carcaça foram significativos com magnitudes medianas e altas, variando de 0,38 (contra-filé) a 0,56 (peso da carcaça). As características distâncias entre íleos e entre ísquios não foram significativamente (P<0,05) correlacionadas às gorduras corporais avaliadas.
Tabela 3. Coeficientes de regressão linear dos cortes comerciais (kg) em função do peso vivo (kg), perímetro torácico (cm) e distância entre íleos (cm) em bovinos das raças Nelore e Guzerá (Zebu) e Caracu
Com o objetivo de quantificar as relações entre características cujas correlações foram importantes e significativas (P<0,05), foram realizadas análises de regressão linear dos pesos de cortes cárneos comerciais em função das características peso vivo, perímetro torácico e distância entre íleos. Os valores dos coeficientes de regressão são apresentados na Tabela 3. Assim como as correlações entre essas características, todos os coeficientes de regressão foram significativos (P < 0,05), com exceção para as gorduras em função da distancia entre íleos. O coeficiente de regressão indica o valor adicional na característica de carcaça a cada incremento de uma unidade de peso vivo, perímetro torácico ou distância entre íleos.
Pela análise de regressão linear dos cortes cárneos comercias em função do peso vivo (Tabela 3), observou-se que para cada quilograma a mais no peso vivo de abate houve um acréscimo de 0,62 kg no peso da carcaça e de 0,17 kg na gordura da carcaça.
Os coeficientes de regressão linear dos cortes cárneos comerciais em função do perímetro torácico mostraram ganhos significativos (P<0,05) com o aumento da característica (Tabela 3), para cada centímetro a mais no perímetro torácico os animais apresentaram 2,94 kg a mais no peso da carcaça, o que estaria refletido nos pesos de cortes cárneos de alto valor comercial, como contra-filé (0,13 kg), filé-mignon (0,04 kg) e alcatra completa (0,12 kg), e ainda apresentaram 0,84 kg a mais de gordura na carcaça.
Mudanças significativas (P<0,05) para peso de carcaça (5,55 kg), peso do contra-filé (0,23kg), do filé- mignon (0,11kg) e da alcatra completa (0,25 kg) foram obtidas a cada centímetro a mais observado na distância entre íleos (Tabela 3).
Embora o peso vivo, perímetro torácico e distância entre íleos possam ser considerados como auxiliares na avaliação de características de carcaça em animais Zebu e Caracu, as outras medidas corporais avaliadas (altura na garupa, comprimento do corpo, comprimento do dorso, comprimento da garupa e distância entre ísquios) apresentaram baixa ou nula relação com características de carcaça. Em estudo clássico, Busch et al. (1969) avaliaram 745 garrotes Hereford quanto ao peso, 18 medidas corporais e 16 medidas de escores subjetivos com intuito de obter equações de predição da porção comestível em carcaças de bovinos de corte. Os autores concluíram, entre outras, que o peso ao abate foi responsável por 75 a 88% da variação na porção comestível e que as medidas corporais e escores pouco acrescentaram quando adicionados ao peso na equação de predição, sendo as medidas corporais responsáveis por 2 a 4% e os escores por 2 a 6% da variação total da porção comestível.
CONCLUSÃO
Os resultados deste estudo indicam que além do peso vivo ao abate, o perímetro torácico e a distância entre íleos podem ser considerados auxiliares na avaliação de cortes cárneos de interesse comercial em animais vivos, sendo que somente o peso e o perímetro torácico apresentaram relações com as gorduras corporais. Outras medidas corporais resultaram em baixa ou nula relação com cortes cárneos comerciais e gorduras corporais.
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***O trabalho foi originalmente publicado no Boletim da Indústria Animal (BIA), do Instituto Zootecnia (IZ/APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo, Brasil.