Introdução
A produção de suínos com alto rendimento de carne magra, de boa qualidade sensorial e industrial, e sob baixo custo corresponde aos principais objetivos do setor suinícola, determinando uma intensa seleção genética para índices de crescimento, desenvolvimento muscular e para um alto número de desmamados (HANENBERG; KNOL; MERKS, 2001; SILVA et al., 2003).
Este quadro tem consolidado a estruturação da suinocultura industrial com linhagens comerciais melhoradas de alta performance, embora ainda existam granjas que preservam animais puros ou cruzados, mas não necessariamente melhorados, e produtores que não investem no avanço genético, mantendo uma consanguinidade decorrente da retirada de matrizes de reposição do próprio plantel.
Esta diversidade de procedimentos tem resultado em índices de produção bastante distintos, com repercussões diretas nos parâmetros de desempenho, com grandes variações no aproveitamento dos nutrientes das rações e, por consequência, na produção de fezes e no perfil poluente dos dejetos.
A preocupação atual com a minimização da capacidade poluente gerada pela suinocultura é crescente. Muitos trabalhos apontam que a quantidade de fezes e a qualidade poluente desta são influenciadas pela quantidade, composição e forma física do alimento, pelo sexo, peso vivo, pelas atividades desenvolvidas, pela temperatura, umidade, pelo nível de fibra e proteína na ração, além do volume de água ingerida (CLANTON; NICHOLS; MOSER, 1991; OLIVEIRA, 1994; BELLI FILHO, 1995), mas existem poucos trabalhos que relacionam a produção de fezes com a base genética dos animais.
Algumas tabelas de nutrição têm levado em consideração a relação das características genéticas com as exigências nutricionais (NRC, 1998; ROSTAGNO et al., 2011), mas há poucas referências que tratam deste fator com a produção de fezes.
O objetivo deste trabalho foi identificar os resultados dos diferentes genótipos suínos sobre o desempenho zootécnico, a produção de fezes e a digestibilidade dos principais nutrientes da ração.
Material e Métodos
O experimento foi conduzido no Setor de Suinocultura da Fazenda Escola da Universidade Estadual de Londrina. Foram utilizados 48 animais (24 machos castrados e 24 fêmeas), com peso médio inicial de 50,81 ± 4,63 kg (93,63 ± 6,08 dias de idade) até 81,14 ± 6,55 kg de peso vivo, provenientes de quatro grupos genéticos, sendo: 1- linhagem melhorada comercialmente, selecionada para crescimento e produção de carne magra; 2- linhagem melhorada comercialmente, selecionada para fins de prolificidade; 3- animais oriundos do cruzamento de suínos Large White x Landrace; 4- linhagem não melhorada geneticamente.
O delineamento experimental utilizado foi inteiramente casualizado em arranjo fatorial 4x2 (4 padrões genéticos e 2 sexos), onde cada baia representou uma repetição.
Os animais foram alojados em baias de alvenaria, com 3 m2 de área (2 animais do mesmo gênero por baia) e receberam rações isonutritivas e isoenergéticas, ad libitum, formuladas para atender às exigências mínimas recomendadas pelo NRC (1998) para a fase de Crescimento II (Tabela 1).
Tabela 1. Composição percentual e calculada da ração experimental utilizada na fase de crescimento (50 a 80 kg de peso vivo).
Para avaliação do desempenho (50 até 80 kg de peso vivo) foram utilizados os parâmetros ganho diário de peso, consumo diário de ração e conversão alimentar e tempo em dias para os animais atingirem 80 kg de peso vivo em média.
Para a determinação da digestibilidade da proteína bruta, da matéria seca, da fibra bruta e do fósforo das rações pelas diferentes genéticas, foi adotada a técnica da coleta parcial de fezes (OETTING, 2002), utilizando como marcador o óxido crômico a 0,3 %.
A análise da digestibilidade e a avaliação da produção de fezes foram iniciadas quando os animais estavam com 62,71 ± 10,02 kg de peso vivo. Este peso foi considerado como um peso médio para a fase compreendida entre 50 e 80 kg de peso vivo. As rações marcadas foram oferecidas aos suínos durante cinco dias. Após dois dias de adaptação e manutenção do fluxo dos marcadores no trato gastrintestinal, foi realizada a coleta das fezes durante três dias de ambos os animais da baia. As amostras de fezes (em torno de 100 g) foram coletadas diretamente do reto, duas vezes ao dia (manhã e a tarde) e armazenadas em freezer a –4ºC. Posteriormente, as fezes foram secas a 60ºC em estufa de ventilação forçada e analisadas por espectrofotometria de absorção atômica para a determinação do cromo, conforme metodologia de Kimura e Miller (1957). O mesmo procedimento foi desenvolvido para a determinação do cromo na ração. Os nutrientes avaliados (matéria seca, matéria mineral, proteína bruta e fósforo) foram determinados pelas metodologias descritas pela AOAC (1984).
O cálculo dos coeficientes de digestibilidade pela técnica da coleta parcial das fezes foi realizado de acordo com a equação proposta por Nose (1966):
Baseado nos resultados de digestibilidade da matéria seca e no consumo de ração durante o período experimental foi calculada a produção diária e total de fezes no período.
Os dados foram submetidos à análise de variância, utilizando-se o programa SAEG (UFV, 1997) e as médias foram comparadas utilizando-se o teste de Duncan a 5%.
Resultados e Discussão
De acordo com os resultados de desempenho (Tabela 2), suínos híbridos melhorados para a produção de carne apresentaram maior ganho diário de peso (P<0,05) quando comparados a híbridos selecionados para prolificidade, não havendo, contudo, diferença entre os demais grupos. A linhagem selecionada para carne apresentou melhor conversão alimentar (P<0,05) em relação às outras linhagens, indicando elevada eficiência de transformação. Também os animais de genótipo voltado para prolificidade demandaram mais tempo para atingir o mesmo peso final (80 kg em média) em relação aos demais grupos. Estes resultados indicam que os animais melhorados geneticamente apresentaram melhores características de desempenho e foram mais precoces. Os resultados obtidos se identificam com as observações de Bark et al. (1992), em que suínos de alta deposição de carne magra apresentam melhor conversão alimentar que suínos de baixa deposição de carne magra. Este quadro pode ser explicado pelo fato que em linhagens com alto ganho de carne magra foram observadas maiores concentrações de colecistoquinina plasmática, por unidade de alimento consumido, enquanto os níveis de glicose, insulina, IGF-I e hormônio de crescimento apresentaram-se maiores em relação a animais menos eficientes na deposição deste tecido magro (FORBES, 2007). Segundo Easter e Baker (1980) e Gu et al. (1991), as diferenças entre grupos genéticos estão associadas principalmente ao metabolismo de proteína e de energia.
Os suínos machos castrados apresentaram maior ganho diário de peso, maior consumo diário de ração e pior conversão alimentar (P<0,05). A menor transformação de alimento em carne dos machos castrados deve-se à maior deposição de tecido adiposo na carcaça (LARZUL et al., 1997). As diferenças entre os sexos foram semelhantes às observadas por Cisneros et al. (1996) e Hamilton et al. (2003). Em geral, suínos castrados cirurgicamente ou via imunização apresentam maior consumo de ração que animais inteiros ou fêmeas, o que pode ser atribuído aos menores níveis de andrógenos séricos (WEILER et al., 1996). Este excesso de consumo se traduz em mais ganho de peso e em maior deposição de tecido adiposo, cuja demanda por nutrientes é efetivamente maior, o que justifica a pior conversão em relação às fêmeas.
Tabela 2. Médias para as características ganho diário de peso (GDP), consumo diário de ração (CDR) e conversão alimentar (CA) e tempo em dias para atingir 80 kg de peso vivo (D80) para as diferentes linhagens genéticas e gêneros.
Quanto à produção total e diária de fezes dos diferentes grupos genéticos e gêneros foram observadas diferenças (P<0,05) para a primeira característica (Tabela 3), onde os animais provenientes de programas comerciais de melhoramento genético para desempenho e produção de carne (híbridos carne) apresentaram menor produção total de fezes no período avaliado, comparados com os animais híbridos para prolificidade. Contudo, não foi observada diferença destes grupos com os animais provenientes de cruzamentos entre Large White x Landrace e sem seleção. Animais selecionados para carne apresentaram consumo de ração semelhante ao grupo genético selecionado para prolificidade, porém tiveram maior ganho diário de peso e melhor conversão alimentar (P<0,05), o que reverte em menor produção de fezes. Para a produção diária de fezes com base na matéria seca, não foi observada diferença entre os grupos genéticos.
Tabela 3. Médias para as características de produção total de fezes com base na matéria natural (PFMN) e produção diária de fezes com base na matéria seca (PFMS) das diferentes linhagens genéticas e gêneros.
Para o parâmetro digestibilidade não foi observada diferença estatística entre as linhagens para os índices de digestibilidade da proteína e da matéria mineral (Tabela 4). Entretanto, os resultados indicam que animais sem seleção apresentaram o pior índice de digestibilidade para matéria seca (P<0,05). Para a digestibilidade do fósforo o grupo sem seleção também apresentou resultados inferiores aos demais (P<0,05), sendo que os animais do grupo melhorado para carne demonstraram melhor (P<0,05) aproveitamento do fósforo em relação ao grupo Large White x Landrace, mas não diferiram dos animais híbridos selecionados para prolificidade (Tabela 4).
Tabela 4. Digestibilidade da matéria seca (DMS), do fósforo (DP), da proteína bruta (DPB) e da matéria mineral (DMM) de acordo com os grupos genéticos e gêneros.
Quanto ao gênero não foi observada diferença entre machos e fêmeas para todos os parâmetros analisados e também não se verificou interação entre os fatores (Tabela 4).
As diferenças de digestibilidade observadas entre grupos genéticos distintos identificam-se as afirmações de Qin et al. (2002), que atribuem que a capacidade digestiva entre estas populações, principalmente na estrutura do intestino grosso e, portanto, na habilidade da digestão da fibra dietética, é determinante para o parâmetro. Os autores relatam também que as variações entre grupos genéticos para estes índices são maiores entre animais melhorados e não melhorados. Ndindana et al. (2002), avaliando a digestibilidade de rações com alta fibra em suínos nativos (Mukota pigs) e em animais Large White, verificaram melhores índices de digestibilidade para os animais nativos, sendo o resultado provavelmente atribuído à maior capacidade proporcional do intestino grosso. Entretanto, Rizzi et al. (2007), trabalhando com animais provenientes de cruzamentos entre Large White X Landrace e uma raça local da Itália, verificaram piores valores de digestibilidade para os animais nativos.
Conclusão
A seleção e o melhoramento genético são instrumentos efetivos para a promoção do desempenho e da eficiência alimentar dos suínos e identificam-se como recursos para a redução quantitativa da condição poluente de suas fezes. Suínos melhorados para produção de carne magra mostraram ser superiores na transformação de alimento em carne, apresentaram melhores índices de digestibilidade e determinaram menor produção fecal.
Referências
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