Introdução
O transporte de animais para o abate tem recebido considerável atenção nos últimos anos. Em janeiro de 2005, a Comissão da União Européia publicou o regulamento relativo à proteção dos animais durante o transporte que estabelece normas específicas para atender o bem-estar durante este procedimento (EC, 2005). O transporte é uma situação estressante para os suínos, já que expõe os animais a novos fatores potencialmente estressantes, tais como dificuldade no embarque e desembarque, barulho, vibrações, mudanças de velocidade brusca do caminhão e variação da temperatura ambiental. Tais fatores de estresse, freqüentemente, levam às respostas comportamentais e fisiológicas que podem contribuir para a redução de rendimento da carcaça e qualidade da carne.
O bem-estar dos suínos durante o transporte, entre outras variáveis, é dependente do modelo do veículo. A substituição dos veículos com carrocerias convencionais por veículos com carrocerias com piso móvel facilita o embarque e desembarque dos suínos, reduz a ocorrência de intervenções agressivas e permite substituir o bastão elétrico pela tábua de manejo.
O estresse é o principal parâmetro utilizado para avaliar o bem-estar animal. Os animais desenvolvem mecanismos de resposta, quando sua homeostasia está ameaçada, necessitando de ajustes fisiológicos ou comportamentais para adequar-se aos aspectos adversos do manejo ou ambiente. ç
Há pelo menos dois sistemas para medir o estresse. Um deles é através do comportamento e o outro pela avaliação dos parâmetros biológicos (endócrinos e enzimáticos) nos fluídos ou músculos dos animais. No caso dos animais para o abate, as informações do estresse ante-mortem podem ser avaliadas na carcaça.
Os parâmetros de estresse mais freqüentemente utilizados são os níveis sanguíneos de cortisol, creatina fosfoquinase e lactato no soro ou plasma. Esses níveis sangüíneos fornecem importantes informações do nível de estresse psicológico e físico a que o animal foi submetido, entretanto, o desenvolvimento das anomalias PSE (do inglês: pale, soft and exudative = carne pálida, flácida e exudativa) e DFD (do inglês: dark, firm and dry = carne escura, firme e seca) vai variar em função da susceptibilidade genética do animal, manejo préabate e técnicas de resfriamento da carcaça. Este trabalho teve como objetivo avaliar o efeito do sistema de embarque/desembarque sobre a incidência de lesões nas carcaças, qualidade da carne suína e parâmetros fisiológicos do estresse de três linhagens genéticas.
Materiais e Métodos
O experimento foi realizado durante o verão na região oeste de Santa Catarina, próximo à cidade de Joaçaba, com clima subtropical onde a temperatura variava de 22 a 31oC e a umidade relativa do ambiente de 74 a 78%. Foram utilizados 120 suínos machos, castrados, pesando em média 115 kg provenientes de cruzamentos industriais de três linhagens genéticas A, B e C (comercializadas no Brasil), onde predominava cruzas entre Large White e Landrace. Esses animais foram divididos em seis grupos (n= 20 suínos) e submetidos a dois sistemas de embarque e desembarque para transporte ao frigorífico.
Os animais foram criados em três diferentes granjas no sistema de terminação, com distância do frigorífico variando de 100 a 130 km. O transporte dos suínos foi realizado em dois modelos de veículos com carrocerias duplas metálicas com piso móvel (S1) ou piso fixo (S2) desenvolvidas pela empresa TRIEL-HT®, ambas com capacidade de transportar 96 suínos em 16 compartimentos. Para realizar o embarque e desembarque dos suínos no 2° piso, no caso da carroceria com piso fixo, foi colocada uma rampa de metal (3 m de comprimento e no máximo 13° de inclinação). Na carroceria com piso móvel não foi utilizada rampa de metal, somente a rampa de acesso às instalações da granja, já que o 2° piso se adequa à altura do 1°piso. A carroceria com piso fixo estava sobre um chassi Mercedes-Benz truck modelo 1620, ano 2003, e a carroceria com piso móvel sobre um chassi Ford Cargo truck modelo 1622, ano 2003.
Durante os procedimentos de embarque e desembarque no S1 utilizou-se a tábua de manejo para condução e para o S2 foi utilizado bastão elétrico. Todos os animais foram submetidos ao jejum de 12 horas pré-embarque, transportados à noite e permaneceram sob dieta hídrica durante o tempo de descanso (6 horas). Para a insensibilização dos suínos utilizou-se eletrodos na região das têmporas, com descarga elétrica de 700 volts durante três segundos e corrente elétrica de 1,3 ampér. Na seqüencia, os animais foram sangrados através de incisão da veia jugular e artéria carótida, sobre a mesa rolante, sendo as demais etapas cumpridas de acordo com os procedimentos padrão do frigorífico.
Separou-se aleatoriamente 120 suínos nas baias de descanso, incluindo ambos os grupos (n= 20 suínos por grupo), para avaliação de parâmetros de qualidade da carcaça (avaliações físico-químicas e visual). Todas as avaliações nas carcaças foram realizadas no período de 24 horas post-mortem.
Os índices de lesões de pele foram obtidos visualmente no pernil, paleta e corpo das carcaças, baseando-se em um guia padrão de fotos (1- ausência, 2-leve; 3- oderada e 4-severa). As mensurações de pH (pHmêtro - INGOLD-WTW) e de cor (colorímetro Minolta - DL65, modelo CR 300, no sistema L,* a*, b*), foram realizadas em duplicata no músculo Semimembranosus, no período de 2 e 24 horas post-mortem.
Para as avaliações de perdas por exsudação e capacidade de retenção de água (CRA) foram utilizadas amostras em duplicatas do músculo Longissimus dorsi, entre a 2a e a 4a vértebra torácica, num período de 24 horas post-mortem. A avaliação de perdas por exsudação foi baseada na suspensão da amostra em sacos plásticos inflados, sob atuação da gravidade e de capacidade de retenção de água.
Na sangria foram coletadas amostras de sangue para análises dos parâmetros fisiológicos do estresse (cortisol, creatina fosfoquinase e lactato). Na avaliação do cortisol no plasma utilizou-se a técnica de radioimunoensaio, com o kit TKCO1 / DPCMedlab e contador gama (Gama Count Cobra IIPackardTM).
Para as avaliações de creatina fosfoquinase (CPK) no plasma foram realizadas com o kit CK-NAC / Laborlab com diluição 1:20 a 25°C. E para lactato utilizou-se o kit lactat / Rolf Greiner Biochemica. Ambas as avaliações foram realizadas utilizando o espectrofotômetro com dosagem automática modelo RA - XT Techincon - Bayer com comprimento de onda de 340nm.
Para as análises dos dados de qualidade de carne, lesões na pele e parâmetros fisiológicos do estresse foram considerados como unidade experimental os modelos dos veículos de transporte. As médias obtidas foram avaliadas através da análise da variância. Para o modelo matemático foi utilizado o delineamento completamente casualizado, onde foram considerados os efeitos de blocos (dias de avaliação i = 1 e 2), com tratamentos dispostos no esquema fatorial (2 modelos de veículos - x 3 linhagens genéticas), interação entre as linhagens genéticas e sistema de embarque e desembarque.
A análise foi realizada usando o procedimento GLM do Statistical Analysis System (SAS, 2003) e o detalhamento das análises para o efeito das linhagens genéticas foi realizado através do teste de Tukey (5% de significância).
Resultado e Discussão
Os valores médios dos escores de lesões de pele na região do pernil, corpo e paleta, demonstraram que as frequências foram de ausente a leve, não diferindo (p>0,05) para os sistemas de embarque e desembarque S1 e S2 (Tabela 1) e para as linhagens genéticas A, B e C (Tabela 2).
O sistema de embarque e desembarque não afetou significativamente a incidência de lesões severas na carcaça, já que não foi constado escores 3 e 4. Ambos os sistemas apresentaram facilidade no manejo durante o embarque na granja, sem necessidade de intervenções agressivas. Não houve interação significativa (p>0,05) entre o efeito do sistema de embarque e desembarque e as linhagens genéticas na incidência de lesões na carcaça.
Neste experimento admitiu-se que todos os suínos foram expostos a manejos semelhantes nas granjas e controlados todos os procedimentos de transporte, descanso e condução para a área de insensibilização, havendo variação somente no sistema de embarque e desembarque. No entanto, pode haver um confundimento na frequência das lesões provocadas durante a criação na granja e as proporcionadas durante o embarque, transporte e desembarque, já que a incidência de lesões na granja não foi avaliada nos suínos.
Analisando os valores médios de pH, cor, capacidade de retenção de água e perda por exsudação, constata-se que não houve efeito significativo (p>0,05) do sistema de embarque e desembarque para as linhagens genéticas A, B e C. Para todas as características físico-químicas avaliadas o sistema de embarque e desembarque não influenciou na qualidade da carne, assim como não houve interação significativa (p>0,05) entre o sistema de embarque e desembarque e as linhagens genéticas. Os resultados encontrados neste trabalho demonstram que se os procedimentos de manejo durante o embarque nas granjas e o desembarque no frigorífico forem bons (condução dos suínos com calma, em grupos de 3 ou 4 animais e de preferência com auxílio de tábuas de manejo), com distância de transporte curta (até 50 km) e o tempo de descanso no frigorífico próximo a 6 horas, não haverá interferência significativa do sistema de embarque e desembarque na qualidade da carne dos suínos provenientes das linhagens genéticas A, B e C.
O sistema de embarque e desembarque afetou significativamente a concentração do cortisol plasmático, conforme descrito na Tabela 1, porém essa diferença não é significativa sob o ponto de vista biológico. Os suínos que foram embarcados no veículo com carroceria com piso móvel apresentaram níveis mais baixos de cortisol (p<0,001) quando comparado ao sistema de embarque e desembarque com piso fixo, o que demonstra que os animais submetidos a S1 apresentaram menor nível de estresse psicológico.
Os suínos da linhagem genética A apresentaram valores médios de cortisol inferior (p<0,05), quando comparado às linhagens B e C. No entanto, esse efeito não pode ser atribuído somente à linhagem genética, já que os suínos se encontravam em granjas diferentes. Apesar de admitirmos que foram expostos a semelhantes manejo, pode haver efeito da granja na reatividade dos suínos.
Não houve interação significativa (p>0,05) entre o efeito do sistema de embarque e desembarque e a genética para os parâmetros fisiológicos do estresse. Embora os valores médios encontrados para lactato e creatina fosfoquinase foram superiores no S1 quando comparado ao S2, o sistema de embarque e desembarque não afetou significativamente (p>0,05). Os valores médios de lactato e creatina fosfoquinase também não diferiram (p>0,05) entre as três linhagens genéticas. O estresse gerado pelo sistema de embarque e desembarque nas linhagens genéticas A, B e C foi insuficiente para causar alterações nos parâmetros de estresse físico (lactato e CPK).
No experimento, constatou-se que o tempo de descanso no frigorífico, por no mínimo 6 horas pode ter interferido positivamente minimizando o estresse proporcionado pelo embarque e desembarque dos animais.
Considerações Finais
Não houve efeito do sistema de embarque e desembarque de suínos, bem como dos modelos de carroceria, sobre a frequência de lesões nas carcaças, qualidade da carne e parâmetros fisiológicos do estresse nas três linhagens genéticas avaliadas. No entanto, a utilização de métodos para melhorar o bem-estar animal e qualidade da carne, através da redução do estresse e desconforto no transporte, é fundamental para adequar o manejo pré-abate e dar subsídios a futuras exigências impostas pela Comunidade Européia.
Referências Bibliográficas
EUROPEAN CONVENTION (EC). Council Regulation n°1/2005 (2005): On the protection of animals during transport and related operations and amending Directives 64/432/EEC and 93/119/EC and Regulation (EC) No 1255/97. Official Journal of the European Union. L 3, 22/12/2004, pp. 0001-0044.
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