INTRODUÇÃO
Com a atual perspectiva de esgotamento das reservas de fontes energéticas de origem fóssil, bem como com as previsões de mudanças climáticas drásticas sinalizadas no último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – o IPCC, o uso da biomassa como insumo energético ganha espaço novamente na discussão sobre o desenvolvimento de uma matriz energética mundial mais sustentável.
Inúmeras pesquisas apontam a utilização de combustíveis líquidos derivados da biomassa agrícola, tais como o etanol e o biodiesel, como uma alternativa bastante promissora. Segundo Fischer e Schrattenholzer (2001), a utilização de combustíveis derivados da biomassa está apresentando uma participação cada vez mais crescente na matriz energética mundial e seu uso até o ano de 2050 deverá ser duplicado.
Atualmente, a principal preocupação da sociedade com relação a agroenergia se refere à segurança alimentar, uma vez que as principais fontes de matéria-prima para sua produção são culturas tradicionalmente utilizadas na produção de alimentos (soja, milho, cana-de-açúcar, etc.).
No caso do leite, por exemplo, o alimento concentrado tem papel importante na produção, sobretudo para vacas em lactação. Assim, o comportamento dos preços do milho, farelo de soja, farelo de algodão e farelo de trigo, por exemplo, tem peso relevante na formação dos custos de produção do leite e consequentemente na rentabilidade da atividade leiteira. O movimento recente de maiores investimentos em biocombustíveis de origem agrícola tem provocado fortes oscilações nos preços dos grãos e dos farelos. Além disso, o crescimento da economia mundial contribui para o fortalecimento da demanda ao passo que a escassez de terras em alguns países limita o incremento da oferta. O objetivo desse estudo é analisar como os movimentos recentes relativos ao mercado de agroenergia têm refletido sobre os custos de alimentação animal.
MATERIAL E MÉTODO
Inicialmente foi realizado um levantamento de custos de produção de leite, por meio de pesquisas realizadas pela Embrapa Gado de Leite, considerando a participação do alimento no custo total de produção de leite a participação do concentrado no custo total de alimentação.
Em seguida foi feita uma análise do mercado de etanol, considerando, sobretudo a evolução da demanda de milho nos Estados Unidos. Em seguida foi realizada uma análise do mercado mundial de milho, considerando a evolução da produção, demanda e estoque final, com base nas estatísticas do United States Department of Agriculture (USDA).
Paralelamente foram levantadas informações sobre o crescimento da economia mundial, baseada em projeções do Fundo Monetário Internacional e finalmente, uma avaliação da oferta de grãos no mercado brasileiro e análise do comportamento dos preços, baseado em estatísticas da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Departamento de Economia Rural da Secretaria de Agricultura e do Abastecimento do Paraná e banco de dados da Embrapa Gado de Leite.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O ponto inicial dessa análise destaca o peso da alimentação nos custos de produção de leite no Brasil. Pela Figura 1 verifica-se que cerca de 40% a 50% do custo total refere-se a alimentação. Esse peso varia em função dos sistemas de produção adotados e das regiões, o que mostra diferentes impactos sobre o setor produtivo. No âmbito da alimentação, pode-se verificar também o peso do concentrado, que chegou a 70% no sistema mais intensivo (STOCK et al., 2005). Portanto, o aumento do custo da ração tem reflexo expressivo sobre a pecuária de leite.
Figura 1 -% dos itens de custo em relação ao custo total ao produtor - 2006
O ambiente de crescimento da economia mundial encontra-se bastante favorável. Em 2005, o mundo cresceu 4,9% passando para 5,4% em 2006. Para 2007 e 2008, as previsões do Fundo Monetário Internacional apontam 4,9% ao ano (Tabela 1). O crescimento da América Latina também foi robusto, na esteira da economia mundial.
A expansão da economia mundial deverá impulsionar o crescimento do consumo de alimentos, energia e fibras e sustentar os preços internacionais de commodities, que já apresentaram forte valorização no passado recente. A valorização das commodities ocorreu tanto nas agrícolas quanto nas não-agrícolas, essas últimas em maior intensidade. Os preços do petróleo também devem permanecer em patamar elevado e acima de US$ 60/barril, o que sinaliza maior competitividade da agroenergia e demanda pelos combustíveis renováveis.
Tabela 1 – Perspectivas de crescimento da economia mundial
No âmbito da pecuária leiteira e de insumo para alimentação concentrada, verifica-se um movimento de mudança na agricultura mundial decorrente principalmente do aumento do consumo de etanol e possivelmente, no futuro também de biodiesel. Nos Estados Unidos, a produção de álcool vem contanto com elevados investimentos. O país já possui 115 destilarias em operação e outras 79 em construção, segundo relatório da Renewable Fuels Association (2007). A capacidade atual de produção está em 22 bilhões de litros/ano. Outros 25 bilhões de litros encontram em processo de expansão e em construção, o que totaliza uma capacidade de 47 bilhões de litros/ano no curto prazo.
Em 2005, cerca de 36,3 milhões de toneladas ou 12% da safra de milho dos Estados Unidos já havia sido destinada para a produção de etanol. Na safra 2007/2008 a previsão é de que 83,2 milhões de toneladas tenham o mesmo fim (Figura 2).
Figura 2 - Etanol nos Estados Unidos: uso de milho
No relatório de oferta e demanda do USDA, publicado em maio de 2007, apresentou-se as primeiras projeções para a safra mundial de milho em 2007/2008. Apesar do forte incremento da produção mundial, próximo de 10% em relação a safra anterior, o consumo ficou ligeiramente acima da produção, sinalizando nova queda dos estoques finais. Em volume, o aumento projetado do consumo foi de 42,5 milhões de toneladas, impulsionado principalmente pela demanda de bioenergia nos Estados Unidos e em menor intensidade pelo consumo chinês. A relação estoque/uso no mundo caiu para um valor previsto de 11,7%, o que significa o patamar mais baixo dos últimos 24 anos (USDA, 2007b). No caso da China, a previsão é de recuo no estoques finais de 30,8 milhões de toneladas na safra 2006/2007 para 26 milhões de toneladas em 2007/2008. Em 1999/2000, os estoques da China estavam em 102,3 milhões de toneladas, o que indica que este país caminha para se tornar um importador líquido de milho no médio prazo.
No Brasil, o último relatório da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab, 2007) confirmou recorde de produção de grãos, com destaque para milho e soja. A safra de algodão também apresentou expressivo crescimento. A produção de milho em 2006/2007, considerando a safra de verão e de inverno, deverá atingir 51 milhões de toneladas, com aumento de 8,5 milhões de toneladas em relação a última safra. No caso da soja a produção foi estimada em aproximadamente 58 milhões de toneladas (+8,5% acima do ano passado) e algodão em caroço, 2,2 milhões de toneladas (+33%), conforme Tabela 2. A principal preocupação no momento, concentra-se na definição do tamanho da safra de inverno. Alguns problemas de seca foram verificados no Centro-Oeste.
Tabela 2 - Milho, soja e algodão: produção no Brasil (em mil toneladas)
De todo modo, a situação de abastecimento interno está confortável e o comportamento dos preços doméstico devem seguir o mercado internacional e o movimento da taxa de câmbio, como tradicionalmente ocorre. No caso do milho, em que os canais de exportação ainda não são maduros como os de soja, o escoamento será variável fundamental para a formação dos preços internos. Nesse sentido, uma evolução mais lenta dos embarques de milho pode ocasionar um descolamento do preço interno em relação a cotação internacional. No acumulado deste ano até abril, as exportações de milho atingiram cerca de 1,7 milhão de toneladas. Para desovar o excedente de estoques, os próximos embarques devem ficar no patamar de 760 a 800 mil toneladas/mês, o que não ocorreu até o momento.
No caso dos preços, a valorização da moeda brasileira tem atenuado os aumentos de preços internos dos grãos, que vem apresentando valorização inferior ao do mercado mundial. Todavia, o que se espera é preços mais elevados para o milho seja no curto quanto no médio prazo, já que os estoques mundiais permanecem baixos e este consiste na base da produção de agroenergia nos Estados Unidos. No caso da soja, o crescimento do mercado de biodiesel poderá induzir a maior oferta de farelos, deprimindo os preços dos mesmos. A Figura 3 mostra o comportamento dos preços de grãos, farelos e leite e indica que a reação recente dos preços do leite tem atenuado o incremento do preço médio do alimento concentrado. Além disso, a colheita de uma grande safra de grãos no Brasil tem reduzido a pressão altista de preços.
Figura 3 – Índice de preços domésticos de leite e insumos selecionados
CONCLUSÃO
Os efeitos do mercado mundial de agroenegia sobre a pecuária leiteira podem ser significativos, já que o alimento concentrado tem participação relevante no custo total de produção de leite. No Brasil, em que há boa oferta de grãos esse impacto poderá ser atenuado, mas chama-se a atenção para uma eventual pressão nos custos de alimentação. O incremento recente dos preços, em nível mundial, tem atenuado conjunturalmente a alta do concentrado.
Todavia, para os próximos anos, buscar alternativas eficientes de alimentação concentrada, aproveitando a flexibilidade digestiva dos ruminantes será importante, sobretudo como substituto ao milho que deverá permanecer com seus preços mais elevados. A produção de agroenergia deverá aumentar a oferta de farelos e baratear o preço da proteína. Assim, a escolha de alimentação passa por um balanceamento de energia e proteína que proporcione competitividade em custos de alimentação e resposta produtiva do rebanho. A utilização de fontes alternativas como casca de soja, polpa cítrica e Destillers Dried Grains with Solubles (DDGS), um subproduto de destilaria, serão cada vez mais importantes nos sistemas de produção.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CONAB. Companhia Nacional de Abastecimento. 2007. Levantamento de safra. Bril de 2007. Disponível em:<http://www.conab.gov.br>. Acesso em: 10 jun. 2007.
FISCHER, G.; SCHRATTENHOLZER, L. 2001. Global bioenergy potencials through 2050. Biomass & Bioenergy, Pergamon 20(3): 151-159.
International Monetary Fund. 2007. World Economic Outlook. Abril de 2007. Disponível em:< http://www.imf.org>. Acesso em: 02 jun. 2007.
Renewable Fuels Association. 2007. Ethanol Industry Outlook 2007. Fevereiro de 2007. Disponível em:<http://www.sethanolirfa.org>. Acesso em: 02 abr. 2007.
DERAL. Departamento de Economia Rural/Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Paraná. 2007. Pesquisa semanal de preços. Junho de 2007. Disponível em: < http://www.pr.gov.br/seab/credencial.shtml>. Acesso em: 10 jun. 2007.
STOCK, L.A. et al. 2005. Structure of cost and dairy specialization. In: 15º Congress of the International Farm Management Association, Campinas. Anais… Campinas: IFMA, 2005. CD ROM.
USDA. United States Department of Agriculture. 2007a. 2007 Agricultural Outlook Forum. Disponível em: <http://www.usda.gov/oce/forum/2007%20Speeches/ index.htm>. Acesso em: 02 mar. 2007.
USDA. United States Department of Agriculture. 2007b. World Agricultural Supply and Demand Estimates. Disponível em: <http://usda.mannlib.cornell.edu/usda/ waob/wasde/2000s/2007/wasde-05-11-2007.pdf>. Acesso em: 20 mai. 2007.
***O trabalho foi originalmente publicado pela Embrapa Gado de leite / Coordenação do Centro de Inteligência do Leite (CILeite).