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Mastite clinica: prevalência e custo de tratamento em rebanho leiteiro

Publicado: 11 de abril de 2013
Por: Alziro Vasconcelos Carneiro, Lorildo Aldo Stock, Rosangela Zoccal, Glauco Rodrigues Carvalho, Martins, P.C. e Yamaguchi, L.C.T. da Área de Socioeconomia, Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, e Oliveira, V. M. da Área de Sanidade Animal, Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora.
Sumário

Foram utilizados dados de um rebanho comercial relativos ao período de setembro de 2002 a novembro de 2004, com objetivo de quantificar o impacto econômico de casos de mastite clínica. Estimou-se o índice de mastite clínica mensal e o número médio de casos ocorridos nos períodos da seca (maio a outubro) e das águas (novembro a abril). Computou-se todas as despesas e perdas ocorridas no período e obteve-se o custo de cada caso de mastite clinica. Observou-se que em apenas dois meses (agosto de 2003 e janeiro de 2004) o percentual mensal de vacas com mastite clínica foi superior a 1%. Dos 458 casos de mastite clínica, 53% dos episódios ocorreram no período das águas e 47% no período da seca. O custo de cada caso de mastite clínica foi estimado em R$ 228,99, ou US$ 100,43. A participação percentual, por item, que constituíram o custo foi: (i) exames, medicamentos e mão-de-obra adicional (37%); (ii) descarte de leite (29%); (iii) descarte precoce e morte de vacas (28%); e honorário do médico veterinário (6%).

Palavras-chave: Gado de leite; Impacto econômico; Análise econômica; Epidemiologia.

INTRODUÇÃO
A mastite bovina constitui-se em importante problema de saúde pública, e, sob o ponto de vista econômico, tem grande repercussão em praticamente todos os países do mundo. A ocorrência de mastite pode afetar, também, a qualidade microbiológica do leite. Algumas bactérias causadoras de mastite tais como Staphilococcus aureus e Escherichia coli, podem gerar toxinas termorresistentes, o que representa um risco considerável à saúde humana (Bramley et al., 1996).
A perda de produção de leite devido à mastite clínica é variável e depende de vários fatores. De acordo com Bartlett et al. (1991), a redução na produção de leite devido à mastite clínica pode ser dividida em duas fases distintas: a primeira, considerada fase aguda, ocorre rápido declínio de produção logo após o aparecimento dos sintomas, seguido de rápida recuperação e dura em torno de seis dias. A queda na produção é de aproximadamente 30%, durante este período. Após a fase aguda, tem início outra fase com duração aproximada de 60 dias, na qual a produção ainda é abaixo do normal, podendo persistir até o final da lactação (Hortet e Seegers, 1998). Observa-se grande discrepância entre os valores estimados de perda de produção de leite devido à mastite clínica. Informações relativas a 24 rebanhos com esta forma da enfermidade, indicaram perdas entre 7% a 64%. Os casos de mastite eram caracterizados pelos sinais clínicos da doença e todos os rebanhos estudados tinham pelo menos 250 lactações. A média ponderada de casos de mastite clínica informada foi de aproximadamente 19% (Hortet e Seegers, 1998). Entretanto, existem relatos na literatura sobre a existência de rebanhos onde a taxa de incidência excede a 100%, isto é, durante uma lactação a vaca tem mais de um caso (Fetrow et al., 2000).
Hoblet et al. (1991), em nove rebanhos com média de 149 vacas cada, CCS do tanque inferior a 300.000 células/ml e mais de 80% dos animais com escore linear de CCS abaixo de quatro, encontrou taxa de incidência de casos clínicos entre 16 e 64% ao ano. Estes resultados sugerem que, mesmo aqueles rebanhos com efetivo controle da mastite subclínica ainda estão sujeitos a perdas econômicas resultantes desta enfermidade e que as taxas de incidência da forma clínica variam intensamente entre os rebanhos.
O custo de casos de mastite clínica varia entre os diversos estudos. Em um trabalho de revisão, Schepers e Dijkhuinzen (1991) compararam os resultados e metodologias utilizadas para estimar o custo dos programas de controle da mastite. Os resultados variaram de US$ 19.65 a US$ 275 por vaca por ano. Neste estudo ficaram evidentes, em alguns casos, as imperfeições e inconsistência na concepção dos modelos, indefinição no horizonte de tempo, etc. No entanto, apesar destas dificuldades, os autores consideram estes enfoques valiosos, porém recomendam cuidado na interpretação dos resultados. Também sugerem que a metodologia de cálculo das perdas devido à mastite e os custos e benefícios dos programas de controle sejam internacionalmente aceitos.
No Brasil, são raros os estudos que estimam o custo e retornos econômicos de estratégias de tratamento de doenças animais. A disponibilidade de informações precisas e no tempo certo é um subsídio importante para que as decisões na administração da saúde animal sejam corretas e eficientes. O presente trabalho teve como objetivo quantificar o impacto econômico de casos de mastite clinica em um rebanho leiteiro.
 
MATERIAL E MÉTODOS
Neste trabalho foram utilizados dados referentes ao período de setembro de 2002 a novembro de 2004 de um rebanho comercial, manejado em uma propriedade localizada no Estado de Minas Gerais, Brasil (19º 33' 28" de latitude sul e 44º 04' 54" de longitude WGr, altitude de 612 metros). O rebanho, composto de animais puros da raça Holandesa, em média, 230 vacas em lactação com produção diária de leite de 22 kg/vaca. O sistema de produção adotado para as vacas em lactação era de alojamento tipo "free-stall". A fazenda possuía excelente infra-estrutura para ordenha e realizava duas ordenhas diárias, seguindo seqüência de manejo predeterminado (linha de ordenha). As seguintes práticas eram adotadas durante a ordenha: (a) realização do teste da caneca de fundo escuro; (b) higienização do úbere por meio de lavagem e imersão das tetas em solução sanitizante pré-ordenha (solução de iodo), (c) secagem com papel toalha descartável, e (d) imersão das tetas após ordenha em solução iodo-glicerina a 1%. Adotava-se, como rotina, o tratamento de todos os quartos mamários de todas as vacas após a última ordenha da lactação, com antibiótico específico para vacas secas.
As informações foram levantadas na base de dados da propriedade e em entrevistas com o corpo técnico, administrativo e operacional. As práticas de manejo e medidas profiláticas são adotadas por orientação dos técnicos responsáveis pelo controle sanitário do rebanho.
Foi computado o número de casos de mastite clínica no período de 12 meses anteriores e posteriores a terapia. Os índices médios de mastite clínica (TMMC) foram calculados conforme Fonseca e Santos (2000), a partir da equação 1.
 Mastite clinica: prevalência e custo de tratamento em rebanho leiteiro - Image 1
Em que: MC=casos de mastite clínica; dm=número de dias do mês; nVL=número médio de vacas em lactação; e n=número de meses.
O custo de casos de mastite clínica (MC) foi obtido computando as despesas com o tratamento e as perdas decorrentes da doença, adaptado de Morin et al. (1993). O modelo utilizado está descrito na equação 2.
 Mastite clinica: prevalência e custo de tratamento em rebanho leiteiro - Image 2
Em que: EMM=exames, medicamentos e mão-de-obra adicional; DL=descarte de leite; DPM=descarte precoce e morte de vacas; HMV=honorário do médico veterinário; e n=número de casos.
Considerou-se os seguintes parâmetros: o valor das despesas com exames e medicamentos foi apurado no fluxo de caixa; para o cálculo do custo com mão-de-obra, considerou-se o tempo de 108 minutos para o tratador efetuar o tratamento de cada caso de mastite clínica (OLIVEIRA, 1989). Obteve-se um coeficiente técnico igual a 1,7182 que, multiplicado pelo salário mensal e encargos sociais, totalizou R$ 859,95; para o cálculo do custo do leite descartado, utilizou-se o valor médio da produção diária de leite multiplicada por 5,5 ordenhas. Este valor foi obtido levando em consideração o período médio de tratamento e carência para evitar resíduos no leite; e honorários do médico veterinário estimado em 24 visitas parciais para atividades ligadas à saúde da glândula mamária.
Para estimar o prejuízo causado pelo descarte precoce ou morte (DPM) de uma vaca, considerou-se sua depreciação ao longo do tempo de permanência no rebanho, pelo método de depreciação linear (Noronha, 1987), conforme a equação 3.
 Mastite clinica: prevalência e custo de tratamento em rebanho leiteiro - Image 3
Em que: D=depreciação anual; Vi=valor inicial; Vf=valor final; n=vida útil. Em caso de morte da vaca considerou-se Vf igual a zero.
Os valores informados em Dólar Americano (US$) foram convertidos conforme cotação do Mercado Oficial do dia 13/01/2006, US$ 1,00 = R$2,28 (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2006).
 
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na Tabela 1 constam os valores relativos ao Índice Mensal de Mastite Clinica e o número médio de casos ocorridos nos períodos da seca e das aguas. No período deste estudo (26 meses) ocorreram 458 casos de mastite clinica ou uma média de 17 casos por mês, sendo que 53% dos casos ocorreram no período das aguas e 47% no período da seca. O Índice de Mastite Clinica Mensal reflete a incidência de mastite clinica no rebanho, fornecendo informações sobre as alterações no status de saúde da glândula mamária, sempre levando em consideração um determinado período de tempo.
Na Figura 1 foi plotado o número de casos e índices mensais de mastite clínica, por mês. Observa-se que em apenas dois meses (agosto de 2003 e janeiro de 2004) este percentual foi superior a 1%. Segundo Fonseca e Santos (2000) o nível internacionalmente aceito é menos de 1% do rebanho com mastite clinica. Para Miller et al. (1993) a taxa mensal de mastite clinica também é um bom indicador da eficiência do programa de controle de mastite.
Na Tabela 2 foram descritos os itens considerados relevantes no cálculo do custo de cada caso de mastite clínica. Não foram computados custos indiretos, tais como: (i) instalações para vacas doentes; (ii) custos para identificar as vacas afetadas; (iii) custos para treinamento de empregados; (iv) rompimento de fluxo na sala de ordenha; (v) redirecionamento da atenção de administração de outras áreas operacionais da atividade leiteria; (vi) aumento do risco de aborto após casos de mastite clinica, particularmente no início de lactação.
A participação, em percentual por item, que formou o custo de um caso de mastite clínica foi: (i) exames, medicamentos e mão-de-obra adicional (37%); (ii) descarte de leite (29%); (iii) descarte precoce e morte de vacas (28%); e honorário do médico veterinário (6%). Entretanto, a participação dos descartes, por venda e morte, no custo total pode ter sido subestimada, tendo em vista que se considerou a mastite como causa de descarte dos animais apenas nos casos onde os sinais clínicos da doença foram evidentes.
No presente estudo, as perdas com a mastite clínica foram estimadas em R$ 228,99, ou US$ 100,43 por vaca/ano, sem a inclusão das despesas com prevenção. Este valor é intermediário ao relatado em diversos estudos. Morse et al. (1987) estimaram perdas por descarte de leite entre US$ 30,00 e US$ 234,00 por lactação. Em trabalho de revisão, DeGraves e Fetrow (1993) informaram que as perdas devido à mastite relatadas por diferentes autores, foram de aproximadamente US$ 200,00 por vaca/ano, com variação de US$ 35,00 a US$ 295,00 por vaca/ano, representando perdas de 10 a 11% da capacidade produtiva das vacas. Berry et al. (2004) estimaram o custo de US$ 226,00 por caso. Kirk e Bartlett (1988) obtiveram valores de US$ 163,00 por vaca/ano, sem considerar custo de profilaxia, honorários veterinários e mão-de-obra adicional. Entretanto, Kaneene e Hurd (1990) e Weigler et al. (1990), que incluíram os custos com a prevenção da doença, apuraram valores de US$ 36,00 e US$ 50,00 por vaca/ano, respectivamente.
Em parte, as variações entre os resultados do presente estudo e o dos demais pode ser justificada, com base nas considerações de Schepers e Dijkhuinzen (1991): (i) metodologia utilizada, pois cada estudo apresenta diferente conjunto de variáveis; (ii) as origens dos dados são diversas: rebanho, animal, associação, indústria; e (iii) em nenhum dos cálculos todas as possíveis variáveis foram incluídas nas análises. Mesmo considerando as imperfeições e inconsistência, as dificuldades na extrapolação dos resultados gerados para as condições de campo, estes autores sugerem o uso de modelos nas análises de custo da mastite clínica, a serem elaborados com embasamento nos resultados de estudos científicos e que os resultados gerados sejam interpretados com cautela.
Considerando que o custo de cada caso de mastite clínica equivale à receita gerada pela venda de 411 litros de leite, e que ocorreram, em média, 210 casos de mastite clínica por ano, o prejuízo anual com esta enfermidade representa a renda obtida com venda de 84.302 litros de leite, ou a produção total de 18 dias. As pesquisas sobre mastite no Brasil, de maneira geral, estão direcionadas para tratamento e diagnóstico, sendo pouco conhecidas as relações entre a doença e os sistemas de produção, incluindo os fatores humanos e a incidência de mastite. Acredita-se que o conhecimento destas relações auxiliará os produtores a reduzir os custos de produção de leite e os riscos à saúde humana. Ressalta-se que os resultados desta pesquisa embora tenham sido estimados para uma propriedade típica, ainda assim representam uma importante contribuição diante da escassez de informações sobre o tema.
 
CONCLUSÕES
As perdas com cada caso de mastite clínica foi estimada em R$ 228,99, ou US$ 100,43 por vaca/ano, sem a inclusão das despesas com prevenção. Estes valores evidenciam a importância da doença na lucratividade dos sistemas de produção de leite e justificam os esforços para manter a doença sob controle.
 
BIBLIOGRAFIA
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Tabela 1. Número de Casos e Índice de Mensal de Mastite Clinica (MC) e no Período da Seca e das Águas – Setembro de 2002 a Novembro de 2004.
Mastite clinica: prevalência e custo de tratamento em rebanho leiteiro - Image 4
Tabela 2. Custo de um caso de mastite clínica.
Mastite clinica: prevalência e custo de tratamento em rebanho leiteiro - Image 5
Figura 1. Média Mensal do Índice de Mastite Clinica (MC) e do Número de Casos, no Período de Setembro de 2002 a Novembro de 2004.
Mastite clinica: prevalência e custo de tratamento em rebanho leiteiro - Image 6
 
***O trabalho foi originalmente publicado pela Embrapa Gado de leite / Coordenação do Centro de Inteligência do Leite (CILeite).
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Glauco Rodrigues Carvalho
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