Introdução
Devido as exigências do mercado internacional cada vez mais rigorosas na importação de produtos brasileiros, e ao interesse do consumidor por informações sobre os produtos alimenticios, torna-se necessário atender as exigências de seus mercados consumidores averiguando e assegurando a qualidade do alimento exportado. A rastreabilidade torna-se ferramenta relevante, para assegurar um produto de qualidade aos consumidores. O uso de farinha de carne e ossos bovina (FCOB) serve como fonte de proteínas e principalmente minerais (neste caso o fósforo) para as aves. Sem restrições no mercado interno quanto ao uso dos subprodutos de origem animal na alimentação de poedeiras, a criação comercial tem sido realizada com e sem a inclusão de farinha de carne e ossos bovina nas dietas.
Devido aos últimos acontecimentos no mundo relacionados aos produtos de origem animal nas rações, dentre os quais se podem citar a Crise da Dioxina na Bélgica (1999) e Alemanha (2000/2001) e diversos casos de Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB) em diversos países europeus, Canadá, Estados Unidos e Japão (Fernandes Filho & Queiroz, 2001; Cerutti, 2002), seu uso ficou proibido para exportação a países Europeus.
Na tentativa de identificar e quantificar a utilização de subprodutos de origem animal na alimentação de aves, estudos utilizando a técnica dos isótopos estáveis de carbono e nitrogênio vêm sendo desenvolvidas. A integração da composição isotópica do carbono-13 incorporado no corpo do animal e o que foi perdido na respiração e excreção deve ser igual à composição isotópica de carbono da dieta (DeNiro & Epstein, 1976, 1978). Já para o nitrogênio-15 ocorre enriquecimento médio de 3‰ a cada elevação de nível trófico (Kock et al., 1994). A razão isotópica do carbono (13C/12C) em associação à razão isotópica do nitrogênio (15N/14N) permitiu rastrear no produto final a farinha de carne e ossos bovina na alimentação de frangos de corte (Carrijo et al., 2006), farinha de vísceras de aves na alimentação de frangos de corte e codornas (Oliveira et al., 2010; Móri et al., 2007), farinha de vísceras de aves, juntamente com levedura e farelo de trigo, na alimentação de frangos de corte (Gottmann et al., 2008) e farinha de carne e ossos bovina na alimentação de poedeiras (Denadai et al., 2009).
Sendo assim, este trabalho objetivou verificar se a inclusão de outros ingredientes, como farelo de trigo, glúten de milho e levedura na dieta de poedeiras, pode interferir na rastreabilidade da farinha de carne e ossos bovina em ovos, pela técnica dos isótopos estáveis de carbono e nitrogênio.
Materiais & Métodos
O experimento foi desenvolvido no Setor de Avicultura da Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento de Brotas, do Departamento da Descentralização do Desenvolvimento, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Foram utilizadas 256 galinhas poedeiras da linhagem Bovans Goldline, distribuídas aleatoriamente em 8 tratamentos, com 4 repetições. Aos 56º dias foram tomados aleatoriamente 8 ovos por tratamento. Os tratamentos foram compostos de uma dieta controle a base de milho, farelo de soja e farelo de trigo (MST), e as demais dietas foram acrescidos de glúten de milho (G) e/ou farinha de carne e ossos bovina (2,0% FC) e /ou levedura (L). As amostras foram analisadas no Centro de Isótopos Estáveis (CIE) do Instituto de Biociências, da UNESP, campus de Botucatu. O albúmen foi separado manualmente da gema, seco por 24h em estufa de ventilação forçada a 56ºC e moído criogenicamente para a análise no analisador elementar (EA 1108 - CHN - Fisons Instruments, Rodano, Itália) acoplado no espectrômetro de massas de razões isotópicas (Delta S - Finnigan MAT, Bremen, Alemanha). Os resultados das análises foram expressos em delta per mil (δ) da razão isotópica da amostra em relação aos padrões internacionais Peedee Belemnite (PDB) e nitrogênio atmosférico (N2), para os elementos carbono e nitrogênio, respectivamente, de acordo com a expressão:
δ(amostra, padrão) = 1000[(Ramostra - Rpadrão)/Rpadrão],
onde: R representa a razão entre o isótopo mais pesado e o mais leve, em particular 13C/12C e 15N/14N.
Os resultados isotópicos de δ13C e δ15N, foram submetidos à análise multivariada discriminante linear com o auxílio do programa estatístico Minitab.
Resultados & Discussão
Os grupos formados de acordo com os valores isotópicos de δ13C e δ15N das amostras de gema e albúmen coletadas aos 56 dias encontram - se nas Fig. 1 e 2.
Figura 1. Gráficos das componentes principais de carbono-13 e nitrogênio-15 da gema aos 56 dias.
Observando os dados de gema (Fig. 1), a análise discriminante mostrou três grupos distintos de resposta, onde a esquerda do gráfico verificou-se o grupo formado pelos tratamentos controle à base de milho, soja e trigo (MST), o tratamento com adição de 2,5% de farinha de carne (MSTFC) e o tratamento com adição de levedura (MSTL). Ao centro do gráfico se formou o segundo grupo, onde todos os tratamentos contêm adição de glúten de milho (MSTG, MSTGFC e MSTGL) com exceção ao tratamento com adição de levedura e 2,5% de farinha de carne (MSTLFC), que também se alocou no mesmo grupo. E no lado direito do gráfico encontrou-se o terceiro grupo formado pelos tratamentos contendo o glúten, levedura e 2,5% de farinha de carne (MSTGLFC). Possivelmente, a inclusão de 3% de glúten não permitiu a detecção de 2,5% de farinha de carne. Entretanto Denadai 2008 detectou na gema a inclusão a partir de 3,0% FCOB na alimentação de poedeiras, porém detectou menor nível no albúmen (1,5% FCOB).
Figura 2. Gráficos das componentes principais de carbono-13 e nitrogênio-15 do albúmen aos 56 dias.
Logo para o albúmen (Fig. 2), observou-se dois grupos distintos de resposta, alocados do lado esquerdo do gráfico o grupo sem a adição do glúten de milho (MST, MSTFC e MSTL), e um segundo grupo formado pelos tratamentos (MSTLFC, MSTG, MSTGL e o MSTGLFC), que se sobrepuseram, não permitindo a diferenciação destes, concordando com (Denadai et al., 2009) que afirmaram que a adição do ingrediente C4, glúten de milho e a levedura, causaram, aumento no enriquecimento, distanciando ainda mais os valores isotópicos dos ovos e suas frações dos do grupo controle.
Não foi possível a detecção do glúten, possivelmente pelo baixo nível de inclusão de farinha de carne (2,5%), porém o utilizado pela indústria é de 4,5 a 5,0%. Pode-se ressaltar a necessidade de realização de outros testes em conjunto com as dietas, pois o sinal isotópico da dieta reflete no produto final, no caso o ovo, confirmando a expressão de ordem geral de (DeNiro & Epstein, 1978), os quais afirmam que "o animal é aquilo que consome ± 1‰ para carbono-13", e ± 3‰ (2-5‰) para nitrogênio-15 a cada elevação no nível trófico.
Conclusões
O uso de 3,0% de glúten de milho na ração de poedeiras, não permite a diferenciação dos valores isotópicos de δ13C e δ15N do albúmen e gema destes grupos dos que possuem 2,5% farinha de carne e ossos bovina.
Agradecimentos
Programa Nacional de Pós Doutorado - PNPD, da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, pela bolsa concedida ao primeiro autor e financiamento do projeto.
Ao Evandro Tadeu Silva, funcionário do Centro de Isótopos estáveis pela realização das análises isotópicas.
À APTA, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo por ceder o setor de avicultura para a realização do estudo.
Bibliografia
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Denadai JC, Ducatti C, Sartori JR, Pezzato AC, Móri C, Gottmann R, Mituo MAO. 2009. Rastreabilidade da farinha de carne e ossos bovinos em ovos de poedeiras alimentadas com ingredientes alternativos. Pesquisa agropecuária brasileira 44(1):1-7.
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