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Uso de aditivo alimentar equilibrador da flora intestinal em aves de corte e de postura

Publicado: 19 de novembro de 2021
Por: Marina Lemos, Karoll A. A. Torres, Túlio Leite Reis, Lígia Fátima Lima Calixto
A avicultura de corte e de postura representa um dos setores que mais tem se desenvolvido no agronegócio brasileiro, apresentando altas taxas de produtividade, desenvolvimento tecnológico de instalações e equipamentos, assim como muitos avanços em nutrição e sanidade. O Brasil está entre os maiores produtores e exportadores de carne de frango do mundo, o que tem contribuído para o desenvolvimento econômico do país. A busca pela obtenção de alta produtividade, aliada à qualidade dos produtos finais, tem sido uma constante na produção intensiva de aves. No entanto, alcançar alta produtividade, mantendo o custo baixo, é quase impossível sem a utilização de aditivos alimentares (Otutumi et al., 2008), como o composto denominado, segundo o Compêndio Brasileiro de Alimentação Animal (2009), aditivo zootécnico equilibrador da flora intestinal. Esse pode ser adicionado à ração e desempenhar papel estratégico, atuando tanto na integridade quanto no desenvolvimento da mucosa intestinal, e melhorando, consequentemente, o desempenho do lote.
O trato gastrintestinal (TGI) das aves possui uma microbiota natural composta por muitas espécies de bactérias, protozoários e fungos em equilíbrio entre si e com o hospedeiro. A presença dessa microbiota em equilíbrio é tão necessária quanto benéfica para o bem-estar das aves, pois o desequilíbrio, em favor das bactérias indesejáveis, pode resultar em danos para a mucosa intestinal e prejuízos na absorção dos nutrientes da ração, com consequente comprometimento no desempenho produtivo (Loddi, 2003). Aditivos melhoradores de desempenho, a exemplo dos antibióticos, têm sido utilizados nas últimas décadas na tentativa de, por meio de exclusão competitiva, manter o equilíbrio benéfico da microbiota do TGI, reduzindo a mortalidade e aumentando a eficiência produtiva das aves (Salyers, 1999; Castanon, 2007).
É inquestionável que a relação custo-benefício favorece o uso de antibióticos como aditivos, mas, após a proibição do uso de aditivos antibióticos melhoradores de desempenho pela União Europeia, vem surgindo um grande interesse por parte dos pesquisadores brasileiros no desenvolvimento de pesquisas com a utilização de substâncias que possam substituir os antibióticos e que possam desempenhar funções que revertam em melhor desempenho das aves e qualidade do produto final.
Esta revisão objetivou abordar aspectos relevantes em relação às características, à utilização e ao mecanismo de ação de aditivo equilibrador da flora intestinal, com ênfase nos prebióticos (frutoligossacarídeo – FOS, glucoligossacarídeo – GOS, e mananoligossacarídeo – MOS), para aves de corte e de postura.
No Brasil, a utilização de melhoradores de desempenho (antibióticos) na dieta de aves ainda é permitida; no entanto, o banimento progressivo de vários antibióticos de uso comum nas rações já é realidade em muitos países, o que vem suscitando reações na indústria avícola, como a busca por substâncias que possam substituí-los (Ferreira; Astolfi-Ferreira, 2006). Os prebióticos são compostos que têm despertado grande interesse na área avícola quando utilizados na forma de aditivos, representando uma alternativa promissora para substituir os antibióticos, especialmente em aves jovens ou em condições de estresse (Silva; Nörnberg, 2003).
Os prebióticos atuam mantendo o equilíbrio benéfico da microbiota intestinal e a integridade do epitélio intestinal, além de ter ação melhoradora sobre o sistema imunológico, objetivando, dessa forma, a manutenção ou o incremento no desempenho animal e na qualidade do produto final (Silva; Nörnberg, 2003). Para que seja considerada um prebiótico, a substância não pode ser hidrolisada no TGI e deve ter ação seletiva somente para um limitado número benéfico de bactérias comensais, as quais terão crescimento e metabolismo estimulados, alterando favoravelmente a microbiota intestinal (Dionízio et al., 2002).
As principais fontes de prebióticos são alguns açúcares, absorvíveis ou não, fibras, peptídeos, proteínas, alcoóis de açúcares e os oligossacarídeos de cadeia curta. Outros compostos que também podem ser classificados como prebióticos para aves são os dissacarídeos transgalactosilatados (Rowland, 1992). Os prebióticos que têm sido mais estudados como aditivos nas rações para animais não ruminantes e operando de forma distinta são os oligossacarídeos de cadeias curtas de açúcares simples, especialmente os FOSs, GOSs e MOSs (Macari; Furlan, 2005).
Os GOSs têm seus efeitos prebióticos pouco pesquisados para animais. Eles são muito relacionados e analisados pelo seu efeito bifidogênico em humanos (Bouhnik et al., 1997). São oligossacarídeos compostos por lactose e várias moléculas de galactose que não são digeridos no trato digestivo superior devido às suas ligações β- (1,6) e β- (1,4), que evitam a digestão pela enzima β-galactosidase (Alles et al., 1999). Este prebiótico é assimilado por espécies de Bifidobacterium, sendo substrato para estas; entretanto, tal assimilação não é possível por espécies patogênicas, incluindo Clostridium e Salmonella, fato que propicia a proliferação de espécies benéficas em detrimento das patogênicas (Iji; Tivey, 1998). Biggs et al. (2007), após o fornecimento de GOS para frangos de corte, observaram melhora na digestibilidade dos nutrientes da ração, sem efeito negativo sobre o desempenho. Jung et al. (2008), ao estudar os efeitos da inclusão de GOS associado ou não com probiótico para frangos de corte, concluíram que os GOSs têm efeitos prebióticos importantes, como aumento da população de bactérias benéficas, tais como as bifidobactérias.
Os FOSs são polímeros ricos em frutose, podendo ser naturais (derivados de plantas, como a inulina) ou sintéticos (resultantes da polimerização da frutose) (Gibson; Roberfroid, 1995). A inulina é um polímero da frutose, indigerível na porção superior do trato intestinal (Knudsen; Hessov, 1995), que alcança o intestino grosso praticamente intacto, no qual é fermentada pelas bactérias benéficas (Acidophillus, Bifidus e Faecium) e convertida em ácidos graxos de cadeia curta (acetato, propionato e butirato), lactato e gases, minimizando as populações de bactérias patogênicas, como a Escherichia coli e a Salmonella, por exclusão competitiva (Scapinello et al., 2001). Esse FOS pode reduzir a contagem de coliformes e o pH cecal e aumentar a contagem de bifidobactérias cecais benéficas ao intestino das aves. Xu et al. (2003), trabalhando com frangos de corte alimentados com dieta contendo diferentes níveis de inclusão (2,0 e 4,0 g kg-1 de FOSs), observaram um aumento da concentração cecal de bifidobactérias e lactobacilos e uma redução da concentração de E. coli no intestino de frangos aos 49 dias de idade. Os autores concluíram que o nível ótimo de suplementação com FOS a frangos de corte para aumentar o ganho de peso e a eficiência alimentar deve ser mantido entre 2,5 e 5,0 g kg-1. O crescimento de salmonela entérica sorovar Typhimurium em um sistema de fermentação in vitro foi inibido nos tratamentos em que o FOS foi adicionado (Donalson et al., 2007).
Um prebiótico que tem sido muito estudado e utilizado atualmente é a parede celular de Saccharomyces cerevisiae (Macari; Furlan, 2005), que é produto da extração do conteúdo celular da levedura S. cerevisiae, fungo unicelular aeróbio obrigatório ou anaeróbio facultativo, utilizada pelos homens há milhares de anos para produção de alimentos e bebidas. Essa estrutura (Fig. 1) é rica em um oligossacarídeo à base de alfa-manose e beta-glucose (Kogan; Kocher, 2007), chamado de MOS. É considerada uma das leveduras mais antigas utilizada pelo ser humano há milhares de anos para produção de alimentos e bebidas e na alimentação animal, além de ser descrita na literatura por trazer benefícios no âmbito sistêmico, melhorando o ganho de peso (Zaghini et al., 2005), o consumo de alimentos e a conversão alimentar (Santin et al., 2001). O MOS é derivado da parede celular interna de leveduras S. cerevisiae e é composto por uma estrutura complexa de manose fosforilada, glicose e proteína. A parede celular é obtida separando-a do conteúdo intracelular e evaporando a baixa temperatura (spray dry), evitando a destruição da parte funcional da molécula de MOS (Spring et al., 2000).
O MOS atua por meio de mecanismos mais complexos, podendo se aderir às bactérias patogênicas, impedindo que estas iniciem um processo de colonização, ou modulando e preparando o sistema imunológico, para proteção contra um processo infeccioso. Em relação ao primeiro mecanismo, sabe-se que para uma bactéria iniciar o processo infeccioso é necessário que ela consiga se aderir à superfície epitelial. Tal adesão é possível em função de grande atração das glicoproteínas (lectinas) presentes nas fímbrias pelos oligossacarídeos. Os prebióticos derivados da parede celular de S. cerevisiae têm predileção por esses sítios de ligação, ocupando e impossibilitando a adesão de bactérias patogênicas e eliminando-as junto ao bolo fecal (Pelícia, 2004). As fímbrias, com características hemaglutinantes manose-sensíveis, têm grande incidência registrada entre as enterobactérias (Shane, 2001), estando presentes na Salmonella sp. e na E. coli. (Matheuset al., 2003). A força de adesão entre o patógeno e o MOS (Fig. 2) inibe o processo de infecção, não permitindo que a bactéria volte a infectar o animal (Newman, 2007). O MOS também se adere à mucosa intestinal, formando uma barreira física que impede a colonização intestinal por organismos agressores (Pelicano et al., 2002).
O segundo mecanismo de ação está relacionado com a ativação do sistema imunológico das aves. Os prebióticos podem atrair células e outros componentes imunológicos para o trato intestinal, aumentando a barreira contra antígenos na mucosa (Cotter, 1994). O MOS, por exemplo, é capaz de estimular o sistema imunológico ao se ligar a sítios receptores de macrófagos na superfície de enterócitos após o reconhecimento de açúcares específicos nesse epitélio. Essa ligação desencadeia uma reação em cascata, com a ativação de macrófagos e liberação de citocinas, caracterizando uma resposta imunológica adquirida (Savage et al., 1997). Dessa forma, o MOS é capaz de aumentar os níveis de anticorpos circulantes específicos e a síntese de imunoglobulinas secretórias em resposta à exposição a antígenos (Savage et al., 1997). Savage et al. (1997) testaram o efeito do MOS em perus e constataram um aumento significativo de IgG plasmático e IgA da bile. Spring; Privulescu (1998) constataram aumento na resposta de macrófagos e acréscimo de aproximadamente 25% dos níveis de imunoglobulina tipo A (IgA) secretória quando foi adicionado MOS na ração de frangos de corte. Por outro lado, existem relatos
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da ausência de efeito dos prebióticos sobre a resposta humoral, como foi observado no estudo de Nunes (2008), que, ao avaliar os efeitos de diferentes aditivos, dentre eles o MOS, na resposta imune humoral de frangos de corte, não observou diferenças significativas, aos 42 dias de idade, para a resposta vacinal contra Newcastle.
Melhorias no desempenho das aves têm sido descritas com a utilização de aditivo equilibrador da flora. Maiorka et al. (2001), estudando o efeito da substituição de antibióticos por prebiótico (MOS) e probiótico (Bacillus subtilis) e a associação de ambos (simbiótico) na dieta sobre o desempenho de frangos de corte, observaram que o pior ganho de peso foi obtido nas aves que não receberam nenhum tipo de aditivo na dieta (tratamento controle). Aves que não tiveram suplementação apresentaram pior conversão alimentar, quando comparadas com as aves dos demais tratamentos, demonstrando que a substituição de antibióticos por simbióticos na ração é uma alternativa viável, pois não compromete o desempenho das aves. Dimovelis et al. (2003), Garcia et al. (2004) e Ribeiro et al. (2010) notaram melhorias no desempenho após a inclusão do MOS associado ou não com ácidos orgânicos na ração de galinhas poedeiras. Oliveira et al. (2009), ao analisar os efeitos dos níveis de cálcio e da suplementação de dietas com MOS (0 e 0,1%) sobre o desempenho de codornas em início de postura, concluíram que dietas suplementadas com 0,1% de MOS reduziram o consumo de ração e melhoraram a conversão alimentar. Lemos et al. (2014), ao avaliarem os efeitos do melhor nível de inclusão da parede celular de S. cerevisiae na dieta de codornas japonesas em produção, também observaram melhorias no desempenho das aves alimentadas com 1,5 kg/t de parede celular de S. cerevisiae, quando comparado com tratamento controle (sem inclusão de prebiótico). Em contrapartida, Ghosh et al. (2007) não observaram alterações no desempenho após a inclusão de 1 g/kg de MOS nas dietas de codornas japonesas. Estudos realizados com galinhas poedeiras mostraram que o fornecimento de níveis variando de 0,25 a 1,50 kg/t de MOS para galinhas poedeiras não influenciou o desempenho dessas aves (Ayanwale et al., 2006; Hosseini et al., 2006; Yousefi; Karkoodi, 2007; Numazaki, 2008).
A qualidade da casca também pode ser afetada positivamente com a adição de prebióticos na ração: Yousefi; Karkoodi (2007) observaram melhora no peso da casca em ovos produzidos por poedeiras Hy-Line após adição de MOS (1,0 e 1,5 kg/t). A espessura da casca melhorou após inclusão de 0,1% de MOS às dietas de codornas japonesas (Oliveira et al., 2009). Lemoset al. (2014) também observaram melhorias na qualidade da casca de ovos produzidos por codornas japonesas após inclusão de 1,5 kg/t de parede celular de S. cerevisiae na dieta. No entanto, Costa et al. (2008) não notaram efeito significativo da inclusão de Bio-Mos na dieta de codornas japonesas nos parâmetros de qualidade da casca.
Ribeiro et al. (2010) também não observaram efeito significativo na percentagem de casca após a inclusão de 0,05% de MOS à dieta de poedeiras Isa Brown.
Melhorias na integridade intestinal das aves de corte e de postura têm sido relatadas em vários estudos que têm evidenciado o efeito benéfico do uso da parede celular de S. cerevisiae sobre o desenvolvimento das vilosidades intestinais, com aumento da altura dos vilos nos três segmentos do intestino delgado, o que pode ser revertido em melhor absorção de nutrientes com consequentes melhorias no desempenho e na qualidade dos produtos finais de frangos e de poedeiras (Macari; Maiorka, 2000; Macari; Furlan, 2005; Yang et al., 2007).
Essa capacidade do MOS de ampliar a área de absorção intestinal é um dos fatores predisponentes para a melhoria da qualidade da casca dos ovos, pois, de acordo com Kruger et al. (2003) e Zafar et al. (2004), quando o MOS alcança o intestino grosso, ele é fermentado pela microbiota intestinal e convertido em ácido graxo de cadeia curta (AGCC), o que causa hipertrofia das células da mucosa intestinal, aumentando a superfície de absorção. Suzuki; Hara (2004) relataram que os oligossacarídeos podem, igualmente, aumentar a absorção de cálcio no intestino delgado pela via paracelular, por meio de estímulo direto sobre o epitélio do intestino delgado, consequentemente melhorando a qualidade da casca.
Em codornas japonesas, tem sido relatada melhoria da integridade intestinal após utilização de aditivos equilibradores da flora na ração. Ghosh et al. (2007) observaram aumento na altura das vilosidades intestinais do duodeno, jejuno e íleo de codornas japonesas após inclusão de MOS e ácidos orgânicos na ração. Ibrahim (2011), ao testar MOS + β-glucano na dieta de codornas japonesas, observou aumento significativo na altura e largura das vilosidades intestinais, quando comparadas com tratamento controle (sem inclusão de MOS + β-glucano). Lemoset al. (2013) notaram aumento na altura, largura e proporção largura/altura das vilosidades intestinais dos três segmentos (duodeno, jejuno e íleo) de codornas japonesas em produção, melhorando a integridade do epitélio intestinal até a inclusão de 1,7 kg/t de parede celular de S. cerevisiae na dieta.
As pesquisas com a inclusão de MOS na dieta de frangos de corte apresentaram resultados positivos, com aumento da altura e largura das vilosidades intestinais, como os encontrados por Iji et al. (2001) e Markovic et al. (2009), e não significativos, tais como os encontrados por Nunes et al. (2009), que não observaram efeito positivo do MOS sobre a altura das vilosidades intestinais nos três segmentos intestinais (duodeno, jejuno e íleo) dos frangos de corte.
A literatura ainda descreve resultados contraditórios sobre os benefícios de aditivos equilibradores da flora para as aves, em virtude de que há uma diversidade de fatores que podem interferir na eficácia de atuação dessas substâncias, culminando em resultados pouco conclusivos e/ou contraditórios. Entre esses fatores, destacam-se: adaptação da microbiota ao composto adicionado; nível de estresse das aves e, especificamente no caso do MOS, em condições de desafio microbiano; excesso no consumo de um prebiótico, levando a um desequilíbrio da microbiota; dosagem e via de administração dos aditivos; diferenças de estrutura química e propriedades físico-químicas dos compostos utilizados como aditivos (Silva; Nornberg, 2003; Hooge, 2004; MoralesLópez et al., 2009).
A utilização dos prebióticos como aditivos equilibradores da flora intestinal na alimentação das aves de corte e de postura tem se tornado uma alternativa natural, baseada em processos preventivos que atuam por meio de diferentes mecanismos que visam não somente a manutenção da saúde intestinal como também um melhor status imunitário, promovendo, dessa forma, resultados impactantes no desempenho produtivo e na qualidade dos ovos, em função do seu efeito positivo sobre o crescimento da população microbiana benéfica, assim como no incremento da integridade intestinal e na ativação do sistema imunológico.

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Autores:
MARINA JORGE DE LEMOS
IZ - Instituto de Zootecnia / Secretaria de Agricultura e Abastecimento
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Ligia Fatima Lima Calixto
Túlio Leite Reis
Karoll Andrea Alfonso Torres
UNESP - Universidad Estatal Paulista
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