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Post Mortem Qualidade Carne Suína

Transformações post mortem e qualidade da carne suína

Publicado: 5 de março de 2003
Por: Jane Maria Rübensam da Universidade Federal do Rio Grande do Sul -UFRGS-, RS, Brasil.
Introdução
Há um consenso de que a seleção de suínos para a produção de carcaças magras provocou um efeito negativo sobre a qualidade da carne. Atualmente, a variação da qualidade da carne suína encontrada após o resfriamento das carcaças, tem como referencial a carne ideal e desejável e identificada como RFN (Reddish Pink, Firm and Non-Exudative). As alterações de qualidade se referem às carnes PSE (Pale, Soft and Exudative), RSE (Reddish Pink, Soft and Exudative) e DFD (Dark, Firm and Dry). Carnes PSE representam o problema mais sério para a indústria porque sua capacidade de retenção de água, com perda excessiva de esxudato, textura, carcaterizada por uma extrema acidez e pela ausência de cor, além de serem rejeitadas pelos consumidores, prejudicam os processos industriais de fabricação com conseqüências econômicas bastante sérias para o setor (van Laack et al., 1995).
As carnes PSE são provenientes de suínos abatidos em condições de estresse. É certo que os defeitos de qualidade da carne suína resultam de fatores genéticos e/ou ambientais que por sua vez determinam a velocidade e extensão dos eventos bioquímicos post mortem. Dentre eles, a glicólise assume importância cada vez maior.
O processo de conversão do músculo em carne é complexo e envolve uma série de alterações no metabolismo celular bem como na estrutura protéica, que se caracterizam pelo esgotamento das reservas de ATP, diminuição do pH ou acidificação, queda da temperatura da musculatura, aumento da concentração de íons cálcio no citosol, rigor mortis, entre outros (Lawrie, 1974; Judge et al., 1989).
A combinação destes eventos resultam no aparecimento de novas condições intracelulares, muito diferentes daquelas encontradas na célula muscular viva. Não se sabe ao certo quanto estas modificações podem afetar os sistemas enzimáticos intracelulares. Entretanto, sabe-se que são decisivas para a qualidade final da carne suína.
 
Glicólise post mortem e qualidade da carne.
Está bem determinado que o metabolismo post mortem que resulta na hidrólise do glicogênio muscular é o fator determinante da variação dos atributos de qualidade encontrada na carne suína fresca e está diretamente relacionado a dois genes, o gene halotano (Hal) e o gene rendimento napole (RN) ambos afetando drasticamente a cinética do abaixamento do pH muscular.
Entretanto, ainda se discute muito sobre a influência de fatores ambientais antes e após a sangria, na ocorrência de carnes suínas de qualidade inferior.
 
pH da carne.
O pH exerce influência, direta ou indiretamente, sobre as diversas características de qualidade da carne como a cor, capacidade de retenção de água, maciez, suculência e sabor.
Após o abate dos animais, há um declínio do pH cuja extensão e velocidade irá depender da natureza e condição do músculo no momento preciso em que cessa a circulação sangüínea.
As transformações que ocorrem nos músculos após o abate, iniciam-se durante a insensibilização dos animais. O objetivo desta etapa é minimizar o sofrimento animal no curto período que antecede a sangria ou o abate propriamente dito realizando o sacrifício do animal dentro dos preceitos humanitários. Por isso, a insensibilização, qualquer que seja o método adotado, deve ser rápida para não causar mais sofrimento e dor ao animal. Se não forem observadas certas condições (tratamento dado aos animais pelso funcionários, funcionamento correto dos equipamentos) pode haver uma excessiva estimulação do sistema nervoso e elevação da pressão sangüínea (Judge et al., 1989).
A sangria do animal também é causa de estresse. Mecanismos neurogênicos e hormonais tentam restaurar a pressão arterial principalmente através da angiotensina II. Há também liberação, entre outros hormônios, de catecolaminas que auxiliam na vasoconstricção durante a sangria.
O resultado desses estímulos é a despolarização da membrana celular juntamente com os túbulos T, cuja distribuição dos eletrólitos Na+, K+ se altera. Inicia-se, então, uma série de reações metabólicas que visam recompor a distribuição normal dos mesmos.
A membrana do retículo sarcoplasmático também sofre um aumento de permeabilidade permitindo um fluxo de íons Ca++ em direção ao sarcoplasma onde ele se liga à calmodulina, uma subunidade da fosforilase quinase ativando esta enzima sem a necessidade de formação de AMPc como ocorre na célula muscular viva.
A presença de íons Ca++ no sarcopalsma desencadeia imediatamente a formação de complexos actomiosina. O cálcio se liga à subunidade da Troponina (Troponina C) causando alteração conformacional da molécula e liberando o sítio de ligação da miosina com a actina. Formam-se, assim, pontes cruzadas entre os filamentos grossos e finos, com hidrólise de ATP pela miosina-ATPase.
Enquanto houver ATP, a membrana do retículo sarcoplasmático retira os íons Ca++ do sarcoplasma através de sistemas enzimáticos que utilizam ATP, localizados na membrana. A retirada de cálcio é acompanhada da entrada de Mg++ e da ligação de ATP à miosina-ATPase provocando o desligamento das pontes cruzadas entre actina e miosina à semelhança do que ocorre no relaxamento do músculo vivo. Este ciclo se repete atá que as reservas de ATP se esgotem.
A manutenção de Ca++ dentro das cisternas do retículo sarcoplasmático exige mais energia do que a repolarização da membrana celular (sarcolema e túbulos T) e talvez, esse seja o fator mais importante na ocorrência de carnes PSE.
Os músculos, no momento em que é completada a sangria, não recebem mais oxigênio restando apenas aquele ligado à mioglobina, suficiente para manter o metabolismo aeróbio por pouco tempo. Porém, as fibras musculares continuam seus processos metabólicos, com gasto de energia.
No período post mortem, alguma quantidade de ATP é regenerado pela conversão da creatina-fosfato em creatina e pela transferência do fosfato ao ADP. Pequenas quantidades de ATP podem ser regeneradas pelo sistema da adenilato-quinase que converte duas moléculas de ADP em uma de ATP e uma de adenosina monofosfato (AMP).
A utilização de glicogênio para obtenção de ATP ocorre basicamente em duas etapas. Na primeira, a glicogenólise inicia-se pela ativação da fosforilase-quinase, em presença de Ca++e que, por sua vez, ativa a fosforilase b (forma menos ativa) em fosforilase a (forma ativa). A partir daí, glicose-1-fosfato passa a glicose-6fosfato até ser convertida em fosfato de gliceraldeído. Na segunda etapa, ocorre conversão gliceraldeído-3-fosfato a lactato, com produção de 2 ATP/molécula de glicose (Lehninger, 1976). A atividade glicolítica termina devido à exaustão das reservas de glicogênio ou pela diminuição do pH muscular de ±7,2 até um valor em torno de 5,5.
No músculo vivo em exercício, a fosforilase-quinase é ativada ao máximo quando está fosforilada e ao mesmo tempo ligada ao cálcio.
A diminuição do pH está relacionada com a produção de lactato. Porém, sabe-se que íons H+ são gerados pela hidrólise de ATP, contribuindo significativamente para a acidificação da carne após o abate.
Em músculos de mamíferos, o valor de pH um dia após o abate está em torno de 5,4-5,5. No porco, a glicólise segue o mesmo modelo e, em 24 horas post mortem, o pH final tende a ser um pouco mais elevado, emtorno de 5,8 ou menos. Entretanto, em algumas carcaças o processo de acidificação muscular pode se completar em menos de uma hora ou em até 15 minutos após a sangria.
As enzimas responsáveis pela glicólise são progressivamente desnaturadas à medida que o valor de pH diminui até atigir valores entre 5,5 e 5,8, muito próximo do ponto isoelétrico da maior parte das proteínas da carne. Ao mesmo tempo, eventos, como por exemplo a desaminação do AMP, removem cofatores essenciais para o metabolismo anaeróbio da célula muscular.
A falta de ATP produz um efeito extremamente importante para a qualidade da carne porque faz parar o sistema enzimático de regulação de Ca++ fazendo com que este íon não possa ser removido para o retículo sarcoplasmático.
Uma vez que a remoção do cálcio do sarcoplasma para o retículo sarcoplasmático requer um gasto maior de ATP em relação à repolarização do sarcolema e túbulos T (Na+ e K+), o metabolismo post mortem da célula muscular é praticamente regulado pelo cálcio. A concentração de íons Ca++ no sarcoplasma portanto, interfere na interação das proteínas contráteis, no metabolismo protéico, e na glicogenólise.
 
Fatores que interferem no metabolismo muscular após o abate.
Entre os animais de açougue, suínos são os mais suscetíveis ao desenvolvimento de características anormais nos músculos após o abate. Carne suína de qualidade inferior, especialmente PSE, continua a ser um problema sério para as indústrias. Talvez este problema continue existindo por mais tempo do que o esperado porque ainda continuam sendo valorizadas as carcaças que têm maior proporção de carne magra.
Investigações sobre a ocorrência de carnes suínas PSE apontam a genética como o fator determinante, se não a única causa desta anomalia de qualidade da carne. Embora tenha havido uma redução da influência do componente genético, através da utilização de reprodutores livres do gene halotano, a incidência de carnes PSE continua elevada. Fatores ligados ao manejo pré-abate, principalmente durante o transporte dos animais ao matadouro e durante o período de descanso que antecede o abate estão associados à incidência de carnes PSE.
De qualquer modo, perdas significativas ocorrem tanto em quantidade como em qualidade de carcaças.
Se a ocorrência de carnes PSE se deve à genética (fatores intrínsecos) ou a fatores ambientais (fatores extrínsecos), provocando estresse pré-abate, este é o principal fator de esgotamento das reservas de glicogênio muscular.
 
Genehalotano
Em condições normais após o abate, o que resta de glicogênio dentro do músculo e se o retículo sarcoplasmático funciona corretamente, a diminuição do pH se faz lentamente até atingir o valor final. Mas se alguma causa perturba a atividade do retículo sarcoplasmático, reduzindo sua aptidão em regular a taxa de Ca++, a velocidade de glicólise sofre uma aceleração e o pH diminui rapidamente.
No músculo vivo, a concentração de íons Ca++ no sarcoplasma é controlada por sistemas enzimáticos reguladores da concentração de cálcio, localizadas no sarcolema (incluindo os túbulos T), na membrana do retículo sarcoplasmático e na membrana mitocondrial.
No período compreendido entre o final da década de 60 e o início da década de 70, ficou evidente que a predisposição à produção de carne PSE estava relacionada à Síndrome do Estresse Suíno (Topel et al., 1968), citado por tinha um forte componente genético sendo con?rmada mais tarde pela aplicação do teste halotano (Sellier, 1995).
A Síndrome do Estresse Suíno (PSS) caracteriza-se por uma rigidez muscular, aumento do metabolismo aeróbio e anaeróbio e aumento da produção de calor em resposta aos anestésicos halogenados e vários outros estressores. Pela forte reação muscular no animal vivo e pelo padrão de alterações na carne após o abate, havia indicação de que um defeito na regulação de cálcio poderia estar envolvido, mantendo elevada a concentração de Ca++ sarcoplasmático (Mickelson e Louis, 1992).
Fujii et al. (1991) desenvolveram método baseado na Reação em Cadeia da Polimerase-Polimorfismo do Comprimento dos Fragmentos de Restrição (PCR-RFLP) para a determinação do genótipo PSS dos animais a partir A técnica de PCR-RFLP permitiu identificar o ponto de mutação do gene que codi?ca para o receptor rianodina do canal de Ca++ do retículo sarcoplasmático da célula muscular e, assim, distinguir três genótipos. A partir de DNA extraído de amostras de tecidos é produzido um fragmento de 81 pares de bases que, submetido à digestão pela enzima de restrição Hhal (CGC/C) produz dois fragmentos de 49 e 32 pares de bases em suínos homozigotos normais com dois alelos dominantes (HalNN). Em suínos heterozigotos (HalNn), obtêm-se três fragmentos de 49, 32 e 81 pares de bases respectivamente e somente um fragmento de DNA de 81 pares de bases para suínos PSS, mutantes homozigotos recessivos (Halnn).
O receptor rianodina (RYR) é uma proteína de 350 kDa que faz parte do canal de Ca++ do retículo sarcoplasmático. A mutação ocorre na posição 1843, de uma base C (citosina) para uma base T (timidina) no gene que codi?ca para esta proteína resultando na substituição de um resíduo de arginina (Arg) na posição 615 da seqüência normal da proteína para um rsíduo de cisteína (Cys) na seqüência mutante. Esta mutação está significativamente correlacionada com a síndrome suína PSS em todas as principais raças suínas testadas (Fujii et al., 1991; Mickelson e Louis, 1992).
Nos suínos PSS, a constante de velocidade de liberação de Ca++ do retículo sarcoplasmático é aproximadamente o dobro em relação aos animais normais. Podese esperar, com isso, que a concentração de Ca++ no sarcoplasma, em decorrência de um estímulo na junção mioneural, sofra uma elevação muito acima da quantidade necessária para desencadear um ciclo de contração mesmo em presença de um aumento de atividade da ATPase de Ca++ do retículo sarcoplasmático cuja finalidade é restaurar a concentração de íons Ca++ no sarcoplasma para níveis de repouso muscular.
Esta elevação na concentração de íons Ca++ no sarcoplasma prolonga a estimulação da atividade contrátil do músculo e estimula também, um rápido desdobramento de glicogênio resultando em exacerbação do metabolismo com produção de calor (Mickelson e Louis, 1992).
Em carne de suínos portadores do gene Haln, heterozigotos (HalNn) ou homozigotos recessivos (Halnn) expostos a fatores estressantes no período que antecede o abate apresentam alterações musculares muito rapidamente após a sangria. Isso ocorre em função da liberação muito mais rápida de íons Ca++ pelo retículo sarcoplasmático do que em animais normais. A concentração de íons cálcio no sarcoplasma se eleva muito acima da quantidade necessária para iniciar um ciclo de contrações e a alta atividade enzimática da ATPase de Ca++ da membrana do retículo sarcoplasmático (bomba de cálcio) que se observa nessa situação, não é suficiente para restaurar a concentração de íons Ca++ no sarcoplasma até níveis de repouso ou relaxamento muscular.
Nos músculos de suínos sensíveis ao halotano, é necessária uma concentração 10 vezes maior de íons Ca++ para inativar os receptores rianodina dos canais de Ca++.
Suínos heterozigotos para o gene halotano (HalNn) apresentam propriedades intermediárias na liberação de cálcio pelso receptores rianodina em relação a animais homozigotos normais (HalNN) e homozigotos recessivos.
A súbita elevação de íons Ca++ no sarcoplasma aumenta a velocidade de utilização do ATP muscular e da glicogenólise e com isso, a velocidade de declínio do pH é acelerada. A carne pode atingir valores iguais ou mesmo inferiores a 5,8 em menos de uma hora post mortem (pH45 ±5,8). Neste momento, a temperatura da carcaça encontra-se em torno de 36oC ou mais, dependendo dos estímulos recebidos pelo animal antes do abate e de como o animal responde aos mesmos.
A combinação pH baixo – musculatura quente provoca a desnaturação das proteínas, especialmente das miofibrilares, responsáveis pela retenção de água na carne.
O declínio rápido do pH post mortem é portanto, o efeito mais importante do gene halotano. Ele não afeta o pH ?nal da carne suína.
A conseqüência deste efeito é o aparecimento de músculos pálidos, flácidos que perdem muita água. A capacidade de retenção de água se reduz a ponto de inutilizar esta matéria prima para a fabricação de presunto cozido ou cru e pode sofrer rejeição se for vendida como carne fresca.
A coloração pálida ou extremamente pálida das carnes suínas PSE está fortemente associada à redução da capacidade de retenção de água das proteínas miofibrilares devido à perda da solubilidade das mesmas causando o deslocamento da água para fora das células. Assim, as carnes PSE por terem mais superfície (a perda de água causa redução do volume), re?etem mais luz em relação às carnes normais.
Este defeito das carnes suínas se manifesta em diferentes graus. Somente os casos extremos são facilmente observados através da medida de pH aos 45–60 minutos post mortem. Nos casos moderados, a carne pode apresentar dois tons, provocadas pelo aparecimento de áreas pálidas, restritas, na superfície de corte, visualizadas como manchas claras e escuras. Estes casos são os mais freqüentes, difíceis de serem identificados na linha de matança sendo reconhecidos somente após o resfriamento das carcaças (Ourique, 1989; Culau et al., 1994).
A coloração da carne torna-se mais pálida com o aumento do número de alelos Haln respectivamente, nos animais heterozigotos (HalNn) e homozigotos recessivos (Halnn) (Smet et al., 1995; Culau, 1999).
Culau (1999) observou uma freqüência do genótipo halotano normal (HalNN) em suínos abatidos em matadouro-frigorí?co comercial da Região Sul do Brasil igual a 61,59%, genótipo heterozigoto (HalNn) igual a 33,77% e homozigoto recessivo (Halnn), 4,64%. De modo geral, as caracteráisticas de qualidade tenderam à degeneração quandooaleloHaln estavapresentenogenótiposuíno(Tabela1)(Culau, 1999). Esses dados mostram que a produção de animais heterozigotos explique a ocorrência de casos moderados de PSE em carne suína e justifiquem a dificuldade de identificá-las através da medida de pH aos 45-60 minutos ou da medida de re?etância aos 40–45 minutos post mortem. A presença de um alelo Haln no genótipo pode não ser suficiente para desencadear rapidamente a liberação de íons Ca++ do retículo sarcoplasmático e abaixar rapidamente o pH da carne antes de uma hora após o abate.
Sob influência de estímulos estressantes e/ou presença do gene halotano, os processos anormais ocorrem mais nitidamente em fibras musculares brancas que se caracterizam pela baixa concentração de mioglobina, metabolismo glicolítico dependente das reservas de glicogênio, determinante da contração fásica destas fibras. O sistema enzimático glicolítico das fibras brancas decompõe rapidamente o glicogênio em condições de anoxia (músculo vivo) ou anaerobiose (falta de oxigênio após a sangria).
Os músculos longo dorsal, semimembranoso, bíceps femural e glúteo médio são classificados como "músculos brancos" devido à alta concentração de fibras brancas. São portanto, suscetíveis à incidência de PSE, apresentando diferenças metabólicas e contráteis que alteram as curvas e principalmente a velocidade da glicólise como resposta aos estímulos ocorridos antes e após o abate.
A coloração pálida do pernil PSE se manifesta nos músculos mais externos enquanto os músculos internos aparecem normais ou mesmo com características DFD (Gariépy et al., 1997).
O mesmo ocorre no lombo suíno. A coloração pálida é observada é observada somente no músculo longo dorsal, enquanto os demais músculos aparecem com coloração normal (Figura 1) (Culau, 1999).
Os principais músculos do lombo e do pernil, respectivamente longo dorsal (Longissimus dorsi) e o semimembranoso (Semimembranosus) são os músculos de leição para a avaliação da qualidade da carne suína, através das medidas de pH inicial e/ou re?etância por serem acessíveis em carcaças intactas.
Os valores de pH destes músculos, medido no mesmo momento, se correlacionam entre si indicando que o padrão de declínio do pH num músculo é semelhante ao que está acontecendo no outro músculo. Em geral, o pH inicial do lombo é sempre um pouco inferior ao do pernil (Ourique, 1989).
 
Gene "Rendement Napole." (RN-)
Outro gene, associado às "carnes suínas ácidas", oriundo da raça Hampshire ("efeito Hampshire") provoca uma diminuição do rendimento tecnológico de produtos curados cozidos na ordem de 56% em comparação com carnes suínas normais (Gariépy et al., 1997).
As características de qualidade das "carnes ácidas" são semelhantes às das carnes PSE sendo detectadas porém, somente no final do resfriamento das carcaças, quando apresentam valores de pH ?nal muito abaixo do normal, igual a 5,4 ou menos. A velocidade de declínio do pH nestas carnes é normal mas a intensidade com que ocorre o desdobramento do glicogênio muscular é muito maior do que em suínos normais. Por isso, esta característica se manifesta tardiamente após o abate.
Este gene, denominado "Rendement Napole", associado ao potencial glicolítico, afeta a capacidade de retenção de água dos músculos ricos em fibras brancas causando perda de água (4–6%) durante o resfriamento (drip loss) e durante o cozimento (heat loss).
Altos valores de potencial glicolítico estão relacionados ao alelo dominante RN-. Animais com alto potencial glicolítico nos músculos são classificados como homozigotos dominantes (RN-RN-) ou heterozigotos (RN-rn+). Animais homozigotos recessivos (rn+rn+) são classificados como normais, produzindo carne com características de qualidade normais.
O efeito do gene RN- se manifesta pelo aumento da concentração de glicogênio muscular, em torno de 70% acima do valor normal encontrado em suínos rn-rn-, no músculo Longissimus dorsi, típico "músculo branco" (Sellier, 1995).
 
Fatores que interferem no metabolismo muscular antes do abate.
A ocorrência de carnes suínas anormais pode ser devido a fatores ligados ao manejo pré-abate, principalmente o transporte da granja ao matadouro e descanso pré-abate. Estima-se que ocorram perdas significativas tanto em quantidade como em qualidade somente por estas causas (Peloso, 1998).
É certo que a presença do gene halotano (Haln) no genótipo suíno faz aumentar a freqüência de carcaças PSE quando comparadas às carcaças produzidas por animais livres do gene halotano.
Culau (1999), utilizando a medida de pH inicial (pH ≤ 5,8) para diferenciar carnes suínas PSE das carnes normais, encontrou 58,82% de carcaças PSE oriundas de suínos heterozigotos (HalNn). Dentre os suínos com genótipo halotano recessivo (Hal[nn]), a freqüência de carcaças PSE foi de 85,71% e entre os animais normais, a freqüência foi igual a 36,56%. Neste trabalho, verificou-se que suínos portadores do gene halotano produziram carne normal e, em contrapartida, nem todas as carnes com características PSE foram provenientes de animais portadores do gene halotano e sim de animais normais. Estes resultados indicam que o manejo pré-abate pode estar influenciando a incidência de carne PSE.
Costuma-se afirmar que é necessária a interação de fatores para a ocorrência de carnes PSE em suínos mesmo que sejam portadores do gene halotano (Haln). Sabe-se, por outro lado, que os procedimentos de abate por si só se constituem em fatores estressantes muito fortes para os animais (Grandin, 1994). A presença do gene halotano nos suínos intensifica mais ainda a influência desse importante componente de estresse que é o abate e que inclui os instantes que o precedem, ou seja, o deslocamento dos animais das pocilgas de matança até o momento da insensibilização. Talvez isto possa explicar a ocorrência de carcaças PSE mesmo após um adequado manejo pré-abate dos animais e um excelente método de resfriamento das carcaças.
Ao se produzir suínos heterozigotos, os cuidados com o manejo pré e pós-abate devem receber atenção especial pois a sensibilidade ao gene Haln não é totalmente recessiva com respeito a algumas características, podendo ocorrer deficiências de qualidade se tais condições não forem adequadamente controladas (Sellier, 1995).
 
Carnes suínas DFD e SER.
Quando os suínos têm suas reservas de glicogênio muscular reduzidas algum tempo antes da sangria, a carne acidifica pouco e 24 horas após o abate, o valor do pH após o resfriamento é praticamente igual ao pH inicial. A carne resultante é muito escura, firme e com a superfície de corte muito seca, sendo conhecida como carne DFD (Dark, Firm and Dry). Esta anomalia tem sido associada ao manejo pré-abate, após o transporte dos animais por longas distâncias e principalmente após longos períodos de descanso pré-abate. Períodos de espera iguais ou maiores que 20h causam um significativo aumento da freqüência de carcaças DFD. Abate de suínos em dias com temperaturas ambientais em torno de 5oC provoca aumento da freqüência de carnes DFD (Ourique, 1989).
Quando o pH permanece inalterado após 24 h do abate (pH ≥ 6,0), as proteínas miofibrilares se encontram muito acima de seu ponto isoelétrico. Neste caso, a capacidade de retenção de água está muito alta e a água se mantém dentro da célula, unida às proteínas mio?brilares. Por isso, a luz incidente é pouco refletida dando aparência escura à carne (Judge et al., 1989).
Uma condição muito especial de carnes escuras já foi citada por Sayre et al. (1964) que, estudando a aptidão da carne suína ao processamento tecnológico, realizaram classificação das amostras segundo suas diversas características morfológicas. Estes autores selecionaram um grupo de amostras, escuras e exsudativas, representando uma glicólise extensiva ocorrendo numa velocidade moderada, adquirindo, assim, um baixo pH ?nal (em torno de 5,2) com coloração normal e presença de exsudato na superfície (Reddish Pink, Soft and Exudative). Estas carnes apresentam problemas semelhantes às carnes PSE porque sofrem significativa desnaturação das proteínas miofibrilares perdendo sua capacidade de retenção de água com alteração de sua textura impedindo a fabricação de produtos curados cozidos (van Laack et al., 1995).
 
Relações entre as características de qualidade da carne suína.
O pH inicial, muito utilizado como indicador da velocidade de glicólise post mortem e, consequentemente, da qualidade final da carne, temsidorelacionadoàcor, avaliada 24hapósoabateeàcapacidadederetençãodeágua. Em geral, estascaracterísticas estão bem associadas quando o pH inicial é típico de carne PSE (pH ≤5,8). Em valores iguais ou inferiores a 6,0, a correlação não é tão boa.
O pH final da carne suína, em geral, apresenta coeficientes de correlação muito altos com a cor (r=0,68 a r=0,58), avaliada no mesmo momento (20 a 24 h post mortem) enquanto sua relação com a capacidade de retenção de água não é muito consistente (r=0,3) uma vez que o pH final sofre pouca variação em relação ao pH inicial.
Tabela 1 - Médias e desvio padrão das variáveis qualitativas analisadas em carcaças suínas segundo o genótipo halotano (Culau, 1999)
Transformações post mortem e qualidade da carne suína - Image 1
 
Figura 1 - Amostras de carne suína, músculo Longissimus dorsi: na parte superior, genótipo halotano Halnn (homozigoto recessivo); na parte inferior, genótipo halotano HalNn (heterozigoto) (Culau, 1999).
Transformações post mortem e qualidade da carne suína - Image 2
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*O trabalho foi originalmente apresentado durante a 1ª Conferência Internacional Virtual sobre Qualidade de Carne Suína, 2000.
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Autores:
Jane Maria Rübensam
Universidad Federal Do Rio Grande do Sul UFRGS
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Oity B. Freitas
22 de mayo de 2012

Muito bom.....

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