A gordura de origem animal é considerada pelos consumidores um constituinte indesejável na carne, fato que leva a cadeia suinícola a investir continuamente no melhoramento genético e em nutrição, visando a redução na quantidade de gordura e, consequentemente, aumento da quantidade de carne na carcaça. No entanto, a gordura e os ácidos graxos, quer no tecido adiposo ou muscular, são importantes contribuintes em muitos aspectos de qualidade da carne (WOOD et al., 2008), tanto nutricionalmente quanto nas características sensoriais da carne.
A quantidade e a qualidade da gordura depositada nas carcaças suínas varia muito em função da genética, classe sexual, peso de abate, dieta e do músculo ou corte analisado. Os lipídios estão distribuídos na carne entre a gordura subcutânea, intermuscular e de marmoreio (intracelular e em adipósitos isolados). O local de maior deposição de tecido adiposo em suínos é subcutâneo, variando entre 60 a 70% do total de tecido adiposo no momento do abate. A gordura interna, associada aos órgãos, representa 10 a 15 % e o depósito de gordura intermuscular entre 20 a 35 % (GERBENS, 2004).
Os principais tipos de lipídios encontrados na carne são os triglicerídeos (82%), fosfolipidios (14%), ácidos graxos livres (1,7%) e colesterol (1,6%). Também fazem parte da gordura da carne, mas em menores proporções, os mono e diglicerídeos e os ácidos graxos livres
Os triglicerídeos são compostos por uma molécula de glicerol e três cadeias de ácidos graxos. Além da quantidade de lipídios, a composição destes ácidos graxos irá determinar o valor nutricional da carne. Em média, a carne suína possui 40% de ácidos graxos saturados, 47% de monosaturados e 13% de poliinsaturados. Essa composição de ácidos graxos na carne pode variar em função da dieta dos animais. O local de deposição na carcaça também altera a composição de ácidos graxos, conforme indicado na Tabela 1. A razão ideal entre ácidos graxos insaturados/ácidos graxos saturados, na dieta humana, deve ser maior que 0,45.
Tabela 1: Composição de ácidos graxos em suínos de acordo com o local de deposição.
O consumo de ácidos graxos saturados está associado ao aumento dos níveis séricos de colesterol e do risco de doenças coronarianas. Entretanto, nem todos os AGS são hipercolesterolêmicos. Estudos indicam que o ácido esteárico (C18:00) pouco altera os níveis de colesterol sérico em humanos. O ácido esteárico, que representa 12% do total de ácidos graxos da carne suína, é pouco armazenado nos tecidos humanos, sendo logo convertido em ácido oléico (C18:1) pela enzima endógena Δ9-dessaturase. Os ácidos láurico (C12:00) e mirístico (C14:00), por sua vez, provocam grande impacto. No entanto, a quantidade destes ácidos graxos na carne é muito baixa – a carne suína possui menos de 0,06% de ácido láurico e de 1,1% de ácido mirístico, do total de ácidos graxos.
Já o ácido palmítico (C16:00) é o que mais impacta nos níveis de colesterol, principalmente porque eleva os níveis do colesterol ruim (LDL – Lipoproteína de baixa densidade), sendo o ácido graxo saturado que aparece em maior proporção (24%). Entre os ácidos graxos da carne, este é o que mais aumenta os riscos de arterosclerose, doenças cardiovasculares e de acidentes vascular cerebral.
Entre os ácidos graxos insaturados, o que aparece em maior quantidade é o ácido oléico (32%). Os ácidos graxos essenciais, linolênico (C18:3n-3) e o linoléico (C18:2n-6), compõem 0,95 e 14,2% do total de gordura, respectivamente. Ácidos graxos essenciais são aqueles que não são sintetizados pelas células do organismo e que, portanto, devem ser adquiridos através da alimentação.
O metabolismo dos ácidos linolênico e linoléico requer a síntese das mesmas enzimas, resultando na competição entre as duas famílias de ácidos graxos. Um excesso de ácidos graxos da família dos ômegas 6 pode interferir no metabolismo dos ácidos graxos da família dos ômegas 3, reduzindo a síntese dos ácidos graxos de cadeia longa ômega 3, como os docosapentaenóico (C22:5n-3) e o eicosapentaenóico (C20:5n-3), alterando seus efeitos biológicos. Já o metabolismo do ômega 6 (linoléico), resulta na formação do ácido araquidônico (C20:4n-6).
O ácido eicosapentaenóico atua relaxando os vasos sanguíneos e evitando a formação de coágulos sanguíneos; já o ácido araquidônico propicia a constrição dos vasos e formação de coágulos. Apesar de desempenharem funções opostas, ambos são necessários para a manutenção do equilíbrio do organismo. Por isso, é recomendado uma razão n-6/n-3 menor que quatro. A análise da carne de suínos tem verificado valores da relação n-6/n-3 variando entre 10 a 20, sendo os menores valores encontrados em carne de suínos suplementados com dietas com alta porcentagem de ômega 3, como semente de linhaça e óleo de peixes.
Em suínos, a medida que o animal cresce, aumenta na gordura subcutânea a proporção dos ácidos graxos C18:0 e C18:1 e diminui a proporção de C18:2 n-6. Comparando classes sexuais, machos inteiros possuem menor espessura de gordura subcutânea e maior proporção de poliinsaturados (WOOD et al., 2008).
A gordura da carne suína é susceptível a oxidação lipídica, por ter em sua composição química ácidos graxos poliinsaturados, que servem de substrato para a inicialização do processo de oxidação, o qual tem a capacidade de interferir na qualidade da carne e de seus derivados, podendo limitar sua aceitabilidade (WEBER; ANTIPATIS, 2001; DEVATKAL; NAVEENA, 2010).
A rancidez oxidativa desenvolve sabores indesejáveis, altera a coloração da carne, reduz seu valor nutricional, devido à destruição de vitaminas e ácidos graxos essenciais, além de produzir substâncias potencialmente tóxicas (aldeídos, cetonas, alcoóis e hidrocarbonetos) (GRAY; GOMAA; BUCLKEY, 1996).
A oxidação lipídica é um fenômeno espontâneo e inevitável, com uma implicação direta no valor comercial dos produtos cárneos in natura ou processados (SILVA; BORGES; FERREIRA, 1998). O processo de deterioração é favorecido após o abate dos animais. A ausência de circulação sanguínea provoca desequilíbrio no sistema de defesa antioxidante e, associado a este processo, a carne ficar exposta a fatores que estimulam a produção de radicais livres. Estes eventos resultam no excesso de pró-oxidantes sobre os antioxidantes (MORRISSEY et al., 1998; RACANICCI, 2004).
Nos suínos o tecido adiposo pode ser ainda bastante manipulado, uma vez que as variações de sua participação são altas nos diferentes locais de deposição.
Efeito da dieta
Suínos, por serem monogástricos, são passíveis de mudar a composição dos ácidos graxos em função da dieta, visando melhorar o valor nutricional da carne.
Dietas ricas em ácidos graxos poliinsaturados aumentam significativamente os níveis dos ácidos linoléico e linolênico no músculo longissimus dorsi e na gordura subcutânea e, paralelamente, aumenta a razão poliinsaturado:saturado e decresce a razão linoléico:linolênico, reduzindo os riscos associados a doenças cardiovasculares em humanos (MOREL; MCINTOSH; JANS, 2006). Entretanto, o aumento da porcentagem de ácidos graxos insaturados resulta em maior suceptibilidade a oxidação lipídica na carne e nos produtos processados (MITCHAOTHAI et al., 2007).
Milinsk et al. (2007) observaram que a inclusão de torta de girassol na dieta de suínos diminuiu a proporção de ácidos graxos saturados e monoinsaturados e aumentou a de poliinsaturados na carne de pernil de suínos (biceps femoris, semimembranosus e semitendinosus).
Segundo Enser et al. (2000) a inclusão de semente de linhaça na dieta de suínos aumentou a proporção do ácido linolênico (C18:3n-3) em 56%, de ácido timnodônico (C20:5n-3) em 100%, do ácido cervônico (C22:6n-3) em 35% diminuiu a proporção do ácido linoléico (C18:2n-6). Em estudo conduzido por Morel, Mcintosh e Jans (2006) verificaram-se que a substituição de semente de linhaça e óleo de soja por sebo bovino na ração de suínos, aumentou a relação poliinsaturado:saturado (0,66 vs 0,44) e decresceu a razão linoléico:linolênico (6,5 vs 18,2).
Esses resultados mostram o potencial de manipulação da dieta dos suínos, visando a produção de uma carne capaz de suprir as necessidades humanas de proteínas de alto valor biológico, sem comprometer a saúde.
Ractopamina
Os agonístas Β-adrenérgicos, como a ractopamina, são promotores do crescimento que agem como modificadores do metabolismo do animal, sendo análogos estruturais de hormônios denominados como catecolaminas (adrenalina e noradrenalina). São usados na produção animal por melhor o desempenho e promover a deposição de tecido muscular em detrimento do tecido adiposo.
No metabolismo celular, os agonístas Β-adrenérgicos encontram-se associados com a proteína GS, que quando acionada, altera a estrutura terciária da adenil ciclase ativando-a e aumentando o AMPc (3’,5’-monofosfato de adenosina). O AMPc age sobre proteínas quinase-dependentes do AMPc, ativando-as. Ocorre a fosforilação de várias proteínas, resultando em um aumento do catabolismo (lipólise) e uma redução no anabolismo (biossíntese de ácidos graxos e triglicerídeos) (MERSMANN; CAREY; SMITH, 1997). Os agonístas Β-adrenérgicos também inibem a sensibilidade dos adipócitos a insulina. No tecido muscular, os agonístas Β-adrenérgicos podem estimular o crescimento muscular pela síntese protéica ou pela redução da degradação protéica.
O aumento no conteúdo de carne na carcaça de suínos suplementados com ractopamina, encontrado por Crenshaw et al., (1987) foi de 3,4% e a redução na gordura foi de 3%. Warris et al., (1990) observaram um acréscimo de 0,9% no conteúdo de carne na carcaça e uma redução no teor de gordura de 0,8. Rocha et al., (2013) verificaram uma aumento de 1,54 kg no peso de carcaça quente e 0,65 pontos percentuais no conteúdo de carne na carcaça para suínos tratados com ractopamina.
A resposta da suplementação de ractopamina no crescimento muscular depende da capacidade genética do suíno para desenvolver o tecido muscular. Ao fornecer ractopamina para suínos, Bark et al., (1989) observaram que animais com capacidade genética média para deposição de tecido muscular apresentaram maior deposição de tecido muscular do que aqueles com baixa capacidade de deposição de tecido muscular. Entretanto, Warris et al., (1990) verificaram que o agonísta Β-adrenérgico salbutamol melhorou a qualidade da carcaça (maior rendimento de carcaça e aumento da musculatura), tanto para as linhagens de suínos tradicionais como para as de carne. Porém, a redução da gordura foi menos pronunciada nas linhagens de carne. Esses estudos indicam que suínos de diferentes genótipos halotano podem apresentar respostas distintas à adição de ractopamina na ração.
Ácido linoléico conjugado (CLA)
O termo CLA é utilizado para designar um grupo específico de ácidos graxos, isômeros geométricos e posicionais do ácido linoléico (C18:2n-6). A designação coletiva é utilizada, pois todas as moléculas conhecidas deste grupo tem uma configuração espacial semelhante, apresentando duas ligações duplas intercaladas por uma ligação simples (ligações duplas conjugadas) na cadeia carbônica principal (MARTIN; VALEILLE, 2002).
Os efeitos benéficos do CLA são diretamente ligados ao tipo de isômero (DUNSHEA et al., 2005). O isômero capaz de reduzir a deposição lipídica e melhorar a eficiência alimentar é o trans10, cis12. Este produto tem um comportamento dose dependente, e propicia uma maior redução da gordura subcutânea quanto mais gordura tiver o animal tratado.
Andretta et al., (2009) realizaram uma meta análise com o objetivo de avaliar a relação entre CLA, desempenho e qualidade de carcaça de suínos em 15 artigos publicados entre 1999 e 2006 incluindo mais de 200 dietas e 5 mil animais. Os resultados encontrados mostraram que o uso de CLA apresentou correlação positiva, embora baixa, com o consumo de ração e o ganho de peso. Entre as medidas de composição de carcaça encontrou-se uma correlação positiva entre deposição de carne magra e o nível de CLA nas dietas.
Considerando os resultados positivos para aumento de deposição de massa muscular magra o CLA vem sendo apresentado como uma alternativa viável ao uso da ractopamina. Entretanto, a principal diferença entre esses aditivos é que o CLA não exige um aumento nos níveis de proteína (especialmente lisina) dietética e produz uma carne com gordura de qualidade diferenciada (WEBER et al., 2006).
Magnésio
O magnésio é um importante co-fator em várias reações celulares, participando de quase todas as ações anabólicas e catabólicas do organismo. Esse mineral possui potencial como repartidor de nutrientes, por aumentar a quantidade de carne magra depositada na carcaça e diminuir a deposição de tecido adiposo. O magnésio pode indiretamente interromper a lipogênese, reduzindo as concentrações de ácidos graxos livres disponíveis para a biossíntese de lipídio (APPLE et al., 2000).
A suplementação de magnésio (0,4% de inclusão) na dieta de terminação de suínos resultou na redução de aproximadamente 20% da espessura de gordura na carcaça, aumentou 2 pontos percentuais no rendimento de carne na carcaça e 3 pontos percentuais no índice de bonificação (TARSITANO et al., 2013).
Vitamina E
A inclusão de antioxidantes na dieta de suínos, como a vitamina E, é recomendado quando se utiliza recursos para modificar o perfil de ácidos graxo, visando aumentar a quantidade de ácidos poliinsaturados, visto que a oxidação lipídica inicia-se mais facilmente conforme aumenta o número de duplas ligações nos ácidos graxos.
A vitamina E (α-tocoferol) é um potente anti-oxidante por reagir com os radicais livres, que são instáveis e reativos, evitando a propagação das reações e a formação de substâncias estáveis e tóxicas. Para obter os efeitos antioxidantes da vitamina E é necessário suplementar com doses entre 100 a 200 mg/kg de ração.
Silva et al. (2013) verificaram que a suplementação dietática por 28 dias, de um complexo de vitamina E e C, reduziu a oxidação lipídica da carne de suínos em 30%, 0,09 vs 0,13 mg de malonaldeído/kg do grupo suplementado e controle, respectivamente
A cor da carne também pode ser beneficiada pelo fornecimento de vitamina E. Quando a carne é exposta ao oxigênio, o ferro presente na mioglobina é oxidado, convertendo-a em metamioglobina. A metamioglobina define uma cor marron à carne, o que limita o prazo de validade da mesma. Como a vitamina E é um antioxidante, esta reage com os radicais livres precursores da oxidação ou atua sequestrando as moléculas de oxigênio, preservando assim a cor da carne por manter o ferro na forma reduzida.
Cromo
A suplementação dietética de cromo para suínos melhora a qualidade da carne, diminuindo a oxidação lipídica e aumentando o seu prazo de validade.
O cromo diminui a formação de radicais livres (PREUSS et al., 1997). A formação dos radicais livres pode decorrer a partir dos AGEs (Advanced Glycation End-products), formados durante a glicação, onde a molécula de açúcar em excesso, se adere a uma molécula de proteína (colágeno, elastina, dentre outras), originando-os (BIERHAUS et al., 1998; JAKUS; RIETBROCK, 2004). O cromo potencializa a ação da insulina e reduz o excesso de glicose circulante (EVANS; BOWMAN, 1992), consequentemente menor quantidade de AGEs é formada, resultando em menos radicais livres agindo sobre as estruturas biológicas, minimizando a susceptibilidade à oxidação lipídica destas carnes.
Em trabalho realizado por Peres et al. (2014) foi verificado que a suplementação de cromo foi eficiente na redução da oxidação lipídica de carnes provenientes de suínos suplementados na terminação com diferentes fontes de cromo. Os autores verificaram que a carne oriunda de animais sem a suplementação de cromo, mostrou-se mais oxidada (0,43 mg de malonaldeído/kg) que a carne dos animais suplementados com cromo inorgânico (0,36 mg de malonaldeído /kg) ou quelatado (0,32 mg de malonaldeído /kg).
Dietas suplementadas com cromo pode também reduzir a quantidade de gordura deposita nas carcaças suínas. A ação do cromo relacionada ao metabolismo de carboidratos refere-se mais especificamente ao estímulo da captação de glicose pelas células de tecidosalvo, por meio de amplificação da sinalização da insulina (EVANS; BOWMAN, 1992). A glicose é convertida em energia e esta energia adicional é combustível para síntese protéica, dando suporte para crescimento do tecido muscular (ANDERSON; KOLOZLOVSKY, 1985).
Conclusões
Muitas estratégias nutricionais estão sendo estudadas para modular a deposição e a composição da gordura nas carcaças suínas, sendo que algumas já estão incorporadas comercialmente. Mudanças na dieta visando melhorar a qualidade nutricional da carne suína, com maiores proporção de ácidos graxos poliinsaturados devem ser acompanhadas de fontes de antioxidantes, evitando danos na qualidade da carne.
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Esse artigo técnico foi originalmente apresentado na AveSui 2014.