Atualmente o Brasil exporta para uma lista de países bem maior do que dois ou três anos atrás, mas ainda continua exportando para países com pouca exigência em qualidade de carne. No entanto, há um esforço da ABIPECS para a abertura de novos mercados para a carne suína brasileira e devido a este esforço contínuo e tecnicamente muito bem calcado, em breve, o Brasil terá acesso a outros países asiáticos, que são mercados que remuneram melhor, mas que são mais exigentes. Quando chegar este momento, será natural uma maior cobrança da agroindústria brasileira por carne de melhor qualidade. A suinocultura nacional passará por uma mudança drástica, onde as metas a serem alcançadas nos sistemas de produção sofrerão ligeira alteração. Provavelmente não se buscará mais, apenas, uma boa conversão alimentar dos terminados, com um ganho de peso compatível com a área disponível para alojamento e redução da mortalidade. Serão incorporadas ao sistema de produção, metas para a qualidade da carne. A cor do lombo, o percentual de gordura intramuscular, a perda de água por gotejamento, a capacidade de retenção de água, das carnes entregues à indústria serão tão importantes quanto os itens citados anteriormente. A agroindústria passará a remunerar as carcaças com base em índices que possam indicar a qualidade da carne, como por exemplo, o pH da carne 45 minutos após o abate ou 24 após o abate, na saída da câmara fria antes da desossa. Apenas a tipificação das carcaças não bastará como estratégia para direcionar o tipo de carcaça que deverá ser entregue na indústria. Pesquisas serão necessárias para responder perguntas para as condições brasileiras, que poderão não coincidir com as respostas que foram obtidas no Canadá, nos Estados Unidos, na Holanda, na França, na Dinamarca, na Espanha, na Alemanha, na Inglaterra e em outros países com suinocultura desenvolvida. Não significa "redescobrir a roda" nem copiar os modelos adotados nestes outros países, mas significa usar toda a estrutura de pesquisa nacional, EMBRAPA, ITAL, Universidades e outros órgãos, para, através de experimentos bem elaborados e bem delineados, aprimorar o conhecimento de todas as condições pré-abate, abate e pós-abate que maximizem a produção de carne de boa qualidade que atenda a estes mercados extremamente exigentes. Os pesquisadores envolvidos deverão se preocupar entre outras coisas, em padronizar o máximo possível todas as variáveis que influenciam a qualidade da carne e deixar variar apenas aquilo que se quer medir, para não correr o risco de produzir resultados de pesquisas que serão questionáveis e de pouca aplicação prática. Todos sabem que no Brasil, os recursos para pesquisa, comparativamente aos países citados acima, são escassos e, portanto é redundante afirmar que o pouco dinheiro que se tem para pesquisa deve ser muito bem aplicado. Quando se trabalha com qualidade de carne é importante se controlar e padronizar entre outros pontos críticos, os citados a seguir:
1) Todas as condições de pré-abate:
1.1) a ração deve ser a mesma para todos os tratamentos em todas as fases de crescimento e terminação. A não ser que se esteja testando, exatamente, o efeito de algum componente da ração sobre a qualidade da carne. Algumas vitaminas e alguns minerais afetam a qualidade da carne. Exemplo: Vitamina E afeta a cor da carne e o Magnésio afeta praticamente todos os atributos da qualidade da carne.
1.2) o período de jejum deve ser exatamente o mesmo para todos os tratamentos, quando este não for o objetivo do estudo. É extremamente importante padronizar o período de jejum total entre 15 e 18 horas, pois o mesmo vai determinar a quantidade de glicogênio muscular e hepático no momento do abate e conseqüentemente a velocidade e curva da queda de pH pós-abate.
1.3) a lotação durante o transporte deve ser a mesma para todos os tratamentos e animais de todos os tratamentos deverão ser carregados no mesmo caminhão e igualmente distribuídos dentro das repartições do caminhão. Tem trabalhos mostrando que a posição do suíno dentro do caminhão, durante o transporte afeta a qualidade da carne.
1.4) a densidade dos animais na pocilga do frigorífico deve ser a mesma para todos os tratamentos (1,5 a 2,5 metros quadrados para cada 100 kg de peso vivo). A maneira de se carregar o caminhão deve ser a mesma para todos os tratamentos. Se usar choque, através de picanas elétricas à pilha, deve-se usar em todos os animais da mesma maneira (o ideal é que não se use). Se tiver que usar rampa para carregar os animais no piso superior do caminhão, a mesma não deve exceder 20 graus de declividade e todos os tratamentos deverão ser igualmente representados nas duas repartições do caminhão.
1.5) o tempo de permanência na pocilga deverá ser o mesmo para todos os tratamentos. Ideal, mínimo de 3 horas e máximo de 8 horas, apesar de chocar com as normas do SIF. O SIF está desatualizado com relação a este ponto. A tese de Mestrado de Robson Kholer mostra claramente isto.
1.6) a maneira de conduzir os animais até o atordoamento deve ser a mesma para todos os tratamentos. Novamente, se usar choque, através de picanas elétricas à pilha, deve-se usar em todos os animais da mesma maneira (o ideal é que não se use)
1.7) o atordoamento deve ser o mesmo para todos os tratamentos. As voltagens e amperagens utilizadas na insensibilização elétrica deverão ser conhecidas e descritas no Material e Métodos e deverão ser as mesmas em todos os abates.
1.8) a sangria deverá ser da mesma maneira e de preferência realizada pela mesma pessoa em todos os abates do experimento.
Padrão de Cor Japonês
Padrão de Gordura Intramuscular
2) Padronizar todas as condições de pós-abate:
2.1) todos os animais deverão ser dependurados pelo mesmo pé após a sangria (ou pelo direito ou pelo esquerdo, mas dever-se-á ser sempre o mesmo pé em todos os abates, pois, a tração sofrida altera a qualidade da carne do lado que foi dependurado).
2.2) o tempo de escalda e a temperatura da água deverão ser os mesmos em todos os abates e descritos no Material e Métodos.
2.3) o tempo entre o abate e a entrada dos animais na câmara fria deverá ser o mesmo em todos os dias de abate.
2.4) a temperatura da câmara fria deverá ser a mesma em todos os dias de abate e as amostras para se determinar o "Drip Loss" deverão ser dependuradas na mesma câmara fria que as carcaças ficarem. (Deve-se controlar a temperatura da câmara, de alguma maneira, durante as 48 horas que as amostras ficarem dependuradas dentro da mesma).
3) Padronizar a genética
A escolha da genética para atender um mercado que valoriza a qualidade de carne deverá se voltar para empresa de Melhoramento Genético que tenham desenvolvido um melhoramento equilibrado para características como, por exemplo, a gordura intramuscular, capacidade de retenção de água, cor e marmoreio, e ao mesmo tempo ser flexível e estar apta para atender mercados com demandas distintas. Os pontos de padronização quanto à genética são:
3.1) os animais deverão ser obrigatoriamente do mesmo tipo de cruzamento, ou seja, dever-se-á conhecer a genética do cachaço e das porcas que originaram os animais de abate e isto deverá ser padronizado, pois, há diferenças brutais entre linhas genéticas diferentes, mesmo dentro de uma mesma empresa de Melhoramento Genético.
3.2) todos os animais deverão ser de genótipo Halotano conhecido. O ideal é que todos sejam de genótipo NN, pois, em um futuro próximo todas as empresas deixarão de comercializar machos Carriers (Nn) ou recessivos (nn) para o gene Halotano que é um gene de efeito maior (Major Gene), para qualidade de carne. Uma alternativa é genotipar os animais antes de se formar os lotes de abate. Evitar trabalhar com linhagens que tenham a raça Hampshire na sua composição, sem conhecer o verdadeiro genótipo para o gene da carne ácida. Se optar por fazer a pesquisa com linhagens que sabidamente possuem a raça Hampshire, dever-se-á conhecer obrigatoriamente o genótipo dos animais para o gene da carne ácida; pois, o mesmo é um outro gene de efeito maior para qualidade da carne. Caso a genética seja o objeto de estudo é extremamente importante garantir que animais filhos de pelo menos 8 cachaços de cada linha estejam representando a linha a ser pesquisada, para evitar o efeito individual de um determinado cachaço. Isto deverá ser controlado pelo pesquisador.
4) Padronizar o sexo e a idade
4.1) apesar de não se colocar no modelo estatístico (para avaliação da qualidade da carne) é importante avaliar dados balanceados das duas categorias (machos castrados e fêmeas), ou seja, os dois sexos devem ser igualmente representados nos dois tratamentos. Se for avaliar também a qualidade da carcaça tem-se obrigatoriamente que colocar o sexo no modelo estatístico, pois, as fêmeas, sabidamente possuem carcaças melhores que os machos castrados. Uma opção é realizar o experimento apenas em um dos sexos para diminuir o número de animais a serem avaliados e interações.
4.2) a idade dos animais experimentais não deve exceder uma semana, ou seja, todos devem ser da mesma semana de nascimento e a idade média deve ser conhecida (é mais importante padronizar a idade do que o peso, mas, o ideal é padronizar os dois). Sabe-se que a deposição de mioglobina nas fibras musculares é idade dependente e a concentração da mesma influencia a cor da carne.
5) Usar as técnicas mais apropriadas para se conhecer a qualidade da carne que interessa à Indústria.
5.1) o pesquisador deve se lembrar que no Brasil pelo menos 70% da carne de suínos é comercializada na forma industrializada-embutida.
5.2) por isso, a qualidade sensorial ainda não é tão importante (maciez, suculência, sabor, textura e qualidade global são mais importantes em carne bovina e são metodologias bastante subjetivas e de difícil padronização).
5.3) de acordo com um grande conhecedor de carne suína da agroidústria nacional, respeitado internacionalmente, doutor João Degenhardt, é importante em carne de suínos se avaliar a Capacidade de Retenção da Água (CRA) ou Water Holding Capacity (WHC) do inglês (segundo ele, o melhor método é o de Grau & Hamm - antigo, mas insubstituível), a Perda por Gotejamento (PG%) ou Drip Loss do inglês (o melhor é o de Honickel ou suas variações - o do NPPC por exemplo), que são distintos; já que o CRA mede também a água ligada intra-celular e o Drip Loss não. Deve-se medir também a Cor pelo método japonês que é o melhor dos métodos, o pH 45 minutos após o abate e 24 horas após o abate e se possível a gordura intramuscular (nem se for, pelo menos, por um padrão de marmoreio-interessante lembrar que a Gordura Intra-muscular tem uma alta correlação com a qualidade sensorial da carne e pode ser uma maneira indireta de se estimar a mesma e de maneira objetiva).
Medição objetiva da Maciez da carne
Medição objetiva da Gordura Intramuscular utilizando extração por éter de petróleo
6) Avaliar o mínimo necessário para uma boa análise estatística
6.1) O ideal é ter no mínimo um N de 24 animais em cada tratamento, em cada dia de abate, podendo ser metade de machos e metade de fêmeas (12+12).
7) Repetir a avaliação para se eliminar o efeito do dia de abate
7.1) o dia de abate deve entrar no modelo estatístico
7.2) deve-se avaliar no mínimo 5 dias de abate. O ideal é que seja 7 dias de abate e sempre, todos os tratamentos devem estar representados em todos os dias de abate.
Controlar e padronizar todos estes parâmetros não é tarefa fácil, mas não é impossível e não deve ser negligenciado. Com um bom planejamento da pesquisa e com o envolvimento das pessoas da indústria é possível de se realizar. Conquistar mercados exigentes em qualidade de carne exigirá um esforço conjunto entre entidades de pesquisa e agroindústria.
Bibliografia consultada:
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