Introdução
Os grãos secos de destilaria com solúvel (DDGS) são um subproduto da indústria do etanol produzido pelo processo de fermentação de alguns grãos de cereais ricos em amido, principalmente o milho, e estão sendo cada vez mais utilizados na alimentação animal por ser um ingrediente altamente nutritivo (STEIN E SHURSON, 2009; ROCHELL, 2018). A produção de bioetanol de milho vem crescendo no Brasil ao longo dos anos, com um rendimento nacional de 6,3 bilhões de litros na safra de 2023/2024 (UNEM, 2025). Nas usinas brasileiras, estima-se que são extraídos 460 litros de etanol de cada tonelada seca de grãos de milho, gerando cerca de 380 kg de DDGS (CONTINI et al., 2019). Segundo a UNEM, foram produzidas no Brasil cerca de 3 milhões de toneladas de DDGS na safra 2023/24, destacando-se o estado do Mato Grosso, que representa a maior parte da produção deste ingrediente.
Devido a sua composição nutricional, especialmente a concentração proteica, o DDGS vem sendo cada vez mais utilizado como ingrediente estratégico nas formulações de dietas para animais de produção. Contudo, existe uma preocupação quanto aos níveis de segurança da inclusão do DDGS na alimentação animal, uma vez que a concentração inicial de micotoxinas nos grãos pode aumentar significativamente ao longo do processo de produção deste ingrediente (ZHANG et al., 2009; BOWERS E MUNKVOLD, 2014).
Ocorrência de micotoxinas no DDGS
Um estudo de RODRIGUES (2008) mostrou que 99% das amostras avaliadas de DDGS de milho produzido nos Estados Unidos continham pelo menos uma micotoxina detectável, e 87% apresentavam fumonisinas. OPLATOWSKA-STACHOWIAK et al. (2015) detectaram fumonisinas em todas as amostras 52 de DDGS de milho analisadas, com contaminação variando de 81 a 6.890 µg/kg para FB1. A pesquisa conduzida por RODRIGUES e CHIN (2012) corrobora os resultados acima mencionados; das amostras de DDGS de milho de origem mundial e analisadas para aflatoxinas, zearalenona, deoxinivalenol, fumonisinas e ocratoxina, as micotoxinas mais prevalecentes foram as fumonisinas, com 91% de ocorrência. Ainda, em um estudo conduzido com amostras de DDGS do Brasil analisadas por HPLC-MS/MS, MALLMANN et al. (2021) observaram que os metabólitos mais prevalentes foram a fumonisina B1 e B2, sendo detectadas em 98,8% (média de 3.207 μg/kg) e 97,6% (média de 1.243 μg/kg) das amostras, respectivamente. Tais resultados demonstram que as fumonisinas são as micotoxinas mais prováveis de serem encontradas nas amostras de DDGS, o que pode ser explicado pela elevada prevalência destas micotoxinas no milho (OLIVEIRA et al., 2017).
A contaminação simultânea dos alimentos com várias micotoxinas leva não só à supressão imunológica, mas também à redução do desempenho produtivo dos animais (GRENIER e OSWALD, 2011; ANDRETTA et al., 2016). A análise de 59 amostras de DDGS de milho da Tailândia para FB1, FB2, DON, ZEA e Beauvericina mostrou a co-ocorrência destas cinco micotoxinas em 50,8% das amostras (TANSAKUL et al., 2013). A presença de DON e ZEA nos cereais é esperada, uma vez que o principal agente patogénico no Brasil, Fusarium graminearum, produz ambas as toxinas (GERALDO et al., 2006). MALLMANN et al. (2021) observaram co-ocorrência de fumonisinas e aflatoxinas em 51% das amostras de DDGS no Brasil, já a co-ocorrência de fumonisinas e deoxinivalenol foi mais baixa, sendo observada em 19% das amostras.
Análises de rotina da concentração de micotoxinas em DDGS nas fábricas de rações antes da sua inclusão na dieta são cruciais para controlar a exposição dos animais aos efeitos adversos das micotoxinas (RODRIGUES e CHIN, 2012). Como a produção de etanol de milho no Brasil e na América Latina é consideravelmente recente, os dados sobre micotoxinas no DDGS são ainda escassos e representam um desafio para as investigações que visam mitigar a contaminação decorrente da utilização deste subproduto na alimentação animal. Portanto, determinar e quantificar a ocorrência única e simultânea das principais micotoxinas em amostras de DDGS de milho é de extrema relevância para a indústria de nutrição animal da América Latina.
Utilização da espectroscopia no infravermelho próximo (NIRS) para análise de micotoxinas no DDGS de milho
Neste levantamento, a Pegasus Science apresenta os principais resultados de contaminação micotoxicólogica no DDGS comercializado em diferentes países (Brasil, Colômbia, Paraguai, México e El Salvador), preditos através da tecnologia NIRS ao longo dos anos de 2023, 2024 e 2025. Foram analisadas 1.358 amostras de DDGS, das quais os espectros foram enviados através da Plataforma Olimpo, um serviço web da Pegasus Science, conectado a equipamentos NIRS localizados em diversos laboratórios e indústrias de diferentes países. As amostras foram previamente moídas, homogeneizadas e lidas usando equipamentos NIRS Foss e Bruker. Em seguida, foi realizado o upload do espectro na Plataforma Olimpo, onde as amostras foram preditas quanto à presença e concentração de fumonisinas B1 e B2 (FBs), aflatoxina B1 (AFB1), deoxinivalenol (DON) e zearalenona (ZEA). DON foi analisada em 2024 e 2025.
As curvas de calibração NIRS foram previamente desenvolvidas, baseadas em regressão por mínimos quadrados parciais com validação cruzada. O método de referência utilizado foi o HPLC-MS/MS. Os coeficientes de correlação para AFB1, FB1, FB2, DON e ZEA foram de 0,85, 0,88, 0,88, 0,84 e 0,85, respectivamente. Os limites de quantificação (LQ - em μg/kg ou ppb) para FB1, FB2, AFB1, DON e ZEA foram de 200, 200, 5, 250 e 30, respectivamente.
As fumonisinas foram as micotoxinas mais prevalentes no DDGS, com 99% das amostras positivas em 2023 (concentração média de 2.382 ppb), 97% em 2024 (concentração média de 1.980 ppb) e 99% em 2025 (concentração média de 2.527). O deoxinivalenol também foi frequentemente detectado, com 60% de ocorrência em 2024 (concentração média de 253 ppb) e 61% em 2025 (concentração média de 213 ppb).
A ocorrência de aflatoxina B1 e zearalenona foi baixa nos três anos. A aflatoxina B1 apresentou ocorrência de 1% em 2023 e 2024 e 0% em 2025, enquanto a zearalenona ocorreu em 1% das amostras em 2023, 0,9% em 2024 e 0,4% em 2025, todas com concentrações médias muito baixas (< LQ a 0,03 ppb para AFB1 e 0,28 a 4,8 ppb para ZEA). A única co-ocorrência relevante observada foi entre fumonisinas e deoxinivalenol, presente em 54% das amostras em 2024 e 57% em 2025.
Figura 1. Leitura de amostra de DDGS no NIRS
Conclusão
Os resultados deste estudo destacam a importância crítica do monitoramento de micotoxinas, especialmente FBs e DON, em DDGS de milho destinados à nutrição animal. Esses achados podem contribuir para a definição de níveis seguros de inclusão desse ingrediente nas rações. No que diz respeito ao DDGS produzido no Brasil, deve ser dada especial atenção à ocorrência de fumonisinas, micotoxinas de grande prevalência no milho produzido no Brasil, que podem eventualmente ser detectadas em concentrações de maior preocupação não só para a agroindústria brasileira, mas também para países que importam o DDGS de milho produzido no Brasil.
Por fim, a adoção de tecnologias de diagnóstico ágeis e de alta confiabilidade torna-se um fator crucial na tomada de decisão, permitindo uma gestão mais assertiva e economicamente eficiente para as empresas. A utilização do NIRS para a predição de micotoxinas no DDGS propicia resultados céleres, viabilizando a execução de um número substancialmente maior de análises, o que, por sua vez, garante maior segurança e precisão na utilização dos ingredientes.