INTRODUÇÃO
No sistema da produção agrícola, a fase da pós-colheita representa um período crítico na garantia da qualidade e a segurança dos alimentos. A gestão e manipulação correta dos grãos durante este estágio é crucial, não apenas para a conservação do seu valor nutricional, mas também para minimizar as perdas econômicas e os riscos à saúde associados à contaminação por micotoxinas. Micotoxinas - metabólitos secundários produzidos por fungos filamentosos - são substâncias tóxicas conhecidas por suas propriedades carcinogênicas, mutagênicas e imunossupressoras, representando um desafio significativo para a segurança alimentar global e para o desempenho produtivo dos animais que consomem tais grãos em sua dieta.
Assim, o período de pós-colheita é um processo em que não há melhorias no valor nutricional do produto, e sim, apenas a preservação de suas características. Nesse momento, esse material será qualificado econômica e nutricionalmente para utilização na formulação de dietas. A importância do monitoramento micotoxicológico dos grãos deve-se ao fato de que a grande maioria dos processos de secagem não consegue desempenhar a redução de umidade de forma rápida e uniforme em todo o volume de grãos, fazendo com que ocorram alterações termo-hídricas dentro dos silos que favorecem a produção de micotoxinas. Tais alterações podem ser controladas com o uso da aeração forçada. No entanto, mesmo com estabilidade térmica e cumprimento das Boas Práticas de Fabricação, ainda é comum a ocorrência de micotoxinas. Neste contexto, a amostragem se torna um ponto de extrema importância no processo de monitoramento micotoxicológico, uma vez que é a partir da amostra coletada que serão gerados os resultados que embasarão a tomada de decisões.
IMPORTÂNCIA DA AMOSTRAGEM PARA A ANÁLISE DE MICOTOXINAS
As micotoxinas são substâncias detectadas em concentrações na ordem de partes por bilhão (ppb), o que torna sua identificação precisa um desafio técnico considerável. Buscando-se compreender o quanto 1 ppb representa, pode-se fazer a relação com oito pessoas na população mundial (8 bilhões de pessoas); isso denota o grau de dificuldade em se estabelecer uma amostragem para micotoxinas. Transferindo isso para a realidade do milho, 1 ppb equivale a 1 grão de milho em 350 toneladas (10 caminhões com 35 toneladas).
Além da baixa concentração (em ppb), as micotoxinas não se distribuem uniformemente na massa de grãos; suas concentrações podem variar significativamente de um local para outro dentro de um silo ou armazém. Essa distribuição heterogênea tem início ainda na lavoura de milho, onde comumente são produzidas as micotoxinas de campo (fumonisinas, zearalenona e deoxinivalenol) pelos fungos do gênero Fusarium. Isso ocorre devido às diferentes condições de temperatura e umidade favoráveis ao crescimento fúngico e a consequente produção de micotoxinas em diferentes pontos da lavoura. Grãos com concentrações distintas de micotoxinas também podem ocorrer em uma mesma espiga de milho.
Tal heterogeneidade é transferida durante a colheita para os veículos de transporte de grãos, em seguida para a unidade de recebimento na moega, no secador, no armazenamento nos silos e armazéns, e finalmente para os grãos que serão utilizados para produzir a ração ou destinados para outro fim. Ainda, durante as etapas de recebimento, secagem e armazenamento de grãos, há maior risco de produção das “micotoxinas de armazenamento”, as aflatoxinas, que têm alta toxicidade e são produzidas por fungos do gênero Aspergillus. Durante o armazenamento, pode haver hot spots dentro dos silos, que são zonas de maior contaminação fúngica ocasionados principalmente pela presença de umidade excessiva em pontos localizados dentro da unidade de armazenamento, contribuindo também para a heterogeneidade do material.
A amostragem, portanto, é uma etapa crítica para garantir que os resultados analíticos sejam representativos e confiáveis. Embora não seja possível obter uma amostra 100% representativa de um lote, é fundamental adotar boas práticas para reduzir os erros, especialmente porque essa fase é a principal fonte de variação no processo analítico, que inclui também o preparo e a análise da amostra (Figura 1). Estudos apontam que a amostragem pode representar 60% ou mais da variação total que ocorre durante o processo de análise de micotoxinas.
Figura 1. Erros envolvidos nos procedimentos de quantificação de micotoxinas. Fonte: Adaptado de Whitaker et al. (2011).
AMOSTRAGEM EM SILOS E ARMAZÉNS
É importante ressaltar que a matéria-prima somente estará pronta para ser amostrada quando a temperatura e a umidade de conservação adequadas forem atingidas. A atividade de água (Aw) é outro parâmetro fundamental que deve ser monitorado em grãos armazenados. Valores superiores a 0,70 indicam condições favoráveis ao desenvolvimento de fungos e à produção de micotoxinas. Assim, a Aw se torna um fator crítico para a conservação dos grãos, sendo seu monitoramento uma estratégia essencial no controle do crescimento fúngico e da contaminação por micotoxinas durante o armazenamento.
Os procedimentos de coleta das amostras devem respeitar o princípio de que cada grão do lote tenha a mesma probabilidade de estar representado na amostra. Somente assim a informação será representativa e ideal para ser utilizada na qualificação do lote amostrado. Para tal, é necessário que sejam coletadas múltiplas amostras elementares do lote de grãos, formando uma amostra composta (ou pool). Em termos práticos, é necessário utilizar uma sonda pneumática para coletar as amostras de silos e armazéns; esta deve ser introduzida na massa de grãos, possibilitando a coleta desde o topo até a base. A quantidade de amostra coletada deve ser em torno de 10 a 20 kg, dependendo da profundidade da instalação. É recomendável que a quantidade de pontos de coleta e a separação de amostras por profundidade siga a demonstração ilustrada nas Figuras 2 e 3, variando em função do tamanho do silo ou armazém.
Figura 2. Recomendação para pontos de amostragem em silos. Fonte: Pegasus Science.
Figura 3. Recomendação para pontos de amostragem em armazéns graneleiros. Fonte: Pegasus Science.
A amostra em grãos apropriadamente coletada para a análise de micotoxinas é também representativa para análise de outros parâmetros, podendo ser utilizada para análise bromatológica e variáveis de classificação física do milho, como umidade, impurezas, grãos avariados e carunchados. A seguir, a amostra originada de cada ponto deve ser integralmente triturada em um triturador equipado com peneira de 3 mm; isso garante a fragmentação de cada grão em centenas de partículas e consequentemente uma pré-homogeneização da amostra, aumentando a sua representatividade. Após, a amostra deverá ser reduzida através de um quarteamento até o peso aproximado de 500 g. O passo subsequente é a moagem mais refinada da amostra, utilizando-se moedores específicos de laboratório equipados com peneira de 0,5 ou 1 mm para padronização da granulometria das partículas.
Ao seguir um protocolo adequado, é possível obter uma amostra representativa e confiável de um lote de grãos para a análise de micotoxinas ou de outras variáveis relevantes. Ainda, a utilização de ferramentas rápidas de predição surge como uma alternativa eficiente para a rotina das fábricas de ração, permitindo a análise de um número significativamente maior de amostras em menos tempo. Isso viabiliza a aplicação consistente de protocolos de amostragem adequados, contribuindo de forma efetiva para a gestão do risco de micotoxinas na indústria de nutrição animal.
CONCLUSÃO
A amostragem é o ponto de partida essencial no gerenciamento do risco micotoxinas. Devido à sua distribuição irregular nos lotes de grãos, esse processo é mais desafiador do que em análises de outros componentes, como proteínas. Essa variabilidade dificulta a obtenção de resultados verdadeiramente representativos, o que pode comprometer tanto a interpretação quanto a tomada de decisão. Portanto, realizar uma amostragem adequada é fundamental para identificar corretamente a presença de micotoxinas nas matérias-primas. Além disso, a implementação de um programa contínuo de monitoramento é crucial, pois permite avaliar o risco de contaminação de forma mais eficaz, auxiliando na tomada de decisões mais segura para toda a cadeia produtiva.