1. Introdução
Apesar das melhorias no desempenho dos índices zootécnicos de lotes de frangos de corte através dos ganhos em genética, nutrição e manejo, ainda há uma lacuna entre o potencial e o desempenho alcançado(1). A produção de carne de frango é baseada em manuais de empresas e linhagens avícolas e na experiência do produtor. Entretanto, o desenvolvimento de novas tecnologias na última década apoiou uma tomada de decisão nas granjas avícolas(2). Além disso, estudos epidemiológicos utilizando uma abordagem integrada para identificar os diferentes fatores que ameaçam o desempenho de frangos de corte em condições de campo são raros(1) .
A inteligência artificial (IA) foi desenvolvida em conjunto com a necessidade de se analisar um grande volume de dados através da computação de alto desempenho(3). As ferramentas de IA incluem as redes neurais artificiais (RNA), que são sistemas de computação inspirados em redes neurais biológicas que constituem cérebros de animais(4). A RNA é uma ferramenta útil para a classificação, agrupamento, reconhecimento de padrões e predição em diversas áreas, incluindo a produção animal(5). A principal vantagem dos modelos de RNA é que eles consideram a não linearidade da relação entre os dados de entrada e saída(6). Outras propriedades interessantes incluem autoaprendizagem, adaptabilidade e tolerância a falhas(5) .
Estudos anteriores conduzidos por nosso grupo de pesquisa demonstraram que a RNA pode ser usada para o gerenciamento de parâmetros de desempenho em diferentes áreas da produção avícola(3,7-10). Além disso, a RNA tem sido utilizada para avaliar a depleção de linfócitos na bolsa de Fabricius e no timo(3, 11, 12). Outros modelos matemáticos e sistemas de inteligência também têm sido desenvolvidos para possibilitar o gerenciamento de dados em diversas áreas da cadeia produtiva avícola(13-16) .
A melhoria em produtividade aumenta a competitividade da indústria avícola. Assim, é imprescindível determinar os fatores internos e externos que podem afetar a produção avícola e aumentar o custo ou reduzir a receita. A identificação desses fatores pode subsidiar o estabelecimento de estratégias para melhorar a produtividade(17). O objetivo desse estudo foi avaliar a capacidade dos modelos de RNA em predizer os indicadores de produção e entender seu potencial impacto econômico em um sistema de integração avícola.
2. Material e métodos
2.1 Base de dados
Uma série histórica de dados de granjas de matrizes de frangos de corte, de um incubatório, de lotes de produção de frangos de corte e de um abatedouro de uma única empresa avícola no Rio Grande do Sul (Brasil) foi selecionada para este estudo. Dados de 2.191 lotes e 2 milhões de aves foram coletados durante um período de sete meses. Quarenta parâmetros zootécnicos e produtivos foram selecionados como variáveis para esse estudo (Tabela 1). A análise descritiva das variáveis está descrita no Material Suplementar (Tabela S1).
2.2 Seleção de variáveis de entrada e saída
“Variáveis de entrada” são aqueles parâmetros selecionados para compor um modelo matemático preditivo; “variáveis de saída” referem-se aos indicadores de interesse a serem estimados. Para esse estudo, as variáveis de saída foram definidas com base no interesse da empresa e as variáveis de entrada utilizadas para cada modelo foram selecionadas com base em sua influência, de acordo com a literatura. Modelos de RNA foram estabelecidos para quatro variáveis de saída: (1) eclosão vendável; (2) peso ao final da semana; (3) condenação parcial e (4) condenação total. As variáveis de entrada incluídas em cada modelo são descritas na Tabela 2.
2.3 Redes neurais artificiais (RNA)
As variáveis de entrada e saída foram analisadas através do programa NeuroShell Predictor(18). O NeuroShell Predictor foi usado para prever e estimar valores numéricos. Foram aplicadas as seguintes configurações: (1) estratégia de treinamento, genética; (2) número máximo de neurônios ocultos, 80; (3) meta de otimização, maximizando o R-quadrado; (4) método de otimização, gene hunter. Para o treinamento da RNA foi utilizado o método genético, que é uma variação do algoritmo genético da rede neural de regressão geral (RNRG), que é uma técnica de validação cruzada que combina um algoritmo genético com um estimador estatístico. Dados individuais de 1.096 lotes (50% dos registros) foram selecionados aleatoriamente para treinamento. Os demais dados foram utilizados para validação.
2.4 Análise dos modelos de RNA
Os modelos de RNA foram analisados individualmente em relação ao coeficiente de determinação múltipla (R2), coeficiente de correlação (R), erro médio (E), erro quadrático médio (EQM) e raiz do erro quadrático médio (REQM). O EQM é usado na análise de regressão para mostrar a proximidade de uma linha de regressão a um conjunto de pontos (a distância da linha de regressão) e o REQM é o desvio padrão dos resíduos (erros de previsão). Após o treinamento da RNA, o modelo mais ajustado para cada variável foi selecionado e validado. O desempenho do modelo gerado foi analisado com base nos valores de R², R, E, EQM e REQM.
Tabela 1. Parâmetros produtivos e zootécnicos (variáveis) selecionados para o estudo
2.5 Simulação de cenários
Para estimar o impacto da entrada nas variáveis de saída selecionadas para este estudo, diferentes cenários de produção foram simulados (Tabela 3). Para as variáveis numéricas (por exemplo, período de estocagem dos ovos, peso do frango, peso de pinto), a média foi obtida com base na série histórica disponível e foi considerado o valor padrão ou normal. Para simular valores “superiores” e “inferiores”, foi adicionado ou subtraído um desvio padrão, da respectiva média. Ao alterar os valores desses parâmetros, simulamos cenários de produção cujos resultados poderiam representar uma melhoria ou piora do desempenho.
Embora algumas variáveis categóricas de entrada não apareçam nos cenários produtivos descritos na tabela, todas variáveis foram incluídas nos seus respectivos modelos, como demonstrado no Material Suplementar (Tabela S2). A inclusão das variáveis em cada cenário foi baseada no grupo predominante para cada variável categórica. A inclusão de apenas um grupo por categoria foi necessária porque os modelos de RNA não permitem projeções de dois ou mais grupos por variável categórica.
A unidade de medida foi definida como 1.000.000 de aves (pintos de um dia ou frangos de corte) por ciclo de produção para todos os cálculos de estimativa econômica. Os indicadores de referência utilizados neste estudo incluíram o rendimento médio de carne por carcaça (2,50 kg), preço médio pago ao produtor (R$ 6,00/kg ou $ 1,11/kg), preço médio do frango abatido (R$ 7,08/kg ou $ 1,31/kg), condenação parcial média de carcaça (20%) e preço do frango (R$ 3,00/unidade ou $ 0,74/unidade). Os valores em reais (R$) foram obtidos do site Avisite(19) e referem-se a junho/2022. Todos os valores foram convertidos para dólares americanos ($).
O software NeuroShell Run-Time Server(20) foi utilizado para prever os cenários de produção simulados, pois permite disparar os modelos de RNA gerados com o NeuroShell Predictor. O software NeuroShell Fire(21) foi utilizado para visualizar os valores preditos das variáveis de saída.
Tabela 2. Variáveis de entrada usadas para cada modelo de variável de saída (eclosão vendável, peso do frango ao final da quinta semana, condenação parcial e condenação total) gerados por redes neurais artificiais
Tabela 3. Cenários produtivos simulados para as variáveis de saída: “eclosão vendável”, “peso do frango ao final da quinta semana”, “condenação parcial” e “condenação total”
3. Resultados e discussão
A utilização de sistemas de monitoramento e ferramentas para análise de dados aumenta o lucro líquido de uma empresa(2). A utilização de sistemas inteligentes para a tomada de decisão permite o máximo índice de desempenho e competitividade do mercado(13). As propriedades de cada modelo de RNA gerado, treinado e validado de acordo com as variáveis de saída de interesse estão listadas na Tabela 4.
A correlação entre os valores previstos e reais de cada uma das quatro variáveis de saída usando modelos RNA pode ser encontrada na Figura 1.
Tabela 4. Características matemáticas dos modelos gerados para as variáveis de saída: após treinamento e após validação
Figura 1. Correlação entre os valores previstos e reais nos modelos de rede neural artificial (RNA), de acordo com cada variável de saída: eclosão vendável (A), peso ao final da quinta semana (B), condenação parcial (C) e total condenação (D).
Valores de R2 próximos a “1” indicam maior qualidade na validação da rede. Valores de R2 acima de 0,70 nos processos de treinamento da RNA indicam uma boa qualidade das redes para predição(7). Após a validação, todas as variáveis de saída tiveram R2 acima de 0,70. “Peso ao final da quinta semana”, “condenação parcial” e “condenação total” apresentaram valores superiores a 0,96. Os valores obtidos indicaram que houve forte associação entre os dados previstos e os reais, demonstrando que os quatro modelos foram devidamente ajustados e, portanto, poderiam ser utilizados para simulações de cenários produtivos. Vale ressaltar que todas as variáveis também podem ser listadas como variáveis de saída. Essa escolha depende das necessidades da empresa(9, 10). As variáveis selecionadas como dados de “saída” neste estudo foram consideradas entre os resultados mais importantes a serem previstos de acordo com a empresa avícola avaliada. A importância relativa de cada variável de entrada nos modelos gerados para cada variável de saída é descrita no Material Suplementar (Tabela S2).
Avaliou-se a capacidade dos modelos de RNA em predizer indicadores de produção e o potencial impacto econômico gerado a partir das relações das variáveis de um sistema de integração avícola. Assim, foram simulados cenários produtivos que combinavam diferentes variáveis. A elaboração dos modelos foi baseada em um banco de dados que incluiu uma série histórica de registros dos parâmetros produtivos da cadeia produtiva avícola. A Tabela S3 (Material Suplementar) resume os principais cenários simulados e seus impactos econômicos. Os resultados das variáveis de saída obtidos da simulação dos cenários de produção são descritos nas Figuras 2–5.
A criação de modelos matemáticos ajustados depende do registro correto dos dados, o que requer treinamento contínuo das pessoas envolvidas nesse processo. Ressalta-se também que os modelos criados a partir do banco de dados compartilhado pela empresa para esse estudo não podem ser utilizados em outros estabelecimentos, pois cada empresa possui um contexto produtivo único. Cada empresa deve construir seu próprio modelo de RNA, buscando aqueles que melhor se adaptam ao contexto(7) .
Figura 2. Valores de eclosão vendável (%) previstos a partir de cenários de produção simulados.
Legenda: (1) linhagem A × ovo de ninho limpo × incubadora A; (2) linhagem A × ovo de ninho limpo × incubadora B; (3) linhagem A × ovo de ninho sujo × incubadora A; (4) linhagem A × ovo de ninho sujo × incubadora B; (5) linhagem B × ovo de ninho limpo × incubadora A; (6) linhagem B × ovo de ninho limpo × incubadora B; (7) linhagem B × ovo de ninho sujo × incubadora A; (8) linhagem B × ovo de ninho sujo × incubadora B; (9) período de estocagem dos ovos (média: 113 h); (10) período de estocagem dos ovos (inferior: 74 h); (11) período de estocagem dos ovos (superior: 152 h).
Figura 3. Peso do frango no final da quinta semana (g) previsto a partir de cenários de produção simulados.
Legenda: (12) linhagem A × lote de machos; (13) linhagem A × lote de fêmeas (14) linhagem B × lote de machos; (15) linhagem B × lote de fêmeas; (16) peso do frango ao final da primeira semana (média: 184,84 g) × lote de machos; (17) peso do frango ao final da primeira semana (superior: 203,22 g) × lote de machos; (18) peso do frango ao final da primeira semana (inferior: 166,46 g) × lote de machos; (19) peso do frango ao final da segunda semana (inferior: 426,97 g) × lote de machos; (20) peso do frango ao final da terceira semana (inferior: 834,72 g) × lote de machos; (21) peso do frango ao final da quarta semana (inferior: 1.340,72 g) × lote de machos; (22) peso do frango ao final das semanas 1, 2, e 3 (inferior: 166,46 g, 426,97 g, e, 834,72 g, respectivamente) × lote de machos.
Figura 4. Condenação parcial (%) prevista a partir de cenários de produção simulados.
Legenda: (23) linhagem A ou linhagem B × lote de machos; (24) linhagem A ou linhagem B × lote de fêmeas; (25) peso de pinto (média: 45,93 g) × lote de machos; (26) peso de pinto (superior: 49 g) × lote de machos; (27) peso de pinto (inferior: 42,85 g) × lote de machos; (28) peso de pinto (média: 46,01 g) × lote de fêmeas; (29) peso de pinto (superior: 49,61 g) × lote de fêmeas; (30) peso de pinto (inferior: 42,41 g) × lote de fêmeas; (31) peso de pinto (máximo: 50,2 g) × lote de fêmeas; (32) peso de pinto (mínimo: 33,1 g) × lote de fêmeas; (33) peso do frango ao final da segunda semana (média: 467,69 g) × lote de machos; (34) peso do frango ao final da segunda semana (superior: 508,41 g) × lote de machos; (35) peso do frango ao final da segunda semana (inferior: 426,97 g) × lote de machos; (36) peso do frango ao final da terceira semana (média: 922,50 g) × lote de machos; (37) peso do frango ao final da terceira semana (superior: 1.010,28 g) × lote de machos; (38) peso do frango ao final da terceira semana (inferior: 834,72 g) × lote de machos; (39) peso do frango ao final da segunda e terceira semanas (inferior: 508,41 g e 1.010,28 g, respectivamente) × lote de machos.
Figura 5. Condenação total (%) prevista a partir de cenários de produção simulados.
Legenda: (40) linhagem A ou linhagem B × lote de machos; (41) linhagem A ou linhagem B × lote de fêmeas; (42) tipo de pinto (de matrizes até 37 semanas) × lote de machos; (43) tipo de pinto (de matrizes até 37 semanas) × lote de fêmeas; (44) tipo de pinto (de matrizes entre 38 a 49 semanas) × lote de machos; (45) tipo de pinto (de matrizes entre 38 a 49 semanas) × lote de fêmeas; (46) tipo de pinto (de matrizes com mais de 49 semanas) × lote de machos; (47) tipo de pinto (de matrizes com mais de 49 semanas) × lote de fêmeas; (48) mortalidade ao final da primeira, segunda e terceira semanas (baixa: 0,09%, 0,62%, e 0,97%, respectivamente); (49) mortalidade ao final da primeira, segunda e terceira semanas (alta: 1,39%, 1,70%, e 2,45%, respectivamente); (50) mortalidade ao final da primeira, segunda e terceira semanas (máxima: 2,16%, 4,45%, e 4,06%, respectivamente); (51) peso do frango ao final da segunda semana (média: 467,69 g) × lote de machos; (52) peso do frango ao final da segunda semana (superior: 508,41 g) × lote de machos; (53) peso do frango ao final da segunda semana (inferior: 426,97 g) × lote de machos.
O treinamento dos quatro modelos nesse estudo foi realizado usando um método genético. A principal limitação desse método é que as projeções só podem ser feitas a partir de valores que estejam dentro do intervalo entre o máximo e o mínimo de cada variável que constitui a série histórica em análise.
3.1 Variável de saída: eclosão vendável (cenários 1 a 11)
De um total de 1.000.000 de ovos incubados, cada aumento de 0,1% na taxa de eclosão vendável significa um acréscimo de 1.000 pintos para comercialização, ou R$ 740,00 de receita. Assim, todos os ganhos e perdas resultam em um grande impacto financeiro.
Influência da incubadora (cenários 1 a 8). As taxas de eclosão vendáveis previstas demonstraram que a incubadora A teve um desempenho melhor do que a incubadora B. A diferença nas taxas de eclosão vendáveis entre as incubadoras foi de 4,9% quando a linhagem A e ovos de ninho limpos são incubados (cenários 1 e 2). Portanto, a diferença de receita entre as incubadoras foi de aproximadamente R$ 36.260,00, considerando a incubação de um milhão de ovos nas mesmas condições. A diferença de eclosão observada na incubação da linhagem B e dos ninhos limpos (cenários 5 e 6) foi de 1,91%, o que pode representar um acréscimo de aproximadamente $ 14.134,00 quando se utiliza a incubadora A. Foi verificado desempenho superior da incubadora A quando ovos de ninho sujo da linhagem B são incubados (cenários 7 e 8), com uma diferença de 20,45% entre as taxas de eclosão.
Influência do período de estocagem dos ovos (cenários 9 a 11). Ao reduzir o período de estocagem dos ovos embrionados de 113 h (cenário 9) para 74 h (cenário 10), houve um ganho de 0,9% na taxa de eclosão vendável. Esse resultado projetado pode servir de argumento ao gerente do incubatório para futuras mudanças nos procedimentos, visando reduzir o tempo de espera dos ovos embrionados na sala de ovos. Os embriões das linhagens A e B tiveram trajetórias de crescimento diferenciadas devido a diferenças nos parâmetros fisiológicos. A linhagem A tem um desenvolvimento mais rápido nos primeiros 4-5 dias, mas a linhagem B se desenvolve mais rapidamente na segunda semana de incubação. Assim, as condições de incubação podem ser melhoradas para cada linhagem(23) .
3.2 Variável de saída: peso do frango ao final da quinta semana (cenários 12 a 22)
Influência da linhagem (cenários 12 a 15). As previsões de peso dos frangos ao final da quinta semana demonstraram que as linhagens apresentaram diferenças de desempenho. Os frangos machos da linhagem A pesaram aproximadamente 4,88% (98 g) a mais do que os machos da linhagem B. Uma diferença de 98 g pode representar um aumento de US$ 0,13 por frango abatido. O rendimento de um ciclo de produção com um milhão de aves, todas machos, pode aumentar em R$ 130.000,00. Algumas empresas avícolas brasileiras abatem mais de um milhão de aves por dia. Assim, o impacto econômico estimado é evidente e pode justificar a política adotada pela empresa para o uso predominante (83,11%) da linhagem A. O sexo dos frangos de corte é um fator que pode ter efeitos significativos nos parâmetros de produção, sendo que os machos costumam apresentar maiores índices de produção do que as fêmeas(1) . Não houve diferença de desempenho ao comparar lotes de fêmeas entre as linhagens. Apesar de estudos anteriores já terem demonstrado que frangos de corte da linhagem A costumam apresentar peso superior aos da linhagem B(24,25), este é o primeiro relato que descreve as possíveis diferenças de renda em empresas brasileiras.
Influência do peso dos frangos ao final das semanas 1, 2, 3 e 4 (cenários 16 a 22). Estudos anteriores demonstram que os frangos de corte mais pesados ao abate geralmente apresentam os maiores pesos iniciais na primeira semana. Assim, o peso inicial do pinto é descrito como um fator determinante no desempenho final do frango de corte. Além disso, durante esse período, aproximadamente 80% da energia do pinto é utilizada para o crescimento(26). No entanto, nesse estudo, os modelos de RNA demonstraram que o peso do frango no final da primeira semana (cenários 16–18) pode não ter uma influência significativa no peso do frango no final da quinta semana para essa empresa.
É possível que pintos com peso reduzido na primeira semana tenham tempo para superar as perdas e apresentem um ganho de peso compensatório nas semanas 2, 3 e 4, quando condições favoráveis de manejo e nutrição estiverem disponíveis. É provável que haja um limite mínimo de peso para se evitar variações ao final da semana 5(27). Assim, tem sido sugerido que a seleção genética deveria focar no aumento da produção de ovos ao invés do peso do ovo(28). Frangos de corte que atingirem o final das semanas 2, 3 ou 4 (cenários 19 a 22) com peso abaixo de seu potencial médio terão peso menor no final da semana 5, indicando que não há tempo suficiente para se recuperar o peso após a segunda semana. Por exemplo, no cenário 20, o peso do frango ao final da semana 3 (834,72 g) foi menor do que o esperado pela empresa (922,5 g). O potencial de perda de renda para o produtor neste cenário é de aproximadamente R$ 100.000,00. Essas previsões são importantes para se evitar possíveis impactos negativos no peso final dos frangos de corte, adotando-se medidas para evitar a ocorrência de tais cenários.
3.3 Variável de saída: condenação parcial (cenários 23 to 39)
Influência do sexo do lote (cenário 23 ao 32). Os resultados demonstram que lotes de fêmeas, independente da linhagem, apresentam maior taxa de condenação parcial de carcaças do que lotes de machos. Essa diferença, calculada em 0,25% (cenários 23 e 24), representa 2.500 carcaças e 1.250 kg de carne de frango descartados em um milhão de frangos de corte abatidos. A perda econômica final é estimada em aproximadamente $ 1.637,00 por milhão de frangos de corte abatidos. Para uma empresa que abate um milhão de aves por dia, após um mês, o valor pode chegar a R$ 49.125,00, considerando 50% dos plantéis de fêmeas. Entretanto, deve-se ressaltar que ainda não existem dados na literatura que expliquem a diferença de condenação de carcaça associada ao sexo do lote.
Peso de pinto (cenários 25 a 32). Não foi observado efeito do peso de pinto de um dia sobre a taxa de condenação parcial. Estudos anteriores demonstraram que o crescimento diário aumentado em frangos de corte está associado a taxas de condenação mais altas(1) .
Peso do frango (cenários 33 a 39). Embora o peso de pinto não tenha influenciado nas taxas de condenação, os resultados desse estudo demonstraram que um maior peso ao final das semanas 2 e 3 resultou em menor taxa de condenação parcial das carcaças. Assim, a adoção de estratégias de criação e manejo que favoreçam o maior ganho de peso nessas semanas pode garantir grandes contribuições no faturamento da empresa.
3.4 Variável de saída: condenação total (cenários 40 a 53)
Influência do sexo do lote (cenários 40 a 47). Embora os lotes de fêmeas tenham apresentado uma taxa de condenação parcial maior do que os lotes de machos, isso não foi observado na taxa de condenação total.
Influência do tipo de pinto (cenários 42 a 47). O modelo de predição demonstrou que o tipo de pinto (idade da matriz) não influenciou nas taxas de condenação total, independentemente do sexo do lote. Esses achados indicam que os efeitos do sexo e do peso do frango nas primeiras semanas na condenação parcial não são lineares e podem não ser explicados por uma associação direta.
Influência da mortalidade ao final das semanas 1, 2, e 3 (cenários 48 a 50). O efeito da mortalidade acumulada (baixa ou alta) na condenação total das carcaças também foi avaliado. Ao reduzir as taxas de mortalidade nas semanas 1, 2 e 3 em pelo menos um desvio padrão, houve uma diminuição no valor previsto da taxa total de condenação de carcaças. A diferença entre a taxa média esperada e a alta mortalidade (cenário 48) foi de aproximadamente -0,0795%. Em um ciclo de produção com um milhão de aves, essa diferença representa uma redução na condenação de pelo menos 795 carcaças, aproximadamente R$ 2.603,00. A projeção com a ocorrência de mortalidade combinada máxima nas três primeiras semanas (cenário 50) resultou em um aumento de 0,9405% na taxa de condenação total, o que significa uma perda de aproximadamente $ 30.785,00 para cada um milhão de aves abatidas. As taxas de mortalidade simuladas nesse estudo (2–5%) podem ser atribuídas a vários fatores. A primeira semana é um período sensível em que muitos sistemas e órgãos das galinhas ainda estão imaturos. Características individuais dependentes, como idade da matriz, sexo do pinto e linhagem, bem como fatores externos, incluindo tipo de aviário, estocagem de ovos e estação do ano, estão relacionados à mortalidade na primeira semana(29). Altas taxas de mortalidade nas últimas semanas podem ser uma indicação de problemas de manejo ou de doenças que são comuns na avicultura. Frangos de corte que sobrevivem nestas condições podem ter seu desempenho produtivo comprometido, o que leva a uma maior desuniformidade nos lotes. A uniformidade anormal do lote resulta em maior taxa de condenações(1), devido à evisceração automática no abatedouro, que pode causar ruptura de vísceras e extravasamento do conteúdo intestinal(30) . Assim, nossos achados suportam a ideia de que lotes com maiores taxas de mortalidade podem ter uma maior taxa de condenação parcial e total de carcaça.
Influência do peso do frango ao final da segunda semana (cenários 51 a 53). Em relação ao efeito do peso do frango ao final da segunda semana sobre a taxa de condenação total, observou-se que tanto a redução quanto o aumento do peso do frango podem resultar na diminuição da taxa de condenação. Nesses casos, os resultados previstos são difíceis de entender porque carecem de uma explicação lógica (relação linear). Por outro lado, os modelos preditivos possuem grande capacidade assertiva, conforme verificado na etapa de validação.
4. Conclusão
Os modelos de RNA gerados nesse estudo foram adequados para simulações de cenários de produção e possibilitaram a previsão de parâmetros produtivos importantes para a cadeia produtiva avícola. Os resultados obtidos nesse estudo demonstram que as empresas podem utilizar modelos preditivos para adotar estratégias que minimizem o impacto negativo de determinados cenários. A empresa também pode gerenciar melhor seus recursos porque os efeitos de diferentes cenários podem ser previstos pelos modelos.
Publicado originalmente na revista Ciência Animal Brasileira, DOI: 10.1590/1809-6891v24e-75400P, 223. Acesso disponível em: https://www.scielo.br/j/cab/a/yr4XpZkHVbSzr9tnbPZ9FhQ/?lang=pt