A qualidade da carcaça não resulta do trabalho de somente de uma pessoa, departamento ou área da empresa, mas sim do esforço compartilhado e integrado da tríade Produção (Incubação, Nutrição, Sanidade e Engorda), Abatedouro e Manutenção.
A qualidade da carcaça é sinônimo de benefícios econômicos para as empresas por diminuir as condenações, o rebaixamento de qualidade dos produtos e os custos operacionais, ao mesmo tempo em que contribui para o aumento da produtividade operacional, a melhora do rendimento do abate, o aumento do peso vendável, a melhora da motivação da equipe, entre outros benefícios que, juntos, contribuem para impulsionar a competitividade e o crescimento do negócio.
A antítese da qualidade são os defeitos da carcaça, algo que é inerente à indústria avícola, porém, indesejável. Exceto aqueles derivados de causas genéticas ou sanitárias, os defeitos se originam da “quebra” de qualquer um dos elos que compõem a tríade Produção–Abatedouro–Manutenção, levando ao comprometimento irreversível da integridade da carcaça. Os defeitos ocasionam importantes perdas econômicas, tangíveis e intangíveis à empresa: condenações, rebaixamento da qualidade (frangos tipo B ou de segunda); baixa viabilidade comercial dos lotes abatidos e necessidade de superprodução; risco de não atendimento dos pedidos diários; possível comprometimento da marca e/ou imagem da empresa; deterioração das relações laborais entre Produção, Abate e Vendas, com consequências negativas para o clima organizacional e o desempenho da empresa; e impacto na rentabilidade e competitividade da empresa. Assumem especial importância as condenações, que não se restringem ao ambiente empresarial, mas que também alcançam o socioambiental. Ao se enviar uma parte da carcaça ao Departamento de Subprodutos, estarão sendo desperdiçados recursos valiosos usados em sua produção – grãos, vacinas, mão de obra, energia e outros – e também impedindo que esta seja destinada a alimentar o mundo, o que ofusca a sustentabilidade e imagem social da avicultura. No Brasil, de 65% a 75% das condenações parciais são oriundas de três defeitos: contaminação (fecal e biliar), contusões e fraturas e problemas de pele.
A contaminação tem como causa-raiz o entendimento e o desenho do programa de jejum e o gerenciamento das operações de pré-abate – programa de retirada, apanhe, transporte e espera. O jejum, por si só, é uma operação complexa devido a suas muitas variáveis e às múltiplas interações que ocorrem entre elas em diferentes momentos do processo. Sua complexidade é potencializada pela interferência das demais operações de pré-abate com as quais está interconectado, fazendo com que o esvaziamento gastrintestinal também delas dependa.
O abatedouro também pode contribuir com a redução da contaminação monitorando o cumprimento do programa de retirada e assegurando a disponibilidade de um bom operador para a escaldagem, depenagem e evisceração, em virtude da correlação destas fases com a incidência de contaminação. A falta de uniformidade dos lotes, que dificulta o ajuste dos equipamentos e põe em risco a precisão e efetividade das operações anteriores, é uma variável que também deve ser cuidadosamente analisada pela empresa. À Manutenção cabe garantir o bom funcionamento da escaldadora, depenadeiras e, principalmente, das máquinas da linha de evisceração automática, por meio do cumprimento do programa de manutenção preventiva elaborado pelos fabricantes destes equipamentos.
As contusões e fraturas estão fortemente ligadas à engorda. A qualidade e precisão da nutrição são cruciais para o fortalecimento ósseo e a qualidade e integridade da pele; sem contar que a qualidade dos grãos usados na formulação da ração é importantíssima, pois a presença de micotoxinas pode contribuir para a ocorrência de contusões. O manejo do lote, a densidade de alojamento, o peso vivo, agitação e amontoamentos durante a engorda, a falta de divisórias nos galpões e a manutenção dos comedouros e bebedouros, são outros fatores que contribuem para a incidência dessas lesões. O desenho, gerenciamento e monitoramento do programa de retirada, bem como tudo relacionado ao apanhe – método, tamanho da equipe, supervisão, quantidade de aves por gaiola e distâncias das granjas ao abatedouro –, são variáveis que devem ser controladas muito de perto, pois podem contribuir, de forma isolada ou combinada, com a incidência de contusões e fraturas.
No abatedouro, a descarga – principalmente quando do uso de contêineres para o transporte das aves –, a pendura e o atordoamento são operações de alto risco, e, se não forem dimensionados e gerenciados corretamente, podem intensificar a presença de contusões e fraturas. O conhecimentoe a prontidão do operador de escaldagem e de depenagem, bem como a uniformidade das aves, requerem atenção pelo fato de poderem afetar a integridade das carcaças.
A contribuição do setor de Manutenção para a prevenção das lesões e fraturas vem do bom funcionamento do transportador aéreo, da homogeneidade da temperatura da escaldadora, do correto funcionamento das depenadeiras e da integridade dos dedos de borracha.
A qualidade de pele – dermatite, celulite, lacerações e outros problemas – encontra na engorda um amplo número de fatores predisponentes, que, individualmente ou combinados entre si, podem impactar a qualidade da pele. No centro das possíveis causas a esses problemas estão a genética (emplume lento ou rápido), o sexo, o peso vivo e a dieta dos animais (relação entre teor de energia e de proteína e qualidade da plumagem). Em seguida vêm as variáveis associadas ao manejo, como a densidade de alojamento, o uso de divisórias nos galpões, o material da cama e a manutenção dos comedouros e bebedouros. Por último, porém não menos importante, está o apanhe, sendo que o programa de retirada e os tempos designados a essas etapas, sobretudo a cada carga, a equipe (quantidade de pessoas e comportamento), o método utilizado e a supervisão do trabalho são pontos a serem levados muito em conta.
Embora o abatedouro não contribua diretamente para as lesões de pele, as operações iniciais do abate podem, todavia, piorar a apresentação da carcaça. Por isso, há de se estar muito atento às condições de escaldagem e depenagem (homogeneidade da temperatura, tempo de imersão, capacidade instalada, trabalho do operador e uniformidade das carcaças) devido a seu impacto na pele já danificada ou com cicatrizes. Necessita-se ainda mais atenção, porém, quando a escaldagem é suave.
A contribuição da Manutenção para o bom funcionamento do transportador e das depenadeiras e para a integridade dos dedos de borracha ajuda, sobremaneira, a suavizar esses processos, diminuindo, assim, o impacto que eles têm na pele das carcaças.
Hoje em dia, as empresas avícolas ainda são percebidas e administradas por setores ou departamentos, e não de forma integrada, que é o modelo mais eficaz. Logo, garantir a qualidade das carcaças exige uma mudança na gestão, de forma a aproximar e unir aquela tríade em torno deste objetivo.
Mas enquanto atuam em conjunto e de forma interdependente, os setores de Produção e Manutenção devem estabelecer, com o Abatedouro, uma relação de fornecedor-cliente internos. Isso assegurará ao Abatedouro as respostas de que necessita para realizar seu trabalho de forma eficaz e produtiva, respondendo da melhor maneira possível, por sua vez, às demandas de Vendas, seu cliente interno, e, por fim, dos clientes externos da empresa.
Este artigo foi originalmente publicado em Carnetec.com.br e é baseado na palestra ministrada pelo autor no OVUM 2019 – XXVI Congresso Latino-Americano de Avicultura, realizado em Lima, Peru, no dia 10 de outubro de 2019.