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Estratégias para avaliar bem estar animal - Auditorias em frigorífico

Publicado: 1 de fevereiro de 2012
Por: Charli Ludtke, Patrícia BARBALHO, José Rodolfo CIOCCA, Tatiane DANDIN
INTRODUÇÃO
É crescente a preocupação dos consumidores com a forma como os animais são criados, transportados e abatidos, pressionando a indústria ao desafio de um novo paradigma: "trate com cuidado", por respeitar a capacidade de sentir dos animais (senciência), melhorando não só a qualidade intrínseca dos produtos de origem animal, mas também a qualidade ética.
O conceito de qualidade é comumente relacionado a aspectos intrínsecos da carne, como aparência, palatabilidade, rendimento, composição nutricional, segurança alimentar, entre outros atributos. No entanto, está havendo mudanças neste conceito e alguns autores já o define sob aspectos que englobam o bem-estar do animal; o que se denominou qualidade ética, referindo-se a como os animais foram criados, desde onascimento até o abate (LUDTKE, et al. 2010). Outros aspectos de grande relevância estão relacionados à sustentabilidade dos sistemas de produção e envolvem questões sociais, econômicas e ambientais. Os princípios básicos que devem ser observados para atender à qualidade ética no manejo pré-abate são:
· Métodos de manejo pré-abate e instalações que reduzam o estresse;
· Equipe treinada e capacitada, comprometida, atenta e cuidadosa no manejo dos suínos;
· Equipamentos apropriados, devidamente ajustados à espécie e situação a serem utilizados e com manutenção periódica;
· Processo eficaz de insensibilização que induza à imediata perda da consciência e sensibilidade, de modo que não haja recuperação, e conseqüentemente não
haja sofrimento até a morte do animal.
Para um programa de bem-estar animal ser efetivo no manejo pré-abate, é necessário que todas as pessoas envolvidas no processo (gerência, fiscalização, fomento, transporte, garantia da qualidade, manutenção, manejo e consumo) estejam comprometidas.
As auditorias de bem-estar animal são procedimentos que podem ser utilizados para monitorar o desempenho dos funcionários, a eficiência dos equipamentos, assim como auxiliar na melhoria das instalações, no manejo dos animais e na adequação do frigorífico às exigências de mercados, bem como na qualidade do produto. Os métodos de auditoria devem ser simples e objetivos para serem aplicados nas condições comerciais (LUDTKE, et al., 2010).
As exigências em relação a bem-estar animal não diferem muito de uma empresa para outra, o que pode haver são alterações na rigidez das auditorias. A seguir são apresentados procedimentos de auditoria em bem-estar animal em plantas frigoríficas de bovinos, assim como algumas recomendações que ajudam a melhorar as instalações e o bem-estar dos animais. Abaixo estão descritos os 5 principais Pontos Críticos de Controle de Bem-estar Animal e os limites de tolerância, conforme sugerido por Grandin (1998a; 2003) com adaptações. Um baixo desempenho nos itens descritos resulta em um comprometimento no bem-estar animal. 
1. Porcentagem de animais insensibilizados com o primeiro disparo da pistola pneumática
2. Porcentagem de animais sensíveis;
3. Porcentagem de animais que escorregaram e caíram durante o manejo;
4. Porcentagem de vocalização;
5. Porcentagem do uso do bastão elétrico nos animais.
Insensibilização
Os bovinos devem perder a consciência imediatamente durante o procedimento de insensibilização. Num procedimento adequado o bovino é insensibilizado com apenas um disparo da pistola pneumática. Recomenda-se avaliar 100 animais em plantas grandes (acima de 500 bovinos/dia) ou 10% dos animais abatidos quando o frigorífico apresenta pequeno volume de abate.
· Excelente - 99 a 100% de animais insensibilizados no primeiro disparo da pistola pneumática;
· Aceitável - 95 a 98% de animais insensibilizados com um disparo;
· Não aceitável - 90 a 94% de animais insensibilizados com um disparo;
· Problema sério - menos que 90% de animais insensibilizados com um disparo.
A baixa eficácia na insensibilização é freqüentemente causada por falta de manutenção da pistola pneumática. No caso de pistola com cartucho de explosão, comum em pequenos abatedouros, o baixo desempenho nesse item é promovido não só pela falta de manutenção da pistola, mas também pela utilização de cartuchos úmidos. Os cartuchos devem ser armazenados em um lugar seco. Cada frigorífico deve desenvolver um sistema de manutenção diária para seus equipamentos. Outro fator que interfere na eficácia da insensibilização é o operador. Em grandes frigoríficos, há alternância de dois operadores trocando de função ao longo do dia para auxiliar na diminuição dos erros causados pelo cansaço. 
Após a insensibilização, o tempo para a sangria dos bovinos deve ser de no máximo 1 minuto. É necessário atenção e cuidado para nunca sangrar animais conscientes. Nestes casos, o operador deverá reinsensibilizar o animal, monitorar os sinais e depois efetuar a sangria. 
Animais sensíveis após procedimento de insensibilização 
Este é provavelmente o item de maior relevância em relação ao bem-estar dos animais. O animal que não for insensibilizado corretamente, poderá não perder a consciência e a sensibilidade, levando ao alto grau de sofrimento. É necessário avaliar se os bovinos apresentam os seguintes sinais de uma insensibilização eficiente logo depois do disparo da pistola: queda imediata, ausência de vocalização, ausência de reflexo de endireitamento (tentativa de levantar), ausência de reflexo corneal e palpebral, pupila dilatada, olhar fixo e vidrado, ausência de respiração rítmica (movimentos coordenados no flanco ou focinho), relaxamento da mandíbula e exposição da língua, membros dianteiros estendidos (estaqueamento) e membros traseiros em algumas situações se movimentam de forma não coordenada (pedaleio). Se algum animal apresentar pelo menos: presença de respiração rítmica, presença de reflexo corneal e presença de reflexo palpebral há forte evidencia que o animal está sensível e que a insensibilização falhou (Gregory, 1998).
Em caso de falha da insensibilização o frigorífico deve dispor da pistola portátil de dardo cativo com cartucho de explosão para reinsensibilizar o animal imediatamente. Nenhum animal deve ser içado e sangrado estando sensível. O frigorífico deve dispor de funcionário capacitado para realizar o monitoramento rotineiramente dos sinais de insensibilização. Recomenda-se avaliar um mínimo de 100 animais em plantas grandes ou 10% em abatedouros menores. O ideal é que 100% dos animais estejam insensíveis.
· Excelente - menos de 1 em 1.000 bovinos abatidos
· Aceitável - menos do que 1 em 500 bovinos abatidos
Não há tolerância para o início do procedimento de esfola, se houver algum sinal de retorno à sensibilidade do animal. 
Escorregões e quedas
Um manejo calmo será impossível se os animais estão escorregando ou caindo (GRANDIN, 1988). A observação de quedas ou escorregões deve ser realizada durante todo o manejo dos animais e em todas as áreas por onde os animais são conduzidos, esta observação permitirá correções nas instalações. Recomenda-se avaliar um mínimo de 50 animais em plantas grandes.
· Excelente - nenhum escorregão ou queda
· Aceitável - 3% de escorregões ou menos e 1% de queda
· Não aceitável - 1 % de queda (com fratura)
· Problema sério - 5% de quedas ou 15% de escorregões
Vocalização
A vocalização dos animais durante o manejo é um indicativo de desconforto. Num total de 1.125 animais, foi observado que 112 animais vocalizaram, apenas dois dos animais que vocalizaram não estavam respondendo a um estímulo aversivo, como o uso do bastão elétrico, escorregão ou queda (GRANDIN, 1998b). Para definir um índice razoável de vocalizações dos animais no manejo, Grandin (2001) monitorou a vocalização de 5.806 animais em 48 plantas frigoríficas comerciais e indicou como uma contagem aceitável, 3% ou menos de vocalização dos animais. É avaliada a ocorrência de vocalização dos animais durante a condução à rampa, brete ou boxe de insensibilização. Recomenda-se avaliar 100 animais em plantas grandes ou 10% dos animais em abatedouros menores. 
 · Excelente - 0,5% ou menos dos animais vocalizam
 · Aceitável - 3% ou menos dos animais vocalizam
 · Não aceitável - vocalização de 4% a 10% 
 · Problema sério - acima de 10 % de vocalizações
Uso do bastão elétrico
O bastão elétrico deve ser evitado e somente é permitido em animais que se recusem permanentemente a andar, desde que haja espaço à frente do animal para que ele possa progredir. É inadmissível o uso do bastão elétrico em áreas sensíveis dos animais (olhos, focinho, ânus). Em relação ao local para a utilização do bastão elétrico, é aceito apenas no corredor estreito (fila indiana) que antecede a insensibilização e sua aplicação deve ser por um período de no máximo 1 segundo.
Atos de violência - Observar a ocorrência de ato evidente de violência, tal como introdução de objetos em partes sensíveis do corpo do animal (olhos ou ânus). É intolerável realizar a imobilização dos bovinos através do uso do bastão elétrico (eletrocontenção), seja no boxe de insensibilização, praia de vômito ou qualquer outra área do frigorífico.
Recomenda-se avaliar 100 animais em plantas grandes ou 10% dos animais em abatedouros menores. Porcentagem de animais manejados com bastão elétrico:
· Excelente 5% ou menos
· Aceitável 25% ou menos
· Não aceitável 26 a 49 %
· Sérios problemas 50% ou mais
Recomendações para redução do uso do bastão elétrico e manejo eficiente
· Remover problemas nas instalações que podem causar distrações e paradas dos animais durante a condução - como sombras, reflexões de água ou metal, ralos
perpendiculares ao corredor, dificultando a passagem dos animais, circulação de pessoas próximas aos animais;
· Iluminação uniforme - os animais podem se recusar a andar quando são conduzidos de uma área iluminada em direção a uma área escura. Áreas com iluminação uniforme, sem luz incidindo diretamente nos olhos dos animais, facilitam o manejo;
· Redução do barulho - Os bovinos são muito sensíveis a ruídos. O ambiente de abate deve proporcionar o mínimo de ruídos de equipamentos, instalações. O
manejo deve ser feito de forma calma e tranqüila (sem gritos), conduzindo pequenos grupos de animais para obter maior controle e evitar acidentes;
· Substituição do bastão elétrico por outros auxílios de manejo, como a utilização de bandeira;
· Pisos anti-derrapantes no desembarcadouro, currais, corredores, seringas e boxe de insensibilização;
· Nenhum animal deve permanecer parado no boxe ou corredores de acesso durante os intervalos de trabalho;
· Desembarque - A maior parte dos animais (75%) deve descer do caminhão a trote ou passo e não pode ocorrer nenhuma queda;
· Treinamento de funcionários - O frigorífico deve dispor de algum programa de treinamento de funcionários quanto a manejo e atordoamento dos animais.
Lotação dos currais
Currais de descanso devem oferecer um ambiente tranqüilo e um manejo adequado para permitir que os animais se recuperem do estresse gerado durante o
embarque, transporte e desembarque. Para isso as instalações devem oferecer espaço, água limpa e disponível em todos os bebedouros para que os animais se recuperem da desidratação ocasionada pelo transporte. Deve haver espaço suficiente nos currais de espera para que todos os animais possam deitar ao mesmo tempo sem amontoamento.
Condição física dos animais
Todos os animais que estiverem incapacitados de andar ou com lesões graves durante o recebimento, descanso ou condução até o boxe de insensibilização devem ser submetidos imediatamente ao abate emergencial para evitar sofrimento posterior. Para o abate emergencial recomenda-se: proceder com a insensibilização no local onde o animal se encontrar, através da utilização da pistola de dardo cativo portátil, ou efetuar a retirada do animal do local através da utilização do carrinho ou outro meio e levá-lo até a área de insensibilização. Fica a critério do Médico Veterinário da Inspeção Federal realizar o julgamento do destino da carcaça.
O frigorífico deve dispor de profissionais capacitados para realizar o abate emergencial. A pistola portátil utilizada para o abate emergencial deve está em boas condições e com manutenção diária. 
Considerações finais
Para um manejo pré-abate ser efetivo, é necessário considerar todas as etapas do processo, formando um elo harmonioso entre pessoas, instalações, equipamentos e animais, que assegure o sucesso nos procedimentos e, conseqüentemente, no bemestar dos animais. A manutenção de um bom manejo e insensibilização dos animais requer medidas de monitoramento constante, que podem ser adquiridas através de um programa de auditoria interna no frigorífico.
REFERÊNCIAS
GRANDIN, T. Las actitudes del personal hacia los animales en plantas de faena y locales de remate. Anthorozoos, Fort Collins, v. 1, n. 4, p. 205-213, 1988.
GRANDIN, T. Objective scoring for animal handling and stunning practices in slaughter plants. Journal of the American Veterinary Medical Association, Schaumburg,
v.212, p. 36-39, 1998a.
GRANDIN, T. The feasibility of using vocalization scoring as an indicator of poor welfare during slaughter. Applied Animal Behaviour Science, v. 56, p. 121-128, 1998b.
GRANDIN, T. Cattle vocalizations are associated with handling and equipment problems at beef slaughter plants. Applied Animal Behaviour Science, v. 71, 191-201, 2001.
GRANDIN, T. Good management practices for animal handling and stunning. AMI Foundation Published by American Meat Institute Foundation, 2003.
GREGORY, N.G. Animal welfare end meat science. Oxon: CABI Publishing, 1998. p. 223-240.
LUDTKE, C.B.; CIOCCA, J.R.P.; DANDIN, T. et al. Manual de abate humanitário de aves. Programa Nacional de Abate Humanitário, Steps, WSPA, 2010.
LUDTKE, C.B.; CIOCCA, J.R.P.; DANDIN, T.; et al. Manual de abate humanitário de suínos. Programa Nacional de Abate Humanitário, Steps, WSPA, 2010.
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Autores:
Charli Ludtke
ABCS Associação Brasileira dos Criadores de Suínos
ABCS Associação Brasileira dos Criadores de Suínos
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Romão Miranda Vidal
1 de febrero de 2012

Dra. Charli Ludtke.
Na realidade estamos muito próximos de exigirmos a implantação de Normas Técnicas, tipo ISO 9000, para todo o sistema componente relacionado com a produção, transporte e abate de animais domésticos destinados ao consumo humano. E porque não os exóticos criados em cativeiro.
Estamos diante de um belo trabalho apresentado com conhecimento de causa.
Mas... o que nos chama a atenção é o antes.
Faço das suas palavras as minhas "Para um manejo pré-abate ser efetivo, é necessário considerar todas as etapas do processo, formando um elo harmonioso entre pessoas, instalações, equipamentos e animais, que assegure o sucesso nos procedimentos e, conseqüentemente, no bemestar dos animais."
O queremos dizer é o seguinte. O "antes" são os fatos decorridos desde a condução dos animais para uma central de manejo, onde serão devidamente pesados, identificados e embarcados.
É ai que a coisa de complica. A pressa, a falta de regras e normas destinadas a orientar o embarque, a não capacitação dos funcionários das fazendas, o despreparo dos motoristas, o uso de bastão elétrico ligado à bateria do caminhã em funcionamento, a sonorização absurda dos funcionários que os berros conduzem os animais, são alguns dos pontos a serem considerados.
Não bastassem estes pontos negativos, temos ainda a considerar o estado em que se encontram os caminhões que fazem o transporte.
O panorama brasileiro relacionado com o transporte de bovinos é simplesmente sofrível. As Normas da U.E. a respeito deste assunto exigem:
1- Motoristas treinados e capacitados para transportarem animais bovinos destinados ao abate;
2-Veículos apropriados com divisórias de modo a acomodar os bovinos;
3- Piso anti-derrapante;
4- "Envelope" com todas as orientações técnicas emergenciais em caso de acidentes;
5- Parada obrigatória a cada 9 horas de viagem e 1 hora para que os animais se submentam a dessedentação;
6- Acompanhamento via satélite da movimentação do veículo;
7- Planejamento da viagem - fazenda - paradas- frigorífico;
8- Horário apropriado para o recebimento dos animais de modo a evitar que os animais embarcados fiquem no pátio do frigorífico a espera do desembarque.

O que temos hoje é o seguinte.
O único segmento que opera muito próximo das Normas da U..E. é o da avicultura e com restrições.
Suínos nem comentamos....
Resta então o de bovinos. A pergunta comparativa é uma só.
Por qual razão o transporte de novilhas e touros PO são cercados de todos os cuidados, enquanto inexistem procedimentos e cuidados para com os bovinos destinados ao abate?
Parabén a Doutora e Equipe.
Médico Veterinário Romão Miranda Vidal.

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