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Insensibilização de frango de corte

Publicado: 23 de janeiro de 2019
Por: Leonardo Thielo de La Vega, médico veterinário e empresário, diretor executivo na F&S; Chief Technology Officer na brstart; membro da Comissão Nacional de Bem-Estar Animal do Conselho Federal de Medicina Veterinária e membro do Corpo Técnico da Facta/WPSA-BR
A ciência do bem-estar animal evolui constantemente com o desenvolvimento de novas tecnologias para melhorar as condições de abate dos animais sem diminuir os índices produtivos.

Os requerimentos de bem-estar animal determinam que os animais sejam abatidos apenas após um processo de insensibilização, devendo este promover um estado de inconsciência, insensibilidade ou morte previamente à sangria. Este procedimento, além de evitar o sofrimento das aves, facilita a captura do pescoço na sangria, seja ela automática ou manual. É importante que a inconsciência e a insensibilidade dos animais sejam induzidas o mais rápido possível e sem um efeito negativo sobre o bem-estar dos animais e a qualidade da carne.

Os métodos que visam promover a insensibilização dos animais sem provocar morte previamente à sangria são considerados métodos de insensibilização simples, e têm por princípio a garantia da duração do estado de inconsciência da ave desde o término do processo de insensibilização em si até a ocorrência da morte do animal pela sangria.

Métodos de insensibilização que provocam parada cardíaca ou fibrilação ventricular, conhecidos como stun to kill, também são aceitos, sendo recomendados em alguns países, já que preconizam a perda da consciência sem recuperação e, consequentemente, se evita a dependência da eficácia do procedimento de sangria para promover a morte do animal, oferecendo maior segurança para o bem-estar dos animais.

Na indústria avícola, a escolha do método de insensibilização deve passar por uma avaliação desde o aspecto humanitário ao econômico e prático, devendo considerar, além das preocupações com o bem-estar animal, questões envolvidas com a sustentabilidade da produção, qualidade do produto final e aspectos do mercado a que se destina o produto, como por exemplo, os mercados religiosos.

Os métodos preconizados para a insensibilização dos animais são geralmente definidos por legislações e organizações internacionais, como a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) ou ainda por códigos e práticas recomendados por especialistas.

Os métodos geralmente aceitos e recomendados para insensibilização de frangos de corte podem ser divididos em elétricos, atmosfera modificada ou mecânicos.
Insensibilização por métodos elétricos

O método elétrico mais comumente empregado para insensibilização de aves nas indústrias é a cuba de imersão, cuja aplicação da corrente se dá em todo corpo da ave. O princípio básico do atordoamento elétrico é a indução de uma epilepsia generalizada por meio da estimulação elétrica do cérebro. Neste sistema, a corrente elétrica flui pelo corpo das aves, e se aplicada na intensidade apropriada, as tornará insensíveis e inconscientes.

Um módulo eletrônico é o responsável por gerar e controlar os sinais elétricos de diversos tipos para serem aplicados na cuba de imersão. Em equipamentos convencionais, pode-se escolher a frequência desejada, a forma de controle da corrente, a forma da onda, que pode ser corrente contínua pulsante (CC) ou corrente alternada (CA) ajustadas para diversas formas que se desejar, e ainda definir o duty-cycle. Entretanto, em decorrência dos diversos avanços recentes no desenvolvimento de novas tecnologias, já é possível adotar sistemas mais sofisticados de modulação elétrica, com a possibilidade de geração de ondas híbridas que permitem melhorar a insensibilização e reduzir os danos à qualidade dos cortes. Outro avanço recente foi a incorporação de programações digitais capazes de gerar modelos elétricos que previnem paradas cardíacas na cuba. Com esse conjunto de avanços, tem-se conseguido atender os mais diversos mercados religiosos sem abrir mão da rentabilidade e do bem-estar dos animais.

Ainda, é sabido que a frequência e a quantidade de corrente são parâmetros fundamentais para a eficiência do atordoamento. Contudo, a definição de parâmetros elétricos necessários para promover uma insensibilização adequada nas aves envolve vários outros fatores que devem ser considerados.

Além da amplitude e da frequência do sinal de uma corrente elétrica, é importante considerar a forma de onda empregada, o tempo de exposição à corrente e as características dos próprios animais. Como a impedância de cada indivíduo é variável em decorrência do sexo, idade ou peso vivo, o comprimento da cuba e, consequentemente, o número de animais expostos à mesma corrente podem também influenciar na corrente total que é recebida por cada indivíduo ao longo do mergulho. A tensão deve então ser ajustada para que a corrente total seja a corrente requerida por ave, multiplicada pelo número de aves na cuba ao mesmo tempo. A corrente recebida pelo animal deve ser de tal magnitude que assegure que a inconsciência ocorra imediatamente e que dure até a morte do animal.

Em linhas gerais, sabe-se que correntes elétricas em faixas abaixo de 100 mA/ave não são suficientes para insensibilizar os animais, enquanto correntes muito altas tendem a gerar fraturas, principalmente na fúrcula, hematomas e, portanto, prejudicar a qualidade das carcaças. De toda forma, o efeito da corrente será sempre dependente da frequência, já que esta tem papel fundamental na duração do estado de inconsciência e até mesmo na ocorrência de hematomas e na parada cardíaca.

Historicamente, as empresas investem muito pouco na etapa de insensibilização e, provavelmente, uma mudança de cultura no sentido contrário ainda demore. Entretanto, sem maiores investimentos, é possível adotar parâmetros elétricos já validados e reconhecidos internacionalmente e pelo Mapa. Alguns desses parâmetros podem ser encontrados no Código Sanitário para os Animais Terrestres da OIE e no Regulamento Europeu nº 1.099/2009, conforme a tabela apresentada abaixo (Tabela 1)
Insensibilização de frango de corte - Image 1
Os efeitos da insensibilização elétrica podem ser avaliados tanto por meio da análise dos sinais clínicos quanto por meio da leitura dos sinais eletroencefalográficos (EEG) medidos nos cérebros das aves, que confere maior acurácia às avaliações.

Atualmente, dispositivos portáteis de EEG foram aprimorados e têm sido utilizados para caracterizar o estado de inconsciência dos frangos após eletronarcose em plantas de abate (SCHEUERMANN; LA VEGA; COSTA; et al., 2017).

Além disso, outros problemas alheios ao ajuste do insensibilizador podem ocorrer no sistema de cubas, dadas as possíveis falhas nos contatos elétricos, tanto pelo movimento das aves na tentativa de escapar quanto pelo encaixe inadequado das pernas das aves nas nórias não adequadas para seu tamanho, o que faz com que a superfície de contato seja insuficiente, prejudicando a passagem da corrente elétrica.

Adicionalmente, todo esforço deverá ser feito para evitar que aves conscientes ou vivas entrem no tanque de escalda. No caso de falha dos sistemas automáticos, um sistema manual deve ser empregado para assegurar que as aves não insensibilizadas ou não sangradas sejam imediatamente submetidas a estes procedimentos e que estejam mortas antes de entrar no tanque de escaldagem.
Avaliação do estado de inconsciência e insensibilidade por meio de sinais clínicos

De acordo com Raj (2004), a alteração cerebral que ocorre durante a insensibilização é acompanhada de certos padrões comportamentais e reflexos físicos que podem ser utilizados para monitorar a eficácia do procedimento de insensibilização nos abatedouros. No entanto, esses eventos são de curta duração, e precisam ser avaliados em pontos específicos e no momento apropriado.

O estado epilético provocado após a insensibilização pode ser reconhecido pelo imediato início do espasmo tônico a partir da saída das aves da cuba, podendo durar alguns poucos segundos. Durante os espasmos tônicos, todos os músculos estão em estado tetânico (enrijecimento) e, como consequência, as aves irão exibir pescoço arqueado para trás, pernas rígidas totalmente estendidas, peito rígido e asas mantidas firmemente em torno do peito. Em sequência, pode-se observar espasmos clônicos, onde há gradativo relaxamento muscular juntamente com o surgimento de movimentos incoordenados de asas e pernas. Em ambas as fases, observam-se olhos fixos sem nenhum reflexo (palpebral ou corneal), ausência de respiração (apneia) e nenhuma resposta a estímulo.

Por outro lado, a presença de respiração rítmica, piscar espontâneo e/ou bater coordenado de asas na saída da cuba ou durante a sangria indicam um atordoamento ineficaz.

A recuperação do estado de inconsciência pode ser acompanhada por meio da avaliação clínica dos reflexos e das respostas a estímulos externos ou também por meio do eletroencefalograma, que permite medir o retorno da atividade elétrica cerebral após o atordoamento.

Como observado na Figura 1, muitos sinais clínicos de inconsciência e insensibilidade possuem questões de confiabilidade ou são difíceis de avaliar, principalmente em linhas de alta velocidade de abate.
Insensibilização de frango de corte - Image 2
Cuidados importantes:

- as cubas devem ser adequadas em tamanho e profundidade para o tipo de ave que está sendo insensibilizada e sua altura deverá ser rapidamente ajustável para que seja realizada a correção da altura a cada troca de lote. Esse cuidado influencia no bem-estar das aves, mas, sobretudo, garante resultados de qualidade exponenciais. Cubas com escotilhas de inspeção facilitam muito o ajuste fino da altura;

- a cuba deve ser concebida de tal forma que os ganchos, ao passarem pela água, estejam em contato firme e contínuo com a barra ligada ao terra. É importante que os ganchos e a barra terra estejam limpos para que a passagem da corrente não seja prejudicada;

- o eletrodo submerso deverá se estender por todo o comprimento da cuba, preferencialmente se estendendo até a saída dos animais;

- a entrada da cuba deve possuir uma rampa eletricamente isolada, além de contar com ajustes que possibilitem regular o ângulo de entrada dos animais, reduzindo os níveis de pré-choque;

- o dispositivo de controle do equipamento deve incorporar medidores que exibam a corrente total e a corrente por ave, além de mostrar a frequência e os demais elementos elétricos relevantes para o controle da insensibilização e aproveitamento/qualidade de carne;

- o equipamento deve gerar registros contínuos, onde todo evento possa ser rastreado segundo a segundo;

- é importante que haja um sistema reserva que possa ser utilizado rapidamente em caso de falha do sistema principal de insensibilização;

- é fundamental que a planta de abate tenha uma Galinha Eletrônica para monitorar e verificar constantemente o sistema de insensibilização, já que a leitura simples dos parâmetros elétricos disponíveis no visor do insensibilizador não permite entender o que de fato ocorre dento da cuba (local onde os animais realmente estão).
Publicado originalmente em Carnetec

ALVES, S; CIOCCA, J.P; LA VEGA, L.T. Manejo Pré-Abate e Bem-Estar Animal. In: MACARI, M.; MENDES, A. A.; MENTEN, J.F.M.; NÄÄS, I.A. PRODUÇÃO DE FRANGOS DE CORTE; 2 ed. São Paulo: FACTA; FAPESP, 2014. cap. 11, p. 193-223.

EFSA. Scientific Opinion on monitoring procedures at slaughterhouses for poultry. EFSA Journal, v. 11, n. 12, 2013.

EUROPEAN UNION COUNCIL. Regulamento (CE) N. o 1099/2009 do Conselho da União Europeia de 24 de Setembro de 2009 relativo à proteção dos animais no momento da occisão. Jornal Oficial da União Europeia, 2009.

OIE - WOLRD ORGANIZATION OF ANIMAL HEATH. Terrestrial Animal Health Code. 2013. Disponível em: <http://www.oie.int/en/international-standard-setting/terrestrial-code/access-online/>. Acesso em: 09 maio 2014.

RAJ, A. B. M.. Stunning and slaughter of poultry. In: MEAD, G. C. (Ed.). Poultry Meat. Processing and Quality. Cambridge: Woodhead Publishing Ltd., 2004. Cap. 4. p. 65-89.

SCHEUERMANN, G. N.; LA VEGA, L.T.; COSTA, E. X.; et al. Caracterização do estado de inconsciência dos frangos após a eletronarcose com baixa corrente e alta frequência. Conferência FACTA - Prêmio LAMAS. Anais...Campinas: FACTA, 2017. Disponível em: <http://www.facta.org.br/conferencia2017/>

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Leonardo Thielo de La Vega
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Marcelo de Souza Lima
29 de enero de 2019
Bom dia Jonathan, nunca ouvi dizer dessa galinha, uma vez que como foi comentado, são inúmeras as variáveis envolvidas. Mas é muito simples o cálculo e a regulagem, bastando para tal análise visual dos animais que saem da cuba.
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João Batista Lancini
Lavenco Consultoria e Representações Ltda.
24 de enero de 2019
Tema muito relevante e artigo claro e objetivo. Parabéns.
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Marcelo de Souza Lima
24 de enero de 2019
Prezado Leonardo, Texto muito bem explicativo, capaz de induzir no leitor uma idéia do que ocorre e, nas que atuam no processo, uma correlação visual do que observam no dia a dia do seu trabalho . Com essa evolução tecnologica e aprimoramentos normativos, tecnicis e comerciais, vejo que essa terra de ninguém dentro do frigorífico tende a ter ganhos fantásticos. Com pessoas envolvidas nos controles de HACCP que detenham conhecimento, engajadas com as etapas vindouras do processo, com feedback antes e depois de cada passo, todos têm muito a ganhar e as galinhas agradecem e o consumidor terá cada vez mais um alimento seguro e qualidade inquestionável. Parabéns pelo belo texto.
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LEANDRO JOSE DOS SANTOS DE PAULA
27 de septiembre de 2022
Em uma cuba de isenssibilizacao de 22 aves quanto devo usar de voltagem e frequência a 7200/h de velocidade da norea??
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Thiago cavalcante
29 de enero de 2019
Onde eu encontro uma galinha eletrônica para teste de insensibilização?
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