A carne suína é a mais consumida no mundo na atualidade. No Brasil ainda persiste o mito de que a mesma é rica em colesterol e transmite doenças parasitárias ao homem. Em criações modernas de suinocultura os animais são confinados sobre pisos de cimento, o que praticamente impede que os mesmos ingiram ovos de Taenia solium (solitária), e portanto este problema está resolvido. Para que a carne suína tenha uma melhor aceitação pelos brasileiros, deve-se então quebrar a imagem "negativa" que relaciona a mesma a uma carne "gorda".
Pesquisas recentes conduzidas pelo Instituto de Tecnologia de Alimentos - ITAL, em Campinas, mostram que a carne suína possui níveis de colesterol semelhantes à carne bovina e à de ave. Mas por outro lado, o consumidor impressiona-se ao examinar uma carcaça suína, com a espessura de tecido adiposo subcutâneo (toucinho). Portanto, o grande desafio da suinocultura atual é reduzir a espessura de toucinho e aumentar o rendimento de carne nas carcaças. Para isso, pode-se contar com as melhorias de manejos nutricionais e de ambiência, com a genética clássica e, mais recentemente, também com a genética molecular, que pode detectar diretamente os genes responsáveis pela deposição de gordura e de músculo, aplicando-se técnicas e conhecimentos de biotecnologia.
O gene da "carne magra"
Existem algumas raças de suínos que apresentam carcaças extremamente magras, com a espessura de toucinho na altura da última costela de apenas 10 a 12 mm, com uma musculatura abundante e muito exuberante, distribuída tanto na região posterior do animal quanto na região anterior resultando no abate em carcaças com rendimento de carne superior a 60%.
Estudos de genética clássica, conduzidos com progênies oriundas do cruzamento entre raças musculosas, mostram que a característica de musculosidade está ligada à susceptibilidade do suíno a apresentar rigidez muscular quando submetido ao anestésico inalatório halotano. Baseado nesta evidência, os geneticistas desenvolveram um teste, com o anestésico halotano, que permite a separação dos animais em susceptíveis ou não, em relação à anestesia por este gás, o que levou os pesquisadores a batizarem este gene de gene HAL, que se convencionou chamar, neste artigo, de o gene da "carne magra". Mas esta característica herdável é do tipo autossômica recessiva, o que é um grande inconveniente, pois não permite detectar os animais heterozigotos, aqueles que não reagem ao teste, forçando os geneticistas a testarem os filhos dos animais não-reagentes, para conhecer o verdadeiro genótipo dos pais, em um cruzamento com um animal sabidamente recessivo, gastando tempo, atrasando a seleção e o melhoramento genético.
As características indesejáveis
Os diversos trabalhos desenvolvidos nos últimos anos mostram que o gene da "carne magra", quando em homozigose recessiva, também está ligado à predisposição dos animais a apresentarem um problema de qualidade de carne denominado P.S.E. (pale-soft and exudative), principalmente quando os mesmos são submetidos a manejos inadequados de transporte e pré-abate, afetando a cor, a textura e a capacidade de retenção de água desta carne, causando sérios prejuízos à indústria de embutidos. Além deste inconveniente, o gene da "carne magra" também está correlacionado negativamente com a performance reprodutiva das fêmeas suínas. Qual estratégia os suinocultores devem adotar, então, com relação a esse gene?
Partindo do princípio de que as carcaças de suínos no Brasil ainda não alcançaram, em média, um bom rendimento de "carne magra", quando comparado a outros países de suinoculturas fortes, como por exemplo a Dinamarca e EUA, a melhor estratégia para a suinocultura brasileira com relação a este gene é a manutenção do mesmo nas raças onde sua freqüência é bastante alta, utilizando essas raças como "raças-pai", buscando implementar um incremento na taxa de crescimento e ganho de peso em carne magra e ao mesmo tempo eliminar completamente o gene das "raças-mãe", beneficiando-se da complementariedade entre essas raças e explorando os híbridos provenientes do cruzamento entre elas.
Aplicação da biotecnologia
Aqui entra a biotecnologia, ajudando a detectar os animais adequados a permanecerem nos plantéis. No início desta década, pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá, clonaram, mapearam e seqüenciaram um gene que codifica uma proteína fazendo parte do canal de cálcio que controla a homostasia desse mineral no músculo dos suínos.
Este gene possui uma mutação que leva à produção de uma proteína alterada, permitindo uma maior passagem de cálcio através do canal, o que provoca, na carne, os inconvenientes citados no tópico anterior e parece ser o mesmo gene HAL (gene da "carne magra").
Mas o importante é que, com o gene seqüenciado e com a determinação e localização da mutação, pôde-se desenvolver uma técnica que permite a perfeita genotipagem dos animais. Para ser realizada, os animais têm o sangue coletado (figura 2) e enviado a um laboratório de genética molecular, onde procede-se à extração do DNA.
O DNA é amplificado na região da mutação, em milhões de cópias, através de uma técnica denominada Reação em Cadeia de Polimerase, em um aparelho simples e automatizado denominado termocilador.
A região amplificada é então cortada com uma enzima de restrição adequada, que são as "ferramentas" da biologia molecular usadas para cortar o DNA na região mutada. Após o corte, o mesmo é separado por eletroforese em um gel de agarose. O padrão de bandeamento do DNA no gel (figura 3) permite a perfeita genotipagem, contornando-se a limitação do teste do halotano, detectando tanto os animais homozigotos quanto os heterozigotos.
Em um recente trabalho conduzido na Universidade Federal de Uberlândia, suínos híbridos foram genotipados por essa técnica e tiveram suas carcaças completamente dissecadas em pele, osso, gordura e carne.
Este trabalho mostrou que os suínos heterozigotos, para o gene da "carne magra", são superiores aos homozigotos normais, quanto à composição da carcaça, produzindo carcaças com maior deposição de músculos e menor deposição de gordura. Este trabalho também mostrou que a expressão do gene da "carne magra" é diferente ao longo da carcaça, sendo maior no pernil e paleta, seguidos das partes posterior e anterior do costado, e menor na barriga, e finalmente produziram em média 1,5% a mais de carne do que os animais normais, mostrando vantagens do ponto de vista econômico.
Suinocultores e consumidores beneficiam-se da biotecnologia
A utilização desta técnica para detectar os animais aptos a produzirem mais carne, e portanto mais lucrativos e que produzam menos P.S.E., é um bom exemplo do quanto a biotecnologia revolucionará o mundo no próximo século, influenciando o nosso modo de agir, pensar, comprar, trabalhar e alimentar-se, proporcionando uma evolução assustadora, onde todos os seguimentos da sociedade lucrarão.
*Robson C. Antunes e Maurício Borge - Universidade Federal de Uberlândia/MG.