Introdução e metodologia
Na última década ocorreram avanços na busca pela redução da poluição gerada pela suinocultura da região do Alto Uruguai Catarinense, como a implementação do Termo de Compromisso de Ajustamento de Condutas (TAC), os investimentos na adequação das estruturas de armazenagem e em biodigestores, bem como pesquisas em novas tecnologias. Entretanto, entende-se que o problema ainda persiste e pode se agravar a partir das mudanças que vêm ocorrendo como o aumento da escala, da especialização e da concentração geográfica (Guivant & Miranda, 1999; Seganfredo, 1999; Palhares et al., 2002; Soares, 2003; Weydmann & Conceição, 2003; Higarashi et al., 2004; Oliveira, 2004; Kunz et al., 2005; Miele, 2006). Assim, o objetivo desta pesquisa foi caracterizar grupos de suinocultores em função do seu potencial poluidor e de algumas das suas dimensões econômicas.
A principal fonte de dados é o diagnóstico de 3.739 estabelecimentos suinícolas, realizado entre 2002 e 2003 pelo Consórcio Intermunicipal de Gestão Ambiental Participativa do Alto Uruguai Catarinense (Consórcio Lambari), a Embrapa Suínos e Aves e outras instituições (Pillon et al., 2003), no âmbito da proposta do Ministério Público de elaboração do TAC. Além disso, foram utilizadas estatísticas oficiais de preços, valor da produção e produtividade das lavouras. Com isso, foi possível mensurar estimativas para as variáveis que caracterizam as dimensões ambientais (Pillon et all., 2003; Seganfredo, 2003) e econômicas (Miele, 2006) dos estabelecimentos suinícolas, conforme Fig. 1. Por fim, foi feita análise de componentes principais e análise de agrupamento dos dados padronizados, bem como a comparação dos grupos discriminados.
Fig. 1 - Variáveis utilizadas e metodologia de cálculo.
Resultados e discussão
Como há diferenças significativas entre os sistemas de produção, optou-se por fazer uma análise estatística para cada um deles. A análise de agrupamento apontou para três grupos de estabelecimentos em ciclo completo (CC), quatro em unidades de produção de leitões (UPL) e cinco em unidades de terminação (UT), conforme descrição a seguir e Tabelas 1 e 2.
Tabela 1. Número de estabelecimentos, alojamento, valor da produção, balanço de N e de milho, por sistema e grupo, na região do Alto Uruguai Catarinense, em 2003.
Fonte: elaborado pelos autores a partir de Pillon et al. (2003); IBGE (2006) e Instituto de Planejamento e Economia Agrícola de Santa Catarina (2006). (1) Capacidade de alojamento de matrizes em CC e UPL e de animais em terminação nas UT. Não é possível somar por serem unidades diferentes. (2) Valor da Produção com suínos, aves, leite e lavoura. (3) Absorção de 140 kg/ha de N na cultura de milho e excreção de N por suínos, aves e bovinos, conforme Seganfredo (2003). (4) Produção de milho e consumo estimado de milho por suínos e aves.
Grupos de estabelecimentos em Unidades de Terminação
Entre os estabelecimentos em UT, os grupos 1 e 3 são pouco numerosos, com pequena participação no alojamento e no valor da produção (VP), conforme Tabela 1. Têm como principal característica a pequena escala de produção e serem associados a cooperativas. A principal fonte de renda é a suinocultura, mesmo que consorciada com leite e lavoura (são auto-suficientes em milho) e, em alguns casos, à criação de aves em sistemas não intensivos. Os grupos diferem porque os estabelecimentos do grupo 3 estão em condições de atender a legislação ambiental. Apesar disso, a maioria dos estabelecimentos nos dois grupos apresenta um pequeno superávit no balanço de N. Mesmo assim, o seu potencial poluidor é pequeno, representando menos de 1% do déficit de absorção de N na região (Tabela 1). Os grupos 2 e 5 são os mais numerosos, com a maior participação no alojamento e no VP (Tabela 1). São suinocultores típicos do processo de integração na região, com uma escala média de produção, integrados a empresas ou cooperativas agroindustriais.
Os grupos diferem porque os estabelecimentos do grupo 5 não são especializados em suínos, mas diversificados através do alojamento de aves em sistemas intensivos de produção. Tendo em vista a escala e a especialização (não têm lavouras), são deficitários em milho, superavitários no balanço de N, em geral o TRH é inferior a 120 dias, e nenhum está em condições de atender plenamente a legislação ambiental. Assim, o potencial poluidor destes grupos é grande, representando mais de 40% do superávit no balanço de N entre o conjunto de UTs. De forma individual, o potencial poluidor dos estabelecimentos do grupo 2 é médio, enquanto que entre os estabelecimentos do grupo 5 ele é elevado, tendo em vista sua diversificação para o binômio suínos-aves, que consorcia atividades que excretam N. Por fim, o grupo 4 é pouco numeroso, mas tem participação significativa no alojamento e VP totais (Tabela 1), visto que sua principal característica é a grande escala de produção (apenas 5 estabelecimentos têm alojamento inferior a 1.000 animais). São na sua maioria especializados, mas um terço também desenvolve sistemas intensivos de produção de aves. A maioria é de integrados a empresas ou a cooperativas agroindustriais, mas se destaca o fato de também haver suinocultores independentes com grande escala de produção (23% dos estabelecimentos do grupo). Tendo em vista a escala e a especialização, são altamente deficitários em milho e superavitários no balanço de N. Apesar de quase metade dos estabelecimentos ter um TRH igual ou superior a 120 dias, apenas um atende a legislação ambiental vigente sobre o tema, e nenhum absorve o total de N excretado por suínos, aves e bovinos. Por ser constituído de poucos estabelecimentos, o potencial poluidor deste grupo representa apenas 4% do superávit de absorção de N entre os suinocultores da região, mas de forma individual, os estabelecimentos deste grupo representam grande potencial poluidor. Na Tabela 2 a seguir apresenta-se a média dos grupos dos estabelecimentos.
Grupos de estabelecimentos em Unidades de Produção de Leitões
O grupo 1 entre as UPL é o mais numeroso neste sistema de produção, com maior participação no alojamento de matrizes e no VP (Tabela 1). Se caracterizam por uma escala média-pequena de produção, com especialização na produção de leitões, com alguma participação da pecuária de corte ou de leite. A maioria é de integrados a empresas e cooperativas agroindustriais, mas há um expressivo número de independentes. Mesmo com uma escala média, são deficitários em milho, superavitários no balanço de N, poucos têm TRH igual ou superior a 120 dias e apenas um está em condições de atender plenamente a legislação ambiental vigente. Sendo assim, o potencial poluidor deste grupo é grande, representando 19% do superávit no balanço de N entre o conjunto de suinocultores da região (Tabela 1). O grupo 2 entre as UPL é pouco numeroso, mas tem significativa participação no alojamento de matrizes e no VP totais (Tabela 1), visto que tem como principal característica a grande escala de produção para os padrões da região (nenhum estabelecimento tem alojamento inferior a 250 matrizes), são especializados. Têm como vínculo a integração a empresas e cooperativas agroindústrias, mas se destaca por haver suinocultores independentes com grande escala de produção. Tendo em vista a escala e a especialização, são altamente deficitários em milho e superavitários no balanço de N. Apesar de dois terços terem um TRH igual ou superior a 120 dias, apenas um atende a legislação ambiental vigente sobre o tema e nenhum absorve o total de N excretado por suínos, aves e bovinos. Por ser constituído de poucos estabelecimentos, o potencial poluidor deste grupo representa 5% do superávit de absorção de N entre o conjunto de suinocultores da região (Tabela 1). Entretanto, de forma individual, os estabelecimentos deste grupo representam grande potencial poluidor. O grupo 3 também é numeroso, e com significativa participação no alojamento de matrizes e no VP deste sistema de produção (Tabela 1). Por sua vez, o grupo 4 é pouco numeroso (Tabela 1).
Ambos têm como principal característica ser constituído de suinocultores independentes, diversificados (leite e lavouras) e com pequena escala de produção. Em virtude disso, são auto-suficientes em milho, mas apresentam em geral superávit no balanço de N. Aqueles que apresentam um balanço de N equilibrado são os estabelecimentos que não diversificam através do binômio suínos-aves, na maioria independentes. A principal diferença entre os grupos é que os estabelecimentos do grupo 4 têm condições de atender plenamente a legislação ambiental vigente, o que inclui um TRH superior ou igual a 120 dias. Enquanto o potencial poluidor do grupo 3 é significativo, representando 6% do déficit de absorção de N entre o conjunto de suinocultores da região, o grupo 4 apresenta potencial poluidor pequeno, com menos de 1% do déficit de absorção de N entre o conjunto de suinocultores da região (Tabela 1). Na Tabela 2 a seguir apresenta-se a média dos grupos dos estabelecimentos.
Grupos de estabelecimentos em Ciclo Completo
O grupo 1 entre os estabelecimentos em CC é pouco numeroso, mas tem significativa participação no alojamento de matrizes e no VP totais (Tabela 1). A principal característica é a grande escala de produção para os padrões da região (nenhum estabelecimento tem alojamento inferior a 100 matrizes). São na sua maioria especializados e associados a cooperativas, mas há significativa presença de integrados às agroindústrias e independentes. Tendo em vista a escala e a especialização são altamente deficitários em milho, superavitários no balanço de N, não possuem estrutura de armazenagem de dejetos que garanta 120 dias de TRH e nenhum atende a legislação ambiental vigente sobre o tema. Apesar de constituído de poucos estabelecimentos, o potencial poluidor deste grupo representa 5% do superávit de absorção de N entre o conjunto de suinocultores da região (Tabela 1) e, de forma individual, os estabelecimentos deste grupo representam o maior potencial poluidor. O grupo 2 entre as CC é o mais numeroso, representando a maior parte do alojamento de matrizes e do VP neste sistema (Tabela 1).
Se caracterizam por uma escala média-pequena de produção, com pouca presença de independentes e com a suinocultura representando a maior parte do VP, apesar de atuarem com aves em sistema intensivo e bovinos para a pecuária de corte ou de leite. Apesar da pequena escala e em função da pouca diversificação com grãos, são deficitários em milho e superavitários no balanço de N. Apenas um terço tem um TRH igual ou superior a 120 dias, nenhum está em condições de atender plenamente a legislação ambiental vigente. Sendo assim, o potencial poluidor deste grupo é grande, representando 19% do superávit no balanço de N entre o conjunto de suinocultores da região (Tabela 1).
O grupo 3 se assemelha ao 2, mas dispõe de área suficiente para aplicação de dejetos e estrutura de armazenagem suficiente para um TRH igual ou superior a 120 dias. Por isso, tem como principais características estar em condições de atender a legislação ambiental vigente sobre o tema e ter uma pequena escala de produção. O potencial poluidor deste grupo é pequeno, representando apenas 1% do superávit no balanço de N entre o conjunto de suinocultores da região. Isso se deve porque o potencial poluidor individual dos estabelecimentos é pequeno e porque o grupo é pouco numeroso (Tabela 1). Na Tabela 2 a seguir apresenta-se a média dos grupos dos estabelecimentos.
Tabela 2. Médias* das variáveis por sistema de produção e grupo de estabelecimentos.
Fontes: elaborado pelos autores a partir de Pillon et al. (2003); IBGE (2006) e Instituto de Planejamento e Economia Agrícola de Santa Catarina (2006). * Médias seguidas por letras distintas diferem significativamente pelo teste de Tukey (p<=0,05). (1) Percentual dos estabelecimentos em condições de atender à legislação ambiental. (2) Percentual dos estabelecimentos integrados a cooperativas e empresas agroindustriais. (3) Percentual do valor da produção total que é obtida através da suinocultura. (4) Percentual do consumo de milho suprido com produção própria.
Descrição geral dos sistemas de produção e comparação entre os grupos
Por serem sistemas de produção diferentes, comparações diretas entre CC, UPL e UT são limitadas, mas é pertinente apresentar de forma comparada os resultados dos grupos acima definidos. Os três grupos mais representativos (UT 2, UPL 1 e CC 2) são compostos por estabelecimentos de escala média e especializados na suinocultura, totalizando 73% do total de estabelecimentos suinícolas da região e 61% do excesso de N (Fig. 1 e 2). Os grupos com maior excesso de N por estabelecimento são aqueles com grande escala ou com média escala e diversificados através do binômio suínos-aves (CC 1, UPL 2, UT 4 e UT 5), e representam apenas 12% do total de estabelecimentos da região mas 30% do excesso total de N. Por outro lado, os grupos com menor excesso de N, que englobam a quase totalidade dos suinocultores que atendem a legislação ambiental, são aqueles com pequena escala e especializados (CC 3, UT 3 e UT 1), ou diversificados com lavouras, silvicultura ou leite (UPL 4), representam 8% dos estabelecimentos da região mas apenas 2% do excesso de N.
Fonte: elaborado pelos autores a partir de Pillon et al. (2003); IBGE (2006) e Instituto de Planejamento e Economia Agrícola de Santa Catarina (2006).
Fig. 2. Participação dos grupos no número de estabelecimentos e no excesso de N sobre o total da região do Alto Uruguai Catarinense, em 2003.
Fonte: elaborado pelos autores a partir de Pillon et al. (2003); IBGE (2006) e Instituto de Planejamento e Economia Agrícola de Santa Catarina (2006).
Fig. 3. Excesso de N (kg/estabelecimento) nos grupos, na região do Alto Uruguai Catarinense, em 2003.
Assim, as características econômicas que implicam no aumento do excesso de N por estabelecimento são a grande escala de produção e a diversificação através do binômio suínos-aves. Por outro lado, as características econômicas associadas ao atendimento da legislação ambiental vigente sobre o tema são a pequena escala de produção e a especialização na suinocultura (não diversificado para aves, mas possivelmente com diversificação com lavoura). Os 374 estabelecimentos com maior excesso de N, que correspondem a 10% do total de estabelecimentos, apresentam um excesso de 5,2 mil t de N, que corresponde a 35% do total. Esses estabelecimentos estão na sua maioria nos grupos com maior escala (UPL 2, CC 1 e UT 4), com escala média mas com diversificação através do binômio suínos-aves (UT 5) ou no sistema de CC (CC 2 e CC).
Conclusões
Os fatores que determinaram os 12 grupos de suinocultores são o sistema de produção adotado, a escala de produção e a especialização com suas implicações no balanço de N e na autosuficiência em milho, bem como o atendimento à legislação ambiental. - Os grupos com maior potencial poluidor segundo o critério aqui adotado, são:
• aqueles que apresentam grande escala de produção suinícola;
• aqueles que têm escala média mas são diversificados através do binômio suínos-aves;
• o sistema de produção em CC apresenta maior excesso de N do que aqueles em UPL e UT (mas isso ocorre porque envolvem todo o processo de produção de suínos, havendo a necessidade de uma análise ponderada por volume de carne produzida).
A tendência de aumento de escala na suinocultura brasileira aponta para o aumento no potencial poluidor não apenas destes grupos, mas também entre os grupos mais numeroso. - Em termos do vínculo do estabelecimento, verifica-se maior presença dos integrados a agroindústrias entre os grupos com maior escala ou diversificados através do binômio suínos-aves, com exceção dos estabelecimentos em CC onde os associados a cooperativas são predominantes. Isso aponta para uma relação direta entre este tipo de vínculo e as dimensões econômicas que determinam maior potencial poluidor, mas devese ponderar que também há expressivo contingente de estabelecimentos associados a cooperativas e independentes entre os grupos de maior potencial poluidor.
A legislação ambiental vigente em Santa Catarina não garante um equilíbrio no balanço de nutrientes do estabelecimento (um indicador mais preciso de potencial poluidor). - Salienta-se que os resultados desta pesquisa referem-se ao ano de 2003 e que desde então mudanças vêm ocorrendo, sendo que algumas apontam para maior pressão sobre o balanço de N, tais como:
• aumento de escala (Heiden et al., 2006; Miele, 2006), provavelmente com maior número de estabelecimentos nos grupos CC 1, UPL 2 e UT 4;
• aumento na produtividade das matrizes do rebanho tecnificado de aproximadamente 13% entre 2003 e 2006 (Miele & Machado, 2006), implicando em mais animais em um mesmo estabelecimento em CC ou UPL, mas redução do número de reprodutores para o mesmo volume de produção;
• desde então o TAC vem sendo implementando, como um esforço conjunto para adequar os estabelecimentos suinícolas à legislação ambiental.
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