O complexo agroindustrial de suínos e a comunidade científica trabalham incessantemente para melhorar a eficiência na produção de carne e atender as exigências crescentes do mercado consumidor. O desafio para este novo modelo de suíno é combinar, adequadamente, o binômio qualidade e quantidade de carne, objetivando garantir a viabilidade econômica da indústria da carne.
Entre os animais de produção, os suínos são os mais suscetíveis ao desenvolvimento de características anormais nos músculos após o abate, podendo ser devido a fatores ligados ao estresse e manejo pré-abate. Além disto, os cuidados durante o abate são imprescindíveis para uma carne suína livre de contaminação microbiológica.
A intensidade do manejo que os suínos são submetidos durante o carregamento, transporte e chegada no abatedouro são os principais fatores responsáveis pela ocorrência do estresse pré-abate. Além da perda de animais, o estresse pré-abate proporciona a produção de carne com qualidade inferior. Caso o estresse ocorra muito próximo ao momento do abate, pode haver um aumento da produção de carne PSE (pálida, mole e exsudativa) em virtude do aumento da temperatura do músculo, acúmulo de ácido láctico e aumento da taxa metabólica, o que causa rápida queda do pH antes do resfriamento das carcaças, desnaturando as proteínas musculares.
A carne PSE representa o problema mais sério para a indústria suinícola, porque sua menor capacidade de retenção de água provoca perda excessiva de exsudato e textura, caracterizando extrema flacidez e ausência de cor. Assim, além de ser rejeitada pelos consumidores, a carne PSE prejudica os processos industriais de fabricação, com conseqüências econômicas bastante sérias para o setor.
Existem algumas alternativas nutricionais para reduzir o estresse pré-abate, sendo uma delas o uso do triptofano sintético adicionado em rações de suínos em terminação. A melhoria na qualidade da carne com a adição deste aminoácido ocorre devido à competição do triptofano com a tirosina pelo mesmo sítio de ligação na barreira hematoencefálica. Assim, os produtos da tirosina, principalmente a epinefrina, que é responsável pela manifestação do estresse ao abate, não será liberada em concentrações suficientes para o animal manifestar o estresse, resultando em menor incidência de metabolismo anaeróbico e, consequetemente, menor liberação de lactato no músculo.
Outro benefício do uso do triptofano em rações para suínos é o fato de o triptofano ser precursor de serotonina, que é um hormônio envolvido no estímulo da ingestão de alimento e na diminuição do estresse que antecede o abate. Desta forma, pesquisadores relataram que a suplementação de triptofano em suínos estressados durante o abate proporcionou concentração de serotonina 28% a menos quando comparado com suínos que estavam com baixo grau de estresse.
Os procedimentos de manejo pré-abate englobam diferentes fatores estressantes para os animais que influenciam diretamente sobre a qualidade da carne. O jejum alimentar é classificado como o primeiro ponto crítico de controle, pois a sua prática minimiza a taxa de mortalidade durante o transporte, melhora a segurança alimentar (diminui os riscos de extravasamento do conteúdo intestinal durante a evisceração e disseminação de bactérias patogênicas através das fezes) e ambiental (menor volume de dejetos no abatedouro).
Recomenda-se um tempo de jejum entre 16 e 24 horas para esvaziar o conteúdo intestinal e minimizar os riscos de contaminação fecal. No entanto, tem sido reportada uma ampla variação no peso do conteúdo estomacal, independentemente do tempo de jejum aplicado. Desta forma, o tempo de jejum total sugerido por alguns países como França, Reino Unido e Espanha tem como referência um conteúdo estomacal menor que 1,4kg.
Há registros de que suínos que não sofreram jejum e são abatidos imediatamente após a chegada no abatedouro apresentam pH inicial no lombo muito baixo. Por outro lado, longos períodos de jejum associados a longos períodos de transporte ou de espera, tendem a diminuir a incidência de carne PSE e de aumentar a prevalência de carne DFD (escura, dura e seca), devido à exaustão do glicogênio muscular, especialmente nos músculos que sustentam a postura e peso do animal.
As situações de máximo estresse correspondem ao período de embarque e desembarque dos animais, devido à interação homem - animal e da mudança de ambiente. Os galpões de engorda/terminação devem ser projetados em local de fácil acesso para o caminhão proceder à operação de embarque. Recomenda-se que o transporte seja efetuado à noite ou nas primeiras horas da manhã quando o clima não estiver quente ou abafado.
Pesquisas demonstraram que a utilização de bastão elétrico na condução de suínos é mais aversiva que inalar 90% de CO2. Assim, o uso de bastão elétrico ou varas deve ser evitado devido ao seu efeito prejudicial sobre o bem-estar (aumento da freqüência cardíaca) e qualidade da carne (salpicamentos e hematomas). Portanto, deve-se conduzir grupos de três a cinco animais com o auxílio de uma prancha de alumínio ou plástico resistente.
Lotações exageradas no transporte produzem hematomas, arranhões, fraturas ósseas, mortes e estresse. Em contrapartida, lotação insuficiente resulta em escoriações e lesões corporais produzidas por choques com a carroceria. Em todos os casos, fica comprometidos a qualidade da carne, o rendimento industrial e a lucratividade.
Após o embarque, recomenda-se que os animais sejam molhados com o auxílio de aspersores de água localizados na carroceria do caminhão por aproximadamente 30 minutos. Este procedimento ajuda reduzir a temperatura corporal imposta pela atividade física que os animais foram submetidos no corredor de condução do galpão de terminação, bem como pelo estresse imposto pelo novo ambiente do caminhão, deixando-os menos agitados.
Misturar suínos desconhecidos na mesma baia induz a altos níveis de agressão, cujo objetivo é estabelecer uma nova hierarquia social, levando a um maior dano à pele e a defeitos na qualidade da carne. Se a mistura for inevitável, recomenda-se misturar os animais no embarque e não mais tarde, já que tendem a brigar menos no caminhão em movimento e possui mais tempo para descansar depois da briga.
A área de espera, além de ser um reservatório de animais para manter a velocidade da linha de abate constante, permite que os animais se recuperem do estresse do transporte e do desembarque. Sob condições normais de temperatura ambiente e umidade, um tempo de descanso de 2 a 3 horas nas baias de espera, não prejudica o bem-estar animal e nem a qualidade da carne.
Para adquirir uma matéria prima cárnea com qualidade microbiológica todos os procedimentos durante o abate devem ser rigorosamente higiênicos e o pessoal envolvido, tanto na limpeza, como na manipulação das carcaças e nos seus respectivos cortes, devem ser bem treinados.
Dentre as diversas etapas dentro do abatedouro, a insensibilização é a primeira e consiste na completa inconsciência do suíno antes do abate. No Brasil, geralmente é realizada por choque elétrico de alta voltagem e baixa amperagem atrás das orelhas do suíno entre 6 a 10 segundos. No entanto, a insensibilização também pode ser realizada por pistola pneumática ou gás carbônico. Qualquer que seja o método adotado, deve ser observado certas condições (tratamento dado aos animais pelos funcionários, funcionamento correto dos equipamentos) para não haver uma excessiva estimulação do sistema nervoso e elevação da pressão sangüínea.
Após a insensibilização (no máximo 30 segundos), ocorre a sangria do animal por meio de seccionamento dos grandes vasos ou punção diretamente no coração. Nesta etapa, os animais são pendurados em trilho aéreo ou colocados em mesas apropriadas para a drenagem do sangue. Em seguida, os animais são imersos em banhos de água tratada e aquecida à 65ºC, por 2 a 5 minutos, procedendo-se a escaldagem, que possui a finalidade de renovação constante de água para permitir a limpeza do couro dos suínos, além de facilitar a remoção dos pêlos e dos cascos na depilação.
Depois de passar pela máquina de depilação, a remoção completa dos pêlos e dos cascos é realizada manualmente com auxílio de facas. Posteriormente, realiza-se o chamuscamento da carcaça com bico de gás.
Na evisceração (retirada das vísceras) para que a carcaça não se contamine é necessário amarrar o ânus e a bexiga. Normalmente, as vísceras são colocadas em bandejas na mesa de evisceração, onde são separadas, inspecionadas e encaminhadas para seu processamento, de acordo com o resultado da inspeção. Após a evisceração, a carcaça é lavada e encaminhada para as câmaras frigoríficas.
- Características de qualidade da carne
As características de qualidade da carne mais avaliadas normalmente nos abatedouros nacionais são: coloração da carne, pH inicial (45 minutos pós-abate), pH 24 horas pós-abate, capacidade de retenção de água (CRA), marmorização da musculatura e algumas provas bioquímicas ligadas à qualificação da musculatura. A estas características são somadas as quantitativas: tais como espessura de toucinho, porcentagem de carne magra na carcaça, comprimento de carcaça, entre outros.
Destas características, uma das mais importantes medidas possíveis logo após o abate é o valor do pH inicial, sendo uma medida utilizada como um padrão mundial. Possui moderada correlação com a qualidade final da carne, sendo geralmente realizada no lomboe/ou no pernil, servindo como uma razoável estimativa da carne PSE. O pH inicial possui alta correlação com o genótipo de sensibilidade ao estresse (gene halotano), sendo possível diferenciar os animais sensíveis ao estresse dos não sensíveis, pelos valores do pH.
Após o resfriamento, quando as reações bioquímicas cessam por completo na carne e sua qualidade final é atingida, a utilização de valores de pH inicial e a cor final associadas às medidas de CRA permitem definir com maior precisão a qualidade real de lombos ou pernis no frigorífico (Tabela 1).
Considerações Finais
A qualidade da carne e o impacto na saúde humana aparecem como questões centrais para o consumidor. Contudo, a cadeia da qualidade da carne é longa e certamente no percurso "da granja ao garfo" sofre influência de diferentes variáveis, algumas fáceis de serem controladas, outras mais difíceis. No entanto, é importante lembrar que a Indústria Frigorífica está preparada para produzir uma carne de excelente qualidade, compatível com aquela oferecida nos países mais desenvolvidos da Europa.