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Cadeia produtiva da carne suína no Brasil

Publicado: 2 de julho de 2024
Por: Marcelo Miele1 Paulo D. Waquil2 1Pesquisador da Embrapa Suínos e Aves, BR 2 Professor-adjunto do Departamento de Economia da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Introdução
A carne suína é a fonte de proteína animal mais importante no mundo, representando quase metade do consumo e da produção de carnes, com mais de 94 milhões de toneladas (FOREIGN, 2006), das quais aproximadamente 53 % ocorrem na China, e outro terço na União Européia (UE) e nos Estados Unidos (EUA). O Brasil é o quarto maior produtor (2,9 % do total) e o sexto consumidor em termos absolutos (2,2 % do total). Os maiores consumidores per capita também são países europeus, norte-americanos e a China, nos quais a população tem tradição de consumo. Entre esses três principais produtores e consumidores há um elevado grau de auto-suficiência, ou relação consumo/produto, levando a uma baixa participação (cerca de 27 %) da carne suína nas exportações mundiais de proteína animal (FOREIGN, 2006). Os maiores importadores são Japão, Federação Russa e México, com aproximadamente 60 % das importações mundiais. A UE lidera as exportações, seguida por EUA, Canadá e Brasil.
O desempenho brasileiro (competitividade revelada) na última década é significativo, com um crescimento de 84 % na produção e de 1.615 % nos volumes exportados, atingindo a marca recorde de US$ 1,2 bilhão exportados em 2005 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA PRODUTORA E EXPORTADORA DE CARNE SUÍNA, 2006). A trajetória de incremento tecnológico, aumento de escala, especialização e coordenação entre os elos da cadeia produtiva foram fatores fundamentais para o desempenho brasileiro nesse segmento do mercado mundial de carnes. Entretanto, a participação crescente de novos países no cenário internacional, assim como as incertezas sanitárias e a prática de protecionismo resultam em um processo de acirramento da concorrência internacional que podem afetar negativamente esses resultados (LIDDELL; BAILEY, 2001; RABOBANK, 2001; SANTINI et al., 2004; SANTINI; SOUZA FILHO, 2004a, 2004b; WEYDMANN; FOSTER, 2003; WEYDMANN, 2004).
O presente estudo tem caráter descritivo e teve por objetivo compilar informações disponíveis em inúmeras fontes estatísticas oficiais e setoriais, a partir de uma ótica de cadeia produtiva (ZYLBERSZTAJN; FARINA, 1998), a fim de disponibilizar à Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Milho e Sorgo, Aves e Suínos, coordenada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), bem como ao público em geral, um documento conciso e de consulta rápida que sintetize as dimensões econômicas e organizacionais da cadeia produtiva da carne suína no Brasil, com ênfase nas estratégias das agroindústrias líderes e dos suinocultores. Com isso, espera-se atender uma demanda do Comitê Assessor Externo (CAE) da Embrapa Suínos e Aves, e uma linha prioritária do Plano Diretor da Unidade (PDU) 2004-2007.
O Brasil e a concorrência internacional
Os países que apresentaram maior crescimento na produção ou nas exportações (Tabela 1) são aqueles que viabilizaram o fornecimento barato de grãos com menores custos de produção, estão próximos a regiões onde a demanda cresce significativamente e obtiveram o reconhecimento internacional da saúde dos seus rebanhos (RABOBANK, 2001). Dessas três condições, o Brasil atende plenamente apenas à primeira. Ao contrário do perfil mundial, o consumo de carne suína no Brasil é bem inferior ao das carnes bovinas e de frango, com um consumo per capita oscilando entre 11 kg/hab./ano a 13 kg/hab./ano (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA PRODUTORA E EXPORTADORA DE CARNE SUÍNA, 2006), que é inferior à média mundial, quase cinco vezes inferior à média da UE e cerca de um terço do verificado na China e nos EUA (FOREIGN, 2006). Apesar do aumento absoluto no consumo e na aquisição domiciliar per capita na última década no Brasil (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA PRODUTORA E EXPORTADORA DE CARNE SUÍNA, 2006; IBGE, 2004), o mercado interno não apresenta o dinamismo necessário para o crescimento do segmento, cabendo ao mercado externo absorver parcela crescente da produção (Tabela 2).
As exportações brasileiras cresceram acima da média dos demais competidores (Tabela 1), apesar do acirramento da concorrência e da elevada incerteza (sanitária e relacionada ao protecionismo). Os principais mercados importadores (Japão, México, EUA e Coréia do Sul) estão fechados para a carne suína in natura brasileira em função de restrições sanitárias. Além disso, a sua participação nos mercados abertos, que não impõem restrições sanitárias ou acatam o princípio da regionalização (Federação Russa, Hong Kong, UE e outros,)3 , chega a apenas 39 % das suas importações (LIMA et al., 2004). Essa situação coloca o País em crescente vulnerabilidade diante das oscilações externas relacionadas não apenas à de
Tabela 1. Principais países exportadores de carne suína em 1995, 2000 e 2005, em mil t.
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(p) Dados preliminares.
(1) Em 1995, considera apenas a UE-15.
Fonte: Abipecs para Brasil, USDA para mundo e demais países.
Tabela 2. Alojamento de matrizes, tamanho do rebanho, abate de suínos, produção e exportação de carne suína no Brasil entre 2000 e 2005.
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(p) Dados preliminares.
Fonte: Abipecs, ABCS, Embrapa e IBGE - Pesquisa Pecuária Municipal.
manda e ao protecionismo nos principais mercados, mas também à real situação sanitária brasileira, como nas ocorrências recentes de febre aftosa. As redução no ritmo de expansão das exportações brasileiras para os seus principais compradores em meados de 2002 e a queda nos volumes exportados em 2006 deram início a ciclos recessivos, com redução na rentabilidade dos suinocultores e das agroindústrias. Essa situação se evidencia na relação de troca entre os preços dos grãos e do suíno vivo (Fig. 1).
Os custos de produção são uma vantagem absoluta do País, que apresenta os menores custos entre os principais países produtores e exportadores (Tabela 3). Além da disponibilidade de grãos, esse desempenho reflete a incorporação de tecnologias de abate e processamento, de produção pecuária com avanços em genética, nutrição e medicamentos (apesar de haver ainda significativa parcela de matrizes não tecnificadas) e de organização e coordenação da cadeia produtiva (GIROTTO; SANTOS FILHO, 2000; MIELE; MACHADO, 2006; MIELE, 2006; ROPPA, 2005; SANTINI; SOUZA FILHO, 2004b).
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Fig. 1. Relação de troca entre o preço do suíno vivo e o preço dos grãos na Região Sul.
Fontes: Associação Catarinense de Criadores de Suínos, Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul, Companhia Nacional de Abastecimento, Departamento de Economia Rural do Paraná e Embrapa Suínos e Aves.
Extensões geográfica, horizontal e vertical das estratégias dominantes entre as empresas e cooperativas agroindustriais brasileiras
Há dois grupos distintos de empresas e cooperativas que abatem suínos e processam e distribuem carne suína no Brasil (INSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL, 2002), quais sejam, o subsistema sob SIF e o subsistema sob inspeção estadual (SIE) e municipal (SIM)4 . As empresas e cooperativas que atuam sob SIF, com dois terços dos abates e a totalidade das exportações (Tabela 4), operam sob regras sanitárias que lhes permitem a venda interestadual e internacional de produtos, enquanto as vendas das empresas sob SIE/SIM estão limitadas às fronteiras estaduais ou municipais. Entre esses grupos de empresas, há diferenças acerca da forma e extensão das suas estratégias. Assim, em termos de extensão geográfica, as estratégias no Brasil englobam as micro e pequenas empresas, cooperativas e outras experiências associativas com vendas locais sob SIE/SIM, as pequenas e médias empresas e cooperativas com vendas regionais sob SIF, e as grandes empresas e cooperativas, geralmente com mais de uma unidade industrial (multiplantas), cujas vendas abrangem os mercados nacional e estrangeiro, por meio de exportações ou investimentos diretos. Neste último grupo, o mercado externo representa em média um terço do volume produzido, mas em algumas empresas chega a mais de 80 % (Tabela 4).
A questão internacional não pode ser vista apenas como comercial, mas também a partir dos deslocamentos da produção e dos investimentos diretos. No caso da suinocultura, as grandes organizações exportadoras possuem estruturas produtivas localizadas predominantemente nos seus países de origem, não havendo uma elevada internacionalização da produção como em outros setores, com ausência do comércio intrafirma. A presença internacional das empresas européias (Campofrio, Danish Crown e Dumeco) e norte-americanas (Hormel Foods, IBP e Maple Leaf Foods) se dá por intermédio de investimentos na área comercial e de processamento, mas raramente na produção ou no abate. Entretanto, destacamse uma cooperativa e uma empresa com origem nos EUA ditas globais (Farmland e Smithfield), com investimentos diretos em diversos países e em praticamente todos os elos da cadeia produtiva, dos insumos à distribuição (RABOBANK, 2001).
Tabela 3. Custo de produção, conversão alimentar e intensidade tecnológica na suinocultura industrial dos principais países produtores em 2005.
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(1) Para a UE-25 considerou-se a média de Alemanha, Dinamarca, Espanha, França, Holanda e Polônia. (
2) Não inclui suínos em fase de creche e terminação. Fonte: PIC Worldwide Pig Production Cost Survey e Abipecs, ABCS e Embrapa para a participação das matrizes tecnificadas no total.
No Brasil, o processo de internacionalização ocorre sobretudo pelas exportações, mas também por meio da aquisição de empresas nacionais por capitais estrangeiros e por investimentos nacionais no exterior, essencialmente na área comercial (RABOBANK, 2001; SANTINI; SOUZA FILHO, 2004b) e, mais recentemente, na aquisição de unidades de processamento na Federação Russa e no Leste Asiático. Entre as 16 maiores empresas no segmento de carne suína no mundo (levando em consideração o alojamento de matrizes), quatro são brasileiras (Tabela 4), sendo uma de capital aberto com controle familiar (Sadia), outra de capital aberto controlada por fundos de pensão nacionais (Perdigão), outra subsidiária de uma multinacional agroalimentar (Seara) e uma cooperativa (Aurora).
Entre as empresas e cooperativas líderes, também há grande variação em termos da extensão vertical e horizontal das suas estratégias. Esse grupo pode ser caracterizado como um oligopólio competitivo, em que predomina a busca por ganhos de escala, a promoção da marca, a coordenação da cadeia produtiva, a inovação em produtos e processos e crescentes controles de qualidade (RABOBANK, 2001; SANTINI et al., 2004; SANTINI; SOUZA FILHO, 2004b; WEYDMANN, 2004). Do ponto de vista da gama de produtos (extensão horizontal da estratégia), as líderes no Brasil e na UE também atuam no segmento de carne de frango e, mais recentemente, de alimentos em geral. Há, no entanto, aquelas especializadas em carne suína ou aquelas que também atuam no segmento bovino (Tabela 4). Nota-se que apesar de as líderes no Brasil atuarem no segmento de carne bov
Tabela 4. Custo de produção, conversão alimentar e intensidade tecnológica na suinocultura industrial dos principais países produtores em 2005.
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na, isso ocorre de forma marginal quando comparado ao abate de aves e suínos, enquanto nos EUA a atuação no segmento bovino é mais significativa, levando a uma maior diversificação em produtos (RABOBANK, 2001; SANTINI; SOUZA FILHO, 2004b; TALAMINI; KINPARA, 1994; WEYDMANN, 2004). A extensão da gama de produtos é definida em grande parte pelas características do mercado consumidor predominante em cada país (hábitos e gostos, poder aquisitivo e estrutura de distribuição). Na China, na Polônia e nos EUA há maior presença da carne fresca ou in natura, enquanto na UE, no Japão, na Rússia e no Brasil predomina o consumo de produtos processados (RABOBANK, 2001).
Do ponto de vista da extensão vertical das estratégias, predomina um padrão de investimentos que se estende da distribuição à produção de insumos (em granjas-núcleo para produção da genética ou em fábricas de ração para a nutrição dos animais), com os estabelecimentos suinícolas inseridos geralmente por programas de fomento pecuário e de contratos (MIELE, 2006). Essa forma de inserção da atividade pecuária é denominada no Brasil de integração. Nesse sistema, as agroindústrias fornecem a seus integrados a ração, a genética, os medicamentos, a assistência técnica e outras especificações técnicas, cabendo ao suinocultor os investimentos e manutenção em instalações, a mão-de-obra e as despesas com energia, água e manejo dos dejetos. Enquanto entre as empresas integradoras há uma relação direta com os suinocultores integrados, entre as cooperativas centrais que abatem suínos e processam carne suína essa relação se dá, geralmente, por intermédio de cooperativas singulares de produção pecuária. Além da integração, há o chamado mercado spot, no qual as agroindústrias compram animais de estabelecimentos suinícolas denominados independentes, ou seja, que têm liberdade de decisão quanto aos insumos a serem adquiridos ou volume e destino das vendas da produção suinícola. Nesse sistema, verifica-se a existência de comerciantes que adquirem os animais para posterior venda às agroindústrias, com ou sem engorda. Nota-se que em alguns estados, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul, muitos desses comerciantes passaram a fornecer insumos e assistência técnica a outros suinocultores em troca de garantias tácitas de fornecimento, constituindo-se em um fenômeno denominado no setor como miniintegradores.
Não há estatísticas sobre esse tema, mas estimase que 88 % dos estabelecimentos suinícolas tecnificados no Brasil sejam integrados por meio de contratos ou de programas de fomento pecuário das empresas e cooperativas agroindustriais (Tabela 5). A integração predomina na Região Sul do País, mas está crescendo nas regiões Sudeste e Centro-Oeste (GUIVANT; MIRANDA, 1999; MIELE, 2006; SANTINI; SOUZA FILHO, 2004b; WEDEKIN; MELLO, 1995). Esse padrão de integração também é o mais representativo nos EUA e na UE (BARKEMA; COOK, 1993; LAWRENCE et al., 1997; MARTINEZ, 1999; RABOBANK, 2001; RICHARD et al., 2003), enquanto na China a produção industrial integrada se estabeleceu apenas nas proximidades dos grandes centros urbanos, fruto de investimentos estrangeiros norte-americanos e europeus em aliança com estatais (RABOBANK, 2002).
As organizações voltadas aos mercados locais ou regionais não são objeto desse estudo, mas salienta-se haver uma grande diversidade, com estratégias especializadas em suínos e derivados da carne suína, bem como casos em que há complementaridade com bovinos e aves, e uma maior gama de produtos e diversificação. Do ponto de vista da verticalização também há grande diversidade. São suinocultores com investimentos em estruturas de abate e processamento (integrados a jusante), pequenas cooperativas e iniciativas associativas para viabilizar a compra conjunta de insumos ou a venda dos animais (integrados a montante), bem como empresas processadoras e distribuidoras sem presença nos elos a jusante e a montante da cadeia produtiva, com pouca ação em termos de coordenação.
Sistemas de produção, especialização e escala entre os estabelecimentos suinícolas
A suinocultura é praticada em milhares de estabelecimentos rurais no Brasil, mas interessa ao presente estudo aqueles estabelecimentos ondeessa se caracteriza como a principal atividade ou, quando consorciada com outras atividades agropecuárias, é desenvolvida de forma tecnificada e inserida nos principais canais de distribuição ou integração (Tabela 5). Portanto, não se consideram as pequenas criações inseridas de forma marginal na cadeia produtiva da carne suína ou voltadas para o autoconsumo, as quais caracterizam a chamada suinocultura de subsistência. A produção denominada industrial, que é tecnificada e explora ganhos de escala e, na sua maior parte, adota uma estratégia de especialização crescente, representava, em 2005, 60 % no alojamento de matrizes e mais de 80 % dos abates e da produção de carne suína, chegando a mais de 90 % nos estados da Região Sul (MIELE; MACHADO, 2006). Da mesma forma que para as empresas e cooperativas, existem pelo menos quatro dimensões pertinentes à análise dos estabelecimentos suinícolas, quais sejam: a especialização, o sistema de produção, a escala e o tipo de vínculo com a agroindústria de abate e processamento.
Em termos de especialização ou diversificação do estabelecimento agropecuário, há no mínimo quatro configurações típicas. Na primeira delas, o estabelecimento é diversificado com a produção de suínos, grãos (predominantemente milho para o auto-abastecimento) e bovinos de leite. Explora, portanto, economias de escopo com base na agricultura familiar e se caracteriza pela pequena escala de produção. A presença desse grupo é cada vez mais reduzida no circuito da integração, inclusive entre as cooperativas. Uma outra configuração se caracteriza por estabelecimentos especializados na suinocultura sem produção de milho ou outros grãos, explorando ganhos de especialização e de escala. São suinocultores típicos do processo de integração na Região Sul, mas em expansão no Centro-Oeste. Também representativos do processo de integração na Região Sul e em expansão para as demais são aqueles estabelecimentos diversificados por intermédio do binômio suínos-aves. Por fim, uma quarta configuração é composta por estabelecimentos diversificados com suínos e grãos (ou outras culturas como café e silvicultura), mas que conseguem explorar ganhos de escala em todas as atividades. Esse grupo está presente, sobretudo, nas regiões Sudeste e Centro-Oeste (GOMES et al., 1992; GUIVANT; MIRANDA, 1999; SANTINI; SOUZA FILHO, 2004b; TESTA, 2004; WEDEKIN; MELLO, 1995; WEYDMANN, 2004). De forma sucinta, as quatro configurações básicas se apresentam como a seguir:
a) Diversificado com grãos-suínos-leite, com ganhos de escopo e pequena escala.
b) Diversificado com suínos-aves, com ganhos de escopo e escala.
c) Especializado suínos, com ganhos de especialização e escala.
d) Diversificado grãos-suínos, com ganhos de escopo e escala.
Além da produção de reprodutores (fêmeas, machos e sêmen) em granjas-núcleo e multiplicadoras, com significativa presença de investimentos das próprias agroindústrias e empresas de genética, existem três tipos de sistemas de produção suinícola.
Tabela 5. Estabelecimentos suinícolas e tipo de vínculo no Brasil em 2005.
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(1) Suinocultores integrados a empresas ou cooperativas, atuando por meio de contratos ou programas de fomento pecuário.
Fonte: estimativa com base em consulta a especialistas nos principais estados produtores e às empresas e cooperativas, a partir de Miele e Machado (2006) e Miele (2006).
O primeiro deles é a produção em ciclo completo (CC), onde o mesmo estabelecimento desenvolve todas as etapas de produção do animal, quais sejam: cruza ou inseminação, maternidade, desmama, creche e terminação. O desmembramento dessas atividades em mais de um estabelecimento levou ao surgimento das unidades de produção de leitões (UPLs) e das unidades de terminação (UTs). As primeiras desenvolvem as etapas de inseminação, maternidade, desmame e creche, produzindo leitões com até 22 kg a 28 kg, enquanto as últimas se dedicam apenas à terminação, engordando animais dos 22 kg aos 28 kg até o peso de abate, entre 100 kg e 130 kg aproximadamente. Atualmente, estabelecimentos em UPL produzem leitões com até 10 kg ou 12 kg, desativando o estágio de creche, que passa a ser desenvolvido por um quarto tipo de sistema de produção, os crecheiros. Em contraste à especialização descrita anteriormente, que se refere à redução do número de atividades desenvolvidas em um mesmo estabelecimento agropecuário, trata-se aqui da especialização dentro da atividade suinícola, que se refere à redução do número de etapas do ciclo de produção do animal.
Até meados dos anos 1990, predominava no Brasil a produção em CC. Após esse período, houve um processo de mudança, com a transformação de parte desses estabelecimentos suinícolas em UPL e UT. Essa tendência à especialização nas etapas do processo produtivo dos suínos ocorreu em todo o País, mas se dá de forma mais intensa na Região Sul (Tabela 6). Essa substituição ocorre nas cinco principais empresas, mas com padrões diferentes. Enquanto Sadia e Seara praticamente não trabalham mais com estabelecimentos em CC, nas demais agroindústrias esse sistema ainda representa parcela significativa dos abates e do alojamento de matrizes, apesar de seguir uma tendência de queda nessa participação.
Concomitante ao processo de especialização, ocorreu o aumento de escala em todo o País (Tabela 7), com o aumento da produção e a redução no número de estabelecimentos suinícolas. Como apontam Heiden et al. (2006), entre 1996 e 2003, 76 mil estabelecimentos deixaram de produzir suínos em Santa Catarina (Tabela 8), enquanto o rebanho se elevou em 25 % e os abates quase duplicaram. Apenas entre os estabelecimentos com mais de 200 animais verifica-se crescimento no número de estabelecimentos e no rebanho. Além disso, todos os estratos apresentaram crescimento da escala, exceto aquele com menos de dez animais (suinocultura de subsistência). Quando considerado apenas o rebanho industrial integrado às cinco principais empresas e cooperativas agroindustriais de Santa Catarina, também se constata o aumento da escala em todo os sistemas de produção em um período mais recente (Tabela 9), com maiores acréscimos nos estabelecimentos em CC, que não se especializaram dentro do ciclo de produção do suíno. Esse aumento de escala também ocorreu entre os integrados das cinco principais agroindústrias, mas com padrões diferentes.
O aumento de escala verificado na produção primária está associado à maior eficiência dos fato res de produção (RICHARD et al., 2003), mas também a uma maior uniformidade no tamanho, na forma e na qualidade dos animais entregues para o abate, ao contrário do que ocorre com a produção atomizada (MARTINEZ, 1999). Os avanços tecnológicos incorporados no aumento da escala ocorreram em genética, nutrição, instalações, equipamentos, medicina veterinária e gestão (SANTINI; SOUZA FILHO, 2004b) e se materializam em alguns indicadores técnicos. Nos últimos Tabela 7. Escala dos estabelecimentos suinícolas no Brasil em 1995 e 2005. (1) Apenas os estabelecimentos que têm a suinocultura como atividade principal. Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 1995-96, Abipecs e consulta a especialistas. Estabelecimentos(1) Produção de carne suína SIF (mil t) Produção/estabelecimento (kg) Tamanho médio dos lotes (cabeças) Ano 66.952 1.060 15.828 66 1995 30.079 1.789 59.463 248 2005 -55 69 276 276 Variação (%) 20 anos em Santa Catarina, enquanto a conversão alimentar foi reduzida em 30 %, estando atualmente em 2,7 kg de ração para cada quilo de suíno vivo, a produtividade das matrizes se elevou em 30 %, atualmente em 20 terminados/porca/ano5 , o rendimento de carne magra de carcaça se elevou de 45 % para 56 % e a quantidade de gordura que vai ao mercado se reduziu de 20 para apenas 2 kg6 (GOMES et al., 1992; MIELE; MACHADO, 2006 e consulta a especialistas).
Tabela 6. Estabelecimentos, abates e alojamento de matrizes por sistema de produção em Santa Catarina.
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(1) Não inclui granjas de reprodutores e terceiros.
(2) Não inclui descarte de matrizes em UPL e em granjas de reprodutores.
Fonte: Sindicato das Indústrias de Carnes e Derivados no Estado de Santa Catarina.
Tabela 7. Escala dos estabelecimentos suinícolas no Brasil em 1995 e 2005.
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(1) Apenas os estabelecimentos que têm a suinocultura como atividade principal.
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 1995-96, Abipecs e consulta a especialistas.
Tabela 8. Estabelecimentos produtores de suínos e efetivo do rebanho segundo o estrato de animais em Santa Catarina em 1996 e 2003.
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Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 1995-96 e Levantamento Agropecuário de Santa Catarina 2003, a partir de Heiden et al. (2006).
Tabela 9. Média de abates mensais e de alojamento de matrizes por estabelecimento em Santa Catarina em 2001 e 2005, em cabeças.
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(1) Não inclui descarte de matrizes em UPL e granjas de reprodutores.
(2) Não inclui granjas de reprodutores e terceiros.
Fonte: Sindicato das Indústrias de Carnes e Derivados no Estado de Santa Catarina.
Essas inovações, base da conquista de mercados externos pelas agroindústrias brasileiras, estão associadas a aumentos de escala, e têm criado vantagens para os maiores suinocultores, com um conseqüente aumento no tamanho das instalações e redução no seu número (MARTINEZ, 1999). Deve-se destacar que os ganhos de escala são muito mais expressivos nos EUA do que na UE ou no Brasil, e naquele país, apenas oito empresas agrícolas detêm 31 % das matrizes (ROPPA, 2005).
Representação sintética da cadeia produtiva no Brasil
A partir das considerações e dos dados apresentados e dos trabalhos do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (2002), Gomes et al. (1992), Rabobank (2001), Santini e Souza Filho (2004a, 2004b) e Talamini e Kimpara (1994), apresenta-se na Fig. 2 uma representação sintética da cadeia produtiva da carne suína no Brasil, com as seguintes informações:
a) Principais agentes que atuam da produção ao consumo de carne suína e seus derivados, subdivididos em cinco segmentos (insumos, pecuário, de intermediação, de abate e processamento e de distribuição e consumo) e, em vários subsistemas (conforme o tipo de suinocultor, o tipo de inspeção na agroindústria e a abrangência do mercado).
b) Número de estabelecimentos suinícolas e de empresas e cooperativas de abate e processamento.
c) Principais transações entre esses agentes, subdivididas em três categorias (integração com empresas, integração com cooperativas e outras transações como o mercado spot e outros tipos de acordos e contratos).
d) Produção (em milhões de cabeças) e VBP (em R$ bilhões) dos suinocultores, produção (em mil t) e VBP (em R$ bilhões) das agroindústrias, consumo de grãos e vendas de outros insumos (em milhões de t e bilhões de R$) e consumo interno e externo (em kg/habitante/ano).
Considerações finais
No processo em curso no qual as organizações líderes buscaram a consolidação nos seus mercados domésticos e de disputa no mercado internacional, destacam-se dois traços que marcaram a evolução da suinocultura nos principais países produtores, inclusive no Brasil. O primeiro deles, associado à intensificação tecnológica das últimas 2 décadas, é o processo de concentração e especialização na produção de animais (ativida de pecuária), e de concentração no abate e processamento (agroindústria). O outro traço marcante, que ocorreu de forma concomitante ao anterior, foi o aumento da participação dos contratos, dos programas de fomento pecuário e da integração na coordenação dos agentes. Buscouse dessa forma a redução de custos por meio dos ganhos de escala na suinocultura e na agroindústria, bem como redução dos riscos e aumento da qualidade pela maior coordenação no suprimento de matéria-prima.
Conclui-se que as estratégias das líderes no Brasil se assemelha às suas princiapis concorrentes internacionais, com exceção às empresas ditas globais em função da extensão dos seus investimentos em países estrangeiros. Entretanto, está em curso um processo de concentração no País que anuncia para os próximos anos novas fusões e aquisições entre as agroindústrias líderes nesse segmento, com desdobramentos na relação de poder e repartição de margens entre os principais elos da cadeia produtiva, bem como no potencial de expansão internacional dessas organizações. Além disso, deve permanecer a tendência de maior dependência do mercado externo e relativa estagnação do interno, tanto em virtude do perfil de consumo e da renda da população, quanto da manutenção das estratégias das agroindústrias líderes, que apostam nos produtos processados em detrimento da carne in natura. De qualquer forma, há uma evidente diversidade de estratégias e atores nesse segmento do mercado de proteína animal, sobretudo entre os suinocultores e as agroindústrias de menor porte e abrangência geográfica.
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Fig. 2. Representação sintética da cadeia produtiva da carne suína e seus derivados no Brasil, em 2005.
Fontes: elaborado pelo autor, a partir de modelo em Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (2002), com dados de Abipecs, ABCS, Embrapa, IBGE, Confederação Nacional da Agricultura, Instituto de Planejamento e Economia Agrícola de Santa Catarina, Sindicato Nacional da Industria da Alimentação Animal e Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal.
Por fim, deve-se ressaltar que existe uma oferta abundante de dados e informações no mundo e no País, permitindo uma melhor caracterização da cadeia produtiva. Entretanto, e apesar das iniciativas em andamento por parte das principais associações de representação setorial em conjunto com a Embrapa Suínos e Aves, ainda não são suficientes para um adequado acompanhamento conjuntural e para o desenvolvimento de estudos mais aprofundados, o que requer maior abertura por parte dos diversos atores e associações de representação da cadeia produtiva da carne suína.


Publicado originalmente na Revissta de Agropolítica, Ano XVI – No 1 – Jan./Fev./Mar. 2007. 

Acesso disponível em: https://seer.sede.embrapa.br/index.php/RPA/article/viewFile/448/pdf 

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Os maiores importadores são Japão, Federação Russa e México, com aproximadamente 60 % das importações mundiais.

A trajetória de incremento tecnológico, aumento de escala, especialização e coordenação entre os elos da cadeia produtiva foram fatores fundamentais para o desempenho brasileiro nesse segmento do mercado mundial de carnes.

No caso da suinocultura, as grandes organizações exportadoras possuem estruturas produtivas localizadas predominantemente nos seus países de origem, não havendo uma elevada internacionalização da produção como em outros setores, com ausência do comércio intrafirma.

No Brasil, o processo de internacionalização ocorre sobretudo pelas exportações, mas também por meio da aquisição de empresas nacionais por capitais estrangeiros e por investimentos nacionais no exterior, essencialmente na área comercial.

Atualmente, existem três tipos de sistemas de produção suinícola: produção em ciclo completo (CC), unidades de produção de leitões (UPLs) e unidades de terminação (UTs).
Autores:
Marcelo Miele
Embrapa
Embrapa
Paulo D. Waquil
Universidad Federal Do Rio Grande do Sul UFRGS
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