INTRODUÇÃO
O tema “Utilização do laudo histopatológico no diagnóstico clínico” foi abordado em um artigo nosso publicado em outubro do 2009. Naquele artigo, ficou clara a importância da histopatologia como ferramenta para um diagnóstico mais completo, que torna possível a associação entre a detecção do agente etiológico através de técnicas várias, como bacteriologia e biologia molecular (PCR), e a presença de lesões microscópicas compatíveis com a infecção daquele determinado organismo. Além disto, mesmo em situações onde não é possível a detecção de agente etiológico específico pelas técnicas acima citadas, a histopatologia permite um direcionamento do possível processo existente, e conseqüentemente, tem condições de sinalizar o envolvimento de agente viral, bacteriano ou parasitário, por exemplo.
São várias as situações de campo onde não é possível a coleta de amostras e envio das mesmas ao laboratório para realização de testes para detecção direta da presença de agentes patogênicos usando diferentes técnicas, como por exemplo a bacteriologia. Nestas situações, a principal limitação é fazer estas amostras frescas refrigeradas chegarem ao laboratório em tempo hábil, para que estejam em condições diagnósticas. Em contrapartida, assim que amostras de tecidos são fixadas em formol 10%, os processos autolíticos são interrompidos e estas amostras são conservadas em condições adequadas por longos períodos. Desta forma, o exame histopatológico está garantido. Importante lembrar que a histopatologia é uma técnica muito sensível, mas nem tanto específica. Ou seja, por si só, dá o direcionamento do processo envolvido, por exemplo, inflamação purulenta bacteriana, mas não tem condições de afirmar qual bactéria está presente. Neste sentido, a técnica de imuno-histoquímica proporcionou um avanço interessante.
Esta técnica permite a utilização de anticorpos específicos contra antígenos de agentes infecciosos em amostras fixadas em formol 10% e processadas rotineiramente para histologia. Além disto, permite uma associação direta entre as lesões histológicas e a presença do agente etiológico intralesional. A imuno-histoquímica combina técnicas anatômicas, imunológicas e bioquímicas que permitem localizar componentes tissulares específicos ou agentes invasores, mediante a utilização de anticorpos específicos e moléculas marcadoras. Informação importante sobre a imuno-histoquímica é que, para que esta seja justificada e realizada, é imperativa a observação de lesões histológicas sugestivas ou indicativas de uma determinada doença. Assim sendo, a imuno-histoquímica é sempre executada depois que já foi feita a histopatologia daquela amostra. Ou seja, o diagnóstico imuno-histoquímico para um determinada amostra pode ser solicitado no formulário de envio preenchido pelo requisitante, mas a sua utilização ou não vai depender da decisão do patologista na interpretação das lesões histológicas, principalmente para se evitar a utilização indevida da técnica em amostras que serão certamente negativas. Por um lado, esta condição é benéfica uma vez que não são realizados procedimentos em amostras sem indicação. Mas por outro, a necessidade de avaliação histológica preliminar retarda um pouco o resultado da imuno-histoquímica. Nossa intenção neste manuscrito é dar noções básicas sobre o procedimento de imuno-histoquímica e citar quais enfermidades vem sendo diagnosticadas por esta técnica no Brasil e no mundo.
IMUNO-HISTOQUÍMICA
Todos os procedimentos de coleta e fixação de amostras para a imunohistoquímica são exatamente os mesmos utilizados
para o exame histopatológico. Ou seja, é necessário somente um recipiente com formol a 10%, de boca larga e com volume aproximado de 10 a 20 vezes o volume das amostras a serem fixadas. Após fixação, a preservação é duradoura. Esta fixação prolongada pode formar ligações protéicas (disulfídricas) que dificultam a exposições de porções antigênicas da porção a ser pesquisada, entretanto, existem procedimentos no protocolo de coloração de imunohistoquímicaque quebram as ligações protéicas e retorna o tecido a condição ideal de coloração. O processamento de amostras no laboratório de histopatologia para a preparação de lâminas a serem coradas pela imuno-histoquímica é idêntico às preparações a serem coradas pelas colorações de rotina, hematoxilina e eosina. A diferença se encontra basicamente no procedimento de coloração, depois que os cortes finos já se encontram nas lâminas.
Enquanto a técnica de hematoxilina e eosina utiliza as propriedades tintoriais das células e tecidos, a imuno-histoquímica utiliza a especificidade de anticorpos para detecção de antígenos. As etapas iniciais da coloração por imuno-histoquímicas compreendem a retirada de toda a parafina das lâminas, bloqueio de marcações inespecíficas com substâncias como leite em pó desnatado, albumina sérica bovina ou soro normal inativado, e bloqueio de peroxisase endógena. As etapas subseqüentes compreendem a incubação com anticorpo primário, lavagem da lâmina, incubação com anticorpo secundário (específico contra o anticorpo primário e conjugado com alguma molécula ligadora, por exemplo biotina), lavagem, incubação com solução contendo uma segunda molécula de elevada afinidade com a molécula ligadora e conjugada à uma enzima de detecção (por exemplo, a molécula de avidina conjugada com peroxidase), lavagem e, finalmente, utilização de um cromógeno que irá reagir com a peroxidase presente nas preparações positivas. Este resultado positivo é caracterizado pela marcação de cor marron ou vermelha, dependendo do cromógeno utilizado.
Etapa fundamental da técnica de imuno-histoquímica é a de incubação com o anticorpo primário. Estes anticorpos são específicos contra um (anticorpo monoclonal, produzido em camundongos) ou vários antígenos (anticorpo policlonal, produzidos em coelhos ou cabras) do microrganismo que se tenta detectar na preparação. Via de regra, os anticorpos primários monoclonais tem uma maior especificidade que os policlonais contra o agente microbiano, justamente por marcarem um único antígeno. Em contrapartida, os anticorpos policlonais têm uma maior sensibilidade, pois se ligam a vários antígenos do microrganismo e, conseqüentemente, tem maior chance de resultados positivos. De qualquer forma, a grande limitação da técnica é a disponibilidade comercial destes anticorpos primários. Em laboratórios norteamericanos e europeus é oferecida uma extensa lista de testes imuno-histoquímicos para agentes infecciosos em suínos.
No Brasil, ainda são poucos os laboratórios oferecendo este tipo de exame, o que será comentado adiante neste texto. Na segunda etapa da coloração utiliza-se solução contendo o anticorpo secundário que é específico contra a espécie animal cujo anticorpo primário foi produzido. Ou seja, o anticorpo secundário seria específico contra anticorpos de camundongo (no caso de anticorpos primários monoclonais) ou contra anticorpos de coelhos ou cabras (no caso de anticorpos primários policlonais). Estes anticorpos secundários são conjugados com moléculas marcadoras, freqüentemente representadas pela biotina. Atualmente, são utilizados produtos comerciais que já contém um coquetel de anticorpos secundários marcados com biotina que são específicos contra anticorpos primários de camundongos, coelhos e cabras, e são prontos para usar. Nestes kits comerciais, normalmente, também é dispobilizada a solução utilizada na terceira etapa, que contém uma molécula com elevada afinidade pela biotina, como a avidina ou streptavidina, conjugada com a enzima peroxidase. Na última etapa da coloração de imuno-histoquímica é utilizada uma solução contendo o cromógeno que reagirá com a enzima peroxidase, caso a amostra na lâmina seja positiva para o agente etiológico pesquisado pelo anticorpo primário. Nestas amostras positivas, forma-se um complexo com antígeno do microrganismo ligado ao anticorpo primário, que por sua vez está ligado a grande quantidade de anticorpos secundários que estão também aderidos à moléculas ligadoras (avidina ou streptavidina) conjugadas a peroxidase, que se liga ao cromógeno e revela a coloração típica no local da infecção no tecido (Figura 1).
Caso a amostra seja negativa, durante a primeira lavagem após a incubação com o anticorpo primário, este é retirado e não há marcação alguma. Como pode ser evidenciado pela descrição acima, o ponto crítico para otimização da técnica é a determinação da concentração de anticorpos primários e o tempo de incubação do mesmo. Isto se justifica, uma vez que as soluções contendo os anticorpos secundários, moléculas ligadoras e cromógenos comerciais já estão prontos para uso. Para a adequada otimização da técnica se faz necessária a utilização de lâminas controle com preparações sabidamente positivas e negativas. Outro ponto crítico nesta técnica é a observação de marcação no local onde se espera que seja observada, uma vez que mesmo utilizando-se procedimentos para se evitar marcações inespecíficas, estas podem ocorrer. Exemplificando, cita-se o caso de imuno-histoquímica usando anticorpos específicos contra Lawsonia intracellularis em intestinos suspeitos. Neste caso, são esperadas marcações positivas no citoplasma de enterócitos e no citoplasma de macrófagos na lâmina própria e submucosa. Caso exista algum tipo de marcação na serosa ou na camada muscular, estas devem ser consideradas inespecíficas. Assim sendo, se as únicas marcações nas amostras testadas forem nestes locais atípicos (muscular e serosa) e os controles positivo e negativo tiverem funcionado bem, o resultado é negativo. Normalmente, os procedimentos de coloração de imuno-histoquímica, a partir das lâminas já preparadas para tanto, é de aproximadamente cinco horas, sendo que cada incubação dura entre 30 minutos a uma hora e meia.
UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA NO BRASIL E NO MUNDO
Infelizmente, comparado com a utilização da imuno-histoquímica em outros países, no Brasil, esta técnica ainda é pouco difundida, e são poucos os laboratórios que oferecem este tipo de serviço. Tentamos listar a seguir os laboratórios e os testes imunohistoquímicos disponíveis no país. Os anticorpos primários disponíveis no Brasil e que têm sido utilizados em testes imuno-histoquímicos para comprovação de infecções são os específicos contra L. intracellularis, PCV2, Mycoplasma hyopneumoniae, Brachyspira sp., Salmonella sp, além de Toxoplasma gondii, Coronavirus, Neospora caninum e Pneumocystis carinii, Mycobacterium avium e Actinobacillus pleuropneumoniae sorotipos 3 e 5, e Haemophilus parasuis. Estes são as enfermidades e laboratórios que temos conhecimento, e nos desculpamos pela não citação de outros laboratórios que façam uso desta técnica. Nos dispomos a receber o contato destes laboratórios e divulgar a disponibilidade destes testes. Somente traçando um paralelo com as enfermidades diagnosticadas por imunohistoquímica no Laboratório de Diagnóstico Veterinário da Universidade de Minnesota nos Estados Unidos, citam-se: Brachyspira sp, Influenza type A, L. intracellularis, Leptospira, PCV2, PRRS, Rotavirus type A, Salmonella sp, T. gondii e Coronavirus da TGE. No Laboratório de diagnóstico de Iowa State University, citam-se: PCV2, L. intracellularis, M. hyopneumoniae, PRRS, Rotavirus type A, S. suis e Coronavirus da TGE. Fica claro pelo acima exposto que a técnica de imuno-histoquímica é uma ferramenta importante no diagnóstico de enfermidades infecciosas e que, no Brasil, ainda tem-se muito a progredir, para aumentar a disponibilidade deste teste e de doenças diagnosticadas pelo mesmo.