Introdução
A formação de incrustações com material mineral em tubulações de sistemas de tratamento de dejetos suínos ou outros efluentes de composição similar é um problema bastante conhecido por produtores e operadores destes sistemas. Uma parte dessas incrustações é depósito de material majoritariamente mineral conhecido como estruvita (Figura 1), a qual pode obstruir tubulações responsáveis pelo transporte dos dejetos, bombas de recalque e sistemas de distribuição de biofertilizantes (Amaral; Steinmetz; Kunz, 2022). Estes depósitos causam muitos transtornos, como a perda de carga nas linhas (diminuição da vazão), além do custo adicional com paradas para manutenção ou, muitas vezes, necessidade de substituição de linhas completamente interrompidas.
O que é estruvita e como ela é formada?
A estruvita é um cristal branco de baixa solubilidade em água (0,018 g 100 mL-1 a 25 °C) formado por íons magnésio (Mg2+), amônio (NH4+) e fosfato (PO43-) em razão equimolar, sendo que sua formação pode ser descrita pela seguinte reação química (Bhuiyan et al., 2007):
Mg2+ + NH4+ + PO43- + 6H2O → MgNH4PO4.6H2O
Figura 1. Seção de tubulação de condução de digestato encrustada com estruvita.
Cristais de estruvita se formam em locais de grande turbulência e em meios básicos (pH maior que 7,0), onde sua solubilidade diminui. Os cristais surgem mais frequentemente em ambientes com elevada concentração de fosfato e nitrogênio amoniacal, tais como paredes de tubulações de transporte de dejetos e equipamentos utilizados na digestão anaeróbia que ficam em contato com o digestato (Amaral; Steinmetz; Kunz, 2022). Há relatos da ocorrência de estruvita em vários meios biológicos, tais como sistemas em decomposição de matéria orgânica humana e animal e em dejetos de resíduos agrícolas ligados a atividades como pecuária, suinocultura e piscicultura. Percebe-se que onde há a presença de íons fosfato, amônio, magnésio e pH alcalino pode ocorrer a formação desse mineral. O pH no qual a estruvita pode precipitar é um dos principais fatores, pois está ligado à solubilidade e supersaturação dos íons que formam este mineral. O pH pode controlar a taxa de precipitação e o período de indução. Em estações de tratamento de efluentes, a incrustação de estruvita ocorre em parte devido ao aumento do pH como resultado da remoção de CO2 (Le Corre et al., 2009).
A formação natural de estruvita é favorecida a partir do dejeto suíno porque os elementos químicos que a compõem estão presentes em concentrações relativamente altas neste efluente, além do pH alcalino, outro fator necessário para a formação dos cristais. A turbulência causada pelo escoamento do efluente nas tubulações também favorece a formação da estruvita, o que explica a maior ocorrência de incrustação em curvas e válvulas devido a uma maior facilidade à germinação (nucleação) do cristal. Outro fator importante na cristalização é o tipo de tubulação utilizada, sendo que tubulações rugosas em alvenaria favorecem a formação de estruvita, enquanto que em materiais de PVC, embora a deposição também ocorra, a formação dos cristais e a deposição é mais lenta (Doyle; Parson, 2002). Na Figura 2 pode ser visualizada a estruvita presente em um sistema de tratamento de dejetos suínos. A imagem (A) apresenta a estruvita presente em uma caixa de passagem de dejetos. Já a imagem (B) mostra o corte transversal de uma tubulação onde observa-se a incrustação de estruvita quase “fechando” o tubo.
A composição química geral do meio líquido exerce um papel importante na formação da estruvita através da precipitação química. Essa precipitação dá origem aos cristais de estruvita. No que diz respeito à formação e ao desenvolvimento destes cristais, ambos ocorrem em dois estágios: nucleação e crescimento do cristal (Antes; Bortoli; Kunz, 2022). A nucleação inicia-se quando a solução contém uma concentração de íons dissolvidos superior à permitida em condições de equilíbrio, ou seja, há uma supersaturação. Desta forma, ocorre uma combinação entre os íons componentes, que originam pequenos cristais. A fase de crescimento dos cristais acontece na medida em que os íons, difusos na solução, migram para a superfície dos núcleos já formados, aderindo-se a eles. Esse processo ocorre de forma contínua até que a condição de supersaturação tenha sido superada e um novo equilíbrio estabelecido (Le Corre et al., 2009). Além disso, tem-se que a agitação, ou no caso das tubulações, a turbulência, aumenta a formação de cristais de estruvita.
Figura 2. Imagem de estruvita natural depositada em (a) caixa de passagem em uma unidade de tratamento de dejeto suíno e (b) sessão transversal de uma tubulação de escoamento de dejeto suíno.
Problemas causados pela estruvita
A incrustação por estruvita é um fator que onera os processos produtivos, pois na maioria das vezes é necessário parar o processo para trocar as tubulações, válvulas, curvas e outras partes onde encontra-se depositado o material. Para isso é necessário interromper o fluxo de dejetos. Ressalta-se aqui que este problema não é novo e, sim, inerente aos efluentes em questão em função da presença de Mg, NH4+ e PO43-. Além disso, a formação natural de estruvita resulta em um acúmulo não apenas em tubulações, mas também em bombas e centrífugas, entre outros equipamentos do sistema (Kecskésová et al., 2020)
A presença de estruvita reduz os diâmetros dos tubos (como mostrado na Figura 2b) e aumenta a energia necessária para bombeamento. Quando as tubulações e bombas já estão afetadas, a presença da estruvita aumenta significativamente o esforço de manutenção e, consequentemente, o custo, diminuindo a vida útil dos equipamentos. Os métodos para remover a estruvita formada são geralmente trabalhosos, sendo que em muitos casos torna-se necessária a substituição de toda a tubulação obstruída e/ou a troca parcial ou completa de equipamentos utilizados.
Estratégias de remoção da estruvita de linhas de dejeto: manejo, solubilização, processos físicos, processos combinados
Apesar das incrustações devido à formação de estruvita ser um problema bem conhecido, não existe muita informação sobre alternativas de solubilização deste material. Basicamente, o processo de solubilização pode ser realizado por processos químicos ou mecânicos.
No que diz respeito aos processos químicos, o que se sabe é que soluções ácidas concentradas (pH < 1) de ácido clorídrico ou sulfúrico conseguem solubilizar o cristal, porém o uso destes produtos químicos em granjas ou mesmo plantas de tratamento pode apresentar limitações por questões de segurança (Kecskésová et al., 2020). Ácidos orgânicos de baixo peso molecular, tais como ácido acético e cítrico, têm sido estudados quanto ao seu desempenho no processo de solubilização de minerais e na redução da precipitação. Neste caso, estes ácidos também podem ser usados para solubilizar a estruvita, porém o tempo necessário é relativamente longo, superior a sete dias (Rech, 2017).
A remoção mecânica por meio de água sob elevada pressão (remoção hidrodinâmica) é outra alternativa e, ao contrário do uso de ácidos fortes, é um procedimento mais seguro para o sistema de tratamento e para o operador, com bons resultados na desincrustação. No entanto, o material pode permanecer nas tubulações, haja vista que não é solubilizado (Kecskésová et al., 2020).
A solubilização de estruvita formada em sistemas de tratamento de dejetos suínos foi estudada pela Embrapa Suínos e Aves avaliando-se o efeito de um ácido mineral (ácido clorídrico, HCl) e ácidos orgânicos (ácido acético, HAc, e peracético, HPerAc) em testes de laboratório. Os fragmentos de estruvita ficaram em contato com as soluções ácidas durante 24 horas, sem agitação (Silva; Antes; Kunz, 2022). Os resultados de redução de massa dos fragmentos de estruvita após os testes de solubilização com diferentes soluções ácidas estão mostrados na Figura 3.
Figura 3. Comparação do uso de diferentes soluções na remoção de massa de estruvita. Testes feitos em batelada, por 24 horas.
Observa-se (Figura 3) que o ácido peracético (HPerAc), produto comercial de concentração 5,61% (m/v), apresentou maior capacidade de solubilização, próximo a 60% de remoção de massa de estruvita, seguido pelo ácido acético (HAc) 10% (v/v), com 49%, e do ácido clorídrico (HCl) 10% (v/v), com o qual obteve-se remoção de 46,6%. A menor remoção ocorreu através do HCl 5% (32,9%).
A comparação dos ácidos utilizados (ácido acético, ácido clorídrico e ácido peracético) mostrou maior eficiência de solubilização quando se utilizou o ácido peracético. Após o período de 24 horas em contato com o ácido, as camadas de estruvita estavam visualmente mais porosas, facilitando a remoção quando aplicado uma força mecânica (remoção com as mãos ou usando uma espátula). No caso do ácido acético 10%, embora a eficiência de remoção tenha sido menor, visualmente também se observou característica similar, ou seja, o material poderia ser facilmente quebrado em fragmentos menores. É importante ressaltar que estes testes foram feitos sem agitação mecânica e que a combinação com algum sistema de agitação certamente trará melhores resultados de solubilização da estruvita.
Em seguida, foi realizado o experimento a fim de remover incrustações de estruvita de uma tubulação com a válvula trancada usando uma solução de ácido acético 10% (v/v). Neste caso, após 15 horas de recirculação da solução de ácido acético, observou-se a completa solubilização dos depósitos de estruvita, sendo possível liberar a válvula que estava trancada.
Considerações finais
Os ácidos acético e peracético são capazes de solubilizar a estruvita aderida às tubulações de linhas de tratamento de efluentes. O uso de força hidrodinâmica combinado com o uso de ácido acético ou peracético é capaz de remover as incrustações, mostrando-se como uma alternativa para evitar o entupimento e, consequentemente, a necessidade de se fazer a substituição de válvulas e tubulações.
Para operacionalizar este tipo de tratamento, sugere-se que seja feita a limpeza periódica através da recirculação de solução de ácido peracético ou acético 10% (v/v) nos pontos de maior deposição de estruvita. Para isso, é necessário isolar a parte do sistema onde deve ser aplicada a solução desincrustrante, de modo que não haja mistura com o restante dos efluentes. Após a realização do processo de limpeza, a solução desincrustrante deve ser recolhida, podendo ser reutilizada em outra parte do sistema.
PUBLICADO ORIGINALMENTE NO PORTAL EMBRAPA AVES E SUÍNOS, 2024.