Introdução
O objetivo deste texto é apresentar de forma comparada os custos de produção de suínos em países selecionados, no ano de 2010, a partir da metodologia proposta por especialistas de 14 países, reunidos em uma rede denominada InterPIG, conforme descrito adiante. A Embrapa Suínos e Aves participa desta rede desde 2008, disponibilizando e trocando informações e participando das reuniões anuais nas quais são debatidos os resultados, o aperfeiçoamento da metodologia e a ampliação e consolidação da rede.
Este esforço insere-se nos objetivos estratégicos da Embrapa Suínos e Aves de "garantir a competitividade e sustentabilidade da agricultura brasileira" a partir de contribuições que permitam "melhorar a eficiência da tomada de decisão dos diversos atores das cadeias de suínos, frangos e ovos por meio da disponibilização de dados sobre a evolução temporal dos preços, produção e exportação e insumos utilizados na sua produção" (Embrapa Suínos e Aves, 2009). A participação em uma rede internacional para comparar custos de produção é o coroamento de um trabalho desenvolvido pela Embrapa Suínos e Aves desde a década de 1980 voltado para estimar os custos de produção (MARTINS et. al., 2011). Além disso, insere-se no projeto de desenvolvimento de uma Central de Inteligência de Suínos e Aves (CIAS).
Rede InterPIG e metodologia utilizada
A rede InterPIG envolve instituições de pesquisa, associações de representação, órgãos públicos e empresas de consultoria dos principais países produtores de carne suína (Quadro 1). Iniciou suas atividades em 2003 e vem se expandindo, sendo que o Brasil participa desde 2008 por meio da Embrapa Suínos e Aves. É uma rede articulada à distância, que promove um encontro anual. Os seus objetivos são:
- Desenvolver e implantar uma metodologia padronizada de cálculo dos custos de produção.
- Comparar os índices técnicos, os preços e os custos de produção entre os países participantes.
- Apoiar estudos de competitividade entre os países.
Quadro 1. Países e instituições participantes da rede InterPIG em 2010.
A metodologia da rede InterPIG baseia-se na utilização de um glossário de termos e definições e de uma planilha eletrônica, o que estabelece conceitos e formas de cálculo padronizados para todos os participantes. Estes dois instrumentos são a base para viabilizar a comparação internacional dos custos de produção de suínos, um dos principais indicadores da competitividade das cadeias produtivas.
Os itens de custo contemplados pela metodologia, bem como a classificação desses itens, são apresentados no Quadro 2, a seguir. Deve-se ressaltar que há diferenças em relação à metodologia utilizada pela Embrapa Suínos e Aves (GIROTTO; SANTOS FILHO, 2000), conforme apresentado no Quadro 2.
Quadro 2. Comparação entre as metodologias InterPig e Embrapa.
A obtenção de indicadores de eficiência técnica, preços e outros parâmetros necessários para o cálculo do custo a partir da planilha eletrônica é de responsabilidade de cada instituição participante. Alguns países realizam levantamentos qualitativos, como o painel (Brasil e Canadá, por exemplo), outros utilizam pesquisas quantitativas com levantamento de dados a campo em amostras estatisticamente representativas ou censitárias (França e Países Baixos, por exemplo).
Para estimar os custos de produção, a Embrapa Suínos e Aves utiliza o método de painel, complementado por fontes setoriais e resultados de estudos e pesquisas. O painel constitui-se de reuniões com pesquisadores, especialistas, assistência técnica e produtores, na qual se busca um consenso para caracterizar os sistemas de produção mais representativos e os seus respectivos coeficientes técnicos de produção. Além do painel, são consultadas fontes estatísticas e setoriais para melhor caracterizar os sistemas de produção e os respectivos coeficientes técnicos (Quadro 3).
Quadro 3. Fontes de informação para caracterizar os sistemas de produção e os coeficientes técnicos no Brasil, em 2010
Para o levantamento dos preços dos insumos e dos fatores de produção em 2010, foram consultadas as fontes estatísticas oficiais e setoriais a seguir listadas:
- Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
- Associação Catarinense de Criadores de Suínos (ACCS).
- Associação dos Criadores de Suínos do Mato Grosso (Acrismat)5.
- Centro de Socioeconomia e Planejamento Agrícola (Epagri/Cepa).
- Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (IMEA)
- Produtores, cooperativas, agroindústrias e fornecedores de equipamentos, insumos e serviços.
Resultados InterPig 2010
Esta seção contem os resultados do InterPig para o ano de 2010, os quais foram apresentados e debatidos por cada país membro no encontro anual de 2011, realizado na cidade de Dublin, Irlanda, nos dias 27 a 29 de Junho. A instituição organizadora foi a Autoridade Irlandesa para o Desenvolvimento da Agricultura e da Alimentação (Teagasc).
Caracterização dos coeficientes técnicos
Em todos os países produtores de suínos há grande diversidade de tipos de suinocultores. Entre os participantes da rede InterPig, há dois grandes grupos de países. De um lado, aqueles onde predomina a produção segregada, com produtores de leitões e terminadores em múltiplos sítios8. Fazem parte deste grupo Brasil9, Dinamarca, Espanha, EUA e Países Baixos. No outro grupo predominam os produtores em ciclo completo, com Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, França, Grã Bretanha, Irlanda e Itália. Na Tabela 1 apresenta-se a escala de produção representativa nos países participantes.
Tabela 1. Escala de produção representativa nos países participantes, 2010
Nas Figuras 1 a 4 e no Quadro 4, a seguir, são apresentados os coeficientes técnicos que caracterizam a produção de suínos nesses países.
Figura 1. Produtividade das matrizes, em terminados/matriz/ano, 2010
Figura 2. Consumo de ração dos reprodutores e conversão alimentar nas fases de creche e terminação, 2010
Figura 3. Uso de mão de obra na produção de leitões até a creche e na terminação, 2010
Figura 4. Uso de energia elétrica na produção de leitões até a creche e na terminação, 2010
Quadro 4. Coeficientes técnicos, 2010
Preços de mercado
Para fins de comparação internacional, deve-se utilizar uma mesma moeda para os preços de mercado. Nesse sentido, a rede InterPig utiliza o Euro como principal moeda de comparação, o que não impede que se utilize outras moedas, como o Dólar dos EUA ou mesmo o Real brasileiro. Nas Figuras 5 a 8 e nos Quadros 5, 6 e 7, a seguir, são apresentados os preços de mercado pagos pelos suinocultores por insumos e fatores de produção, bem como o valor e a vida útil dos investimentos em granjas suinícolas nos países participantes. Também são apresentadas as taxas de câmbio e de juros nos países participantes.
Figura 5. Preço médio da ração na granja, 2010, em €/t
Figura 6. Remuneração da mão de obra, 2010, em €/h
Figura 7. Tarifas de energia elétrica, 2010, em €/kWh
Figura 8. Valor do investimento em instalações e equipamentos, por fase, 2010
Quadro 5. Preços de mercado de insumos, fatores de produção, equipamentos e instalações em Euros (€), 2010
Quadro 6. Preços de mercado de insumos, fatores de produção, equipamentos e instalações em Reais (R$), 2010
Quadro 7. Taxas de juro e de câmbio e vida útil de instalações e equipamentos, 2010
Custos de produção
Nesta seção são apresentados os custos de produção de suínos nos países participantes da rede InterPig, calculados a partir dos coeficientes técnicos e preços de mercado acima descritos. Nas Figuras 9 a 12, a seguir, são apresentados os custos de produção em Euros para uma tonelada de carcaça suína fria. Nas Tabelas 2 a 5, a seguir, são apresentados os custos de produção em Euros e Reais, para uma tonelada de carcaça suína fria e para um quilograma de suíno vivo.
Figura 9. Custos de produção, 2010, em €/ton. equivalente carcaça fria
Figura 10. Composição do custo de produção, 2010, em €/ton. equivalente carcaça fria
Figura 11. Composição do custo de produção, 2010, em % do custo total
Figura 12. Custos com genética, insumos veterinários e energia, 2010, em €/ton. equivalente carcaça fria
Tabela 2. Custos de produção de suínos em países selecionados, 2010, em €/ton. equivalente carcaça fria
Tabela 3. Custos de produção de suínos em países selecionados, 2010, em €/kg vivo
Tabela 4. Custos de produção de suínos em países selecionados, 2010, em R$/ton. equivalente carcaça fria
Tabela 5. Custos de produção de suínos em países selecionados, 2010, em R$/kg vivo
Posição do Brasil frente aos países da rede InterPig
Os custos de produção no Brasil são os menores dentre os países participantes da rede InterPig em 2010, sendo que apenas os custos no Canadá se aproximam dos brasileiros (Figuras 9 e 10 e Tabelas 2 a 5). O custo total em Santa Catarina é 24% inferior à média do grupo (ou 337 €/ton. equivalente carcaça fria), enquanto que em Mato Grosso é 30% inferior (ou 420 €/ton. equivalente carcaça fria). Todos os itens que compõem os custos de produção no Brasil são inferiores à média do grupo, exceto os insumos veterinários (Tabela 6). Os itens de custo que mais influenciaram esta diferença foram alimentação, depreciação, mão de obra, custo de capital e energia, que explicam 81% da diferença em Santa Catarina e 91% da diferença em Mato Grosso (Figura 13).
Tabela 6. Diferença entre custos de produção em Santa Catarina e Mato Grosso e a média dos países da rede InterPig, 2010, em %
Figura 13. Participação do item de custo na diferença entre o custo no Brasil e a média dos países da rede InterPig, 2010, em %
A alimentação é o principal fator de competitividade na suinocultura brasileira, sobretudo na de Mato Grosso, que combina menores preços da ração e boa conversão alimentar. Santa Catarina perde competitividade na alimentação em relação a Mato Grosso e ao Canadá, que tem grãos a baixo custo, assim como no Centro-Oeste brasileiro. Pode-se afirmar que o custo com alimentação no Sul do Brasil é próximo ao dos países europeus mais competitivos, como França (com a ração mais barata da Europa), Países Baixos e Dinamarca (alta produtividade das matrizes, baixa conversão alimentar e preço da ração igual à média do grupo).
Juntamente a Canadá e Espanha, o Brasil apresenta os menores valores de investimentos em instalações e equipamentos, o que determina menores custos com depreciação e capital, apesar de taxas de juros mais elevadas. Os países do Norte da Europa apresentam os maiores valores para investimento, com maiores custos de depreciação e capital. Os equipamentos e instalações no Brasil são menos intensivos em tecnologia e automação do que nos demais países10, com maior uso do fator mão de obra, sobretudo na região Sul, de base familiar, e menor consumo de energia (tanto para automação, quanto que para aquecimento).
Tabela 7. Diferença entre coeficientes técnicos em Santa Catarina e Mato Grosso e a média dos países da rede InterPig, 2010, em %
Tabela 8. Diferença entre preços de mercado em Santa Catarina e Mato Grosso e a média dos países da rede InterPig, 2010, em %
A menor produtividade da mão de obra brasileira impacta negativamente na competitividade, mas é mais do que compensada pelas diferenças salariais com os demais países (Tabelas 7 e 8). É importante chamar a atenção para os Países Baixos e a Dinamarca, que pagam os mais altos salários entre os países do grupo (35% superiores à média europeia), mas tem os menores custos com mão de obra após Brasil e Espanha (esta com salários iguais à média europeia, mas também com alta produtividade). Isso ocorre porque a produtividade da mão de obra nestes três países é 36% superior à média europeia (inclusive Canadá) e 67% superior à média brasileira.
Os EUA não participaram da rede InterPig nos anos de 2010 e 2011, por isso não há estimativas para este país. A partir de estimativas da Iowa State University11, pode-se afirmar que os seus custos de produção estejam próximos aos custos daqueles verificados no Brasil e no Canadá, e inferiores aos custos dos países europeus. De fato, a média para 2010 foi de 140 US$/cabeça de 270 libras, ou 106 €/cabeça de 121,5 kg. Para fins de comparação com os demais países da rede InterPig, isso corresponde a 1.174 €/ton. equivalente carcaça fria. A desvalorização do Dólar dos EUA frente às demais moedas também deve ter influenciado fortemente a competitividade daquele país.
Considerações finais
A participação da Embrapa Suínos e Aves na rede InterPig é importante porque permite o uso de uma metodologia padronizada para calcular os custos de produção e compará-los internacionalmente. Mais importante do que isso é a cooperação e construção de canais de interlocução com instituições de pesquisa de outros países capazes de articular uma rede voltada à análise da competitividade na suinocultura.
Do ponto de vista dos resultados, foi possível descrever a posição de liderança em custos da suinocultura brasileira e os seus determinantes no ano de 2010. Entretanto, deve-se considerar que estas vantagens podem ser ameaçadas. O mercado internacional de grãos tem apresentado volatilidade crescente e preços elevados, o que tende a diminuir os diferenciais de preços do milho e do farelo de soja para o somatório dos custos de transporte e portuários, impostos e taxas de internalização. Outra fonte de vantagem em custos é o valor da mão de obra. As mudanças no mercado de trabalho no Brasil, com crescimento real dos salários e menor oferta de mão de obra, tendem a pressionar os custos. Isso pode levar a uma perda de competitividade caso não ocorram incrementos de produtividade, sobretudo a partir da automação e qualificação da mão de obra.
Por fim, é importante salientar que a comparação entre países somente é possível por meio de uma taxa de câmbio entre as diferentes moedas. Nesse sentido, tanto a volatilidade mundial, quanto que a apreciação do Real frente ao Dólar dos EUA e ao Euro, verificadas nos últimos anos, influenciam sobremaneira as análises comparadas e, no caso do Brasil, reduzem a sua competitividade.
Além disso, a metodologia InterPig não considera o produto final, no porto de exportação ou no mercado consumidor interno, o que não mede ineficiências brasileiras na logística de transportes e, em alguns casos, no segmento industrial de abate e processamento.
Referências bibliográficas
AGRINESS. Melhores da suinocultura agriness 2009-2010. Florianópolis, [2010]. 1 folder.
AMARAL, A. L. do (Coord.). Boas Práticas de Produção de Suínos. Concórdia: Embrapa Suínos e Aves, 2006. 60 p. (Embrapa Suínos e Aves. Circular Técnica, 50).
Embrapa Suínos e Aves. IV Plano Diretor da Embrapa Suínos e Aves 2008 - 2011. Concórdia, 2009. 39 p.
GIROTTO, A. F.; SANTOS FILHO, J. I. dos. Custo de produção de suínos. Concórdia: Embrapa Suínos e Aves, 2000. 36 p. (Embrapa Suínos e Aves. Documentos, 62).
MARTINS, F. M.; SANTOS FILHO, J. I. dos; MIELE, M. Estudos sobre economia em suínos e aves (capítulo 17). In: SOUZA, J. C. P. V. B.; TALAMINI, D. J. D.; SCHEUERMANN, G. N.; SCHMIDT, G. S. (Ed.). Sonho, desafio e tecnologia: 35 anos de contribuições da Embrapa Suínos e Aves. Concórdia: Embrapa Suínos e Aves, 2011. p. 415-431.