INTRODUÇÃO
A suinocultura é uma atividade econômica relevante para o Brasil, em especial para o Sul e o Centro Oeste, o Levantamento Sistemático da Produção e Abate de Suínos em 2012 indica que a produção brasileira foi de aproximadamente 41 milhões de cabeças (ABIPECS, 2012).
Destaca-se que a alimentação, representa 76% dos custos na produção de suínos (SANTOS et al., 2013), as quais são constituídas principalmente por milho e farelo de soja. A pouca opção por ingredientes alternativos torna os lucros e o crescimento da cadeia de produção de suínos, dependentes do preço dos referidos ingredientes (SILVA, 2005; HAUSCHILD et al., 2008).
Dentre os alimentos alternativos com potencial para a utilização na nutrição de suínos, estão os resíduos da indústria algodoeira, com destaque ao o farelo de algodão (FA). Segundo CONAB (2013) a produção brasileira para a safra 2012 foi de cerca de três milhões de toneladas de caroço de algodão. O processamento do caroço de algodão resulta em 16% de óleo de algodão e 45% de FA (NCPA, 2001).
A atual oferta, associada às projeções do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (BRASIL, 2013), o qual prevê crescimento anual de 5,1% até a safra 2022/2023, torna a utilização do FA uma boa estratégia para a substituição aos ingredientes base, como milho e farelo de soja.
Embora, seja um alimento de boa oferta e bom potencial, há dificuldades na utilização dos FA, em especial pela variação na composição química. Estas variações estão associadas às diferentes formas de processamento do caroço para a obtenção do óleo, que resultamem farelos com variações na composição química e no valor energético, o que dificulta a elaboração de rações (PAIANO et al., 2006).
Além disso, os FA possuem elevados teores de fibra, com 17,92 % de FDA, 25,15% de FDN (NRC, 2012), e 13,96 % de fibra bruta, o que é um indicativo de baixa energia digestível para não ruminantes (CHIBA, 2000), menor digestibilidade dos aminoácidos (POZZA et al., 2003) e a presença de fatores antinutricionais.
O principal fator antinutricional do farelo de algodão é o gossipol, o qual, nos processamentos térmicos pode complexar com aminoácidos essências, como a lisina, com redução da digestibilidade.
Com base no apresentado, foi proposto este estudo para avaliar a utilização de FA de alto teor de proteína (42%) na alimentação de suínos nas fases de crescimento e terminação (30 a 90 kg), seus efeitos sobre o desempenho e viabilidade econômica.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi estudado um farelo de algodão (FA42) de alto teor de proteína e com a composição química e energética de: 42,0% de PB, 2,41 Mcal de ED/kg, 0,19% de cálcio, 0,93% de fósforo e 21,2% de fibra em detergente ácido. Foram utilizados 40 suínos híbridos comerciais (20 machos castrados e 20 fêmeas), com peso de 29,7 ± 1,6kg para o crescimento e 52,7 ± 2,9kg para a terminação, respectivamente.
Os animais foram alojados em um pavilhão de alvenaria, coberto com telhas de fibrocimento, com baias providas de bebedouros tipo chupeta e comedouros semiautomáticos, nas quais foram fornecidos ração e água à vontade. As temperaturas mínimas e máximas para o crescimento foram de 13,7 ± 4,0 e 23,2 ± 4,4ºC e para a fase de terminação foram de 15,6 ± 4,3 e 25,7 ± 4,2ºC, respectivamente.
Os tratamentos experimentais consistiram de quatro rações para o crescimento e quatro para a terminação, com níveis crescentes de inclusão de FA42 (0, 5, 10 e 15%). As rações foram calculadas de modo a serem isoenergéticas, isoprotéicas, isolisínicas, isocalcíticas e isofosfóricas. Por causa do alto teor de proteína do farelo estudado, o qual se assemelha ao teor de proteína do farelo de soja, foi calculada a relação peso do FA42 com o peso do farelo de soja (FS) e a relação proteína bruta do FA42 com a proteína do FS nas rações experimentais (Tabela 1), conforme a metodologia proposta por Zanotto et al. (2009).
Tabela 1. Composição centesimal, química, energética e física das rações experimentais fornecidas aos suínos (30 – 90 kg)
Os animais foram distribuídos em um delineamento em blocos ao acaso com quatro tratamentos, e quatro blocos por tratamento, sendo a unidade experimental (UE) constituída pela baia. As UE dos blocos um e dois foram formadas por um macho e uma fêmea, o bloco três por um macho e duas fêmeas e o bloco quatro uma fêmea e dois machos, perfazendo 40 animais. Para a formação dos blocos foi considerado o peso inicial dos animais. Para as análises de sangue e carcaça cada animal foi considerado como unidade experimental. No inicio da fase de terminação os animais foram redistribuídos aleatoriamente nas unidades experimentais e tratamentos, para a fase de terminação, em distribuição equitativa.
Ao final de cada fase (crescimento e terminação), foram avaliados o consumo diário de ração, ganho diário de peso e conversão alimentar de cada unidade experimental. Adicionalmente, para cada animal, no final das fases foi medida a espessura de toucinho e profundidade de lombo na posição P2, por meio do aparelho Sono-Grader (Renco®) e coletadas amostras de sangue, via veia cava cranial, conforme metodologia preconizada por Cai et al. (1994). As amostras sanguíneas foram centrifugadas (3.000 rpm por 15 min) para obtenção do plasma (em duplicata), transferidos para tubos tipo “ependorfes” e armazenados em freezer (-18°C), para posterior determinação do nitrogênio da ureia plasmática (MARSH et al., 1965).
Ao final da fase de terminação foram selecionados quatro animais por tratamento (dois machos e duas fêmeas, selecionados por apresentarem peso próximo à média do tratamento), abatidos no abatedouro da Fazenda Experimental de Iguatemi-FEI/UEM. As carcaças foram resfriadas (1-2ºC) por 24 horas para avaliação quantitativa, conforme o Método Brasileiro de Classificação de Carcaça (ABCS, 1973; BRIDI & SILVA, 2006). A área do Longissimus dorsi e de gordura foram determinadas com o uso de mesa digitalizadora com auxílio do software Spring (CAMARA et al., 1996).
Para as análises econômicas foram calculados o índices de custo e o índice de eficiência econômica com base na metodologia preconizada por Gomes et al. (1991) e calculados os índices bioeconômicos, para a elaboração de inequações de predição do custo máximo do farelo de algodão (FA42), conforme a seguinte expressão adaptada de Guidoni (1994):
Na qual: PMFA = preço máximo do farelo de algodão para que a dieta em que será usado tenha a mesma eficiência econômica que a dieta sem FA (nível zero de inclusão); PRL = preço do kg de leitão; Ganho i =ganho de peso médio dos leitões do tratamento contendo o nível i de FA; Ganho 0 = ganho de peso médio dos leitões do tratamento sem FA (nível zero de inclusão); Pj = preço dos ingredientes restantes em cada dieta; Cji = porcentagem do ingrediente j na dieta i; CRi = consumo de ração médio total por animal inerente a dieta i; Cj0 = porcentagem do ingrediente j na dieta sem FA; CR0 = consumo de ração médio total por animal referente à dieta sem FA; Cli = porcentagem de FA na dieta i.
O preço do farelo de algodão foi calculado, com base no valor de seu teor proteico, como 70% do valor da proteína bruta do farelo de soja (valor sugerido pelo fabricante), o resultado deste cálculo forneceu um preço final do kg do FA de 65% do preço do kg do farelo de soja. Para a simulação da viabilidade econômica foram utilizados os preços médios de setembro de 2011 (milho 0,50; farelo de soja 0,63; farelo de trigo 0,39; óleo de soja 2,0; calcário 0,14; fosfato bicálcico 1,49; sal comum 0,35; suplemento de vitaminas e microminerais 4,00; l-lisina HCl 4,60; aditivo promotor 40,10 e preço do kg do suíno 2,00 R$, respectivamente). Com os índices bioeconômicos estimados e com base nos preços dos ingredientes e do suíno vivo, foi calculado o preço máximo para do FA42 para que as dietas experimentais tivessem a mesma eficiência econômica da dieta sem FA42.
Os resultados obtidos para os níveis de inclusão (5, 10 e 15%), excluindo a ração testemunha (0% de farelo de algodão), foram submetidos à análise de regressão polinomial, com o seguinte modelo estatístico: Yijk = µ + Bi + Nk+ eijk, em que Yijk = observação do animal m, dentro do bloco i, nível de inclusão k do farelo de algodão (FA42); µ = constante associada a todas as observações; Bi= efeito do bloco, sendo i = 1, 2, 3, 4; Nk = efeito dos níveis de FA42, sendo k = 0, 5, 10, 15% de inclusão do FA42 e eijk= erro aleatório associado à observação. Para o NUP e características de carcaça, cada animal foi considerado como uma unidade experimental. Para a comparação dos resultados da ração testemunha (0% de FA42) com cada um dos níveis de inclusão do FA42, foi aplicado o teste de Dunnett a 5% de probabilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na fase de crescimento não houve efeito (P> 0,05) dos níveis de FA42 sobre as variáveis de desempenho e NUP (Tabela 2), resultado semelhante ocorreu na fase de terminação para as variáveis, ganho diário de peso (GDP) e NUP.
Tabela 2. Desempenho e características quantitativas de carcaça de suínos em crescimento (30 a 60 kg) e terminação (60 a 90 kg) alimentados com farelo de algodão (42% PB)
Os resultados da fase de crescimento foram semelhantes aos encontrados por Moreira et al. (2006), os quais não observaram influência da inclusão da inclusão de FA sobre o desemenho zootécnico e NUP para leitões (15-30 kg de peso vivo) com até 12% de inclusão de farelo de algodão.
Na terminação, foi verificado maior (P< 0,05) consumo diário de ração (CDR) e pior conversão alimentar (CA) com a inclusão do FA42. Os resultados da terminação diferem da fase de crescimento, mas são semelhantes aos resultados obtidos por Li et al. (2000), que observaram aumento da CA, com a inclusão de FA nas rações de suínos nas fases de crescimento e terminação e com os resultados de Paiano et al. (2006) para leitões (15-30 kg de peso vivo).
O aumento no CDR na terminação pode estar associado ao menor fornecimento de aminoácidos digestíveis das dietas com FA (YIN et al., 1994). Embora, para a formulação das dietas tenha sido considerados os aminoácidos totais, os aminoácidos digestíveis, de acordo com os coeficientes propostos por Rostagno et al. (2011), foram menores para as dietas de maior inclusão de FA (0,627; 0,605; 0,580 e 0,555% de lisina digestível e 0,237; 0,233; 0,227 e 0,220% de metionina digestível para as dietas com 0, 5, 10 e 15% de inclusão de FA na fase de terminação, respectivamente). Isto pode ter contribuido para a alteração no consumo de ração (HENRY & SÈVE, 1993) e por consequencia a conversão alimentar.
Outro fator que pode ter contribuido para o aumento do CDR na terminação foi o provavel menor incremento calórico das dietas de maior inclusão de FA42, as quais possuiam maior inclusão de lipídeos, necessário para corrigir a menor de energia digestível do FA42, quando comparado ao farelo de soja. Na fase de terminação a temperatura máxima média foi 2,5ºC superior à fase de crescimento e próximo à temperatura crítica para suínos de 27ºC (SAMPAIO et al., 2004). Desta forma, o menor incremento calórico das dietas com maior inclusão de FA, pode ter favorecido o aumento no CDR na terminação, os quais são mais suscetíveis ao estresse por calor.
Além disso, parte das diferenças nos resultados entre as duas fases, pode estar associada com a maior participação da proteína do farelo de algodão no total de proteína da ração nas rações da terminação. Para a ração experimental com 15% de inclusão de FA42, na fase de crescimento, a proteína do farelo de algodão substituiu cerca de 50% a proteína do FS, enquanto que para a fase de terminação a substituição foi de aproximadamente 70% (Tabela 1), o que deixou os suínos, na fase de terminação, mais susceptíveis aos efeitos adversos da proteína do FA, como a menor digestibilidade dos aminoácidos do FA comparado ao farelo de soja (ROSTAGNO et al., 2011).
O desempenho, característica de carcaça e NUP, entre os níveis de inclusão de FA e a ração com 0% de inclusão de FA42, nas duas fases do experimento não diferiu (P> 0,05).
As recomendações para a inclusão de FA entre autores são variadas, Li et al. (2000), para suínos em crescimento (21-43kg) e terminação (43-84kg), recomendam até 8% de inclusão de FA. Mello et al. (2012) não observaram diferenças entre a ração controle e o nível de 20% de FA. Rostagno et al. (2011), recomenda como nível prático para a fase de terminação 5% e como nível máximo 10%.
Entretanto, a variabilidade na composição dos farelos de algodão de diferentes origens pode limitar sua recomendação com base no seu peso, o que sugere que a inclusão deve ser baseada em sua proteína em substituição a proteína do farelo de soja, que neste experimento quanto utilizado até 50% não alterou o desempenho.
O nitrogênio da ureia plasmática não foi influenciado pelos (P> 0,05) níveis de FA42. Segundo Coma et al. (1995), valores baixos desta variável estão relacionados com a melhor utilização de nitrogênio proteico para a deposição de tecidos. Da mesma forma não houve efeito (P> 0,05) da inclusão do FA sobre a espessura de toucinho (ET) no crescimento e características de carcaça na terminação.
Em um estudo para avaliar a inclusão de FA nas rações de suínos Fombad & Bryant (2004), observaram ausência de efeitos nas características de carcaça com a inclusão de FA até o nível de 15%, observaram redução de carne magra e aumento da espessura de toucinho no nível de 30% de inclusão. Provavelmente até os níveis estudados no experimento (15%) os efeitos do FA, não foram suficientes para alterar as características avaliadas.
Entre os índices bioeconômicos calculados, o farelo de soja foi o ingrediente que possuiu o índice de maior representatividade sobre o preço máximo que o FA pode custar para ser economicamente viável (Tabela 3), o que indica que é o principal ingrediente a ser comparado, em termos econômicos para sua utilização.
A simulação de viabilidade bioeconômica, indicou que o preço sugerido pelo fabricante no período (R$0,41) foi satisfatório para a utilização de até 15% do FA no crescimento e até 5% o na terminação (Tabela 4).
Os índices bioeconômicos que permitiram maior inclusão do farelo de algodão no crescimento sem prejuízos econômicos, diferente da terminação que a partir de 5% de inclusão o FA foi prejudicial, podem estar associados com a limitação energética do FA (2,41 Mcal de energia de digestível/kg) quando comparado ao FS (3,43 Mcal/kg ED). A relação ED:PB foi maior na terminação quando comparado com o crescimento, o que encareceu o custo da ração, pela necessidade de suplementação energética com óleo e por consequência o custo por kg produzido.
Tabela 3. Índices bioeconômicos estimados para determinar o custo máximo do farelo de algodão (42% PB) para sua utilização nas rações de suínos nas fases de crescimento e terminação
Tabela 4. Análise bioeconômica da utilização do farelo de algodão (42% PB) na alimentação de suínos em crescimento e terminação (30 a 90 kg)
Em relação ao custo em ração por kg de peso vivo ganho (CRPV) houve aumento numérico (P=0,08) para o crescimento e aumento linear (P< 0,05) na fase de terminação com a inclusão dos FA42 nas rações e o teste de Dunnett indicou piora (P< 0,05) do nível de 15% de inclusão na terminação comparado com a ração testemunha.
Em um experimento para a avaliação econômica da inclusão do FA Fombad & Bryant (2004), observaram redução no custo de ração por quilograma de peso vivo ganho (CRPV) com a inclusão do FA. Entretanto, no nível de 15% de inclusão de FA os autores encontraram uma redução do custo da ração (CR) de 18%, enquanto no presente experimento, no mesmo nível de inclusão, foi verificado aumento de cerca 1% no CR, resultado das condições locais em que a relação entre preços é diferente da encontrada no Brasil. Por outro lado, Mello et al. (2012) avaliaram a inclusão de FA nas fases de crescimento e terminação e observaram efeito similares ao do presente trabalho com aumento no CRPV, com a maior nível de inclusão de FA, os quais relacionaram com a necessidade de suplementação de L-lisina e óleo de soja nas rações.
O CRPV até o nível de 10% de inclusão de FA na terminação não diferiu (P> 0,05) da ração testemunha. Contudo, nas duas fases estudadas os níveis de 5% de inclusão de FA, foram os que apresentaram melhores respostas para o índice de custo, índice de eficiência econômica e PMFA.
Os resultados sugerem que o farelo de algodão (42% de PB) pode ser utilizado nas rações de suínos em crescimento em até 15% e em até 10% na terminação, ou com substituição próxima de 50% da proteína do farelo de soja. Entretanto, o nível de 5% de inclusão foi o que apresentou os melhores resultados econômicos.
Esse artigo foi originalmente publicado em Rev. Bras. Saúde Prod. Anim., Salvador, v.15, n.3, p.790-800 jul./set., 2014 ISSN 1519 9940 | https://www.scielo.br/j/rbspa/a/yPCXygYZtKzJzhT6FdLXtvQ/?format=pdf&lang=pt. Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.