INTRODUÇÃO
Biosseguridade pode ser definida como o conjunto de procedimentos efetuados para minimizar a entradade patógenos numa granja (biosseguridade externa) e/ou para controlar a difusão de doenças presentes no rebanho,reduzindo ao mínimo possível o seu impacto (biosseguridade interna). A biosseguridade é uma parte fundamentaldas boas práticas de produção (BPP) de suínos.Com o aumento da importância da segurança alimentar, o conceito tornou-se mais abrangente incorporandoprocedimentos para reduzir riscos de contaminantes nas carcaças (físicos ou químicos) que possam ser introduzidosna cadeia alimentar através de produtos suínos, e para rastreabilidade dos alimentos.
Novos conceitos ealternativas para controle de doenças, como a regionalização e compartimentalização, acrescem às justificativaspara aplicação de programas de biosseguridade.A procura por novos mercados para a suinocultura levou ao aumento das exigências de BPP e de altasanidade dos rebanhos. Desta forma a suinocultura brasileira está investindo e melhorando a estrutura de instalações,isolamento das granjas e normatizado os fluxos de pessoas e veículos que ingressam e circulam nas propriedades,com o intuito de aprimorar a biosseguridade para os rebanhos.As auditorias têm-se consagrado como uma forma importante de avaliação da eficiência das medidas debiosseguridade implantadas nas granjas.
A legislação que institui as normas para certificação de granjas de reprodutores[4] é um marco neste sentido, indicando um caminho para classificar estes estabelecimentos quanto ao grau de biosseguridadeque detêm. No entanto, encontram-se poucas referências na literatura que orientem a condução de auditorias específicasem biosseguridade. Também se deve mencionar o Globalgap (Eurapgap) que criou "standards" para auditorar os processosde produção e industrialização de alimentos de origem animal e vegetal, incluindo procedimentos realizados nas granjas,que atendem desde a biosseguridade e instalações até as questões de bem-estar dos animais [2].Na prática, porém, as auditorias de biosseguridade em granjas ainda utilizam idéias e procedimentosdesenvolvidos no âmbito dos programas da gestão da qualidade, cujas auditorias estão normatizadas e seguem asnormas NBR ISO [5].Nesta apresentação discutem-se os conceitos e propostas para uma metodologia de auditorias debiosseguridade, no termo mais abrangente da palavra, dos processos de produção de suínos.
OBJETIVO DA AUDITORIA EM BIOSSEGURIDADE
A auditoria visa evidenciar, através de um processo sistemático, documentado e independente, de que asatividades desenvolvidas numa granja seguem as descrições contidas no manual de biosseguridade, as pessoasexecutam as tarefas com conhecimento, e a implementação é eficaz e enquadrada dentro dos objetivos definidos.I - RESPONSABILIDADEAs auditorias podem ser realizadas pela própria empresa. A Gerência da Garantia da Qualidade (que podeser a própria Gerência da granja) forma sua equipe de auditores entre pessoas que conhecem os processos epossuem atributos para atuar como auditor. Estes têm como responsabilidade elaborar os procedimentos e roteiros das auditorias que ficam protocolados na Gerência como documentos de referência.As auditorias também podem ser conduzidas por empresas que prestam estes serviços e contam com oreconhecimento e idoneidade para a função. Nestes casos, os prestadores de serviços devem igualmente contarcom os documentos de referência protocolados.
Três grupos de pessoas são envolvidos nas auditorias: os auditores, os auditorados e a Gerência daGarantia da Qualidade, sendo a responsabilidade de cada grupo expressa na tabela 1.
II - ROTEIRO DE AUDITORIAS DE PROGRAMAS DE BIOSSEGURIDADE
Para maior objetividade e eficiência a auditoria pode ser inserida em um ciclo do PDCA, do programa debiosseguridade de granjas (Figura 1).
Figura 1. Ciclo de PDCA para programas de biosseguridade.
Os programas de biosseguridade em granjas de suínos devem atender um roteiro básico que consiste em:
1 – Definir objetivos do programa de biosseguridade da propriedade
Definir os objetivos do programa é muito importante porque expressa o que se pretende atingir com as medidas. É o que fazer. Deve-se considerar o tipo de granja (núcleo, multiplicadora, UPL, engorda, ou outro) para determinar o nível de biosseguridade que a mesma deve deter. O rigor da segurança é maior quanto mais alto seja o lugar que a granja ocupa na pirâmide genética. Os cuidados nas granjas núcleo ou multiplicadoras serão mais estritos que naquelas que produzem suínos para integrações ou terminados. Cada caso, porém, deve atender um mínimo de exigências previamente definidas.
2 – Elaborar o manual de biosseguridade para atender os objetivos estabelecidos
O manual deve ter o foco nos objetivos do programa de biosseguridade. Deve ser elaborado pelas pessoas que conhecem os procedimentos da granja, e descrever as tarefas com detalhes mas de forma objetiva: É o como fazer. Poderá conter uma introdução, objetivos do programa, a descrição de todas as tarefas ligadas com biosseguridade, a indicação dos resultados esperados, as anomalias passíveis de acontecer e como solucioná-las. Em todos os manuais deve constar a data de elaboração e a data prevista para revisão.
3 – Implantar um programa de treinamento e qualificação dos funcionários nas tarefas específicas
As pessoas devem ser treinadas e qualificadas, segundo suas aptidões e conhecimentos para realizar as tarefas seguindo as descrições do manual. É recomendável fixar metas para que os envolvidos sintam-se estimulados.
4 – Avaliar os resultados através de auditorias
Uma vez implantado, o programa de biosseguridade da granja necessita ser avaliado mediante auditorias quanto à sua condição de atender os objetivos. Conforme já mencionado este trabalho pode ser realizado por uma equipe de auditores da própria empresa, ou através de uma empresa de auditorias contratada especificamente para esse fim. As auditorias são realizadas seguindo um “check-list”, baseado nas tarefas descritas no manual de biosseguridade da granja. O “check-list”, além de assegurar a objetividade do julgamento, quantifica e pondera cada tarefa. Deve conter os pontos a controlar (tarefa auditorada), a forma objetiva de avaliá-los, a relevância e o resultado dos mesmos, conforme o modelo a seguir (Tabela 2)
As tarefas podem ser classificadas em três categorias segundo sua relevância:
Vital (peso 3) - a não conformidade da tarefa compromete a biosseguridade da granja;
Muito importante (peso 2) - a não conformidade coloca em risco a biosseguridade da granja;
Importante (peso 1) - a não conformidade reduz a qualidade da biosseguridade da granja.
Cada tarefa auditorada recebe uma nota, o que permite expressar o resultado da auditoria em números absolutos e em percentuais de atendimento às normas, facilitando a compreensão do trabalho. Uma tarefa considerada vital e não atendida equivale à reprovação do programa de biosseguridade. Uma tarefa muito importante não atendida reduz a pontuação, e um número significativo de tarefas muito importantes não atendidas resultam em reprovação do programa de biosseguridade da granja. O mesmo critério é aplicado para as tarefas importantes.
As tarefas auditoradas seguindo o “check-list” específico são aquelas relacionadas com:
Instalações: presença de cerca perimetral; organização do portão de ingresso na granja; distância entre granjas; quarentenários; equipamentos para desinfecção de veículos; qualidade dos vestiários
Pessoas: atitude, conhecimento e qualificação para a tarefa que realizam; documentação comprobatória de treinamentos; uso de roupas adequadas
Controle de pragas: praguicidas com licença de uso; mapa com localização de iscas para roedores; registros de roedores mortos; troca de veneno nas iscas
Procedimentos: fluxos internos da granja, metodologia e periodicidade das coletas de material para monitorias; controle e registros da entrada de pessoas e veículos; períodos de vazio; métodos de lavagem e desinfecção de instalações. Neste item podem ser incorporados os procedimentos para controle de resíduos de medicamentos, uso de antibióticos promotores de crescimento e informações para a rastreabilidade dos suínos. Durante as auditorias é conferida a forma de efetuar as tarefas, e é fundamental a utilização de registros que comprovam a correta prática das mesmas. A verificação da documentação é uma parte importante das auditorias.
5 – Ajustar o programa para corrigir falhas
O relatório gerado pela auditoria indicará os pontos a serem melhorados, e os pontos que apresentaram não conformidade. Isto exige por parte dos auditorados juntamente com a Gerência da Garantia da Qualidade uma reflexão, e a elaboração de um plano de ação contendo tarefas, prazos e responsáveis pela execução.
6 – Padronizar e realizar auditorias periódicas
Corrigidos os pontos problemáticos e re-treinar os funcionários, novas auditorias serão realizadas. A partir deste ponto pode estabelecer-se um sistema de auditorias internas, realizadas por auditores selecionados dentro da própria granja, como forma de preparar as equipes para uma próxima auditoria externa.
III – AUDITORIAS EM BIOSSEGURIDADE EM PROGRAMAS DE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL
Programas de inseminação artificial (IA) são potenciais difusores de patógenos, tanto através do sêmen como por meio das embalagens, veículos de transporte e pessoas que fazem parte do processo de produção e distribuição das doses inseminantes. Somado ao uso da IA em larga escala na suinocultura, este fato alerta para a importância do tema da biosseguridade na prática da IA. Estabelecimentos que comercializam sêmen para terceiros estão, atualmente, enquadrados nas mesmas normas de certificação sanitária aplicadas às granjas que vendem reprodutores [4]. Esta medida do Ministério da Agricultura reforça o entendimento técnico de que Centrais de IA estão no mais alto patamar da pirâmide sanitária da suinocultura, e equiparam-se às granjas de reprodutores nas exigências de segurança sanitária. A evolução do conceito de qualidade em Centrais de IA inclui assim, obrigatoriamente, o conceito de qualidade sanitária e a garantia de que o produto e o programa atendem as exigências de biosseguridade de seus clientes [3]. As normas de biosseguridade interna das Centrais, por sua vez, devem assegurar a produção de doses de sêmen com mínima contaminação visando à manutenção da qualidade espermática e à eliminação do risco de infecção das matrizes inseminadas [1].
As auditorias de biosseguridade obedecem ao mesmo objetivo e a mesma sistemática aplicados para granjas de suínos, discutidos anteriormente. Isto implica que estes estabelecimentos tenham implantada a normatização dos processos, incluindo o manual de práticas de biosseguridade. A certificação ISO com metodologia definida para auditorias já é descrita em Centrais brasileiras [6]. Na maioria das Centrais, porém, as normas de biosseguridade são desenvolvidas no âmbito de programas de gestão de qualidade implantados para padronizar os processos de produção de doses.
As tarefas de biosseguridade são auditoradas com base em um “check-list” específico, que deve incluir obrigatoriamente os itens abaixo listados.
- normas para introdução de animais de reposição
- acesso e fluxo de pessoas, materiais e veículo
- a biosseguridade interna, relativa aos procedimentos para garantir mínima contaminação de ambientes, materiais e produto final (dose inseminante)
- logística de distribuição de sêmen, desde embalagens até transporte e entrega nas granjas
- normas para a retirada de animais de descarte e cadáveres
Em especial as tarefas relacionadas com a introdução de animais de reposição, acesso de pessoas e veículos à unidade e logística de distribuição de sêmen para os clientes devem ser consideradas vitais, ou seja, o não atendimento conduz à reprovação do programa de biosseguridade do estabelecimento. Neste ponto é válido citar Guérin & Pozzi [3], quando afirma que não há espaço para complacência na avaliação dos riscos sanitários associados ao uso da IA.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o crescimento da importância da sanidade dos rebanhos para melhorar produtividade, segurança na cadeia alimentar e comercialização de produtos suínos, a biosseguridade é uma ferramenta imprescindível nas modernas granjas de suínos. Impulsionados pelas exigências dos consumidores, aspectos ligados a controle de resíduos e rastreabilidade são também incluídos na abrangência da biosseguridade. A auditoria é usada para avaliar programas de biosseguridade em granjas e Centrais de IA, e validar a idoneidade dos mesmos. As equipes de auditores, internos ou externos, elaboram conclusões e recomendações e os auditorados devem utilizá-las para corrigir ou melhorar a qualidade do programa de biosseguridade estabelecido.
REFERÊNCIAS
1 Althouse G.C. & Lu K.G. 2005. Bacteriospermia in extended porcine semen. Theriogenology. 63: 573-584. 2 Globalgap. 2008. Disponível em:
http://www.globalgap.org. Acessado em 02/2008. 3 Guérin B. & Pozzi N. 2005. Viruses in boar semen: detection and clinical as well as epidemiological consequences regarding disease transmission by artificial insemination. Theriogenology. 63: 556–572. 4 Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). 2002. Instrução Normativa SDA N0 19 de 15 de fevereiro de 2002. Brasil. v.41. MAPA. 15p. 5 Ministério da Saúde. 2008. Datasus: Norma Geral de Auditorias de Qualidade. Disponível em: . Acessado em 02/ 2208. 6 Teixeira A.V. 2003. ISO 9001 nas Centrais de Inseminação Artificial. Suínos & Cia. 4: 21- 24.