Introdução
Entre os indicadores de estresse reconhecidos na pesquisa sobre bem-estar animal podem ser citados os níveis de cortisol na saliva e plasma, creatina fosfoquinase e lactato no soro e no plasma sangüíneo. Os indicadores sangüíneos fornecem importantes informações sobre o grau de estresse psicológico e físico (estado fisiológico, movimentação dos animais, calor e frio, restrição alimentar, mistura de lotes, brigas) gerado pela submissão dos suínos a situações e ambientes desconhecidos. Porém, a coleta de sangue é uma atividade estressora e pode comprometer os índices de produtividade dos sistemas de produção.
O sistema nervoso autônomo e o eixo HipotálamoPituitária-Adrenocortical (HPA) estão envolvidos em processos metabólicos homeostáticos e são ativados em situações que requerem disponibilidade imediata de metabólitos energéticos tais como reações a agentes estressores e desafios ambientais. O cortisol é o principal hormônio ativo no HPA e apresenta características especiais quanto à variação na sua concentração e intensidade de ação. Esta variação é condicionada pelo ciclo diário, sincronizado pela intensidade da luz e, é característica para cada espécie animal. No suíno, o pico de atividade do hormônio no animal ocorre durante o período da manhã entre, 5 e 10 horas, e o nível mais baixo de concentração é encontrado no período vespertino e noturno.
A temperatura ambiente, a freqüência de alimentação (uma, duas ou três vezes ao dia) e o horário de alimentação determinam o perfil comportamental nos suínos entre períodos de atividade intensa (fase pré-alimentar condicionada e fase de consumo de ração) e períodos de atividade mínima (fase pósalimentar com o seu respectivo período de descanso condicionado). Uma alta variabilidade na concentração de cortisol é inerente a cada indivíduo e decorre do perfil comportamental que determina a forma de ativação do eixo HPA e em conseqüência determina as variações na concentração de cortisol secretado pelo animal.
A determinação dos níveis basais dos indicadores do estresse são fundamentais para a avaliação dos bem-estar na produção dos suínos. O presente trabalho teve como objetivo a determinação do ritmo ultra-diano do cortisol na saliva de suínos em terminação criados sob determinado sistema de manejo preconizado pela agroindústria.
Material e métodos
Foram utilizadas 20 fêmeas suínas de mesma origem genética oriundas de cruzamento industrial para terminação, com um peso vivo médio de 130 kg, destinadas ao abate. O estudo foi realizado em duas granjas comerciais durante duas estações do ano (verão e inverno). Na realização desse experimento foi coletada a saliva de 10 suínos em cada granja para a determinação da concentração do cortisol, no período entre as 6 e 18 horas, em intervalos de 3 horas, durante três dias consecutivos. A saliva para análise do cortisol foi coletada com o auxilio de um cotonete gigante que foi colocado na boca do suíno, permitindo que o animal mastigasse o mesmo até que o algodão estivesse umedecido com saliva. Posteriormente a saliva foi extraída do algodão mediante pressão, coletada em tubo Eppendorf, e foi armazenada em um freezer à temperatura de -20°C. A concentração de cortisol da saliva dos suínos foi determinada através do kit Elisa Salimetrics ®.
O arraçoamento dos animais foi realizado às 7, 12 e 18 horas em sistema de alimentação controlado. Os dados referentes à concentração de cortisol na saliva dos suínos foram transformados para o logaritmo natural (LN) e analisados pelo procedimento GLM (SAS, 2001) utilizando-se modelo na qual se considerou o delineamento inteiramente ao acaso com tratamentos dispostos no esquema em parcela sub-subdivida, sendo incluídos os efeitos da estação do ano (EA = Inverno e verão) na parcela, dia da coleta (D= 1, 2 e 3) na subparcela, hora da coleta (H= 6, 9, 12, 15 e 18 horas) na sub-subparcela. As interações entre os três fatores também foram incluídas no modelo.
Resultados e discussão
As médias da concentração de cortisol na saliva, na determinação do ritmo ultra-diano dos suínos, em função da interação hora versus dia e estação do ano, são apresentadas na Tabela 1. A média geral, representando 300 análises de cortisol coletadas de 20 suínos, é de 0,284 µg/dL. A concentração do cortisol na saliva no verão foi 31,8 % maior do que no inverno (0,323 x 0,245 µg/dL). Isto ocorre porque no inverno, considerando a média dos três dias de coleta, nas duas primeiras avaliações do dia (6 e 9 horas) os valores se mantiveram baixos se comparados com as duas últimas avaliações do dia (15 e 18 horas). Neste caso, os valores médios são 0,252 µg/dL e 0,244 µg/dL, respectivamente. Porém, no verão o valor médio para as duas primeiras avaliações do dia (6 e 9 horas) é 85,2 % superior quando comparado com o valor médio das duas últimas avaliações do dia (15 e 18 horas). Estes valores médios são 0,439 µg/dL e 0,237 µg/dL, respectivamente. No verão é possível observar um gradiente decrescente onde valores maiores são observados no período da manhã e valores menores no período da tarde, o que corresponde com os relatos científicos já publicados. Porém, nos resultados de inverno não é possível observar esta redução, porque os valores determinados são baixos para todos os horários avaliados, exceto para a avaliação realizada às 6 horas da manhã. A variabilidade dos resultados no verão (dpm= ±0,3364), expressa pelo desvio padrão médio de 150 análises é maior do que no inverno (dpm= ±0,2268).
Quando os valores médios diários obtidos são comparados constata-se que no primeiro dia de coleta praticamente não se distingue diferença entre inverno e verão. As diferenças nos valores médios diários, entre estação de ano, são verificadas no segundo e terceiro dias de coleta com valores mais altos para o verão na ordem de 50 %.
Considerações finais e recomendações.
No verão os níveis de cortisol na saliva são superiores aos valores determinados no inverno e isto decorre fundamentalmente em função dos níveis mais elevados no período da manhã. No inverno não foi observado um padrão característico de redução dos níveis de cortisol na saliva com o transcorrer do dia porém, no verão este gradiente é bem nítido.
A coleta de saliva influencia de forma distinta a magnitude dos resultados no inverno e no verão. No inverno o efeito do primeiro dia de coleta é mais acentuado do que o efeito dos dias subsequentes.
Na análise de perfil se verifica que no primeiro dia de coleta, tanto no inverno quanto no verão, os valores são equivalentes e elevados. No inverno valores menores ou iguais a 0,245 µg/dL de cortisol na saliva são indicativo de animais submetidos a um baixo nível de estresse. No verão este limite ocorre ao nível de 0,323 µg/dL.
Em termos de pesquisa, para obter um indicativo seguro sobre o bem estar dos suínos de abate através da análise de cortisol na saliva é necessário que sejam realizadas coletas no mesmo animal em intervalos seqüenciais visando eliminar o efeito do estresse causado pelo manejo durante a coleta.