1Acadêmicos do curso de Medicina Veterinária da Universidade Cesumar/Unicesumar. Bolsistas PIBIC/ Unicesumar. Maringá, Paraná, Brasil. 2Professor Doutor do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Cesumar/Unicesumar, Maringá, Paraná, Brasil. 3Professores Doutores do Curso de Medicina Veterinária e do Mestrado em Tecnologias Limpas da Universidade Cesumar/ Unicesumar/ ICETI, Maringá, Paraná, Brasil.
INTRODUÇÃO
O consumo global de carne aumentou 58% nos últimos 20 anos, e em 2018, a carne suína continuou sendo a carne mais consumida no mundo, respondendo por 40,1% do consumo per capita (USDA, 2020). Assim, com o consumo elevado, ocorreu o fortalecimento da produção de suínos em vários países, incluindo o Brasil. A produção animal, como a suinocultura, é uma das atividades mais expressivas do agronegócio brasileiro e, atualmente, o Brasil se posiciona como o quarto maior produtor mundial de carne suína (ABPA, 2020; USDA, 2020). A produção, cujo principal destino é o mercado interno (80,4%), se destaca, sobretudo, na região sul do país, que é responsável pelo maior volume produzido (ABPA, 2020).
De fato, a suinocultura brasileira apresenta boa infraestrutura, genética, sanidade, manejo e qualidade da carne (SALGADO et al., 2015; ABPA, 2020). No país, os animais são majoritariamente criados em sistema de confinamento e o modelo de produção predominante na região sul é o de integração entre produtor e indústria, contudo, em outras regiões também existem criadores autônomos. Mas, independente do modo de criação, tanto as normas de bem-estar animal quanto o controle de qualidade e sanidade são respeitados de forma criteriosa.
Contudo, algumas barreiras ainda devem ser transpostas, como é o caso do consumo excessivo de antibióticos na produção. Sabe-se que para assegurar a produtividade e a competitividade da cadeia, a utilização de medicamentos com fins terapêuticos e de profilaxia é uma prática bastante comum e, entre os medicamentos utilizados, os antibióticos são os mais prescritos (REGITANO; LEAL, 2010). Mudanças no ambiente, no manejo geral, na alimentação e até no processo de transferência dos leitões para a creche, no momento do desmame, podem provocar o desenvolvimento de patógenos nos animais, gerando prejuízos na produção. Portanto, para atender essas demandas, é frequente a adição de antibióticos na água e/ou na ração, que será consumido por todos os animais do lote, estando doente ou não (REGITANO; LEAL, 2010). Desta forma, os antibióticos, que são compostos naturais ou sintéticos capazes de ocasionar a morte ou a inibição do crescimento bacteriano, são usados rotineiramente quando há desenvolvimento de doenças no plantel.
Os antibióticos representam uma ferramenta extremamente importante na produção eficiente de carne suína, bovina, de aves e outros produtos de origemanimal. Quando usados em níveis baixos (subterapêuticos) nas rações, os antibióticos melhoram a taxa de crescimento e a eficiência da utilização da ração, reduzem a mortalidade e morbidade e melhoram o desempenho reprodutivo. Os antibióticos também são usados em níveis intermediários para prevenir doenças e em níveis elevados (terapêuticos) para tratar doenças em animais (CROMWELL et al., 2008).
Entretanto, considerando o uso indiscriminado dos antibióticos na produção de suínos nos últimos anos, os possíveis malefícios causados nos animais (efeitos colaterais), a necessidade da manutenção da segurança alimentar para os consumidores (MACHADO et al., 2016) e o aumento da resistência de bactérias aos antibióticos (ZANGARO, 2019), a Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou que uma das formas de reduzir seu uso excessivo é inibir o uso em animais saudáveis (OMS, 2017). Além dos cuidados em não utilizar antimicrobianos emanimais saudáveis, práticas de manejo proativas, como o uso de vacinas, melhor higiene das instalações, rigorosas medidas de biossegurança e o fornecimento de alimentação balanceada também contribuem com a redução do consumo de antimicrobianos (GILLIAM, 2016).
A crescente preocupação global com a resistência antimicrobiana e o uso de antibióticos na pecuária estimula o seu uso de forma eficaz, otimizada e racional, principalmente em países de baixa e média renda, visto que, até o momento, poucos estudos foram realizados nesses países (OMS, 2017; LEKAGUL et al., 2020). Desta forma, o objetivo deste estudo foi avaliar em granjas de suínos da região sul do Brasil, o desempenho dos animais e as classes e a quantidade de antibióticos empregados, nas fases de creche e terminação, antes e após emprego de manejo proativo.
MATERIAL E MÉTODOS
Os dados para este estudo foram coletados em granjas de suínos de raças suínas cruzadas para o abate, com plantel médio de 500 animais, nos períodos de janeiro a julho de 2017 e de 2018. As granjas estudadas são parceiras de uma Empresa Integradora que possui 300 integrados e situam-se no oeste do estado de Santa Catarina, região sul do Brasil.
Como critério de inclusão, buscaram-se granjas que implementaram manejo proativo, objetivando o uso racional de antibióticos e, após a definição das granjas, os responsáveis pela empresa integradora foram abordados e esclarecidos quanto ao objetivo do estudo, e com a concordância dos mesmos, foi solicitado o preenchimento da “Declaração de Autorização do Local” para ciência e permissão do uso dos dados.
Foram coletados, nas fases de creche e terminação, os dados de produção: peso inicial e final dos animais, tempo de permanência, consumo de ração, conversão alimentar e taxa de mortalidade. Sobre os antimicrobianos, foramcoletadas as informações das classes farmacológicas e o consumo. Para a estimativa de consumo dos antimicrobianos foi utilizado o peso médio ponderado, o número de animais em cada fase, o número de dias ponderado em cada uma das fases, a dose máxima de antimicrobiano recomendada por dia e o número máximo de dias de tratamento indicado na bula de cada fármaco em questão. Os dados foram tabulados e analisados de forma descritiva, empregando planilha eletrônica (Programa Excel do pacote Microsoft® 365).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As principais mudanças observadas no manejo empregado pelas granjas incluíram limpeza e desinfecção mais criteriosa no momento do vazio sanitário, melhor observação e maior frequência de observação do lote, que permitiu identificar individualmente os animais que realmente necessitavam de tratamento e assim, promover o uso de medicação individual injetável, quando possível.
Ressalta-se que as mudanças no manejo adotadas seguem ao encontro das premissas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os ODS foramdefinidos pelas Nações Unidas e compõe uma agenda global, adotada em setembro de 2015, contendo 17 objetivos e 169 metas para serem atingidas até 2030. De modo geral, os ODS envolvem ações para acabar com a pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar para todos, proteger o meio ambiente e enfrentar as mudanças climáticas. Assim, consideramos que ações para reduzir o consumo de antibióticos na produção animal, contribuem com os ODS, pois dentre os 17 objetivos, cita-se o objetivo 2, que busca acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável e o Objetivo 12, que visa assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis (UNESCO, 2015).
Além disso, aponta-se que as ações instituídas contribuem positivamente como bem-estar animal (BEA) (ROHR et al., 2016) e seguem em consonância com as boas práticas agropecuárias brasileiras na produção de suínos (DIAS et al., 2011). Apartir dos conceitos de BEA, foram estabelecidos cinco princípios de liberdade que todo animal deve ter, sendo: livres de fome e sede, desconforto, medo e estresse, livre para expressar o seu comportamento natural e livre de dor, injúria e doenças (ROHR et al., 2016). Sendo esse último de grande importância, principalmente porque as criações de suínos apresentam alta densidade e por isso, maior risco de transmissão de doenças, sendo imprescindível que os animais sejam tratados, quando necessário, mas de forma racional.
Com relação aos parâmetros zootécnicos dos leitões na fase de creche e dos suínos na fase de terminação, observou-se que os mesmos se mostraram de acordo com o esperado para as categorias (Tabela 1). Contudo, destaca-se que o uso racional dos antibióticos reduziu a taxa de mortalidade, sobretudo na fase de terminação, a qual apresentou uma queda de 38%. O levantamento sobre as classes dos antibióticos utilizados nas granjas no período estudado mostrou umvariado rol de classes farmacológicas, como aminoglicosídeos, aminopenicilinas, anfenicois, azalídeos, betalactâmicos, cefalosporinas, lincosamidas, macrolídeos, quinolonas e sulfonamidas (ROHR et al., 2016).
Sabe-se que o crescimento da cadeia produtiva suína resultou em mudanças nos métodos de produção, como a adoção de sistema de criação intensivo, que aumenta a pressão de infecção e os níveis de estresse dos animais, desencadeando problemas como doenças infecciosas, que tornaram o uso de antimicrobianos essenciais à produção. De modo geral, os antibióticos empregados na suinocultura podem ser classificados com fim terapêutico, metafilático, profilático ou como aditivo, em doses baixas para melhorar o crescimento dos animais e, na prática, as principais classes empregadas são as penicilinas, cefalosporina, tetraciclina, macrolídeos, lincosamidas e pleuromutilinas, sulfonamidas, sulfa-trimetoprim, quinolonas e rifampicina (SOBESTIANSKY; BARCELLOS, 2012), conforme observado nesta pesquisa. Contudo, enfatiza-se que neste estudo o uso foi apenas terapêutico.
Os resultados mostraram que o consumo total de antimicrobianos após as mudanças implantadas foi reduzido em 26,51% na fase de terminação, porém, na fase de creche houve um aumento de 19,54% (Tabela 2).
TABELA 1. Parâmetros zootécnicos de leitões na fase de creche e de suínos na fase de terminação durante janeiro a julho de 2017 e de 2018.
TABELA 2. Dias de medicação, consumo de antimicrobianos e variação na medicação de leitões na fase de creche e de suínos na fase de terminação durante janeiro a julho de 2017 e de 2018.
Considerando o resultado da porcentagem de dias de tratamento na creche em 2017 (9,86%), observou-se que durante 4,14 dias da fase da creche seria possível tratar todos os animais com a dose máxima recomendada, entretanto, aponta-se que embora os números médios compreendam todos os animais, somente os animais que precisaram foram medicados. Por outro lado, a porcentagem de dias de tratamento na creche em 2018 (10,36%) evidencia umpequeno aumento, sendo 4,4 dias de tratamento. Contudo, mesmo com esse pequeno aumento, ressalta-se que o manejo proativo resultou em benefícios, visto que, em 2018 o aumento de quilos de animais tratados na creche aumentou 19,54%, mas a quantidade de quilos de animais totais aumentou 13,77%.
Atribui-se os dados sobre o maior consumo de antimicrobianos na fase de creche, ao maior número de animais alojados (Tabela 1), fato que resultou emdesafio sanitário elevado. O desmame é um período crítico na vida dos leitões e inúmeros fatores contribuem para o estresse nesta fase, os quais, geralmente, resultam em diarreia e queda no desempenho. Isto pode estar relacionado à queda na imunidade dos leitões e susceptibilidade à ação de microrganismo patogênicos, caracterizando o ambiente pós-desmame como de desafio sanitário elevado (CROMWELL et al., 2008), justificando o maior consumo de antibióticos nesta fase.
Com relação à terminação, os dados revelaram que, a porcentagem de dias de tratamento (1,67 e 1,23%) equivale a 1,59 em 2017 e 1,12 em 2018, dias de tratamentos com a dose máxima recomendada em todos os animais. Contudo, assim como na fase de creche, somente os animais que precisaram forammedicados. Esse resultado revela um dado promissor, visto que, foram tratados muito menos quilos em 2018 (-26,51%), apesar de existir uma quantidade muito maior de quilos de animais (28,12). Esse resultado foi possível em função da diluição dos valores, já que, foram tratados somente os animais que tinhamindicação veterinária.
Em 2018, após a instituição do manejo proativo, observou-se uma redução no consumo de antimicrobianos e menor taxa de mortalidade (Tabela 1). Esses dados seguem ao encontro dos relatos de Correa-Fiz et al., (2016) e Correa-Fiz et al. (2019), que apontaram que a redução do uso de antibióticos aumenta a diversidade da microbiota sendo um fator que contribui para a saúde do animal. Assim, considera-se neste estudo que a melhor saúde colaborou com a menor taxa de mortalidade.
O uso de antibióticos em níveis sub-terapêuticos revolucionou a agricultura nos últimos 65 anos e passou a ser usado tanto para tratar doenças quanto para melhorar o desempenho dos animais, incluindo suínos, contudo, fatores relacionados aos efeitos secundários na saúde humana, sobretudo quanto aos resíduos de antibióticos e resistência reduziram em 43% as vendas de antibióticos para uso animal nos Estados Unidos em 2017 (ZANGARO, 2019). Assim, muitos produtores americanos adotaram as recomendações do National Pork Board sobre o uso responsável de antibióticos (NPB, 2018), usando-os apenas para prevenção, tratamento e controle de doenças, modelo que também está sendo estimulado no Brasil, conforme observado neste estudo.
Existe uma tendência mundial para o banimento total do uso de antibióticos em rações (GAGGÌA et al., 2010). Contudo, ressalta-se que a eliminação completa dos antibióticos pode acarretar pontos negativos relacionados à manutenção de saúde, produção, desempenho e lucratividade (ZANGARO, 2019).
Sendo assim, pondera-se que o emprego de práticas de manejo proativas, que incluam o uso criterioso de vacinas, limpeza rigorosa das instalações, medidas de biossegurança e implementação de programa nutricional que fortaleça a imunidade natural dos animais (GILLIAM, 2016) podem resultar na menor necessidade de uso de antibióticos no plantel, semelhante aos achados deste levantamento.
Por fim, aponta-se que a redução do uso de antibióticos, além de apresentar reflexo positivo na saúde humana, em função da redução de resíduos na carne, é de extrema relevância na busca pela qualidade e sustentabilidade na produção animal e do meio ambiente, visto que esses fármacos apresentam grande ocorrência e alto poder de impacto ambiental (REGITANO; LEAL, 2010).
CONCLUSÃO
A instituição de manejo proativo reduziu o consumo dos antimicrobianos na fase de terminação, mas não afetou o desempenho dos suínos na fase de creche e de terminação.
Estes dados mostram a importância de ações de manejo racionais que otimizem os tratamentos, garantam a biosseguridade e a saúde dos animais e que contribuam com a segurança alimentar e com a sustentabilidade econômica e ambiental da cadeia produtiva suína.
Publicado originalmente na revista eletrônica Centro Científico Conhecer, em novembro de 2020. Acesso disponível em: https://www.conhecer.org.br/enciclop/2020D/uso%20racional.pdf. DOI: 10.18677/EnciBio_2020D40