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Sistema Integrado Agroindústria

Estrutura dos Contratos de Integração na Suinocultora de Santa Catarina

Publicado: 21 de fevereiro de 2011
Por: Marcelo Miele; Paulo D. Waquil (Embrapa Suínos e Aves)
1. Introdução, objetivo e metodologia

Ao longo dos últimos dez anos tem crescido a participação dos contratos de integração a fim de viabilizar a coordenação da cadeia produtiva da carne suína no Brasil e nos seus principais concorrentes (Altmann, 1997; Vukina, 2003; Martinez & Zering, 2004; Weydmann, 2004; Miele, 2006). Esse modelo de organização entre empresas e cooperativas agroindustriais e seus fornecedores predomina na suinocultura da região Sul do país, mas cresce também nas demais regiões. A presente pesquisa teve por objetivo caracterizar e descrever a estrutura dos contratos de integração na suinocultora de Santa Catarina. É importante conhecer a estrutura dos contratos porque permite o aperfeiçoamento das metodologias de cálculo dos custos de produção e de avaliação de risco na suinocultura. Além disso, permite auxiliar na gestão do estabelecimento suinícola, orientando o suinocultor acerca dos critérios de avaliação de desempenho adotados pelas agroindústrias.

A metodologia utiliza uma técnica de investigação qualitativa, de análise de arquivos. Foram analisados 12 contratos³, seus adendos e outros documentos relacionados, abrangendo uma diversidade de períodos (de 1998 a 2005), de agroindústrias que atuam desta forma4, de sistemas de produção existentes5, bem como de tipos de contratos6. Todos os contratos analisados estão em vigência. A partir da leitura dos documentos, foi estruturado e preenchido um banco de dados das cláusulas contratuais, que permitiu classificar os temas abordados conforme os seguintes tópicos:

- especificações técnicas;
- garantias, exclusividade e financiamentos;
- monitoramento e informações;
- obrigações da agroindústria;
- obrigações do suinocultor;
- prazos, revisões, negociações, penalidades e rescisão;
- remuneração; - volume.

Do ponto de vista teórico, a presente análise utiliza a literatura econômica sobre contratos e de análise de cadeias produtivas (Altmann, 1997; Vukina, 2003; Martinez & Zering, 2004; Zylbersztajn, 2005; Miele, 2006).
2. Cláusulas sobre obrigações das partes

Os contratos definem como obrigações das agroindústrias:

- fornecer reprodutores machos e fêmeas (para as UPLs e CCs);
- fornecer leitões (para as UTs); - fornecer ração;
- fornecer medicamentos e outros insumos;
- prestar serviços de assistência técnica;
- transportar reprodutores, leitões, ração e demais insumos.

No caso dos contratos de compra e venda (CC, UPL e UT) isso se dá através da venda à vista ou à prazo, enquanto que nos de parceria (UT) e em comodato (UPL) isso se dá através da entrega ao suinocultor, que passa a ser fiel depositário dos animais, ração e demais insumos. Neste caso ocorre uma troca na posse, mas não na sua propriedade. As obrigações do suinocultor são: - fornecer mão-de-obra familiar ou contratada (inclusive encargos, tributos e responsabilidades decorrentes do seu emprego); - prover água e energia; - prover instalações e equipamentos; - realizar manutenção e reforma das instalações e equipamentos e manter a trafegabilidade nas vias de acesso às pocilgas; - responsabilizar-se pelo tratamento, manuseio, uso, transporte, distribuição e destino dos dejetos, devendo para tanto atender à legislação ambiental (apenas um contrato se omite do tema); - seguir as orientações técnicas da agroindústria.
3. Cláusulas sobre volume

Quase todos os contratos definem volume de produção e capacidade de alojamento. A definição de limites para variações no plantel de reprodutores é utilizada apenas nos contratos de compra e venda em UPL, enquanto que os demais condicionam variações nos volumes produzidos ou alojados às necessidades da agroindústria e do suinocultor, bem como às exigências do mercado. Há, portanto, uma abertura para que condições extremas de mercado determinem mudanças nos volumes a serem produzidos.
4. Cláusulas sobre remuneração

Quanto à remuneração, o contrato em CC é o que menos estabelece provisões neste tema, portanto não será discutido. Os contratos de compra e venda entre as UPLs têm em geral uma apresentação explícita da forma como se dará a remuneração do produtor de leitões, sobretudo através de tabelas de preços e prazos anexas aos contratos. Definem o peso do leitão entregue como base de cálculo, remetem a um preço de mercado de referência (do suíno vivo7 ou do leitão), e definem o cálculo ou limites da bonificação. O principal incentivo (indexador aplicado sobre o preço de referência) é dado em função das faixas de peso dos leitões entregues, indicando que o objetivo perseguido pelas agroindústrias é a padronização dos animais que seguem para engorda e terminação. As faixas de peso mais leves são melhor remuneradas do que as demais (Fig. 1), mas os valores dessas faixas não são uniformes entre as agroindústrias, dependendo das necessidades de cada uma. Note-se que um indexador maior não necessariamente implica maior remuneração, tendo em vista que as agroindústrias podem utilizar diferentes preços de referência ou bonificação. Além deste incentivo, há um conjunto de especificações técnicas e gerenciais que, quando adotadas pelo suinocultor, dão direito a uma bonificação que acrescenta até 5% à remuneração final.

A incidência desta bonificação ocorre de duas formas:

- através do aumento do indexador nas faixas de peso mais valorizadas (Fig. 1); ou,
- através de um percentual a ser acrescido na remuneração final.

As especificações técnicas e gerenciais que dão direito a uma bonificação são monitoradas pela assistência técnica ou pela gerência das agroindústrias. Há contratos com checklists extensos e complexos, enquanto outros são mais simples. Em geral, os seguintes itens podem ser considerados para esta finalidade:

- biosseguridade;
- adesão a programas de melhoramento genético;
- adesão a programas de nutrição;
- adesão a pacotes veterinários;
- uso de carregador adequado e outros equipamentos;
- separação por sexo;
- identificação com mossa e tatuagem;
- gestão, acompanhamento da granja e dos lotes e precisão nas informações prestadas;
- escala de produção;
- produtividade e desempenho.
Estrutura dos Contratos de Integração na Suinocultora de Santa Catarina - Image 1
 Fig. 1 - Indexador a ser aplicado sobre o preço de referência em função das faixas de peso dos leitões entregues para engorda.
Desta forma, a remuneração do suinocultor em UPL segue a fórmula descrita a seguir.
Estrutura dos Contratos de Integração na Suinocultora de Santa Catarina - Image 2

Nos contratos de parceria com as UTs há dois grupos de documentos, quais sejam, aqueles que explicitam a fórmula de remuneração e o preço de referência a ser utilizado e, de outro, aqueles que se omitem dessas questões, que ficam relegadas ao plano administrativo (não contratual) e que portanto não entraram na presente análise. Nos contratos que explicitam a forma de remuneração do suinocultor, a base de cálculo é o peso da carcaça dos animais entregues para abate ou, em alguns casos, o peso dos suínos vivos. O preço de mercado de referência é o preço da carcaça praticado pela agroindústria no dia do abate8.O principal incentivo (indexador aplicado sobre o preço de referência) é dado em função da conversão alimentar obtida pelo suinocultor no lote entregue para o abate. Isso indica que o objetivo perseguido pelas agroindústrias é reduzir as despesas com alimentação, principal elemento no custo de produção (cerca de 70%). Na maioria das vezes é considerado o desempenho relativo, ou seja, a conversão alimentar obtida é comparada com a média dos demais lotes entregues nos últimos 30 ou 60 dias, implicando em concorrência entre os suinocultores. Apesar de não fazer parte da fórmula de remuneração, a mortalidade dos leitões também deve ser considerada, tendo em vista que esta interfere no cálculo da conversão alimentar. O mesmo se pode dizer quanto ao rendimento do animal vivo em volume de carcaça, no entanto, tendo em vista que esta conversão depende essencialmente da genética empregada, há pouco a fazer por parte do produtor. Há também contratos que definem um piso para a remuneração do suinocultor, de 2,5% sobre o valor das carcaças dos animais entregues ao abate. Poucos estabelecem prazos de pagamento.
Além deste incentivo, há um conjunto de especificações técnicas e gerenciais que, quando adotadas pelo suinocultor, dão direito a uma bonificação que acrescenta até 20% à remuneração final. A incidência desta bonificação não ocorre em todas as agroindústrias, e se dá através de um percentual a ser acrescido na remuneração final. Há contratos com checklists anexos que consideram os seguintes itens:

- ambiência;
- apresentação da propriedade;
- instalações e equipamentos;
- manejo do rebanho; - meio ambiente; e,
- rendimento técnico.

Desta forma, a remuneração do suinocultor em UT parceiro segue a fórmula descrita a seguir.
Estrutura dos Contratos de Integração na Suinocultora de Santa Catarina - Image 3
5. Cláusulas sobre especificações técnicas

A principal especificação técnica, presente em todos os contratos analisados, ocorre através de cláusulas voltadas à padronização dos animais que seguem para engorda ou para o abate, tais como definições de:

- faixas de peso;
- limites de idade;
- períodos de terminação; e,
- prazo limite de povoamento entre os lotes (entre 21 e 30 dias).
Destaca-se que não há uniformidade nestes parâmetros entre os contratos, nem tampouco entre as agroindústrias. Além disso, assim como ocorre para as definições de volume e remuneração, abrem a possibilidade de estender estes prazos e parâmetros por questões sanitárias, ambientais e de mercado.

Nos contratos em UPL as principais cláusulas sobre especificações técnicas são:

- definição da origem da genética;
- taxa de reposição de reprodutores (de 15% a 40% para fêmeas e até 50% para machos);
- metas para produtividade das matrizes;
- proibição de utilizar animais gerados pelo próprio suinocultor como reprodutores; e,
- recomendações para vacinas, medicamentos e outros insumos.
Entre as UTs em parceria as principais cláusulas sobre especificações técnicas são:

- definição de jejum pré-abate;
- alimentação diferenciada;
- restrição alimentar;
- retirada de medicamentos.

Assim, entre as UPLs predomina a preocupação quanto à genética, fator determinante do desempenho de todo o processo produtivo. Entre as UTs esta questão se resolve através das cláusulas de exclusividade no fornecimento de leitões (ver a seguir). Nos contratos de parceria com as UTs predominam as preocupações com o estágio de abate e processamento, relacionadas aos resíduos de medicamentos nos alimentos e à pesagem de animais com ração não absorvida (não transformada em carne).Tanto em UPL quanto em UT são poucos os contratos que têm cláusulas para definir padrões para as instalações, o carregamento de animais e o alojamento ou carregamento dos leitões separados por sexo, peso ou origem. Quase todos remetem esses temas à orientação técnica. É importante destacar que nenhum dos contratos analisados define espeificações técnicas voltadas para o meio ambiente. Assim como no item anterior, o contrato em CC também estabelece poucas provisões quanto às especificações técnicas, não sendo abordado em detalhes.
6. Cláusulas sobre garantias e exclusividade

As cláusulas que estabelecem exclusividade de compra, venda e fornecimento de leitões, reprodutores, ração e demais insumos aparecem em quase todos os contratos. Em conjunto com as cláusulas de volume, permitem uma melhor coordenação das quantidades a serem fornecidas pelas agroindústrias ou produzidas pelo suinocultor. Além disso, são formas de garantir qualidade, uniformidade e rastreabilidade dos animais. Nota-se que também nesta cláusula, abre-se a possibilidade para a regulação do contrato através de uma referência às condições de mercado da região.

Há um conjunto de instrumentos para prover as partes de garantias. No caso da agroindústria que fornece animais e insumos (através de entrega ou de venda à vista e à prazo) utiliza-se sobretudo a figura do fiel depositário e assinatura de nota promissória, Cédula do Produtor Rural (CPR), garantias em bens, co-responsabilidade do cônjuge e autorização para obtenção de crédito rural em nome do suinocultor. Por sua vez, o suinocultor tem a garantia de compra dos seus leitões ou animais terminados, mas poucos garantem o rendimento do suinocultor, seja através de um piso para as cláusulas de remuneração, seja através do ressarcimento devido a problemas sanitários (mortalidade e necessidade de vazio sanitário).
7. Cláusula sobre monitoramento e informações

O principal instrumento de monitoramento e transmissão de informações é a assistência técnica, prevista na maioria dos contratos, e amparada pela cláusula que estabelece livre e permanente acesso da agroindústria às instalações. Além disso, tendo em vista a constante preocupação com a sanidade dos rebanhos, todos os contratos em UPL e metade dos contratos de parceria em UT prevêem que o suinocultor deve comunicar imediatamente qualquer anormalidade na sanidade e na mortalidade dos animais.

Também freqüente entre os contratos são as cláusulas sobre identificação e registros, tais como:

- acompanhamento dos lotes de animais terminados através de fichas e tabelas de desempenho;
- acompanhamento dos reprodutores através de fichas individuais; - identificação da UPL através de tatuagem nos leitões;
- identificação dos leitões através de mossa;
- identificação dos reprodutores através de marcação.
Poucos contratos remetem à necessidade de informar antecipadamente a programação de compra e venda de animais, grãos e insumos. Apenas os contratos mais recentes prevêem a possibilidade de auditorias e de coleta de amostras de animais, água e insumos para análise laboratorial, medidas que visam monitorar resíduos na carne.
8. Cláusulas sobre prazos, penalidades e rescisão

Os contratos têm prazo indeterminado de vigência ou cláusulas que prevêem a possibilidade de renovação automática. Todos definem condicionantes e prazos de aviso prévio para a rescisão contratual, geralmente associada ao não cumprimento de cláusulas, desacordo com a legislação ambiental e sanitária e baixo desempenho. A maioria também prevê a possibilidade de aplicação de multas sobre algum indicador de valor ou volume da transação. Poucos abrem a possibilidade de revisão e ajustes periódicos das tabelas de preços, prazos e desempenho.
9. Ocorrência das cláusulas contratuais por tema
Na Fig. 2 a seguir apresenta-se com maior detalhamento a freqüência com a qual são citados os temas acima descritos, nos 12 contratos analisados.
Estrutura dos Contratos de Integração na Suinocultora de Santa Catarina - Image 4
Estrutura dos Contratos de Integração na Suinocultora de Santa Catarina - Image 5
Fig. 2 - Ocorrência de cláusulas por tema e sub-tema, nos contratos analisados.
 
10. Considerações finais

Os contratos analisados diferem em função da agroindústria, do sistema de produção e do ano, mas têm algumas características comuns. Todos delimitam claramente a divisão de responsabilidades entre os suinocultores e as agroindústrias, com implicações para os custos e os riscos assumidos por cada um desses elos da cadeia produtiva. Em um comtrato típico a agroindústria fornece genética, ração, insumos e transporte (logística), enquanto que o suinocultor provê mão-de-obra, instalações e equipamentos e o manejo dos dejetos.

Essa divisão de responsabilidades concentra na agroindústria os riscos associados a variações nos preços dos grãos, mas transfere os riscos ambientais para o suinocultor. Apesar desses traços comuns, há grande heterogeneidade nestes instrumentos. De um lado há aqueles mais simples, voltados quase que exclusivamente ao estabelecimento de garantias formais de compra e venda e de direitos de propriedade sobre os plantéis, a ração e demais insumos. Por outro lado, há contratos mais complexos que além das garantias, voltam-se para a gestão da cadeia produtiva formalizando esquemas de incentivo, o papel da assistência técnica como agente de monitoramento e controle e detalhando especificações técnicas. Por fim, deve-se destacar que todos os contratos analisados se reportam a condições de mercado para regular variações excessivas nos volumes (animais em terminação ou alojamento de reprodutores) ou para obter um parâmetro de preço de referência.
11. Referências bibliográficas

ALTMANN, R. A agricultura familiar e os contratos: reflexões sobre os contratos de integração, a concentração da produção e a seleção de produtores. Florianópolis: Ed. Palotti, 1997. 112p. MARTINEZ, S. W.; ZERING, K. Pork quality and the role of market organization. [S.l.]: U.S. Department of Agriculture, 2004. 45p. (Economic Research Service. Agricultural Economic Report, 835). Disponível em: . Acesso em: 09 ago 2005. MIELE, M. Contratos, especialização, escala de produção e potencial poluidor na suinocultura de Santa Catarina. 2006. 286 p. Tese (Doutorado em Agronegócios) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
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Autores:
Marcelo Miele
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