Introdução
Formular rações com perfis nutricionais adequados às exigências de cada genética de suínos é um dos pontos cruciais para explorar o máximo desempenho animal. Por outro lado, relatos na literatura têm demonstrado que a suplementação de alguns nutrientes acima das exigências para ganho de peso e conversão alimentar de monogástricos podem, não apenas melhorar o desempenho, mas o seu estado salutar, definindo então, aquilo que chamamos de Nutrição Funcional na Produção Animal.
Para alguns aminoácidos, o status da Nutrição Funcional pode variar entre a exigência de desempenho ao princípio do antagonismo ou imbalanço, já que a toxidez é improvável de acontecer em condições práticas de campo (Petricci, 2013). Dentre os aminoácidos essenciais com características funcionais no organismo animal, podemos destacar a Arginina. Para Wu et al. (1998) a arginina tem sido citada como um dos aminoácidos mais versáteis nas células dos animais. É um aminoácido classificado como condicionalmente essencial para leitões (Bem et al. 2020) que participa na síntese de proteína muscular e em diversas funções fisiológicas no organismo animal, tais como; síntese da uréia, poliaminas, prolina, ornitina, glutamato, creatina, agmatina e óxido nítrico (Gad, 2010 e Fouad et al. 2012). Especificamente, o objetivo deste artigo é compreender os benefícios da arginina sobre o sistema imune e na sinalização hormonal em leitões.
Arginina – Porque é um Aminoácido Importante para Leitões.
Com o advento do desmame precoce na produção de leitões, implicações consideráveis de estresse são acometidas sobre o trato grastrointestinal e no sistema inume. Também, as mudanças dietéticas não devem ser esquecidas durante a fase; quando inadequadas, provocará dificuldades digestivas e alterações na microbiota intestinal, favorecendo a redução do consumo alimentar, aumento na incidência de diarreias e piora na eficiência alimentar (Whatfort, 2014).
É sabido que os aminoácidos suplementares permitem atingir ótimo crescimento dos leitões do desmame até a saída de creche, e que, aqueles com características funcionais, podem mitigar os desafios de um desmame precoce. De acordo com Wo et al. (2004), a arginina é um aminoácido essencial para neonatos, apresentando baixo teor no leite das porcas (supre menos de 40% do requerimento na primeira semana de vida). Também, a arginina sintetizada no fígado de neonatos, via ciclo da ureia, não demonstra um rendimento líquido já que a alta atividade da arginase citosólica converte a arginina em outros nutrientes importantes no metabolismo animal (Gomes e Stella, 2012).
Outro ponto pode ser observado nas Figuras 1 e 2. A síntese de citrulina intestinal, um precursor de arginina dado pelos enterócitos/células musculares lisas é baixo ou desprezível em leitões com 14-21 dias de idade, mas aumenta 10-20 vezes nas células com 29-58 dias devido à atividade da pirrolina-5-carboxilato sintase (Wo, 1994). Segundo Chen et al. (2013) e Whatfort (2014), a deficiência de arginina causa problemas no crescimento, disfunção intestinal, desenvolvimento imunológico e neurológico limitado, problemas no sistema cardiovascular e pulmonar, cicatrização de feridas prejudicada, hiperamonemia e até morte.
Figura 1. Síntese de citrulina e arginina em enterócidos de leitões (Adaptado de Wo e al. 2004 e Wu et al, 1994).
Figura 2. Concentração de citrulina em enterócitos de leitões (adaptado de Wo et al. 1994 – após 30 minutos de incubação e 0% de glutamina).
O aumento da citrulina via glutamina/glutamato/prolina que ocorre na mitocondria de enterócitos de leitões (reação dependente das enzimas ornitina aminotransferase e ornitina carbamiltransferase) é capturada pelos rins e convertida em arginina em processo mediado pelas enzimas argininosuccinato sintase e argininosuccinato liase, que contribui aproximadamente com 10% do fluxo plasmático de arginina (Viana, 2010; Gomes e Stella, 2012). Na figura 3, pode ser observada a síntese endógena de arginina do eixo intestino-rins.
Figura 3. Eixo intestino-rins no metabolismo da arginina. ARG- arginina; ARGase- arginase; ASS+ASL- arginosuccinato sintase + arginosiscinato sintase; CIT- citrulina; GLN- glutamina; GLNase- glutaminase; GLU- glutamato; OAT- ornitina aminotransferase; ORN- ornitina; OTC- ornitina transcaboxilase (Viana, 2010)
A síntese endógena não justifica que o suprimento líquido de arginina é totalmente atendido no organismo dos leitões. Na prática, os desafios de campo ou o encurtamento das vilosidades intestinais no pós-desmame, podem comprometer negativamente à síntese citrulina intestinal, ou mesmo, provocar maior necessidade de arginina corporal, levando à sua depleção que, agravado pela queda do consumo alimentar, estabelece a necessidade suplementar de arginina na maternidade e nas fases pré-iniciais.
Segundo Tan et al. (2009) a síntese endógena de arginina é inadequada para suportar o crescimento máximo de leitões de 7 à 21 dias de idade. Para Gomes e Stella (2018), em leitões, não ocorre entrada de quantidade substancial de arginina dietética na circulação sistêmica, pois 40% da arginina ingerida é degradada pelo intestino delgado na primeira etapa do metabolismo. Diante da prévia revisão de literatura, pode se concluir que a arginina é um aminoácido condicionalmente essencial para leitões; a sua suplementação acarretará benefícios salutares e de desempenho desde o nascimento até a saída de creche.
Importância da Arginina no Sistema Imune de Leitões
De acordo com Viana (2010) o óxido nítrico (NO) é considerado o responsável pelos efeitos biológicos adversos da arginina. É um componente inorgânico resultante da oxidação de um dos dois nitrogênios guanidino da L-Arginina que é convertida em L-Citrulina + NO (conversão estequiométrica 1:1) pela enzima óxido nítrico sintase (Dusse et al. 2003 e Hu et al. 2015). Para Snyder e Bredt (1992), o NO é uma dos mensageiros intermediários mais importantes no organismo. Nas Figuras 4 e 5, pode ser observado como ocorre a síntese de óxido nítrico e sua ação em células alvos.
Figura 4. Síntese de óxido nítrico via arginina no organismo animal.
Figura 5. Ação secretagogo do óxido nítrico - Adaptado deJobgen, et al. (2006) e Silvério, (2011).
Para Dusse et al. (2003) a síntese do óxido nítrico é dada por uma variedade de isoformas da enzima óxido nítrico sintase (NOS) presente nos tecidos de mamíferos e são agrupadas em duas categorias; a NOS constitutiva (c-NOS), dependente de cálcio e de calmodulina, que atua na sinalização celular, e a NOS induzível (i-NOS), dada por macrófagos e outras células ativadas por citocinas. A c-NOS compreende a NOS neuronal (n-NOS, tipo I), presente normalmente nos neurônios, e a NOS endotelial (e-NOS, tipo III), presente nas células endoteliais vasculares e nas plaquetas.
A c-NOS produz pequenas quantidades de NO (nano ou picomols). Esta enzima tem papel essencial no processo de relaxamento dos vasos sanguíneos (Dusse et al. 2003), melhorando o fluxo de nutrientes até a célula.
O NO resultante da ativação da i-NOS possui ação citotóxica e citostática que destrói microrganismos, potencializando o sistema imune. Como pode ser observada na Figura 6, a citotoxidade do NO é uma ação direta, mas também pode ser dada pela reação com outros compostos liberados durante o processo inflamatório. A i-NOS requer algumas horas para sua expressão, porém, quando sintetizada, libera quantidades maiores de NO indefinidamente até que a L-arginina ou os co-fatores de sua síntese sejam depletados ou ocorra a morte da célula alvo (Dusse et al. 2003). Em processos infecciosos, os macrófagos, neutrófilos e células endoteliais secretam simultaneamente NO e intermediários reativos do oxigênio. Também, a ação citotóxica indireta do NO consiste na sua reação com esses intermediários do oxigênio. Uma ação tóxica cooperativa de NO e ânion superóxido (O2-) forma o peroxinitrito (ONOO-), um poderoso oxidante de proteínas. O ONOO- pode se protonar com o íon hidrogênio (H+), originando um radical altamente reativo e tóxico, o hidroxil (HO), aumentando efetivamente a ação tóxica do NO e do O2, destruindo as células de sua vizinhança, permitindo que aos leucócitos matem as bactérias, fungos e células tumorais (Dusse et al. 2003 e Snyder e Bredt, 1992).
Figura 6. ESTÍMULO DO SISTEMA IMUNE PELO NO:- O interferon gama e lipopolissacarídeos transmitem sinais para o núcleo de macrófagos, causando a produção de NO dado pela NOS (enzima que converte arginina em NO). O NO destrói microrganismos, inibe o ciclo de Krebs (síntese de ATP), bem como a síntese de DNA (Snyder e Bredt, 1992).
Viana (2010) demonstra que a arginina eleva a atividade de macrófagos, melhora a proporção de células T CD4:CD8, número de linfócitos, bem como os níveis de IgA. Também aumenta a expressão de RNA mensageiro para a síntese de citocinas Th1 e citocinas Th2.
Tan et al (2009) utilizando 70 leitões desmamados aos 7 dias de idade e peso médio de 2,73 kg, conheceram o efeito da suplementação de L-Arginina (0,0%; 0,2%; 0,4%; 0,6% e 0,8%) sobre o desempenho e o status imune aos 21 dias de idade. As dietas líquidas (água:ração = 4:1) foram formuladas para atender as recomendações de NRC (1998) e fornecidas 4 vezes ao dia (7:00; 11:00; 15:00 e 19:00 hs). Todos os animais tiveram acesso livre à água de bebida. Os autores observaram que a suplementação de 0,6-0,8% de L-arginina melhorou o peso corporal (Figura 7), sem influenciar (P>0,05) sobre o consumo alimentar. Apesar de esta pesquisa indicar que o aumento gradual de arginina suplementar não resultou numa resposta gradual nos parâmetros imunológicos; numa visão estocástica, os autores concluíram que a imunidade celular e humoral, a produção de leucócitos, citocinas e anticorpos melhoraram significativamente aos 14 e 21 dias de idade (Tabela 1). Os animais não sofreram nenhum tipo de desafio imunológico.
Yang et al (2016), observaram melhora significativa no peso corporal de leitões aos 21 dias de idade quando alimentados com L-arginina (4 gramas/kg de ração). Estes autores citam Leibholz (1982) que usando uma dieta com 7,5 gramas de arginina/ kg de ração e, suplementada com 4 g arginina/kg de ração (totalizando 11,5 gramas de arginina/kg de ração), demonstrou aumento significativo do peso corporal de leitões.
Figura 7. Peso corporal de leitões aos 21 dias de idade e alimentados com diferentes níveis de arginina quando desmamados aos7 dias de idade (adaptado de Tan et al. (2009).
Tabela 1. Efeito da arginina suplementar sobre as concentrações séricas de imunoglobulinas e citocinas em leitões com 21 dias de idade.
Importância da Arginina na Sinalização Hormonal em Leitões
A sinalização celular pode ser entendida conforme ilustração na figura 8. Cada célula é dotada de receptores que reconhecem as moléculas sinalizadoras (proteínas, aminoácidos, hormônios e outras substâncias). Estes elementos ao fazer contato com a célula-alvo haverá um estímulo específico com consequente alteração no metabolismo da célula (Santos, 2021).
Figura 8. Esquema da sinalização celular (Santos, 2021).
Para Mattoso (2013), o consumo de alimentos básicos e de pouco valor nutritivo levam às carências nutricionais em humanos. A ingestão de nutrientes em quantidades ideais tornam-se importantes cofatores enzimáticos responsáveis pela síntese, liberação, ligação aos receptores e regulação de diversos hormônios. Na nutrição de suínos, não é diferente. Para Flynn et al. (2002) a arginina estimula a secreção de hormônios pancreáticos (insulina e glucagon) hormônios da hipófise anterior (hormônio do crescimento e prolactina), lactogênio placentário em humanos e animais, regulando assim o metabolismo de proteínas, aminoácidos, glicose e ácidos graxos. Contudo, o mecanismo endócrino em leitões ainda permanecer obscuro (Chen et al. 2013).
Yang et al. (2016) suplementando L-Arginina em dietas de leitões na maternidade, observaram aumento à sensibilidade por insulina nos tecidos (Figura 9). Houve melhora no desenvolvimento intestinal. Para os autores, a melhora nos parâmetros insulínicos é um dos fatores responsáveis para o aumento do desempenho dos leitões dos 21 aos 42 dias de idade no pós-desmama.
Figura 9. Insulina em leitões e alimentados com arginina na maternidade (adaptado de Yang et al. 2016).
Chen et al. (2013) suplementando 0,6% de arginina na deita de leitões, observaram que o fator de crescimento semelhante à insulina (IGF) via expressão mRNA aumentou no músculo, fígado e rins (Figura 10; 11 e 12, respectivamente). Também foi observado melhora no desempenho dos 21 aos 28 dias de idade (Tabela 2).
Figura 10. Expressão do mRNA de IGF1; IGF2; IGF1R; IGF2R e IGFBP5 no músculo *(P<0,05); **(P<0,01).
Figura 11. Expressão do mRNA de IGF1; IGF2; IGF1R; IGF2R e IGFBP5 no fígado *(P<0,05); **(P<0,01).
Figura 12. Expressão do mRNA de IGF1; IGF2; IGF1R; IGF2R e IGFBP5 nos rins *(P<0,05); **(P<0,01).
Tabela 2. Desempenho de leitões desmamados e alimentados com 0,6% de L-arginina dos 21 aos 28 dias de idade.
Apesar do mecanismo de sinalização hormonal da arginina ser desconhecido, a expressão positiva sobre o IGF-s desempenha um papel fisiológico importante no desenvolvimento e na manutenção da homeostase do organismo. Para Chen et al. (2013) uma redução drástica de consumo alimentar ou ingestão alimenta desequilibrada, pode reduzir os níveis circulantes de IGF-1. O IGF-1 hepático gerado pelo controle do hormônio do crescimento, apresenta papel fundamental no desenvolvimento de leitões no pré e pós-natal. Tanto o IGF-1 e o IGF-2 tem papel importante na construção muscular. Yao et al (2008) demonstrou que a arginina melhora a sinalização mTOR dos músculos esqueléticos de leitões. Estes fatos podem estar relacionados com a melhor taxa de crescimento de leitões na fase neonatal.
Considerações Finais
Especificar a arginina sobre o sistema imune e na sinalização hormonal com vista à produção de leitões tem como objetivo analisar o potencial versátil deste aminoácido não apenas sobre as características de desempenho, mas também visando o benefício salutar. O papel funcional da Arginina na Produção de Leitões complementará na melhor adaptabilidade do animal ao programa de desmame precoce já que os desafios são adversos sob as condições de campo.