INTRODUÇÃO
O conhecimento da produção de leite nos rebanhos de búfalos, assim como nas outras espécies mamíferas domésticas, é determinante para o sucesso do empreendimento rural. A visão holística propiciada por predições obtidas nos modelos estatísticos, permite ao produtor/técnico tomar decisões de acordo com o comportamento biológico do animal e o comportamento estimado pela curva de lactação.
A curva de lactação pode ser definida como a representação gráfica da produção de leite de uma búfala no decorrer de sua lactação. O estudo sobre curvas de lactação pode contribuir para o melhor entendimento do sistema de produção, pois o conhecimento da forma da curva e suas implicações sobre a produção de leite pode auxiliar o produtor na previsão da produção de leite de seus animais em determinado estádio de lactação e, também, na tomada de decisões quanto ao descarte ou a práticas de manejo (Cobuci et al., 2001).
A produção de leite deve levar em conta a persistência da lactação que, além de ser uma das características que define a forma da curva de lactação (Faro, 1996), esta se encontra altamente correlacionada com a produção de leite no início da lactação. A persistência da lactação está diretamente relacionada com aspectos econômicos da atividade leiteira, pois a melhoria da persistência pode contribuir para a redução de custos no sistema de produção (Jakobsen et al. 2002; Tekerli et al. 2000).
No entanto, o principal problema relativo ao gráfico da persistência na lactação está no fato de como expressar a forma da curva de lactação em um único gráfico (Solkner & Fuchs, 1987). Ressalte-se que muitas tentativas têm objetivado encontrar a melhor maneira de expressá-la (Grossman et al., 1999; Jakobsen et al., 2002; Jamrozik et al., 1997).
De acordo com Solkner & Fuchs (1987), há indicativos da existência de diferenças genéticas para persistência da lactação, entre animais, razão pela qual a seleção, para essa característica, possa ser vantajosa (Bar-Anam & Ron, 1985; Jamrozik et al., 1995; Weller et al., 1987; Tekerli et al., 2000).
Além disso, produção de leite e persistência da lactação devem considerar o grau de seleção dos animais. Sendo necessário, também se considerar fatores ambientais como a estação do ano, tipo de parto, período do parto, idade das matrizes e suas interações, entre outros, para que esta evolução genética seja confiável (Hurtado-Lugo et al., 2005).
Uma vez que foram realizados poucos estudos sobre o comportamento produtivo de búfalas, o objetivo deste trabalho foi avaliar a persistência da lactação desses animais, explorados em condições tropicais.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi conduzido em Fazenda particular, no município de Taipú, situada na região Agreste do Estado do RN, acerca de 50 km de Natal, nas coordenadas geográficas de latitude: 5º 37' 18" Sul e longitude: 35º 35' 48" Oeste. É característica da região, o clima tropical chuvoso com época seca e chuvosa. A época chuvosa vai de abril a junho com precipitação pluviométrica média de 855 mm ao ano. Evidencie-se que a média de 1221,8 mm de chuvas foi registrada até o mês de agosto do ano de 2009 de acordo com a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (EMPARN). A temperatura média é 25,3 °C e a umidade relativa média de 79,0% (IDEMA, 2009).
A pesquisa foi conduzida com os dados referentes à produção de leite registrada no momento do controle leiteiro semanal e armazenados em programas de controle dos índices zootécnicos.
Foram analisadas informações de 50 fêmeas da raça Murrah, com lactação média de 307 dias, apresentando intervalos de partos médios de 434 dias e idade ao primeiro parto de 39 meses. Os animais foram separados em lotes de acordo com a produção e a ordem de parto, sendo dois de fêmeas primíparas e três de pluríparas.
O manejo alimentar era feito em pastejo rotacionado em Brachiaria brizantha, Brachiaria humidicola, Panicum maximum. Na época seca, os animais recebiam suplementação à base de cana-de-açúcar e uréia corrigida para 1,0%, ainda, no horário da ordenha os animais recebiam concentrado à base de caroço de algodão e farelo de soja.
As búfalas eram ordenhadas, mecanicamente, duas vezes ao dia; às 5:00 horas e às 17:00 horas, quando as informações inerentes a produção eram registradas. Foram usados os métodos de mensuração baseados em razões entre a produção de leite e na variação da produção ao longo da lactação. As observações e análises foram realizadas com dados relativos aos anos de 2007 a 2009 para estimar a persistência da lactação.
O presente trabalho teve como objetivo estimar a persistência da lactação observando o comportamento da curva e as perdas ocorridas durante o período de lactação.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Avaliação da persistência da lactação
A produção média, por fêmea, foi de 5,60 kg na primeira semana. O pico de lactação foi alcançado na sétima semana pós-parto, com a produção média de 7,44 kg, por búfala, e coeficiente de variação de 30,04%. Em 270 dias de lactação, a produção média, por animal, foi de 6,05 kg com a produção total, média, de 1635,14 kg, Tabela 1.
A produção média por animal de 6,05 kg e a produção total de leite, média, de 1635,14 kg em 270 dias de lactação são semelhantes as encontradas por Silva et al. (1991) e Jorge et al. (2005). Porém, estes valores encontram-se distantes daquelas descritos por Napolitano et al. (2005), na Itália, com produções acima de 13 kg em regime de manejo semi-intensivo.
Tabela 1. Prevalência de lactação nas 50 búfalas durante 30 semanas de lactação.
Lopes (2009) informou que na Zona da Mata Sul do Estado Pernambuco a produção média de leite foi de 4,78 ± 1,32 kg/dia com média de 1.071,68 ± 421,88 kg/lactação em 230,84 ± 82,52 dias de lactação. Ainda no Nordeste do Brasil, Sampaio Neto et al. (2001), no Estado do Ceará, verificaram uma produção de 2.130,80 ± 535,60 kg de leite em 301,41 ± 49,30 dias de lactação, mostrando a influência do mês e ano de parto sobre as características.
A curva de lactação média pode ser observada na Figura 1. O gráfico da persistência de lactação apresenta-se de forma ascendente assim, a maior produtividade encontra-se no terço inicial da lactação com decréscimo em direção ao final. Uma característica interessante da curva é que ela não apresenta um declínio acentuado da produção de leite, podendo-se observar persistência da lactação. Esta pode ser devido ao fato dos animais receberem suplementação alimentar concentrada no momento da ordenha, bem como ao manejo da promoção da saúde, além da genética dos animais.
Figura 1. Persistência da lactação durante a produção de leite.
De maneira geral, a curva observada apresenta-se muito semelhantes à curva de lactação de búfalas mestiças (Murrah x Mediterrâneo), as quais também atingiram o pico de produção no segundo mês de lactação. Registrando-se a tendência contínua da produção ao longo do período de lactação (Muñoz- Berrocal et al., 2005).
Jorge et al. (2005) investigando a produção total de leite de 38 búfalas da raça Murrah nos anos de 2002 e 2003 no Estado de São Paulo, sendo que os animais foram mantidos em pastagem de Brachiaria decumbens e, durante o inverno, foram suplementados com silagem de sorgo e concentrado, obtiveram duração da lactação igual a 226,14 ± 28,53.
Hurtado-Lugo et al. (2005) concluiram que fatores como idade, mês e ano de parto influenciam na produção de leite ao longo da lactação. Sendo necessário atenção na seleção de animais para serem usados como matrizes e reprodutores. Estas conclusões podem explicar alguns resultados deste trabalho, principalmente devido a ordem de parto, primíparas e pluríparas.
Avaliação da redução e da produção de leite
A persistência da lactação foi de 92,7 % em relação à produção total, a produção na semana 30. Observamos que ocorrem quedas na produção durante lactação na ordem de 7,3 % ao mês. Onde a redução é igual à diferença da produção da semana e da semana sete (em valor absoluto), dividida pela produção da semana sete, em percentagem.
Cerón-Muñoz et al. (2002) verificaram que a média de produção no primeiro mês de lactação foi 6,87 kg, com incremento até 7,65 kg no segundo mês. A partir de então, a produção foi decrescente até o nono mês de lactação, alcançando o valor de 3,83 kg. Faria et al. (2002) reporta que no decorrer da lactação e com a consequente diminuição da produção de leite, se observam alterações nas características físico-químicas do leite bubalino. Assim, devido às características do leite bubalino e sua utilização na manufatura de produtos lácteos, se faz necessário o acompanhamento quantitativo e qualitativo da produção de leite.
Hurtado-Lugo et al. (2005) em Córdoba na Espanha, obtiveram medidas elevadas ao início da lactação com valores variando de 4,64 ± 1,33 kg até 3,04 ± 1,17 kg. As menores produções foram observadas ao final da lactação com valores variando de 3,78 kg a 3,04 kg.
Tonhati (1999) verificou que a média de produção de leite de rebanhos bubalinos compreendendo animais da raça Murrah, criadas no estado de São Paulo, foi de 1.259,47 ±523,09 kg, com coeficiente de variação de 41,53%. Ainda no Brasil, Mesquita et al. (2001) relataram os seguintes valores médios, em litros, para as raças bubalinas criadas na bacia leiteira de Goiânia: Jafarabadi, 3,67; Mediterrâneo, 3,26; e Murrah, 3,85. Os resultados mostram a tendência dos animais da raça Murrah para a produção de leite em relação às outras raças no Brasil.
A Tabela 2 apresenta a redução da produção acumulada em função do período de pico de lactação que acontece na semana 7 (sete) e onde se observa que, em torno de 20 semana de lactação, os decréscimo começam a ser bem significativas, as búfalas já apresentam diminuição de 24,17% na produção comparado ao período do pico e na semana 30 esse alcança 48,74%, chegando ao final da lactação produzindo 51,26% do que produziram no pico, o que pode ser observado na Figura 2.
Figura 2. Diminuição da produção de leite, em %, durante a lactação.
Tabela 2. Redução, em %, da produção da sétima semana e durante da produção leiteira em búfalas da raça Murrah.
A Tabela 3 apresenta a produção acumulada em função do período de lactação onde se observa que, em torno da semana 8 (oito) de lactação, apesar de encontrarem-se em balanço energético negativo, as búfalas produziram cerca de 25 a 30% de todo o leite da lactação, suprindo a eventual deficiência da dieta com a utilização de suas reservas corporais. Em torno da semana 13, mais ou menos com 91 dias de lactação, cerca de 50% do leite total da lactação já foi produzido, ou seja, entre os primeiros 3 a 4 meses de lactação será produzida metade da produção total da lactação Figura 3, o que ressalta a importância do manejo nutricional na fase inicial da lactação.
Tabela 3. Porcentual de produção de leite acumulado em função do número de dias em lactação.
Figura 3. Produção de leite acumulada em % do total produzido.
CONCLUSÃO
A persistência de lactação foi de 92,7% o que equivale a uma perda mensal de 7,3%, portanto muito próxima do que seria uma persistência "ideal" de 95,0% e uma perda mensal de 5,0%. A perda mensal foi de 7,3% com um total de perda ao longo da lactação após o pico de 48,74%, chegando ao final da lactação com búfalas produzindo 51,26% do que produziram no pico. O pico de lactação é observado durante a sétima semana de controle leiteiro com uma produção de 7,440 kg por búfala em lactação.
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***O Trabalho foi originalmente publicadio pela Acta Veterinaria Brasilica, v.4, n.4, p.286-293, 2010.