INTRODUÇÃO
Nos últimos anos tem sido realizado um intenso trabalho visando à implantação definitiva da bubalinocultura no Brasil. O búfalo (Bubalus bubalis) é utilizado há tempos em vários países asiáticos. No Brasil, ocorre um aumento crescente na criação desses animais, principalmente para a produção leiteira, em decorrência das características físicoquímicas peculiares do seu leite (NADER FILHO, 1984; MESQUITA et al., 2002).
As características do leite de búfala permitem fácil identificação sob o ponto de vista físico-químico e organoléptico. Seu valor é peculiar, ligeiramente adocicado, é mais branco do que o leite bovino, em virtude da ausência quase que total de caroteno (CARVALHO & HÜNH, 1979; HÜNH & FERREIRO, 1980; MESQUITA et al., 2002).
A maior vantagem do leite bubalino, em relação ao leite de outras espécies, é a qualidade nutricional, por possuir teores de proteínas, gorduras e minerais que superam consideravelmente os do leite da vaca e, portanto, o seu aproveitamento industrial é efetivamente extraordinário, chegando comparativamente a sobrepujar o rendimento do leite bovino em mais de 40% (HÜNH et al., 1980; HÜNH et al., 1982; NADER FILHO, 1984). Em relação à contagem de células somáticas, apresenta valores inferiores aos encontrados no leite de vaca, tanto em animais saudáveis como em animais com mastite.
A Portaria n° 286, da Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura, permite a mistura do leite de búfala com o leite de vaca a ser distribuído ao consumo, na proporção de 30%. Mas, até o momento, não há legislação específica quanto aos critérios de seleção do leite bubalino (MESQUITA et al., 2002).
Segundo MESQUITA et al. (2002), há necessidade de se realizar trabalhos regionais que promovam o conhecimento das reais características do leite bubalino, com vistas, inclusive, à adoção de padrões para a efetivação do controle de qualidade.
Dados os aspectos apontados e a emergência da produção de leite de búfalos no Brasil, e em especial no estado de São Paulo, a composição físicoquímica do leite de búfala torna-se uma ferramenta indispensável para verificar a integridade do leite quanto à adição ou retirada de componentes (OLIVEIRA, 1986; DÜRR et al., 2001), para avaliar a dieta e o metabolismo dos animais em lactação (DÜRR et al., 2001) e ainda para monitorar os índices de mastite no rebanho (CERON-MUÑOZ et al., 2002).
Assim, o presente trabalho teve por objetivo determinar o perfil físico-químico do leite bubalino produzido no estado de São Paulo.
MATERIAL E MÉTODOS
No período de janeiro de 2001 a junho de 2002, foram realizadas análises físico-químicas em 6.564 amostras de leite de búfalas, das raças Mediterrâneo e Murrah, de 19 rebanhos do estado de São Paulo, no laboratório da Clínica do Leite, Departamento de Zootecnia, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo.
As amostras de leite foram coletadas sempre na ordenha da manhã. Após o término da ordenha, realizava-se a homogeneização do leite e em seguida procedia-se à coleta, em frascos plásticos com capacidade para 60mL, contendo duas pastilhas de conservante (bronopol). As amostras foram encaminhadas ao laboratório via transportadora, e as análises foram realizadas no máximo até o terceiro dia após a coleta.
A contagem de células somáticas (CCS) foi realizada por citometria de fluxo no equipamento Somacount 300®, e a determinação dos percentuais de gordura, de proteína, de lactose e de sólidos totais, por meio de leitura de absorção infravermelha no equipamento Bentley 2000®. As amostras foram caracterizadas mediante análises descritivas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os valores médios, desvios padrões, mínimos e máximos obtidos para os constituintes do leite de búfalas, produzido no estado de São Paulo, estão ilustrados na Tabela 1.
TABELA 1. Valores médios, desvio padrão, valores mínimo e máximo do leite de búfalas (bacia leiteira do estado de São Paulo).
Os percentuais de gordura, proteína, lactose e sólidos totais foram similares aos encontrados por MESQUITA et al. (2002), que analisaram os componentes do leite de búfalo por meio de métodos não-automatizados em rebanhos bubalinos do estado de Goiás (Tabela 2).
TABELA 2. Percentual de gordura, proteína, lactose e sólidos totais do leite de búfalas segundo MESQUITA et al. (2002).
Pode-se observar que o valor médio dos teores de gordura foi de 6,83%, variando entre 2,02% e 12,26%. Esse resultado foi diferente daqueles publicados em outros países, como observado na Tabela 3.
TABELA 3. Percentual de gordura de leite de búfalas em diferentes países.
As diferenças apontadas na Tabela 3 podem ser atribuídas a uma série de fatores, tais como as condições de clima, de alimentação, a raça, o estágio da lactação e o manejo. Assim, quando se observa a composição relatada em regiões diferentes, grandes disparidades podem ser encontradas (CERQUEIRA et al., 1990; DUBEY et al., 1997; MESQUITA et al., 2002).
Em relação à proteína, a ITALIAN BREEDER ASSOCIATION (1993) e MACEDO et al. (1997) divulgaram valores de 4,13% e 4,36%, em rebanhos bubalinos da Itália e Brasil, respectivamente, que podem ser considerados semelhantes aos encontrados neste estudo. Entretanto, NADER FILHO et al. (1984) verificaram, na região de São José do Rio Preto, São Paulo, valor superior (5,41%) ao obtido neste trabalho (4,2%).
O teor médio de sólidos totais (17,01%) foi semelhante aos verificados por FURTADO (1980) (17,09%) e MACEDO et al. (2001) (17,01%), porém NADER FILHO et al. (1984) mencionaram teor de 19%. As verificações desses valores são importantes para a indústria láctea, pois afetam diretamente o rendimento de produtos tais como queijos e iogurtes. Além disso, a diferença de quase 2% acima do encontrado neste estudo pode significar o lucro da empresa e/ ou produtor.
Os desvios padrões das porcentagens dos componentes gordura, proteína e lactose indicam que a porcentagem de gordura apresenta maior amplitude de variação, seguida pela proteína e lactose, comportamento que também foi observado por SUTTON (1999).
A CCS média foi de 137 mil células/mL, valor semelhante ao encontrado por TONHATI et al. (2001). Observa-se, na Tabela 1, que o desvio padrão (518 mil células/mL) foi superior à média, pois este parâmetro não apresenta distribuição normal.
A utilização de métodos automatizados para o leite bubalino atualmente constitui uma realidade, mas ainda há ressalvas quanto à acurácia dos resultados, pois geralmente os laboratórios que analisam o leite de búfala calibram as máquinas com leite bovino. No entanto, alguns trabalhos atestam a acurácia do método, principalmente ao considerar-se a determinação de gordura, conforme descrito por ABD EL-SALAM et al. (1986).
CONCLUSÕES
O estudo reforça a necessidade da realização de estudos regionais para o estabelecimento e adoção dos valores padrões para as características físicoquímicas e seus limites de variação, sobrepondo-se às limitações de uso simplesmente de um valor médio, aceito como padrão.
Os valores encontrados foram similares às médias esperadas, o que indica a possibilidade de utilização de equipamentos automatizados para determinação dos componentes do leite bubalino.
REFERÊNCIAS
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