O índice crioscópico ou ponto de congelamento é definido como a temperatura de congelamento do leite, foi criado por Julius Hortvet (1920) para detectar fraudes causadas por adição de água ao leite. Embora a crioscopia seja uma das características mais estáveis do leite, pode apresentar variação. A legislação brasileira estabelece como índice crioscópico máximo do leite -0,512°C (ou -0,530°H), ou seja, valores mais próximos de zero (ponto de congelamento da água), são indicativos de adulteração do leite por adição de água.
Apesar da ocorrência de tentativas de fraude por alguns produtores, o índice crioscópico pode apresentar variações em faixas fora dos padrões aceitáveis pela legislação sem que tenha ocorrido fraude por adição de água. Estas variações também podem ser causadas por fatores tais como raça, qualidade da dieta, manejo de bebedouro, estágio de lactação, composição do leite, estação do ano e região geográfica.
O fator raça é responsável por diferenças acentuadas tanto na produção quanto na composição do leite. Os resultados de estudos que avaliaram a raça dos animais indicam que ocorre variação significativa sobre o índice crioscópico. Raças com menores produções de sólidos totais no leite proporcionaram menores valores para ponto de congelamento, ou seja, menos negativos. Isto indica que em rebanhos formados por raças que produzam menores teores de sólidos no leite tem mais elevadas as chances de que os valores do índice crioscópico aumentam, o que pode ser interpretado equivocadamente como fraude por adição de água em algumas situações. Diferenças raciais entre rebanhos devem ser levadas em consideração para uma análise mais correta dos valores de crioscopia.
A idade e o estágio de lactação dos animais é outro fator que exerce influência sobre a composição do leite produzido. Desta forma, deve-se considerar a idade e o estágio de lactação, pois o ponto de congelamento sofre flutuação para os animais de diferentes idades. Na tabela 1 são apresentados resultados de produção, composição e ponto de congelamento em função do estágio de lactação. Estes resultados indicam que avanço dos dias em lactação tem influência sobre o ponto de congelamento. Valores mais elevados do ponto de congelamento podem ser observados para os animais com menos de 100 dias em lactação comparadas com aquelas que ultrapassaram esse período. Também é possível observar que a depressão no ponto de congelamento (afastamento dos valores de 0ºC) apresentam-se de forma concomitante com a elevação dos teores de proteína, gordura e sólidos totais, reforçando o fato de que animais ou rebanho produtores de maiores teores de sólidos ou ainda que sejam compostos em grande parte por animais fim de lactação (característica de rebanhos com reprodução estacional) são menos propensos a produzirem leite que apresente valores para ponto de congelamento semelhantes aqueles encontrados em situações de fraude por adição de água.
Tabela 1. Produção, composição e ponto de congelamento do leite em relação ao estágio de lactação.
O conceito de análise da composição do leite para monitoramento da dinâmica de aproveitamento da dieta pelo animal tem sido cada vez mais difundido e usado por nutricionistas. O teor de ureia no leite é usado para avaliar a adequação da nutrição proteica da dieta de vacas leiteiras. Já o teor de proteína do leite fornece informações sobre o aproveitamento da fração energética da dieta consumida pelo animal. Deste modo valores de ureia e proteína no leite podem ser usados para verificar a adequação das dietas. Os teores de proteína e ureia do leite (figura 1) foram usados para classificar animais dentro de grupos, e deste modo, é possível observar que os animais com níveis de uréia no leite acima de 300 mg/L apresentaram redução do ponto de congelamento.
Figura 1. Depressão no ponto de congelamento em relação ao nível de ureia e proteína do leite.(Fonte: Matysek et al 2011.)
Os resultados dos estudos indicam que a média da depressão do ponto de congelamento é menor para os animais do grupo onde o teor de proteína do leite >3,5%, independente do nível de uréia, ou acima de 270 mg/L de uréia independente do nível de proteína, quando comparados com animais controle, ou seja, teor de ureia entre 150 e 270mg/L e teor de proteína entre 3,1 e 3,5%.
Alguns estudos demonstraram que a redução na eficiência do uso da proteína dietética resultou em diminuição do ponto de congelamento. Sendo assim o inadequado aproveitamento das frações proteicas (elevando os níveis de uréia no leite) e energéticas (diminuindo os teores de proteína láctea) da dieta dos animais pode influenciar diminuindo os valores do ponto de congelamento do leite.
A composição da ração e a acesso a água também são fatores que podem influenciar o ponto de congelamento do leite. O leite de animais alimentados com dietas de baixa qualidade podem apresentar valores de ponto de congelamento de até -0,480ºC, o que para a indústria provavelmente seria interpretado como um quadro de aguagem no leite. Quando os animais tem acesso restrito à água o ponto de congelamento diminui, reestabelecendo os valores da normalidade após 3 a 4 dias quando os animais voltaram a ter acesso irrestrito a água. Outro fator relacionado ao manejo do fornecimento de água aos animais está relacionado a animais que tem acesso limitado à água, e tem a possibilidade de matar a sede no momento imediatamente anterior a ordenha, como é o caso de animais que ficam presos a noite ou para a alimentação antes da ordenha. Este manejo pode provocar elevadas ingestões de água, o que pode resultar em marcada diminuição da pressão osmótica do sangue e consequentemente aumento na pressão osmótica do leite, resultando em elevação do volume de água que passa do sangue para o leite, o que consequentemente provoca elevação do índice crioscópico de forma semelhante a quando agua é adicionada no leite.
Como conclusão, podemos considerar o efeito da raça, teor de sólidos e estágio de lactação sobre o ponto de congelamento. Adicionalmente, é possível verificar que a elevação nos níveis de ureia no leite (> 300mg/L) e da concentração de proteína láctea diminui ponto de congelamento do leite. Os resultados dos estudos demonstram que o índice crioscópico pode indicar a ocorrência de aguagem no leite, realizada por alguns produtores com intuito de fraudar o volume de leite entregue a indústria. No entanto antes de inferir sobre um diagnóstico de fraude, alguns fatores ligados à raça, teor de sólidos do leite, teor de proteína no leite, estágio de lactação (numero de vacas em inicio de lactação no rebanho), manejo de bebedouros, qualidade da dieta e níveis de ureia no leite devem ser levados em conta, para que os reais motivos que possam estar afetando o ponto de congelamento sejam elucidados.
Fonte: Matysek, Monika, Kedzierska; Litwinczuk, Zygmunt; Florek, Mariusz; Barlowka, Joanna. The effects of breed and other factors on the composition and freezing point of cow’s milk in Poland. International Journal of Dairy Technology. August 2011.