Provavelmente este artigo desagrade um sem número de pessoas. Na realidade não é este o intuito e nem a intenção, mas sim de chamar a atenção para uma situação social que tende a assumir proporções incalculáveis. Quem teve a oportunidade de assistir um programa de televisão, notou que em uma família havia uma personagem que chamava um cachorro de filho e se autodenominava como mãe do cachorro. Condição esdrúxula quanto não de baixa estima. A palavra mãe, provavelmente não estaria sendo bem empregada pela personagem, uma vez que desce ao patamar de uma simples cachorra ou uma cadela. Como sentir-se-ia a mãe desta personagem ao saber que tem pelo menos psicologicamente um cachorro como neto?
Não vamos adentrar no campo da psicologia humana. Mas podemos por formação profissional adentrar no campo da psicologia animal. Um cachorro, um gato, um papagaio seja lá um animal doméstico, sofre todas as influências diretas e indiretas do ser humano, a tal ponto de afetar a sua psique. Esta situação tende a assumir proporções de extrema preocupação, podendo alterar o comportamento do animal, o qual passa a ser totalmente dependente, perde por assim dizer os seus instintos e pior ainda pode passar a interferir nos relacionamentos familiares e pessoais.O cão (vamos nos ater neste animal, mas o exemplo serve para todos os demais) sabe muito bem o que é bom e o que ruim. Uma vez acostumado a comer carne de primeira, levemente passada no óleo de oliva extra virgem, jamais irá comer uma ração de terceira, elaborada com sebo bovino. As atenções em excesso dadas aos animais domésticos foram muito bem espelhadas no episódio levado ao ar, no qual uma família sem filhos passa a adotar, de forma material e mental, um cachorro como filho. O antropomorfismo tem causado algumas situações inusitadas, como o exemplo de uma senhora, viúva, sem filhos, de elevado poder aquisitivo, que mantém em sua casa cinco cachorros. É uma pessoa com posses e pode se dar ao luxo de tal. Mas o que chama a atenção é o fato de que todos os cinco cães comem à mesa com esta senhora. Vamos entender o antropomorfismo como uma atribuição de forma ou qualidades humanas ao que não é humano.
Humanização ou Desumanização?
Continuação...
E então nos perguntamos: É correto, é justo, tem sentido uma pessoa vestir um cachorro como se fosse um ser humano? Fazer festa de aniversário, como fez a socialite carioca? É justo fazer festa de casamento de cães e ser transmitida pela televisão? É correta a atitude de uma apresentadora de televisão que gasta rios de dinheiro com uma cachorra, enquanto a poucos metros dos estúdios onde são gravados os seus programas, existem centenas de crianças que não comem sequer um pedaço de pão ao dia?
O antropomorfismo beira a casa do ridículo. Alguns dados estatísticos demonstram que algumas famílias gastam em torno de R$ 250,00 mensais com ações antropomórficas voltadas a cães e gatos.
Uma ressalva se faz necessária.
Não vamos confundir os cuidados sanitários, clínicos, nutricionais, alimentares, cirúrgicos, ginecológicos e obstétricos que se fazem necessários aos animais domésticos, assim como não vamos confundir Bem Estar Animal com excessos praticados como unhas postiças, calcinhas higiênicas, óculos, calçados e etc, que os proprietários insistem em fazer os animais usarem.
Existe hoje um mercado voltado para este tipo de situação. Infelizmente os internos da Febem, os abandonados nas creches, os filhos de mães com AIDS, as crianças que apresentam algumas limitações, como Síndrome de Down, altistas, paralisia cerebral, crianças com câncer, crianças que fizeram ingestão acidental de soda cáustica, crianças com queimaduras de terceiro grau não são alvo deste tipo de atenção.
Mas dirão uns: A democracia permite tal. A Constituição idem. O dinheiro é meu e dele faço o que bem entendo. De fato estão absolutamente certos.
Mas e se um dia o destino os colocar frente a frente da seguinte maneira:
Se uma criança suja, faminta vier lhe pedir um pedaço de pão e a senhora ou o senhor se negar a dá-lo, provavelmente esta criança vai embora triste e abatida. E neste mesmo dia a senhora ou senhor adquire uma ração com ômega três ou uma criança ou o cão ou o gato? Ou como reagiria a sua consciência?
Fica um pouco difícil entender por que as pessoas estão humanizando os animais. Lógico que o livre arbítrio é fato inegável. Cada pessoa faz o que bem entende com o seu dinheiro.
Mas vamos nos enveredar pelo caminho social e cristão.
É justo gastar quantidades consideradas de dinheiro no embelezamento, banhos, tosas, roupinhas, sapatinhos, unhas artificiais, comidas importadas, patês importados, camas com colchão elétrico, guloseimas, óculos e etc, com os cães e gatos?
É justo que uma parcela considerável de crianças abandonadas perambule pelas ruas, durma sob as marquises, revolva latas de lixo em busca de um pedaço de pão? Que se prostitua aos 10 anos, que sirva como torpedos ou vapor para o tráfico de drogas? Que se violente dia a dia, que passe fome de todas as formas: social, educativa, justiça, orgânica, espiritual – enquanto se gastam somas astronômicas no antropomorfismo voltado aos cães e gatos?
É cristão (e aqui não entramos no contexto religioso, mas sim na acepção da palavra) agir desta forma, enquanto crianças padecem nos hospitais especializados, no combate ao câncer, nas unidades de queimados, de politraumatizados, nas unidades de assistência às crianças com limitações físicas, que muitas vezes não têm sequer uma pessoa para lhes afagar, para lhes dar um pouco de amor, enquanto muitas pessoas doam-se por inteiro aos seus cães e gatos e os chamam de meu filho?
A sociedade sabe muito bem como conduzir o seu destino. A sociedade sabe muito bem quais as conseqüências advindas pela prevaricação para com a infância, juventude e até para com os adultos. E sabe muito bem que as cobranças em geral são duras e quando não trágicas.
Não temos nada contra quem possui cães e gatos e tem um comportamento dentro do aceitável, tampouco contra quem gasta o seu surrado e honesto dinheiro com os mimos, banhos e tosas de seus animais, não temos nada contra quem chama seus animais de meu filho. Mas o pior será quando uma destas pessoas, ao ver uma criança pedindo um pedaço de pão, grite a plenos pulmões: passa fora seu guapeca.
Todos elevamos nossas vozes num clamor de indignação quando vemos todos os dias crianças serem ignoradas em detrimento de vaidades e transferencias de sentimentos totalmente obtusos e desumanizados. Também vale chamar atenção para uma realidade invisível e muda que são as das mães abandonadas pelos filhos. Muitas jogadas e esquecidas em asilos. Outras morando subhumanamente em ruas. Outras doentes e abandonadas como estorvos dentro de suas próprias casas, ignoradas e maltratadas por seus filhos e filhas. Não raro, bem ao contrário inclusive, podemos ver esses filhos e filhas oferencendo toda a atenção, cuidados e mimos exagerados aos seus bichos de estimação. Muito comum mulheres terem cachorros, gastarem com estes em veterinários e pet shoppings, e não dedicarem qualquer cuidado à idosa ou idoso que padece sob seus olhos todas as carencias físicas e afetivas. Ignorando que fora esta mãe que lhes deu a vida, amamentou, cuidou com extremo amor, protegeu. E hoje um cachorro, um gato, ou seja lá o que for tem absoluta importância para seu filho ou filha ingratos, enquanto ela é apenas um estorvo esperando pela morte.