INTRODUÇÃO
Os ionófros são utilizados na nutrição de ruminantes, devido à habilidade em melhorar a efi ciência alimentar e reduzir os riscos de acidose e timpanismo (MARINO et al., 2011; BERGEN & BATES, 1984). No entanto, a legislação da União Europeia baniu o uso de antibióticos ionóforos na nutrição animal em janeiro de 2006 e, desde então, a indústria de carne e leite da União Europeia vem ativamente buscando alternativas para reduzir a acidose nos confi namentos sem a utilização de antibióticos ionóforos.
Uma das alternativas para substituir os ionóforos, e que não tinha recebido muita atenção até o presente momento, é a produção e uso de anticorpos policlonais por meio da técnica de imunização. O conceito de imunização como ferramenta para atingir maior efi ciência na fermentação ruminal e assim melhorar o desempenho animal é relativamente recente (NEWBOLD et al., 2001; HARDY, 2002; BERGHMAN & WAGHELA, 2004).
A base desse mecanismo é o reconhecimento de corpos estranhos no organismo (antígenos), ativação dos leucócitos e engajamento do mecanismo direto para remoção do patógeno. Quando os macrófagos da corrente sanguínea do hospedeiro encontram moléculas estranhas (antígenos), estes respondem englobando-as. Esse evento é mediado pelas células T, que estabelecem uma corrente de respostas, o que resulta no estímulo das células B. As células B produzem proteínas chamadas anticorpos, os quais se ligam às moléculas estranhas. Essa ligação entre anticorpo e antígeno causa a destruição do invasor por fagocitose (GOLDSBY et al., 2000).
Dessa forma, o mecanismo de formação do produto a base de anticorpos policlonais para uso na alimentação de bovinos se dá da seguinte maneira: galinhas são vacinadas com pequenas doses de imunógenos de bactérias ruminais vivas (Streptococcus bovis, Fusobacterium necrophorum, Lactobacillus spp. entre outras) e logo desenvolvem anticorpos específi cos contra essas bactérias. Esses anticorpos passam, através de mecanismos fi siológicos das aves para a gema do ovo. Essa gema é então utilizada para se fazer o produto batizado de Preparado de Anticorpos Policlonais (PAP) com anticorpos específi cos, os quais têm como alvo eliminar, do meio ruminal dos bovinos, bactérias cujos produtos da fermentação são indesejáveis (SHIMIZU et al., 1988). O PAP testado nos experimentos que serão descritos nessa revisão tiveram diferentes formulações, as quais incluíram anticorpos contra as bactérias S. bovis, Lactobacillus spp. (ambos microorganismos produtores de ácido lático e precursores da acidose ruminal), F. Necrophorum (bactéria responsável pela formação de abscessos hepáticos), Salmonella,Escherichiacoli e as três maiores proteolíticas presentes no rúmen: Clostridium aminophilum e sticklandii e Peptostreptococcus spp.; além de anticorpos contra Endotoxinas (toxina advinda de bactérias Gram + que deprimem o sistema imune do animal em situações de baixo pH ruminal). O PAP é produzido pela Camas Incorporated (Le Center, Minnesota, EUA) e tem sido testado para provar sua efi ciência em reduzir as populações das bactérias ruminais citadas acima.
O uso potencial de imunoglobulinas Y (IgY) de gemas de ovos como aditivo alimentar foi investigado por SHIMIZU et al. (1992), os quais reportaram que as IgY tinham estabilidade no meio ruminal por terem sido testadas sob várias condições de temperatura, e terem provado ser resistentes à proteólise e a faixas de pH ao redor de 4,5; o que indica que esses tipos de compostos poderiam ter grande potencial como aditivos alimentares para bovinos alimentados com dietas altamente energéticas, por resistirem às condições adversas impostas pelo sistema gastrintestinal.
Prevenção de acidose e abscessos hepáticos
DILORENZO et al. (2006) avaliaram a administração de dois PAP, um contra Streptococcusbovis (PAP-Sb) e outro contra Fusobacteriumnecrophorum (PAP-Fn), bactérias precursoras da acidose ruminal e abscesso hepático, respectivamente. Foram observadas reduções das populações desses micro-organismos quando novilhos foram alimentados com dietas que continham alta inclusão de ingredientes concentrados. A alta especifi cidade do anticorpo foi observada porque ele não afetou as populações de outras bactérias testadas, diferentemente do encontrado com a administração de monensina sódica (MON), a qual reduz a população de micro-organismos Gram + e, concomitantemente, o fl uxo de proteína microbiana para o intestino (GOODRICH et al., 1984). Tal fato pode demonstrar a vantagem do PAP sobre a MON, tendo em vista que a proteína microbiana é uma fonte de proteína de alto valor biológico de extrema importância para os ruminantes.
No mesmo estudo de DILORENZO et al. (2006), a adição de PAP-Sb na dieta foi efi ciente em aumentar o pH ruminal (6,08), em comparação ao grupo controle sem aditivo (5,67); no entanto, não houve efeito (P> 0,05) do fornecimento do PAPFn, MON + tilosina (300mg dia-1 e 90mg dia-1, respectivamente) ou a administração de ambos os tratamentos sobre o pH ruminal. Em estudo posterior, DILORENZO et al. (2008) relataram que a adição de PAP-Fn diminuiu a incidência de abscessos hepáticos em animais que receberam dietas com alta inclusão de concentrado, sendo que os animais que receberam esse aditivo apresentaram menor porcentagem de abscessos hepáticos (9,7%) em relação ao grupo controle (18,3%) ou com PAP-Sb (11,1%). Esses dados revelam que a utilização do PAP proporcionou aos animais imunizados melhor ambiente para fermentação e desenvolvimento de micro-organismos benéfi cos.
BLANCH et al. (2009) estudaram os efeitos do PAP que continha anticorpos contra as bactérias S. bovis, F. necrophorum, E. coli, Clostridium aminophilum e sticklandiie Peptostreptococcusspp. em novilhas com oferta à vontade de feno ou feno mais adição de PAP (10ml animal-1 dia-1) durante 10 dias, seguidas de aumento diário da quantidade de concentrado (2,5kg animal-1 dia-1) do dia 11 ao 15, atingindo a quantidade de 12,5kg animal-1 dia-1 até estas entrarem em acidose. Os autores relataram que apenas 50% das novilhas do tratamento com PAP apresentaram acidose, em comparação aos 83% do grupo controle ao redor de 5,25±0,17 dias após o início do desafi o. Adicionalmente, as novilhas que receberam PAP apresentaram maior pH ruminal nos dias 6 (6,7 vs. 6,11), 8 (6,54 vs. 5,95) e 9 (7,26 vs. 6,59) após o início do desafi o em relação ao grupo controle, respectivamente. Desse modo, novamente o PAP foi efetivo em reduzir o risco de acidose, pois os animais suplementados, apesar de apresentarem maior concentração total de ácidos graxos de cadeia curta (124 vs. 114mmol L-1), apresentaram maior pH ruminal (6,54 vs. 5,95) e maior concentração de ácido acético (90,3 vs. 81,8mol 100mol-1).
Em estudo brasileiro, com vacas Girolandas canuladas, MARINO et al. (2011) relataram que a suplementação com PAP que continha anticorpos contra as bactérias S. bovis, F. necrophorum, E. coli, Clostridium aminophilum e sticklandii e Peptostreptococcus spp à dose de 10ml animal-1 dia-1 foi tão efetiva em controlar o pH ruminal em dietas de alta inclusão de concentrado quanto a MON (5,95 vs. 5,99) 4h após a alimentação, sendo esses valores maiores que os apresentados pelo grupo controle (5,65). Entretanto, ao longo do dia, a inclusão do PAP não alterou o tempo em que o pH ruminal permaneceu abaixo de 6,0. Em outro estudo subsequente, BASTOS et al. (2012) observaram que níveis crescentes nas doses de PAP na forma sólida (0; 1,5; 3,0 e 4,5g animal-1 dia-1) contra S. bovis, F. necrophorum, E. coli e várias cepas de bactérias proteolíticas não alteraram o pH ruminal de vacas fi stuladas, alimentadas com dietas de alto concentrado. As razões pelas quais não houve efeitos signifi cativos da inclusão de PAP neste estudo permanecem incertas. Possivelmente, o processo de transformação do preparado da forma líquida para sólida (spray dryer) seja o causador da perda de atividade do PAP.
Por outro lado, OTERO (2008) observou aumento na degradabilidade potencial do FDN, quando o mesmo PAP utilizado por MARINO et al. (2011) foi administrado em comparação com a MON. Da mesma forma, OTERO (2008) apontou aumento de 93,65% na contagem relativa de protozoários Isotricha em relação ao grupo controle. O efeito do PAP no aumento de Isotricha pode demonstrar a ação desse produto na diminuição do número de bactérias responsáveis pela acidifi cação do ambiente, tornando este favorável à proliferação de bactérias (fonte de substrato dos protozoários) e também para os protozoários.
SHU et al. (2000), os quais avaliaram a imunização ativa contra bactérias precursoras da acidose ruminal, observaram que ovinos vacinados contra S. bovisapresentaram menores escores de diarreia severa, quando comparados aos animais controle (não-vacinados com PAP-Sb) e ainda relataram menor aumento no volume das células do sangue em animais que receberam PAP-Sb e que foram alimentados com dieta contendo 90% de concentrado. Isso representa menor perda de fl uído intravascular, o que é associado a pH sanguíneo mais elevado, o qual refl ete em maiores excessos de bases e bicarbonatos no sangue, e implica controle homeostático mais efi ciente e menor risco de acidose ruminal e metabólica.
A ingestão de matéria seca (IMS) após a mudança de dieta pode servir como indicativo da presença de acidose. MILLEN et al. (2010) não observaram (P> 0,05) efeito principal dos aditivos alimentares (PAP e MON) sobre a IMS durante os quatro primeiros dias de mensuração após a introdução de nova dieta. Entretanto, foi encontrada (P< 0,01) interação entre aditivos alimentares, fases de mensuração (crescimento e terminação) e dias de mensuração para IMS. Na fase de crescimento, animais que receberam MON não apresentaram diferenças (P> 0,05) na IMS nos quatro primeiros dias de mensuração (dia 1=5,78kg; dia 2=6,00kg; dia 3=5,81kg; dia 4=5,85kg); por outro lado, em bovinos que receberam a dieta que continha PAP, foi observado (P< 0,05) crescente aumento da IMS nos 4 dias de mensuração (dia 1=5,8kg; dia 2=6,11kg; dia 3=6,68kg; dia 4=6,87kg), apresentando-se ainda maiores (P< 0,05) IMS (6,68kg e 6,87kg) que animais suplementados com MON nos dias 3 e 4 (5,81kg e 5,86kg). Tal padrão crescente de IMS nos animais que recebiam o PAP pode indicar o melhor controle do pH ruminal, haja vista que, em situações de dietas com alta energia, o controle da IMS ocorre por sinais químicos (baixo pH). Também foi encontrada interação entre os aditivos alimentares e fase de mensuração para oscilação da IMS, sendo que animais que receberam PAP apresentaram maior (P< 0,01) variação na IMS na fase de crescimento que animais suplementados com MON (0,339kg dia-1 vs. 0,243kg dia-1). A explicação dessa maior oscilação da IMS nos animais tratados com o PAP deve-se ao padrão crescente de IMS, após a mudança da dieta de adaptação para a de crescimento. No entanto, não foi observada diferença (P> 0,05) entre os aditivos alimentares na fase de terminação (0,298kg dia-1 vs. 0,238kg dia-1).
PACHECO et al. (2012) analisaram o perfi l metabólico sanguíneo de bovinos confi nados que receberam MON ou PAP contra as bactérias ruminais S. bovis, F. necrophorum, E. colie várias cepas de bactérias proteolíticas. As amostras foram coletadas 15 dias após a introdução da nova dieta. Não foram observadas diferenças entre os aditivos alimentares para o pH, bicarbonatos, pressão parcial de CO2, total de CO2 (TCO2), excesso de bases no sangue (BEB) e no fl uído extracelular (BEECF) quando os animais foram promovidos da dieta de adaptação com 58% de concentrado até a de terminação com 85% de concentrado (58%→73%→82%→85% de concentrado). Do mesmo modo, não foram encontradas diferenças entre os aditivos alimentares em termos de fl utuação na ingestão de matéria seca, mensurada nos quatro primeiros dias após a introdução de nova dieta (PACHECO et al., 2012). Por outro lado, MILLEN et al. (2010) observou (P< 0,01) efeito principal dos aditivos alimentares sobre os teores sanguíneos de bicarbonato, TCO2 e BEECF, em que bovinos que receberam PAP apresentaram maiores concentrações desses metabólitos no sangue. Ainda, foi encontrada interação entre aditivos alimentares e grupos genéticos para pH sanguíneo, já que animais Brangus que receberam PAP apresentaram maiores (P< 0,01) valores de pH (7,457) que Brangus suplementados com MON (7,435); no entanto, não foi observada diferença (P> 0,05) no pH sanguíneo entre bovinos Nelore alimentados com PAP ou MON (7,439 e 7,445; respectivamente). Foram encontradas também interações (P< 0,05) entre aditivos alimentares e fases de mensuração para pH do sangue. Animais que receberam PAP apresentaram maiores (P< 0,01) valores de pH na fase de adaptação que animais suplementados com MON (7,427 vs. 7,400). No entanto, não foi observada diferença (P> 0,05) entre os aditivos alimentares nas fases de crescimento e terminação.
Lesões ruminais
PACHECO et al. (2012) relataram menor incidência de rumenites em bovinos que receberam o PAP contra as bactérias S. bovis, F. necrophorum, E. coli e várias cepas de bactérias proteolíticas, quando estes foram comparados com os animais que receberam MON. Por outro lado, MILLEN et al. (2009) não encontraram efeito principal dos aditivos alimentares (PAP e MON), nem interação signifi cativa (P> 0,05) entre grupos genéticos (Brangus e Nelore) e aditivos alimentares com relação à incidência de rumenites. Já SARTI et al. (2009) observaram que a inclusão do PAP contra as bactérias S. bovis, F. necrophorum, Lactobacillus spp., E. colie endotoxinas na dieta não melhorou a superfície de absorção da parede ruminal. No entanto, a suplementação com MON mostrou ser efetiva em aumentar a superfície de absorção por cm2 de parede do rúmen, quando foram comparados aos animais que não receberam MON (24,92 vs. 19,45cm2). No estudo de RODRIGUES et al. (2013), utilizou-se o mesmo PAP do estudo de SARTI et al. (2009), e a adição de PAP aumentou a área de superfície de absorção por cm2 de parede ruminal, quando comparados aos animais que não receberam PAP (21,10 vs. 17,30cm2). Por outro lado, a suplementação com leveduras não provocou alterações (P> 0,05) no epitélio ruminal. Quando se comparou os animais suplementados com MON com os demais tratamentos individualmente pelo teste de Dunnett, não foi observada (P> 0,05) diferença para a superfície de absorção, quando a comparação foi feita com os animais que receberam PAP (25,82 vs. 23,42cm2), porém foi signifi cativa quando comparado aos animais que receberam leveduras (25,82 vs. 15,99cm2). No entanto, não houve efeito dos aditivos utilizados (PAP, leveduras e MON) sobre a incidência de rumenites, a qual foi muito baixa neste estudo (1,52), considerando-se escala de 0 (sem lesões) a 10 (lesões ulcerativas e rúmen totalmente comprometido). A maior superfície de absorção do epitélio ruminal pode indicar maior absorção de ácidos graxos de cadeia curta e ainda menor extensão de lesões (rumenites).
Desempenho e características de carcaça e carne
DILORENZO et al. (2008) avaliaram a administração de PAP-Sb, PAP-Fn e a administração de ambos em novilhos Angus que recebiam dietas de alta proporção de grãos. Os animais tratados com PAP-Sb e PAP-Fn apresentaram maiores pesos fi nais (559kg e 558kg, respectivamente) que aqueles não alimentados com esses aditivos (542kg) ou alimentados com ambos os aditivos (550kg). Efeitos sobre o peso fi nal, de acordo com os autores, foram devido ao maior ganho de peso diário dos novilhos alimentados com PAP-Sb ou PAP-Fn (1,85kg e 1,84kg, respectivamente) em comparação ao animais alimentados com PAP-Sb+PAP-Fn (1,79kg) ou sem nenhum dos aditivos (1,78kg). Não foram observados efeitos em relação à IMS quando o PAP foi administrado. Novilhos Angus alimentados com PAP-Sb melhoraram a efi ciência alimentar, comparados àqueles que não receberam PAP ou àqueles que receberam PAP-Sb+PAP-Fn (0,193 vs. 0,186 e 0,186; respectivamente). DILORENZO et al. (2008) também constataram que a alimentação com PAP-Sb aumentou o peso de carcaça quente, espessura de gordura subcutânea e melhorou a classifi cação das carcaças, provavelmente devido ao efeito sobre o ganho de peso diário, devido a melhorias no padrão de fermentação ruminal.
No entanto, DILORENZO et al. (2008) reportaram que bovinos que receberam o PAP-Fn apresentaram menor rendimento de carcaça que aqueles que não receberam o PAP contra esta bactéria (62,2 vs. 62,7%). PACHECO et al. (2008), em estudo brasileiro, encontraram também redução no rendimento de carcaça quando bovinos receberam PAP contra S. bovis, F. necrophorum e várias cepas de bactérias proteolíticas, comparado à monensina (53,4 vs. 54,5%). Razões pelas quais a suplementação de PAP-Fn provoca esse efeito negativo sobre o rendimento de carcaça e se isto está de alguma forma ligado à bactéria F. necrophorum, ainda são desconhecidas. Estudos detalhados que mensurem os pesos dos órgãos viscerais e suas respectivas contribuições negativas ao rendimento de carcaça podem ajudar a elucidar tais questões.
PACHECO et al. (2012) testaram o PAP contra as bactérias ruminais S. bovis, F. necrophorum, E. coli e várias cepas de bactérias proteolíticas sobre o desempenho de bovinos jovens com diferentes graus de sangue Zebu e relataram que animais suplementados com PAP apresentaram ganho de peso diário (1,35 vs. 1,31kg), IMS em quilos (8,37 vs. 8,14kg) e efi ciência alimentar (0,159 vs. 0,160) similares aos de animais suplementados com MON. Já em porcentagem do peso vivo, animais suplementados com PAP consumiram mais que aqueles suplementados com monensina sódica (2,20 vs. 2,14%). A redução de IMS pela monensina sódica está de acordo com os diversos experimentos citados pela revisão de GOODRICH et al. (1984). Ainda, a maior IMS para os animais tratados com PAP pode ser devido ao melhor controle do pH ruminal, o que permite maiores ingestões em animais que recebem rações com alta inclusão de concentrados.
BARDUCCI et al. (2009) estudaram a inclusão ou não de MON ou PAP contra as bactérias S. bovis, F. Necrophorum, Lactobacillus spp., E. coli e endotoxinas em dietas com alta inclusão de concentrado para bovinos jovens Brangus em confi namento em estudo de arranjo fatorial 2x2 (inclusão ou não de PAP x inclusão ou não de MON). Os animais suplementados com MON apresentaram melhor efi ciência alimentar (0,179 vs. 0,173), maiores ganhos de peso diário (1,68 vs. 1,57kg) e peso de carcaça quente (248,46 vs. 240,20kg) que aqueles não receberam MON. Por outro lado, a adição de PAP na dieta não melhorou o desempenho dos bovinos confi nados (1,626 vs.1,592) nem afetou negativamente a IMS (9,16 vs. 9,08kg) e o rendimento de carcaça (52,38 vs. 52,12kg). Novamente, neste experimento, foi utilizado o PAP na forma sólida, o que contribui para a sugestão de que o processo de obtenção do preparado na forma de apresentação em pó tenha inativado os anticorpos.
Da mesma forma, RODRIGUES et al. (2013) avaliaram o efeito de diferentes aditivos alimentares sobre o desempenho de bovinos Nelore confi nados em estudo com arranjo fatorial 2x2+1, em que os fatores foram a inclusão ou não de PAP (contra as bactérias ruminais S. bovis, F. necrophorum, E. coli e várias cepas de bactérias proteolíticas, sob a forma de apresentação sólida) ou Leveduras (Sacharomyces cerevisae) e o tratamento adicional com MON. A análise foi realizada através de contrastes ortogonais. Esses autores relataram que não houve efeito (P> 0,10) da adição do PAP em relação ao ganho de peso médio diário, IMS em quilos e porcentagem do peso vivo e conversão alimentar. No entanto, quando se compararam os animais que consumiram MON com os dos demais tratamentos pelo teste de Dunnett, foi observado (P< 0,05) menor custo para ganho de um quilograma de peso vivo em confi namento (R$2,62) que a média (R$2,79) dos demais tratamentos (Controle, PAP, leveduras e PAP+leveduras). Da mesma forma, o tratamento que recebeu MON apresentou maior (P< 0,05) peso de carcaça quente (262,26kg vs. 255,61kg) em relação aos demais (Controle, PAP, LEV e PAP+LEV) tratamentos. No entanto, quando a monensina foi comparada diretamente com o PAP pelo teste de Dunnett, nenhuma diferença foi observada no tocante ao desempenho animal, quando um ou outro desses aditivos foram incluídos nas dietas.
Com relação às características de carne, PACHECO et al. (2008) não encontraram diferenças signifi cativas entre bovinos que receberam PAP (contra S. bovis, F. necrophorum, E. colie várias cepas de bactérias proteolíticas) ou MON sobre a maciez (mensurada pelos métodos do Shear Force e MFI), concentração de colesterol e lipídeos totais, no músculo Longissimus, e quantidade de gordura visceral. Da mesma forma, de acordo com PACHECO et al. (2012), bovinos jovens, com diferentes graus de sangue zebu, alimentados com PAP (contra as bactérias ruminais S. bovis, F. necrophorum, E. coli e várias cepas de bactérias proteolíticas) ou MON, apresentaram algumas similaridades com respeito ao perfi l de ácidos graxos da gordura subcutânea do músculo Longissimus. Foram observados resultados similares para os ácidos mirístico (C14:0), esteárico (C18:0), oleico (C18:1), linoleico (C18:2) e linolênico (C18:3). No entanto, para os ácidos palmítico (C16:0) e margárico (C17:0), foram encontradas maiores concentrações destes na gordura subcutânea de animais suplementados com MON. Ionóforos inibem o crescimento de bactérias Gram + e muitas dessas bactérias estão envolvidas no processo de biohidrogenação no rúmen, incluindo a Butyrivibrio fi brisolvens(VAN NEVEL & DEMEYER, 1995; FELLNER et al., 1997). Assim, seria esperado que a suplementação com MON aumentasse a proporção de pelo menos alguns ácidos graxos insaturados na gordura subcutânea de bovinos suplementados, como constatado anteriormente na literatura (SAUER et al., 1998; EIFERT, 2004).
Isso poderia estar ligado de alguma forma às lipoproteínas do sangue, as quais são responsáveis pelo transporte dos ácidos graxos saturados e insaturados até os tecidos alvos. RONCHESEL et al. (2010) mensuraram as concentrações de colesterol, triglicerídeos e das lipoproteínas VLDL, LDL e HDL no sangue de bovinos Brangus confi nados, que receberam dietas com inclusão ou não de MON ou PAP (contras as bactérias S. bovis, F. necrophorum, Lactobacillus spp., E. colie endotoxinas) e não encontraram efeito dos aditivos alimentares sobre as variáveis estudadas.
Comportamento ingestivo
MARIANI et al. (2010) reportou que animais suplementados com MON apresentaram maior número de refeições por dia (17,03 vs. 15,88) e menor tempo de alimentação em minutos por refeição (13,83 vs. 15,31) que animais que receberam PAP (contra as bactérias ruminais S. bovis, F. necrophorum, E. colie várias cepas de bactérias proteolíticas), o que indica que, como a IMS por refeição foi numericamente menor (0,450 vs. 0,483) e animais suplementados com MON foram mais vezes ao cocho, aumentou com isso a taxa de passagem da digesta do rúmen para o omaso, e consequentemente aumentando o tempo de ruminação desses animais, o qual foi observado apenas no período de terminação. O menor tempo de alimentação por refeição e o maior número de refeições por dia em bovinos que receberam MON, provavelmente devem estar ligados à reduzida variação na IMS. BURRIN et al. (1988) e STOCK et al. (1995) reportaram reduzida variação na IMS quando MON foi fornecida a bovinos confi nados. Contudo, o fato de os animais tradados com PAP ingerirem mais alimento e variar o padrão ingestivo, nesse caso, aumentando a IMS com o passar do tempo, reforça o potencial desse aditivo em controlar os surtos de acidoses sem comprometer o desempenho e saúde ruminal, como foi demonstrado nos experimentos citados nas seções anteriores.
Em relação às demais variáveis do comportamento ingestivo e às efi ciências de alimentação e ruminação da matéria seca e FDN, animais suplementados com MON e PAP apresentaram o mesmo padrão de comportamento.
Forma de apresentação seca x líquida
Em relação aos trabalhos citados anteriormente nesta revisão, os estudos mais antigos envolvendo a imunização passiva foram conduzidos utilizando-se o PAP na forma líquida (DILORENZO et al., 2006 e 2008; OTERO, 2008; BLANCH et al., 2009; MARINO et al., 2011; PACHECO et al., 2012). Já os estudos publicados mais recentemente (BASTOS et al., 2012; BARDUCCI et al., 2009; SARTI et al., 2009; MILLEN et al., 2009; RONCHESEL et al., 2010; MARIANI et al., 2010; MILLEN et al., 2010) foram realizados com formulações do PAP na forma seca (em forma de pó).
Estudos com o PAP na forma líquida sugerem que, apesar do efeito negativo sobre o rendimento de carcaça (DILORENZO et al., 2008; PACHECO et al., 2012), animais que receberam PAP mostraram melhora no desempenho em relação a grupos controle (DILORENZO et al., 2008) e, em outros estudos, apresentaram desempenho similar àqueles animais suplementados com monensina sódica (PACHECO et al., 2012). Da mesma forma, a suplementação com PAP foi efetiva: em elevar o pH ruminal (DILORENZO et al., 2006; BLANCH et al., 2009), tanto quanto a MON (MARINO et al., 2011), e reduzir a incidência de lesões no rúmen, quando comparado à suplementação de MON (PACHECO et al., 2012).
Entretanto, quando se observam os estudos envolvendo o PAP na forma seca, os dados mostram que o PAP não foi mais tão efetivo quanto a MON para melhorar o desempenho (BARDUCCI et al., 2009) e reduzir a incidência de lesões (SARTI et al., 2009). Ainda, não foram detectados aumentos no pH ruminal quando diferentes doses de PAP foram testadas contra um tratamento controle (BASTOS et al., 2012). No entanto, os dados de comportamento ingestivo mostram algumas similaridades entre PAP e monensina quando estes são fornecidos a bovinos confi nados (MARIANI et al., 2010).
Vale ressaltar que os estudos com PAP, na forma líquida, foram conduzidos nos EUA, Espanha e Brasil; e os estudos envolvendo o PAP, na forma seca, foram realizados somente no Brasil. Podem ser apenas experimentos “isolados”, mas é no mínimo intrigante o fato de a mudança na forma de apresentação do produto fazer com que alguns efeitos consistentemente constatados anteriormente deixassem de aparecer quando se forneceu o PAP na forma seca. No entanto, ainda não está claro se alguma etapa do procedimento, utilizado para “secar” o produto, prejudicou a atividade dos anticorpos ou os efeitos destes dentro do rúmen de alguma maneira.
Por outro lado, pode ter acontecido que os teores energéticos das dietas utilizadas nos experimentos, bem como a formulação das dietas com o PAP, não propiciaram ambiente adequado para que os micro-organismos fermentadores de lactato e produtores de ácidos graxos de cadeia curta se desenvolvessem, para assim serem combatidos pelos anticorpos contidos no PAP. Dessa forma, a capacidade de atuação do PAP em combater esses micro-organismos maléfi cos e com isso propiciar melhor ambiente ruminal pode não ter sido alcançada, infl uenciando desse modo nos resultados das pesquisas. Assim sendo, é necessário desenvolver novas pesquisas utilizando o PAP na forma seca, em dietas mais desafi adoras energeticamente, para se tirar maiores conclusões sobre esse assunto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com os resultados apresentados nesta revisão, o PAP apresenta alta especifi cidade com relação à população de micro-organismos ruminais, o qual elimina do meio apenas as bactérias, alvos de seus anticorpos. Em consequência disso, foi constatado aumento do pH ruminal a níveis adequados para fermentação benéfi ca, o que aumentou a população de protozoários, os quais são sensíveis a valores baixos de pH e, quando estão presentes no meio ruminal, exercem certo controle da fermentação, por meio da predação de bactérias e do engolfamento e liberação lenta de grânulos de amido, o que faz com que estes sejam fermentados de forma mais lenta. Dessa forma, o PAP foi efetivo em reduzir as incidências de rumenites e consequentemente de abscessos hepáticos, devido à menor acidifi cação do meio ruminal, o que aumentou a capacidade absortiva do epitélio do rúmen. Assim, devido aos efeitos positivos no meio ruminal, animais que consumiram PAP apresentaram maiores concentrações de bicarbonato e excesso de bases no sangue e ainda maior pH sanguíneo na fase de adaptação. Logo, a alimentação não reduz a IMS e o desempenho dos animais alimentados com rações de altos teores de concentrado é melhor, quando comparado a animais que não consomem nenhum outro aditivo alimentar, e similar àqueles que são alimentados com rações que contém monensina sódica. Com respeito ao comportamento ingestivo, as efi ciências alimentação e ruminação tanto da matéria seca quanto do FDN foram similares entre animais alimentados com PAP e monensina sódica. Com relação à carne dos animais que consumiram PAP, este não afetou negativamente as características de carcaça, com exceção do rendimento de carcaça, reduzido em dois estudos, quando o PAP-Fn foi utilizado.
Por fi m, a utilização de anticorpos policlonais em dietas de confi namento tem mostrado interessantes resultados no desempenho e saúde ruminal de bovinos confi nados. Desse modo, mostra ser uma possível alternativa de utilização para melhorar o desempenho em confi namento e proporcionar aos nutricionistas de bovinos a possibilidade de maiores desafi os frente a dietas mais energéticas, bem como possibilitar a comercialização da carne bovina em mercados que têm restrições ao uso de antibióticos na nutrição animal.
Publicado originalmente na revista Ciência Rural, Santa Maria, v.43, n.9, p.1660-1667, set, 2013. Acesso disponível em: https://www.scielo.br/j/cr/a/k79v7PDt3xfC99x5kTWRwNF/?lang=pt