1 INTRODUÇÃO
A revolução científica e tecnológica provocada pelas novas tecnologias da informação repercute sobre todo o sistema produtivo e não está restrita, como foi o caso da revolução industrial, ao âmbito da indústria manufatureira, embora esta continue tendo um papel central no processo de acumulação de capital e no crescimento econômico. (NEFFA, 1988).
O setor agrícola, como parte do sistema produtivo, não está imune a esta nova revolução e já iniciou seu processo de informatização, embora com atraso em respeito aos outros setores e, talvez, com um progresso mais lento (COLOMBO e NENCIONI, 1992).
Os últimos quinze anos confirmam que grandes mudanças no setor agropecuário vêm ocorrendo. Além dos fatores de produção considerados tradicionalmente dentro das atividades agropecuárias, a profissionalização do setor administrativo tem se tornado o mais recente alvo para a transformação da fazenda em empresa rural, haja vista a complexidade das novas situações surgidas com relação à comercialização da produção, relações trabalhistas, questões ambientais, questões tributárias, defesa animal e vegetal e globalização de mercados (SANTOS et. al, 2002).
A utilização da informática dentro desse contexto de mudanças destaca-se como uma ferramenta indispensável na gerencia dos processos administrativos, nos quais as tomadas de decisão, com segurança e em tempo hábil, representam condição básica para o sucesso das atividades (SOUKI et. al, 1999). O rápido desenvolvimento da informática, associado às sensíveis reduções de custos de seus produtos e serviços, aumentou a possibilidade dos computadores ajudarem ao empreendedor rural na organização, armazenamento e processamento de informações (ARRAES, 1995).
Dois fatores que contribuíram seguramente para impulsionar o processo de informatização do setor agrícola foram: a necessidade do setor, usando a informatização de processos e atividades, tornar mais eficiente as fases direta e indireta da produção – fator interno – e o interesse de empresas de informática (software, hardware, sensores, controladores, etc...) em relação ao setor agrícola, individualizado como possível mercado de expansão – fator externo (ARRAES, 1993).
Os fatores internos transpassarão nas discussões contudo o foco deste artigo será nos fatores externos já que se constata, seguramente, que este mercado evoluiu. Contudo, exigiu uma superação dos percalços que surgiram tanto para as empresas que adentraram nesse segmento quanto para os usuários das tecnologias por elas elaboradas, diríamos um aprendizado mútuo (softhouse-usuário) e que está em constante transformação. O objetivo desse artigo é contribuir para uma contextualização da agroinformática no Brasil, reunindo e discutindo informações e recuperar parte de sua história em especifico em relação aos sistemas de informações gerenciais aplicados a agropecuária ou software agrícola.
2 - SISTEMAS DE INFORMAÇÃO (SI) E TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO
Por sistemas de informações (SI) consideram-se os sistemas da organização responsáveis pela aquisição, tratamento, armazenamento e distribuição da informação relevante para a organização com o propósito de facilitar o planejamento, o controle, a coordenação, a análise e a tomada de decisão ou ação em qualquer tipo de organização (ROCHA, 2005). O propósito dos SI é obter informações dentro e fora da organização e tomar disponível o máximo de "informação útil" à organização. Dispor de informação útil (oportuna, confiável, etc.) sobre as diversas variáveis significativas do negócio tende a constituir um fator crítico de sucesso em todas as atividades.
Por Tecnologias da Informação (TI) entende-se o conjunto de hardware e software empregados para coletar, transmitir, armazenar, processar, manipular, exibir e disseminar informação e a maneira pela qual esses recursos são organizados em um sistema capaz de desempenhar um conjunto de tarefas (CAMPOS FILHO, 1994). As novas tecnologias de informação tornaram possível o desenvolvimento de uma grande variedade de aplicações destinadas ao setor agrícola. O relatório OTA (1986, 1992) classifica as novas tecnologias da informação aplicadas a agricultura em três grandes grupos: Tecnologias de gerenciamento de informações; Tecnologias de controle e monitoramento e; Tecnologias de telecomunicações.
As tecnologias de gerenciamento da informação consistem basicamente no sistema computacional (hardware e software) objetivando coleta, armazenamento, tratamento e distribuição de informações. As tecnologias de controle e monitoramento são utilizadas no gerenciamento automático do processo produtivo animal e vegetal. Os sensores ocupam papel relevante nestas aplicações. As tecnologias de comunicações dizem respeito às redes de transmissão de dados e à troca de informações utilizando dispositivos eletrônicos específicos (telefone, internet, rádio-comunicação, satélites, entre outros) (JESUS e ZAMBALDE, 1999).
Quando o processo de transformação de dados está direcionado para a geração de informações que serão utilizadas no processo de tomada de decisão, temos um Sistema de Informações Gerenciais (SIG) ou Management Information Systems (MIS) (OLIVEIRA, 1986).
SIG é um sistema desenvolvido para fornecer informações aos diversos setores da organização. Proporcionam informações periódicas de planejamento e controle (operacional e gerencial) para a tomada de decisões. Realizam o processamento de grupos de dados das operações e transações operacionais, geram resumos com o significado do conjunto das transações ocorridas em um dado período de tempo, transformando-os em informações gerenciais. Segundo Liberalli (1997), o SIG apresenta coma funções o controle gerencial e a tomada de decisão.
A ênfase é na mensuração e análise de desempenho e da comparação com as expectativas gerenciais. São exemplos típicos destes sistemas o controle de estoque, orçamento, fluxo de caixa e planejamento/controle da produção.
2 - METODOLOGIA
O fenômeno da convergência de tecnologias deixa explicito a importância dos sistemas de informações gerenciais (SIGs) para manipular a enorme quantidade de dados oriundos de vários tipos de integrações. Em função disso, nesse artigo foram agrupados e dicutidos alguns fatos históricos que marcaram a história da informática aplicada à agropecuária (agroinformática) focando-se nas aplicações que dependem de SIGs. Portanto, este trabalho caracteriza-se como um ensaio teórico realizado a partir de revisão bibliográfica.
3 – O CENÁRIO ATUAL E A HISTÓRIA
Antes de avançar no tema, é necessário perceber a rapidez com que as transformações vêm-se realizando nas ultimas décadas e algumas das tendências gerais dessa evolução/revolução na informática e seus impactos gerais.
Em 1994, Meirelles (1994) já apontava um cenário com características que hoje pudemos confirmar como: as transformações na industria de computadores tem sido extremamente rápidas e todas as indicações levam a acreditar que continuarão assim nos próximos anos; custos decrescentes de hardware aumentam a faixa de aplicações economicamente viáveis; capacidades de processamento crescentes em conjunto com softwares de cada vez maior nível, aumentam as aplicações tecnicamente viáveis, a facilidade de uso e o potencial do computador; os impactos sobre as empresas e pessoas são muito grandes e podem provocar, entre outros efeitos positivos como: o aumento da informação disponível, a redução do tempo para execução de tarefas, redução de custos, o aumento da produtividade e a satisfação; e também efeitos negativos como: aumento do custo, redução da flexibilidade, aumento da resistência e a insegurança, e a diminuição da produtividade e a satisfação; mudanças profundas no perfil e estrutura da mão-de-obra. Isto é, as transformações causam mudanças na estrutura organizacional, nos processos gerenciais e no estilo administrativo; convergência de tecnologias de comunicação com as de base microeletrônica.
Contudo, a utilização de TI no agronegócio brasileiro é muito heterogênea, sendo que a própria distribuição geográfica traz dificuldades para a elaboração de qualquer diagnóstico. Apesar do setor ter crescido bastante, ele não se profissionalizou no mesmo ritmo (CÉSAR, 2005).
Atualmente, o grau de maturidade em uso de TI varia entre as diferentes atividades de agronegócios. Cítricos e sucroalcooleiro estão na frente; pecuária e grãos, na média, ficam atrás. Ainda assim, a rastreabilidade bovina e a soja, abrem boas perspectivas nesses dois nichos (CÉSAR, 2005).
Apesar das empresas do setor agropecuário parecerem mais tradicionais do que empresas dos outros setores (a montante e a jusante) no que se refere a adoção de TI, isso não significa que elas sejam avessas à tecnologia. Pelo contrário, em algumas situações, o impacto da informática ocorre diretamente no negócio dessas empresas. O uso de GPS na agricultura de precisão é uma prova disso. Há também produtores utilizando handhelds no campo para registrar todas as operações e transmitir dados em tempo real, outros equipando tratores e caminhões com computadores de bordo. Tudo isso impressiona, mas não é correto imaginar uma revolução de TI no campo. As mudanças ocorrem lentamente e ainda esbarram em muitos pontos de resistência (CÉSAR, 2005).
É preciso também considerar que o processo de informatização nas empresas rurais apresenta etapas que influenciam no desenvolvimento, adoção e utilização dos sistemas de informações gerenciais. Segundo Jesus et al (1995), o processo de informatização das empresas rurais deve obedecer a uma série de etapas subseqüentes chamadas de etapas de desenvolvimento: a etapa de estruturação, em que há uma prévia organização e racionalização das rotinas de trabalho e controle da propriedade que deve ser executada, independente de computador; a etapa de automação, na qual se escolherá qual tipo de software será utilizado, se será desenvolvido (customizado) para atender às necessidades da empresa, se será usado softwares básicos, que são os editores de texto, planilhas eletrônicas ou bancos de dados, ou se adotarão softwares específicos desenvolvidos propriamente para o setor agropecuário e, a última etapa, a da integração, em que os sistemas que antes funcionavam isoladamente passam a funcionar integrados com o propósito de maximizar o uso de recursos com o mínimo de custos operacionais.
4 - HISTÓRICO DA AGROINFORMÁTICA
Esta sessão foi dividida em décadas para um melhor entendimento das questões que permearam a evolução da agroinformática. Certamente que essa divisão não é estrita, pois, como característico de qualquer processo histórico não se pode inferir com exatidão plena uma data de começo ou de término de acontecimentos que se sucederam simultânea e sobrepostamente em várias áreas, entretanto, procurou-se considerar nessa divisão os principais fatos e características que predominaram nessas décadas.
Década de 60
Nessa época o mercado de computadores era um segmento muito especializado do mercado de bens de capital, e ao redor dele circulavam relativamente poucas pessoas. No Brasil eram ao todo poucos milhares de profissionais, mais propriamente algumas centenas. Para a imensa maioria das pessoas comuns, dos leigos, os computadores de grande porte (mainframes) eram máquinas esotéricas, cérebros eletrônicos mantidos em aquários refrigerados. (MARQUES, 2003).
Os minicomputadores, sistemas menores que os mainframes, apareceram por volta de 1960-1962 e os primeiros modelos comercias em 1966. Com custos e capacidades relativamente menores que os computadores de grande porte, os minicomputadores permitiram o ingresso das empresas médias na era da informática (ARRAES, 1993).
Década de 70
A partir da metade da década de 70 surgiram os microcomputadores para uso pessoal no mundo. Com custos e capacidade ainda menores que os minicomputadores, verifica-se um novo aumento no número de usuários (ARRAES, 1993).
Entretanto, no Brasil, os minicomputadores, proliferaram por cerca de uma década a partir do começo dos anos 1970 e mantiveram as características básicas de um mercado especializado.(MARQUES, 2003).
Esta década foi extremamente marcante para o país, haja visto que foi nela que ocorreram as primeiras iniciativas para uma independência infotecnológica. Na primeira metade da década de 1970, professores, alunos de pós-graduação e pesquisadores projetaram diversos produtos de informática nas universidades brasileiras: modems, terminais de vídeo, terminais inteligentes (precursores dos microcomputadores de hoje), processadores dedicados, compiladores, protocolos de comunicação. Nessa mesma época alguns birôs estatais de processamento de dados, especialmente o Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO), investiram em laboratórios de desenvolvimento de produtos. Da mesma forma, nos laboratórios de organizações militares, especialmente o Instituto de Pesquisas da Marinha (IpqM), artefatos de informática recebiam atenção especial (MARQUES, 2003).
Foi no estreito e precário espaço da "democracia relativa" que indivíduos oriundos de três categorias distintas de profissionais de computação relacionaram-se e, voluntária e informalmente, negociaram suas atuações, formando pouco a pouco uma comunidade que se aglutinou por meio de seminários e congressos realizados periodicamente e de uma imprensa especializada (o jornal quinzenal Datanews e a revista bimestral Dados e Idéias). Essas três categorias de profissionais de computação eram, grosso modo, os professores universitários, os oficiais militares engenheiros, e os administradores de empresas estatais.(MARQUES, 2003)
Para essas três categorias de profissionais de informática, soluções mais apropriadas e mais econômicas do que aquelas restritas à programação das máquinas estrangeiras poderiam ser desenvolvidas localmente levando em consideração as especificidades dos serviços que eram executados no Brasil. O bem conhecido esforço de projetar um sistema de minicomputador completo no Brasil, executado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e pela Universidade de São Paulo (USP), e consubstanciado no projeto G-10, que integrava os interesses das duas universidades e da Marinha, estimulou o governo a financiar várias outras iniciativas locais de concepção e projeto de artefatos de computação.(MARQUES, 2003)
Os protótipos ou produtos desenvolvidos na pesquisa não tinham sido inventados aqui. Eram, no entanto, engenharia reversa, feita por brasileiros, do que havia de mais atualizado na época em matéria de equipamentos que podiam ser adquiridos no mercado internacional. O trabalho de pesquisa empírica nas universidades e centros de pesquisa consistia justamente em aprender a fabricar aqueles "misteriosos" produtos, de tal forma que grupos de profissionais brasileiros adquirissem a capacidade de projetá-los. (MARQUES, 2003)
Disseminou-se pela comunidade acadêmica a preocupação com a dependência tecnológica: se passasse a depender cada vez mais de computadores e não soubesse fazê-los, o Brasil se veria na contingência de pagar o preço fixado pelos poucos países que sabiam como fazer os computadores. (MARQUES, 2003)
Uma reserva (de mercado) para empresas que realizassem a pesquisa e o desenvolvimento de seus produtos no Brasil acabou sendo construída como um artifício acoplado ao mecanismo de mercado para que o investimento em concepção e projeto local de minicomputadores no Brasil se tornasse mais atraente para o capital privado.(MARQUES, 2003)
A implantação da reserva de mercado ocorreu primeiro para minicomputadores em 1977 e naquela ocasião, como frisa o autor, ainda não existiam microcomputadores no país. Embora a resolução incluísse microcomputadores, esta palavra referia-se ao pequeno mercado, classificado na categoria outros, de sistemas com processadores integrados dedicados, não dizendo respeito propriamente aos micros tais como os entendemos hoje, estes surgiram depois, a partir de 1981, nas estatísticas da Secretaria Especial de Informática (SEI) e, rapidamente, isto é, em 1985, suplantaram os minis em termos de vendas ao mercado, conforme indica a Tabela 1. (MARQUES, 2003)
Tabela 1: Distribuição percentual do faturamento por segmento da indústria valores correntes em Cr$ milhão.
No final dos anos 1970, sopesados os avanços e os retrocessos da democracia relativa, embora a evolução política geral apontasse para a democratização do país, as liberdades civis não estavam asseguradas. Até 1985 todos os órgãos governamentais eram obrigados a submeter suas contratações ao crivo do SNI (Serviço Nacional de Inteligência), uma espécie de polícia política congregando militares e civis que se auto-denomivam uma comunidade de informações e que pretendiam vigiar e punir todos que não repudiassem o que eles entendiam como ideologias de esquerda.(MARQUES, 2003)
Alguns investigados do SNI foram professores universitários e os funcionários da CAPRE que vinham até então implementando a política de reserva de mercado, além de funcionários do SERPRO, da Digibrás e dentro das próprias forças armadas. Como resultado dessa ação repressiva, a participação dos profissionais de informática se arrefeceu. Segundo levantamento feito pelo autor (MARQUES, 2003) na coleção da revista Dados e Idéias, ocorreu tanto a transformação de enfoque quanto a mudança dos autores colaboradores após a interrupção de sua publicação de junho de 1979 a janeiro de 1980. Também nos seminários e congressos o ambiente era outro, tendo desaparecido as condições que davam vida às discussões acerca de como deveria ser uma política diferenciada para a construção de uma indústria de computadores no Brasil.
Apesar de toda a repressão que marcou esta década, ela foi produtiva. O uso da informática estava ativo nos Centros de Processamento de Dados (CPD) principalmente das universidades. Nestes CPDs existiam apenas um monitor (tela de fósforo) e um teclado. Não existiam vários microcomputadores só o mainframe e ligado a ele, vários terminais. Ele era o responsável pelo processamento de softwares científicos onde a linguagem padrão era o Fortram.
As entradas de dados eram bem diferentes do padrão atual. Ela era realizada via perfuração de cartões de papeis, que passavam por uma leitora e esta acionava um programa para leitura. Os programas eram armazenados em fitas e os resultados eram disponibilizados via impressão matricial normalmente de 132 colunas em formulário continuo. Também não se tinha acesso direto ao mainframe via web. Este acesso era pouco e muito restrito.
O uso principal para área agropecuária era o balanceamento e determinação de menores custos para rações e no planejamento de uso de máquinas agrícolas (MOVERLEY, 1986), e as cooperativas eram os principais clientes, pois, nem elas tinham computadores nesta década. Esse trabalho era executado por algumas universidades como uma prestação de serviços.
A partir de levantamentos realizados, pode-se constatar que a informatização das empresas rurais se iniciou com o uso de programas em tarefas administrativas, o qual predomina ainda hoje. Na área de custos e contabilidade o Lótus 1 2 3, o Supercalc e o processador de texto WordStar eram os softwares utilizados. Vale ressaltar que o que desencadeou mesmo o uso da informática no meio rural foi o uso de planilhas de cálculo.
Década de 80
A partir da década de 80 com redução dos custos e com o expressivo desenvolvimento dos equipamentos de informática, os microcomputadores começaram a ser efetivamente empregados pelos produtores rurais (MOVERLEY, 1986).
No período de introdução da informática nos empreendimentos rurais, a maior barreira ao crescimento dessa tecnologia residia na falta de programas e soluções específicas dirigidas ao setor. Os produtores, interessados na informatização, eram obrigados a customizar softwares, atendendo inicialmente ao setor administrativo e, em seguida, ao gerenciamento de produção. Essa dificuldade foi gradativamente superada com o surgimento de empresas que passaram a se especializar e pelo aumento de pesquisas acadêmicas nessa área. Com o crescimento da oferta de softwares, muitos produtores passaram a contar com opções de programas mais adequados às suas atividades (BALDAN, 1996).
Essa observação ficou constatada também por Arraes (1993) ao estudar a oferta de softwares agrícolas no estado de São Paulo. Esse autor verificou que as softhouses existentes atuavam na área de consultoria em informática geral e planejamento da produção, ou então, em consultoria agropecuária e agroindustrial e somente a partir dos anos 80 começaram a atuar na área de informática agrícola e desenvolver programas que se destinavam principalmente à substituição do homem em tarefas repetitivas, liberando-o para outras atividades importantes
Assim, a informática foi avançando no setor agropecuário deixando de ser exclusividade dos centros de pesquisa e ensino, mas sua utilização diretamente na produção foi concretizada com o surgimento de softwares específicos (ZULLO JR., 1995).
Surgiu então o software agrícola ou agropecuário que se refere a aqueles sistemas computacionais destinados a solução de problemas bem específicos das propriedades rurais em uma escala local e que auxiliavam os profissionais da área por melhorar a confiabilidade de seu trabalho livrando-os de atividades cansativas, repetitivas e com várias possibilidades de ocorrências de erros (ZULLO JR., 1995).
Década de 90
A quantidade de softwares voltados para a agropecuária cresceu substancialmente e pode ser constatada na análise da Tabela 1. Pode-se observar que houve um aumento de 54% na oferta de softwares agropecuários de 1995 para 1997, 17% de 1997 para 1999 e, de 24% de 1999 para 2004 (LOPES, 2000; GUIA AGROSOFT, 2004). È necessário atentar que de 1995 para 1997 o aumento expressivo na oferta de softwares refletiu também o fim da lei de reserva de mercado de informática. Isso possibilitou o acréscimo do número de computadores em todos os setores da economia que, aliado com a preocupação do setor do agronegócio na utilização de sistemas de informação e a crescente interação entre instituições e organizações o justificaram. Em relação as instituições, também verificou-se a ocorrência de um aumento no número de trabalhos publicados no Congresso Brasileiro da Sociedade Brasileira de Informática Aplicada Agropecuária e a Agroindústria – SBIAGRO, o que reflete um acompanhamento da pesquisa referente a este tema (LIMA e LOPES, 2003).
TABELA 1: Evolução da quantidade de softwares específicos do setor agropecuário de 1985 a 2004, distribuídos por categoria, catalogados no Brasil
É interessante observar que as categorias de softwares para bovinos e administração sempre representaram a maior fatia do mercado de softwares para o setor. Contudo, também observa-se que de 1997 para 1999 houve uma redução significativa do número de softwares dessas duas categorias sendo que as demais apresentaram estabilidade ou crescimento. A não priorização na oferta de serviços oferecidos pela softhouse e a queda na qualidade dos programas são duas justificativas que podem explicar esse decréscimo.
Aproveitando a oportunidade de negócio com o lançamento de softwares específicos para o setor, muitos produtos surgiram através de empresas que já estavam no segmento de prestação de serviços de informática, inclusive com clientes que adaptavam softwares aplicados à empresas urbanas aos negócios agropecuários. Outro canal de desenvolvimento desses softwares foi as universidades. Através de projetos de pesquisas e contando com a colaboração de professores e estudantes, muitos produtos foram elaborados, alguns em parceria com a iniciativa priva, e tomaram destino comercial. Alguns desses produtos também foram criados em incubadoras de empresas de caráter tecnológico apoiadas por instituições do poder público (Universidades, SEBRAE, Prefeitura) que incentivavam os estudantes e pequenos empreendedores a continuarem com os seus empreendimentos mesmo depois de formados ou após o término do prazo de incubação da empresa.
Entretanto, todas essas iniciativas esbarravam, ao longo do tempo, com um mesmo problema: a escassez de recursos financeiros para, principalmente, manter uma estrutura de suporte pós venda. A maioria dessas empresas não planejou como seria o suporte para o cliente, não previram contratação e treinamento de atendes, e nem com que frequência realizariam atualizações consistentes para seus programas face às profundas e constantes mudanças no universo da informática e agropecuária.
O suporte era feito principalmente por telefone, onde o cliente assumia o custo da ligação. O problema mais comum era a dificuldade de se reproduzir um erro uma vez que o usuário o relatava sem um procedimento organizado para isso. Como os softwares trabalham com processos bem definidos, ao usuário era necessário relatar os caminhos que foram percorridos até a ocorrência do erro, pois só assim o atendente conseguiria esboçar uma solução. Nessa situação, após a explicação do atendente sobre como o usuário deveria proceder, este já ficava descontente, pois, teria que desligar o telefone, voltar ao micro e as vezes até religa-lo, refazer os lançamentos e contatar novamente para a softhouse, o que lhe implicava em perda de tempo e custos.
Na verdade a problemática do suporte era mais séria do que o processo de atendimento, pois, nem todas as empresas ofereciam suporte, apenas vendiam o programa e, quando ofereciam este serviço, eram os próprios sócios, programadores ou equipe de vendas "faz tudo", característico nas pequenas empresas, que o forneciam.
Um segundo problema era referente a baixa qualificação dos atendentes e a carência na sua capacitação. Este problema era percebido especialmente pelos clientes experientes com o uso do programa e que desejavam tirar dúvidas mais técnicas. Os atendentes raramente tinham alguma formação na área como por exemplo técnicos agrícolas, zootecnistas, agrônomos ou veterinários, e para este tipo de pergunta era necessário que o usuário contatasse posteriormente o suporte, pois as suas dúvidas seriam repassadas à profissionais qualificados que forneceriam a solução.
E o terceiro grande problema eram as atualizações que tinham custo significativamente alto, posto que, as empresas na sua maioria pequenas não apresentavam condições de manter programadores trabalhando exclusivamente para ela, a não ser que ele fosse sócio. Então a dinâmica mais comum era, e ainda é, contratar horas de programação por projeto para se fazer uma modificação em um programa. Contudo, os dois motivos citados (falta de planejamento para implantação do suporte e qualificação dos atendentes), com o passar do tempo, foram reduzindo o faturamento das empresas que se empenhavam mais em vender e conseguir mercado do que investir em suporte.
Tais fatos vão de encontro as afirmações de Meirelles (1994) que salienta que além dos equipamentos e dos programas, existe um outro aspecto importante para quase todas as aplicações, que é o suporte que os fabricantes ou revendedores oferecem, em especial manutenção, documentação, instalação do equipamento, treinamento e atendimento pós venda. Esse aspecto tem grandes reflexos no principal componente dos sistemas: as pessoas que gerenciam e usam os equipamentos e programas. Comenta ainda que o suporte técnico nem sempre é visível, mas de fundamental importância para sustentar e permitir o uso correto dos três componentes básicos: hardware, software e usuário. A estrutura de suporte ao usuário vem-se tornando tão ou mais relevante que o suporte ao equipamento e aos programas.
Nesse período os usuários foram implacáveis, os clientes descontentes foram abandonando os programas e optando por outros ou mesmo desistindo de informatizar-se. As softhouses então, não conseguiam gerar um ciclo virtuoso que a sustentasse economicamente. Além de perder clientes seu produto ficava defasado em relação aos demais produtos resultando em queda de qualidade. Certamente que, mesmo construídos sob o apelo do setor, também nasceram e morreram programas ruins, principalmente porque sua concepção teórica era inconsistente ou muito limitada. Também existiram softwares pouco práticos exigindo uma série de predefinições antes e durante seu uso que dificultavam ao usuário trabalhar com o sistema e colher seus benefícios.
Isso colaborou para uma seleção de empresas e produtos no mercado sendo que conseguiram se manter no ramo as que se endividaram procurando mudar a estratégia voltada para o suporte, ou aquelas que não tinham a informática como negócio principal, como as empresas de consultoria por exemplo. Esse período gerou um aprendizado prático tanto para as softhouses quanto para os usuários. Para as sofhouses duas questões centrais direcionaram o futuro dos seus negócios: Gerar volume de clientes ou investir em atendimento? Será possível sobreviver só com a venda de softwares agropecuários?e para o cliente: o que é um software de qualidade? Como avalia-la?
Diversos modelos de qualidade de software vêm sendo propostos nos últimos anos, destacando-se as normas ISO (International Organization for Standardization), ISO 15504 (SPICE) e os modelos de Software Engineering Institute (SEI), CMM, CMMI e MPS.BR. São modelos que apresentam os parâmetros que norteiam a qualidade em empresas de software. O reconhecimento dos esforços para a qualidade através de premiações também incentiva a melhoria da qualidade dos softwares. A grande maioria das nações tem programas de avaliações baseados nos modelos desenvolvidos no Japão, o qual é denominado de Prêmio Deming, e nos EUA, o Prêmio Malcom Baldrige. No entanto, cada país tem desenvolvido e adaptado seus modelos aos seus padrões e suas realidades e no Brasil destaca-se o Prêmio Nacional da Qualidade que é um reconhecimento à excelência na gestão das organizações brasileiras (ALCANTARA, 2005).
Outra forma de reconhecimento é o selo do Programa Nacional de Software para Exportação (SOFTEX). Este programa foi criado em 1993 pelo MCT (CNPq) com o objetivo de tornar o Brasil competitivo na produção e exportação de software. (meta de em 2002 exportar US$ 250 milhões). Em 1996 foi criada a Sociedade para a Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Sociedade Softex) para apoiar a geração de novas empresas, capacitar empresas para exportação, financiar as exportações e apoiar à comercialização no exterior. A SOFTEX está presente em praticamente todo o território nacional por meio de uma rede de Agentes que, junto a instituições parceiras (principalmente universidades), promovem ações tecnológicas e de mercado para capacitar as empresas de software e/ou internet da região cujos produtos e serviços recebem um selo.
Especificamente em relação setor agropecuário, tem funcionando desde 1993, o Núcleo Softex - Agrosoft cuja missão é fomentar o desenvolvimento da agroinformática no país e a indústria de serviços de informática na região de Juiz de Fora, Lavras e Viçosa em Minas Gerais, onde se concentra um dos maiores contigentes de especialistas no conhecimento agropecuário do país. O Núcleo Softex - Agrosoft tem realizado pesquisas com qualidade de software agropecuário e proposto metodologias simples para avaliação por parte dos usuários (CAMPOS, 1999).
A série de Normas ISO/IEC 9126, na série ISO/IEC 14598 e na Norma ISO/IEC 12119, descrevem requisitos de qualidade e trazem diretrizes para o processo avaliativo. A avaliação se refere à ação de aplicar critérios especificamente documentados para um módulo de software, pacote ou produto, com o propósito de determinar sua aceitação, liberação ou rejeição e contribuir para sua melhoria futura. Para os usuários esses modelos prometem trazer benefícios mesmo que ainda sua utilização seja incipiente como mostra o trabalho desenvolvido pelo MCT (Quadro 1) referente ao uso das normas ISO em softwares de diversas áreas.
Quadro 1: Conhecimento de normas para qualidade
Cerca de 65% das empresas conheciam as normas 9126 ou 12119, e um pouco menos (60%), a ISSO 14598. A mais usada era a 9126 (11%), que define as características da qualidade ou diretrizes para seu uso. EM seguida, a 12119 (8%) que estabelece os requisitos de qualidade e testes em pactoes de software e a família das normas 14598 (5%) que tratam do processo de avaliação de um produto de software (MCT, 2001).
Na síntese do Quadro 1 não é de se esperar que nas softhouses que desenvolvem softwares agropecuários esta situação seja diferente. Como se verificou, mais de 80% das empresas em 2001 não aplicavam nenhuma das normas de qualidade para produtos de software indicando a necessidade do usuário aplicar ferramentas de simples utilização para auxiliá-lo na determinação da qualidade de um software agropecuário.
Outra turbulência que atingiu softhouses e usuários nessa década foi a mudança de sistema operacional. O Windows 3 da Microsoft começou a ter sucesso no inicio da década de 90 e aos poucos foi causando uma revolução nos softwares agrícolas. A medida que o Windows ia fazendo sucesso, as softhouses que tinham seus produtos desenvolvidos para operarem no sistema MS-DOS eram crescentemente indagadas pelos usuários sobre uma migração para o Windows. Isso porque a medida que os usuários tinham contato com o Windows percebiam o quanto a interface dos programas era complicada de ser operacionalizada, pois, seguiam o padrão de trabalho do DOS utilizando comandos, números ou nomes de arquivos para executar os lançamentos e saídas de informações.
Com isso as softhouses tiveram que traçar estratégias para redesenharem seus programas investindo principalmente na interface com o usuário. Obviamente, que isso exigiu novos investimentos, principalmente em programadores, e algumas dessas empresas demoraram anos para conseguir realizar essa migração. Nesse tempo, é de se supor que as empresas que estavam mais capitalizadas conseguiram se adaptar a situação com maior rapidez. Desta maneira também conseguiram maior projeção no mercado e conquistaram não só novos usuários bem como aqueles das empresas "atrasadas". Esse fato demonstrou para o usuário que uma grande diferença entre empresas está na sua capacidade de acompanhar as inovações, tanto as do setor agropecuário como também as do setor global de informática.
Essa migração gerou simultaneamente um outro problema que afetaria estrategicamente as softhouses. Qual linguagem de programação utilizar para essa mudança? A preocupação com o futuro das redes, com a integração de sistema operacional com ambiente operacional proposto pelo Windows NT em 1993, e também com a robustez e segurança de banco de dados, exigiu decisões delicadas, principalmente para as softhouses que já atuavam no mercado. As decisões que mais geraram discussões foram se caberia lançar um produto completamente novo ou fazer uma atualização do atual. Também, considerar na escolha dessa nova linguagem, a capacidade de converter dados já lançados sem causar prejuízos para o usuário foi outro desafio. A opção pelas linguagens de Visual Basic e Delphi foram as mais populares.
Novamente, esse momento da história da agroinformática mostrou-se como uma ameaça e colaborou para o insucesso de algumas empresas e serviços que não conseguiram se adequar. Contudo, também apresentou-se como uma oportunidade para outras que lançaram no mercado programas de melhor usabilidade atendendo prontamente as necessidades dos usuários.
Uma das conseqüências dessa mudança (DOS-Windows) foi a segmentação que aconteceu dentro de uma mesma categoria de softwares. Deve-se ressaltar que essa observação é feita analisando-se os softwares do tipo pacote, de prateleira. Um exemplo desta se deu na categoria de software para bovinos em que surgiram desde de sistemas simples, com ferramentas restritas e que tinham distribuição gratuita até outros mais elaborados, já prenunciando algum tipo de integração e que custavam cifras altíssimas. A escolha por um ou outro produto se dava em função de quanto a empresa rural se dispunha a pagar e, obviamente, das suas necessidades, entretanto, existia também algum status para aquelas empresas informatizadas aos olhos externos mas que, muitas vezes, encontravam-se completamente perdidas na informatização de seus processos internos.
Enfim, vale a pena ressaltar que nesse período criou-se uma série de falsas expectativas em relação à informática aplicada à agropecuária. Zullo Jr. (1995) citado por Souki e Zambalde (1999), ilustra tal afirmativa destacando que, no caso da agropecuária, houve sempre interesse especial por causa de sua importância para o país e, também, por ser o setor rural um ambiente completamente diferente daqueles aos quais costumava se associar com a presença do microcomputador. Tal autor lembra ainda que, freqüentemente deparava-se com fotos de microcomputadores em pleno campo, debaixo de um sol intenso, ao lado de animais e máquinas agrícolas, ou então portanto artefatos típicos do meio rural como chapéus de vaqueiro, por exemplo. Naquela época era bastante freqüente se deparar com manchetes de jornais e revistas propagandeando pretensos "milagres" em torno da utilização da informática na agropecuária e, algumas empresas rurais se valeram disso como "marketing"para a venda de seus produtos iniciando de forma amadora o processo de informatização.
O preço para esse amadorismo foi o retrabalho de coleta e lançamento de dados, inconsistência de informações, relatórios incompletos e até o abandono de sistemas com a triste opinião de que a informática não funcionava no campo. Concordando com as conclusões de Souki e Zambalde (1999), isso deixou claro que, não existe nada que se possa fazer em nível tecnológico que consiga superar falhas graves na administração das empresas rurais e, por isso mesmo não cabia ver a informática como "a salvação da lavoura". Na realidade, ela é apenas uma potente ferramenta de auxílio aos controles dos processos produtivos e administrativos.
Apesar do atropelo às fases inerentes ao processo de informatização, para detalhes ver Zambalde et al (1995), a distribuição de softwares gratuitos conduziu os empresários rurais a conhecerem e utilizarem programas de forma ora cautelosa, ora tímida, mas que cumpriu um papel fundamental de propagar informações sobre o software agrícola e suas aplicações.
Inicio do ano 2000
Já a partir de meados da década de 90 começou-se a vislumbrar a internet como uma ferramenta tanto para potencializar negócios, através da construção de sites, como para a prestação de suporte. Contudo, foi no inicio de 2000 que se materializava tal idéia, principalmente porque as homepages das softhouses tornaram-se a principal fonte de informações para os interessados em informatização rural. O fator que impulsionou a internet foi a possibilidade de download gratuito dos programas já que alguns tinham um período de uso ou de lançamentos limitados, mas que permitia testar o software. A maioria das softhouses trabalhava, e ainda hoje trabalha, com um cadastro prévio para o interessado ter acesso ao download. Isto facilitou tanto a sofhouse, que gerava um banco de dados de clientes potenciais, quanto aos interessados em conhecer os programas, que na prática tinham a chance de fazer lançamentos, verificarem se ele atendia as suas necessidades, comparar os preços, serviços e qualidade. Algumas empresas até prestavam suporte gratuito quando algum cliente, que estava na "fase de testes", ligava para tirar dúvidas sobre o produto. Ou seja, a visão do software para o usuário e para as sofhouses passou a abranger não só o programa em si mas os serviços que o acompanham.
Vale mencionar que das normas ISO 9126, ISO 14598 e ISO 12119 que tratam da qualidade softwares a ISO 12119, publicada em 1994, trata da avaliação de pacotes de software, os conhecidos "software de prateleira" muito comuns no setor agropecuário. Além de estabelecer os requisitos de qualidade, ela também destaca a necessidade de instruções para teste de pacotes, considerando estes requisitos. A norma divide-se nos itens: escopo, definições, requisitos de qualidade e instruções para teste. Um dos grandes méritos desta norma está na profundidade com que são descritas cada uma das características e subcaracterísticas mencionadas na norma ISO 9126. Nesse sentido o item requisitos de qualidade abrange três pontos: a descrição do produto, a documentação do usuário e o programa de dados. A parte documentação do usuário é definida como o conjunto completo de documentos disponíveis na forma impressa ou não, que é fornecido para utilização de um produto, sendo também parte do produto. Ela deve incluir os dados necessários para instalação, uso da aplicação e manutenção do produto. E é exatamente esta parte, a manutenção do produto, que tem mudado significativamente o relacionamento entre usuários e softhouses.
Em relação ao suporte hoje as softhouses tem utilizado a internet para baratear os custos tanto próprios quanto dos usuários. Antes da internet as atualizações eram enviadas para os usuários por disquete ou CD-rom, o que representava custo significativo, tanto em relação a compra das mídias quanto a sua postagem, e hoje este procedimento é uma exceção. Para as softhouses que mais se destacam no setor, o acesso a internet já é uma realidade que os usuários devem aceitar. Ou eles recebem mensagens eletrônicas, com arquivos ou com links para downloads das atualizações ou, por meio de uma senha, têm acesso as atualizações, arquivos para correções de erros e outras informações.
È importante citar que nesta década o suporte ganhou a merecida importância. Não apenas na melhoria da qualificação dos atendentes com também na criação de outros serviços. No atendimento, a equipe de suporte tem ganhado maior participação de técnicos agrícolas e realizado cursos de atendimento a clientes. Outros serviços como cursos para iniciantes, treinamento direto na propriedade, implantações de software e digitações de dados tem sido oferecidos pela softhouse através de técnicos de nível superior.
A internet também dinamizou o suporte no que se refere a redução de custos e qualidade de atendimento. Os custos foram reduzidos pois, mesmo usando serviços de uma internet gratuita de qualidade baixa o usuário consegue tirar dúvidas por e-mail ou mesmo utilizando "messengers" a um custo de ligação mais baixo do que a ligação local. Já a qualidade tem sido melhorada porque as próprias sofhouses tem desenvolvido processos e até softwares para atendimento do cliente extremamente organizados, escalonando prioridades, usando alertas de segurança para mensagens não respondidas dentro de determinado período de tempo. A internet também tem melhorado a solução das dúvidas mais técnicas por facilitar o contato e troca de informações e arquivos com programadores e especialistas da área, sem falar que alguns programas possuem fóruns especializados na web para troca de experiências.
Um outro problema que a internet veio a minimizar foi a transmissão de dados entre a fazenda e o escritório. Já no fim da década de 90 a transmissão de dados apontava-se como sendo uma das maiores preocupações das pequenas e médias empresas rurais que se informatizavam. O processo que ocorria, e que ainda hoje predomina, é baseado em uma dicotomia de lançamentos de dados entre a fazenda e o escritório. Operacionalmente ela se dá porque os proprietários tendem a assumir para si o controle financeiro da empresa rural (proprietário "faz tudo") enquanto o controle operacional fica por conta da fazenda. Em outras palavras, o proprietário tem de gerenciar duas licenças do mesmo software que recebem entradas de dados distintas. Uma que fica na fazenda, e que receberá os lançamentos da parte operacional da atividade, e a outra que fica na casa do proprietário ou em escritório (geralmente contábil), que se responsabiliza por executar os lançamentos financeiros. Como é percebido, esta dinâmica traz problemas tanto na recuperação de dados quanto na elevação de custos administrativos.
Em relação a recuperação de dados, são raros os softwares específicos que permitem a união de dados, processo conhecido como merge, ou seja, quando estes dados são lançados em computadores diferentes e não estão operando em nenhum tipo de rede, como é o caso dos lançamentos efetuados no escritório e na fazenda. Usualmente, os softwares específicos do setor têm ferramentas de back up cujo arquivo, ao ser restaurado em um computador diferente do qual os dados foram lançados, sobrescreve todas as informações anteriores do computador cujo back up foi importado.
O primeiro problema enfrentado na gestão dessa dicotomia é em relação as mídias em que são gravados os back ups. Os computadores que ainda predominam nas fazendas são de qualidade inferior aos dos escritórios e usualmente os back ups são realizados em disquetes e não em CD-ROM via gravador. O disquete, além de ter um % de defeitos já admitidos de fábrica, são inúmeras vezes regravados, ficam expostos a condições climáticas muito adversas (poeira e calor) e suportam um volume de dados pequeno. Tais fatores levam a constante perda de dados e freqüentes erros na recuperação, principalmente quando a recuperação dos dados é realizada a partir de um conjunto de disquetes. Além desses fatores, o custo de uma caixa contendo 10 disquetes, totalizando 14,4Mb é bem superior ao custo de um CD-ROM (R ou RW). Este, além de maior capacidade de armazenamento (700 Mb), tem % de defeitos de fábrica muito reduzido e durabilidade maior sendo por isso mais confiável.
O segundo problema é referente ao gerenciamento da coleta e lançamento de dados, especialmente nos casos onde não existe possibilidade de conexão com a internet, seja por conta de custos ou infraestrutura. Em função da inexistência de softwares com ferramentas de união de banco de dados, as fazendas têm combinado com os escritórios uma forma de trabalho que permita o lançamento dos dados de ambas as partes. Nessa combinação, por exemplo, a fazenda envia um back up para o escritório a cada dia 15, enquanto o escritório envia um back up para a fazenda a cada dia 30 e esse back up é enviado por correio ou malote. A partir do momento em que a fazenda envia seu banco de dados para o escritório, ela para de lançar dados no software e apenas preenche fichas de coleta, preenchimento que perdura até ela receber de volta do escritório novo back up com as informações financeiras atualizadas. Esse back up é então restaurado e os dados das fichas de coleta da quinzena de 16 a 30 são lançados. O mesmo ocorre com o escritório, que ao enviar seu banco de dados para a fazenda apenas preenche fichas de coletas de dados até receber o banco de dados com a parte operacional atualizada e então, começa a lançar os dados da quinzena de 01 a 15. O quadro (Quadro 2) abaixo ajuda na compreensão desse processo.
QUADRO 2
Como se pode deduzir dessa situação, apesar de contornar uma parte do problema esse procedimento cria outro, pois, sempre se tem uma defasagem de informações que obviamente depende do tempo de coleta e lançamento de dados. Quanto maior esse período maior a defasagem.
Mesmo que essa dinâmica fosse reduzida para uma semana ou menos, sabe-se que as informações apresentadas pelo sistema de informações ainda sim estariam defasadas. Obviamente que, com o acesso a internet tem se reduzido drasticamente essa defasagem, visto que é possível a troca de arquivos em um mesmo dia. Nesse caso, a atualização dos dados do sistema fica mais dependente de processos administrativos nas duas pontas (fazenda e escritório), que definirão a agilidade de coleta e lançamento dos dados, e menos dependente das limitações do software quanto a união de dados ou da estrutura de comunicações entre fazenda e escritório. Certamente que, a solução para este problema seria a inclusão de uma ferramenta que permitisse o merge.
É interessante perceber que a existência dessa dicotomia nos dias de hoje, não é apenas por causa das limitações de acesso à internet. Observa-se que ela se deve, principalmente a fatores culturais que ainda predominam na forma de gestão de boa parte das pequenas e médias empresas rurais. Uma das resistências comumente encontradas é o fato dos proprietários evitarem dar acesso a seus funcionários a informações de faturamento da empresa por temerem que eles solicitem aumento de salário e assim diminuam os seus lucros.
É fato que, alguns proprietários que também possuem empresas do setor urbano, as tratam de forma completamente diferente das empresas rurais no que se refere ao gerenciamento de recursos humanos. Naquelas eles incentivam capacitações, realizam reuniões para discutir problemas e permitem acesso a informações de cunho financeiro a alguns funcionários ditos "de confiança". No setor rural, parece que essa confiança é mais difícil de ser compartilhada na área financeira, contrariamente a área operacional em que muitos proprietários têm seus "braços direitos" e que muitas vezes gerenciam a propriedade na sua ausência.
Esse ponto merece muita atenção como um dos limitantes da informatização rural. As softhouses percebendo essa dificuldade rapidamente desenvolveram mecanismos de senhas nos softwares que limitassem o acesso à parte financeira. Por trás desse processo uma importante idéia, a de que todos os lançamentos, operacionais e financeiros, fossem realizados fisicamente em um mesmo local, preferencialmente na propriedade, mesmo que por pessoas com responsabilidades diferentes. Essa é a melhor situação já que ela rompe com essa dicotomia. Para que isso ocorra com eficiência os recursos humanos devem ser adequadamente treinados a partir da mudança de concepção do proprietário sobre a gestão profissional da empresa rural. Fatores como a globalização, rentabilidade cada vez menor dos produtos agropecuários e competitividade no setor tem contribuído para percepção dessa necessidade. Estes aspectos, juntamente com os custos das transações envolvidos em cada processo, como as ligações telefônicas, custos com postagem e principalmente tempo utilizado pelos funcionários para executarem tais dinâmicas com segurança, reforçam os motivos para que os proprietários rurais estejam percebendo que a dicotomia é uma fase transitória no processo de informatização rural.
Vale mais a pena treinar os recursos humanos para coleta e lançamento de dados e delegar atividades operacionais, incluindo aqui o lançamento de dados financeiros, o que lhe renderá mais tempo para despender com decisões estratégicas e gerenciais. Uma vez que todos os dados estão centralizados em uma única base de dados, aí sim o software específico tem o potencial de exercer com eficiência seu importante papel de auxilio na tomada de decisões. Mesmo que o administrador esteja distante da fazenda ele tem maiores condições de ver o negócio como um todo bastando receber pela internet o banco de dados atualizado.
É necessário compreender também que o próprio histórico da informática aplicada à agropecuária explica a divisão muito clara de funcionalidades nos softwares do setor que é predominante ainda hoje: uma parte operacional (Zootécnica ou Agrícola) e uma parte econômico/financeira. Como visto, pela dificuldade de encontrar programas e soluções específicas dirigidas ao setor, as empresas rurais começaram a encomendar softwares próprios atendendo primeiro ao seu setor administrativo e depois ao gerenciamento de produção.
Mesmo com o surgimento gradativo de softwares específicos (de prateleira) através das empresas especializadas e aumento de pesquisas na área, o aprimoramento dos softwares manteve essa divisão de funcionalidades, porém, de forma não integrada. Alguns programas chegaram a iniciar integrações entre essas partes, porém ainda muito rudimentares e superficiais. Como exemplo de integração tem-se uma venda de gado que simultaneamente gera um movimento financeiro no fluxo de caixa, uma receita para o centro de lucro da atividade e realiza automaticamente baixa no estoque de animais. Operação esta feita exclusivamente através de um único lançamento, sendo desnecessário ao usuário abrir várias janelas e fazer lançamentos individualizados. A tendência é que essas integrações fiquem cada vez mais complexas até chegarem ao nível de softwares com arcabouço ERP (Enterprise Resource Planning), representando o início da fase de integração.
O ERP é definido como uma arquitetura de software que facilita o fluxo de informações entre todas as atividades da empresa como produção, logística, finanças e recursos humanos. È um sistema amplo de soluções e informações que envolve o planejamento e a gestão dos recursos da empresa e a sua utilização, possibilitando benefícios como o aumento da eficiência, qualidade, produtividade e lucratividade.
Um banco de dados único operando em uma plataforma comum wur interage com um conjunto integrador de aplicações, consolidando todas as operações do negócio em um simples ambiente operacional. O ERP emprega a tecnologia cliente/servidor o que significa que o usuário, cliente do sistema, roda uma aplicação que acessa informações de um sistema de gerenciamento de uma base de dados única, o servidor. Isto, ao contrário do antigo sistema de mainframe, reflete o conceito de computação descentralizada. O sistema opera então com um banco de dados que interage com todos os aplicativos do sistema, eliminando-se assim a redundância e redigitação de dados, o que assegura a integridade das informações obtidas.
Cada sistema ERP oferece um conjunto de módulos para aquisição. Estes são os pacotes funcionais, individualizados para cada unidade de negócio dentro da organização. Muitos sistemas ERP são comercializados em um pacote com módulos básicos para a gestão do negócio e então oferecem módulos adicionais que podem ser adquiridos individualmente em função do interesse e estratégia da empresa. Todos esses aplicativos são completamente integrados a fim de propiciar consistência e visibilidade para todas as atividades inerentes ao processo da organização. Entretanto o sistema ERP requer do usuário o cumprimento dos procedimentos e processos conforme descrito pelo aplicativo (PRODEL, 2006).
Em uma análise do mercado destes sistemas, após o período de ouro na década de 90, quando as corporações correram para automatizar e integrar seus processos financeiros e as funções operacionais e administrativas, o mercado esfriou para os fornecedores destes sistemas. As vendas se tornaram mais difíceis e os contratos quase sempre menores. Com as grandes corporações já atendidas, as atenções se voltaram para as pequenas e médias empresas - muito pulverizado e com recursos limitados para gastar em tecnologia. A desaceleração econômica verificada entre 2000 e 2003 também não ajudou. De repente, o mercado ficou pequeno demais para todo mundo, especialmente para aqueles que brigam pelas grandes contas internacionais (CÉSAR, 2005). Entretanto um novo segmento despertou a atenção dessas empresas: o agronegócio.
A competição no agronegócio tem feito até o pequeno produtor a mudar o conceito de logística pelo supply chain, analisando toda a cadeia de abastecimento. No agronegócio, as ferramentas de TI aplicadas à cadeia de abastecimento estão se tornando indispensáveis. Além do ERP, para o planejamento, os principais são sistemas para previsão de demanda, CRM (Customer Relationship Management) e o MRP (Material Requeriment Planning).
O MRP, muito usado na indústria de processos, tem a função principal de calcular a necessidade de materiais ou insumos. Na área de gestão de materiais, dois sistemas se destacam: o WMS (Warehouse Management System) e o código de barras. O primeiro é um sistema de gestão de armazéns, que integra softwares, hardwares e equipamentos periféricos, com o objetivo de otimizar todas as atividades operacionais e burocráticas dentro do processo de armazenagem, reduzindo custos de manutenção de estoque e melhorando o serviço ao cliente. Já o código de barras evita a digitação e reduz o erro pois possibilita uma leitura rápida e correta das informações junto a sistemas como ERP e WMS. Entre os softwares de planejamento, destacam-se os roterizadores e os sistemas de rastreamento de cargas por GPS que tem sido mais utilizado para localizar veículos roubados. Entretanto, seu uso também pode otimizar muito o processo de logística, uma vez que fornece dados importantes, como o tempo de carga e descarga e a localização exata do veículo (CÉSAR, 2005).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A evolução do desenvolvimento e utilização dos sistemas de informações gerenciais (SIGs) aplicados a agropecuária no Brasil indica que ocorreu um rápido crescimento do mercado de softwares em virtude de uma demanda reprimida de produtos que atendessem especificamente a área. Entretanto, pela falta de qualidade, vários programas saíram do mercado. Contudo, a perspectiva de considerar o software como um pacote, incluindo-se ai a manutenção e suporte técnico, deu um enfoque diferente no tratamento e utilização destes sistemas pelas softhouses que tem buscado qualidade de processos (principalmente desenvolvimento e atendimento) e de produto.
Ainda existe uma predominância na utilização de sistemas do tipo transacional e gerencial, com foco agrícola/zootécnico em detrimento da área econômica/financeira. Entretanto, vê-se uma necessidade crescente das empresas rurais à integração de informações, visando a redução da redigitação de dados e necessidade de encarar o negócio agropecuário de forma sistêmica. Somado a isso, o atendimento ao nível organizacional estratégico tem também movido as softhouses ao desenvolvimento de sistemas que considerem esse nível organizacional, ou seja, no desenvolvimento de Sistemas de Apoio ao Executivo (EIS) e Sistemas Especialistas (SE).
Em virtude de ser um setor muito segmentado, o ERP agropecuário é uma realidade para algumas empresas e uma utopia para outras. Porém, pode-se afirmar que as etapas do processo de informatização precisam, independente do tamanho da empresa, serem seguidas para que qualquer tipo de sistema de informação computadorizado sirva de auxílio real a tomada de decisões. Para isso, vê-se claramente nesses anos que é necessário capacitação de todos os recursos humanos envolvidos desde a coleta de dados até a análise das informações, como também, alguma ousadia dos produtores rurais em questionarem seus conceitos gerenciais. A fazenda deve ser vista como empresa rural e para isso devem estar dispostos a quebrarem paradigmas culturais e reverem o valor real que dão a informação.
Sem dúvida que existem muitas frentes por avançar como a melhoria das estruturas de telecomunicações que facultarão acesso a web e a novos formatos de sistema (como os do tipo ASP), redução dos preços dos computadores e linhas de financiamento para pequenos produtores, maior participação das cooperativas na informatização de seus associados. De tudo isto, pode-se evidenciar que a interação da softhouse com o usuário é parte significativa do sucesso desses sistemas, enfim a proximidade delas com os usuário aumenta as chances de êxito do processo de informatização agropecuária.
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***O TRabalho foi originalmente publicado durante o SOBER - Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural / Rio Branco – Acre, 20 a 23 de julho de 2008.