Poucos assuntos irritam tanto o pecuarista como o envolvimento do boi no aquecimento global. Seu maior desejo seria alguém confirmar que o aquecimento global (AG) é a balela científica do século ou que o boi não tem nada a ver com isso. Iniciaremos este texto colocando esses assuntos em perspectiva.
O AG tem sido intensamente estudado no mundo inteiro há décadas e a maioria dos climatologistas aponta evidências suficientes de sua ocorrência e de sua relação com o aumento da concentração de carbono (C) na atmosfera. Por se tratar de uma ciência muito complexa e cheia de incertezas, é necessário gerar vários cenários futuros. É possível, então, selecionar desde os cenários catastrofistas até aqueles que mostram nenhum efeito. O fato é que esses cenários extremos são os menos prováveis, o que denota desinformação ou desonestidade de quem os evoca como cenários prováveis. Ocorre que, mesmo para os cenários intermediários, pode-se esperar efeitos significativos no clima e, consequentemente, na nossa vida. Se as previsões sombrias se confirmarem, daqui a uns trinta ou cinquenta anos, não teremos como voltar atrás.
Já o envolvimento da pecuária no problema está relacionado principalmente ao fato do ruminante produzir metano, gás vinte e cinco vezes mais potente que o gás carbônico na retenção do calor. Admite-se, hoje, que de 10 a 18% dos gases de efeito estufa (GEE) gerados pelas atividades humanas são de origem de ruminantes.
Portanto, apesar de o aquecimento global não ser uma farsa, nem o boi ser totalmente isento, um grave problema é o sensacionalismo com que o tema é tratado. Recentemente, por exemplo, foi divulgado um trabalho europeu com a seguinte manchete: "Produzir 1 kg de carne no Brasil equivale a rodar 1,6 mil km de carro". Essa informação não consta em qualquer artigo científico, demonstrando clara predisposição contra o setor. No seu conteúdo, ela adota uma abordagem francamente oposta à produção de carne, sugerindo incluir na "conta" da pecuária o que eles chamaram de "dreno de carbono potencial perdido", que vem a ser o carbono da vegetação natural, que retornaria à área em que se produz carne caso ela fosse vedada. A justificativa seria que há pressa na redução da concentração de carbono na atmosfera e que isso daria uma ideia melhor aos consumidores ao fazerem suas escolhas. O Brasil passaria de 59 para 335 kg de CO2-eq/kg carne!
Há, contudo, várias falhas graves:
- Não se considera os impactos ao ambiente pela necessidade de aumento de produção de alimentos vegetais e de monogástricos para substituir a carne. Com essa escolha, abre-se mão da produção de proteína de elevada qualidade a partir de capim, com consequente aumento da competição de animais monogástricos por alimentos que servem aos humanos;
- Considerou-se que a produção média brasileira por hectare e a área destinada à pecuária permaneceriam as mesmas nos próximos trinta ou cem anos. O fato de termos aumentado a produção em 535%, entre 1950 e 2006, aumentando em apenas 47% a área de pastagem, dá uma ideia de quão errada é essa premissa;
- Ao fazer as contas de quanto carbono se acumularia caso as pastagens fossem vedadas, chegaram a valores entre 110-136 t C/ha, ou seja, quase 80% da média do que se encontra na floresta tropical, como a Amazônica (151 t C/ha). Para o Cerrado, bioma em que fica a maior parte do nosso rebanho, o valor médio é de 67 t C/ha;
- A justificativa de que a redução da produção de carne serviria a uma melhoria da saúde da população é uma ideia ultrapassada. Hoje, sabe-se que a carne é um alimento que ajuda na obtenção de dietas com ótimo balanço nutricional.
Chega a ser irônico que os autores, pertencentes à afluente comunidade europeia, venham sugerir a redução da produção de carne no mundo quando, exatamente neste momento, as populações de países em desenvolvimento começam a ter acesso a ela, ainda que em níveis de consumo muito inferiores ao dos países ricos do hemisfério Norte.
O maior erro dos autores, ao fazerem a análise por área, foi penalizar nossa pecuária pelo seu maior mérito: o baixo uso de insumos, que implica baixo impacto ambiental. Ainda assim, há o mérito do trabalho ter sido feito baseado em Análises de Ciclo de Vida (ACV), que tentam levar em consideração a totalidade de geração de GEE na cadeia de produção até o consumo (pré-porteira até pós-porteira). Foi a análise de um estudo de Análises de Ciclo de Vida, comparando o impacto ambiental de 1 tonelada de carne produzida no Brasil ou no Reino Unido, que primeiro chamou a atenção para como a problemática do aquecimento global é, na verdade, uma grande oportunidade para alcançarmos um novo patamar na nossa pecuária.
Ao comparar a atividade pecuária no Reino Unido e no Brasil, observa-se que geramos menores impactos ambientais quando considerado:
- o uso primário de energia;
- o potencial de eutrofização; e
- o potencial de acidificação.
Esses positivos resultados refletem o fato da pecuária nacional ter menor necessidade de insumos. Todavia, ao analisar o potencial para o aquecimento global, o Brasil se sai pior. Nesse relatório britânico, é apontada a razão desse resultado: nossos baixíssimos índices de produtividade. O grande vilão, portanto, é o metano produzido em vão por animais sem ganho de peso (ou perdendo peso na seca), bem como aquele emitido por vacas vazias, seja por falha na reconcepção, seja pela demora das novilhas entrarem em produção. Produzimos, assim, muito metano por quilograma de carne produzida.
É consenso entre os técnicos que, apenas com a recuperação das áreas degradadas e melhor manejo das pastagens, nossa produção por área poderia dobrar em relação aos atuais 0,8-1,0 Unidade Animal/ha. Um bônus adicional da recuperação e manejo de áreas degradadas é que há sequestro de carbono pelas pastagens no solo, em função do crescimento radicular. Esse é um dos grandes drenos de carbono que temos para aproveitar. Outras tecnologias simples, como suplementação estratégica, podem aumentar significativamente a produtividade. Enfim, com baixo impacto ambiental, temos chance de reduzir muito o potencial de aquecimento global. Portanto, bem ao contrário de reduzir nossa produção, temos que intensificá-la, apenas com o cuidado de fazer de forma mais eficiente do que hoje.
Nossa eficiência na produção de carne pode ser ampliada enormemente com o uso de sistemas integrados de produção, seja na integração lavoura-pecuária, em sistemas silvipastoris, seja na integração lavoura-pecuária-floresta. Outra atividade que pode ser incorporada é o confinamento, uma das mais eficientes ferramentas para reduzir a emissão de metano por quilograma de carne.
Para quem advoga, como esses infelizes autores europeus, a redução da produção de carne, vale lembrar as 9 bilhões de bocas previstas para 2050. Não podemos abrir mão de um alimento nobre que pode ser produzido em áreas impróprias para a agricultura, usando capim ou resíduos diversos, sem competição por alimentos consumidos por humanos. Deve-se lembrar que bovinos cumprem a função social de ser a "poupança" de muitos pequenos agricultores no mundo e que, na África, 70% da população pobre dependem da pecuária. Além disso, ressalta-se que, nas Análises de Ciclo de Vida, todos os subprodutos aproveitados do boi deveriam ser contabilizados, desde o sebo já usado como biocombustível até a farinha de ossos, que, apesar de não ter carbono em sua constituição, reduz a necessidade do produto industrializado, que tem embutida maior necessidade de energia para ser produzido e transportado.
Em síntese, o que precisamos é intensificar a produção com ganhos de eficiência. Felizmente, o que os economistas da área mostram é que esse é o caminho para tornar a propriedade sustentável também do ponto de vista econômico.
Esse artigo técnico foi publicado originalmente na AgroAnalysis, a revista de agronegócios da FGV.