INTRODUÇÃO
A bovinocultura de corte é uma importante atividade econômica e social desenvolvida no Brasil, que possui um efetivo bovino de, aproximadamente, 195.551.576 de cabeças. O Estado de Minas Gerais ocupa a terceira posição no ranking dos maiores produtores, com 10,66% do efetivo bovino brasileiro (IBGE, 2005). Segundo a Fundação João Pinheiro (2006), Minas Gerais tem uma baixa representação nas exportações de carne brasileira, 3,6%, isto porque o Estado tem uma tradição em exportar gado, via de regra na forma de "gado em pé", para frigoríficos de São Paulo, adicionando valor fora das fronteiras estaduais. Mesmo assim, tal segmento registrou uma alta de 89,4% em 2005, por alguns problemas sanitários em outros Estados da Federação.
Com a ocorrência de enfermidade, em bovinos, prejudiciais aos seres humanos - como por exemplo a doença da "vaca louca (encefalopatia espongiforme bovina) - bem como questões de segurança alimentar, envolvendo contaminações por Escherichia coli O 157:H7, Salmonella spp, além de outras (MARTINS & LOPES, 2003), surgiu a necessidade de se acompanhar mais de perto o ciclo de vida destes animais, criando-se um conjunto de ações denominados de rastreabilidade, que vão desde o cadastramento da data de nascimento do animal, passando por alimentação, vacinas, eventuais doenças, transferências de propriedades até o abate.
A exigência da rastreabilidade da carne, por parte da Comunidade Européia, trouxe uma grande inquietação aos países exportadores e, em especial ao Brasil, devido ao tamanho do rebanho, as condições de criação do gado, a extensão do território brasileiro e a falta de utilização da tecnologia por parte da grande maioria de produtores, ainda não acostumados com o uso da informática, ou da gerência e controles integrados ao dia-a-dia de suas atividades.
Para não perder um de seus principais mercados (a Comunidade Européia), e se projetar à frente das exigências de outros mercados, o Brasil teve de adequar-se a esta tendência e criar seu próprio sistema de rastreabilidade, para atender às exigências dos seus consumidores internos e externos. Diante disso, o governo Brasileiro, buscando a manutenção das exportações de carne bovina, criou o SISBOV (Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina), por meio da instrução normativa nº1, publicada no Diário Oficial da União em 09 de janeiro de 2002 (BRASIL, 2002). Esse Sistema se resume em um conjunto de ações, medidas e procedimentos adotados para caracterizar a origem, o estado sanitário, a produção, a produtividade da pecuária nacional e a segurança dos alimentos provenientes dessa exploração econômica. O objetivo do sistema é identificar, registrar e monitorar, individualmente, todos os bovinos e bubalinos nascidos no Brasil ou importados. Espera-se que, com a implantação da rastreabilidade os pecuaristas estejam também agregando valor à carne produzida, obtendo melhores preços e, conseqüentemente, maior rentabilidade e maiores divisas para o país.
A rastreabilidade na bovinocultura foi tema de centenas de reportagens e matérias veiculadas na web, na mídia televisiva, em jornais e revistas técnicas nos últimos anos. Algumas poucas produções científicas foram publicadas (MACHADO & NANTES, 2000; MARTINS, 2002; PIRES, 2003; RESENDE & LOPES, 2004; ROCHA & LOPES, 2002; ROLIM & LOPES, 2005), abordando diferentes aspectos e implicações da rastreabilidade. No entanto, estes autores não abordaram os impactos econômicos e nem mesmo o custo da implantação da rastreabilidade em sistemas de produção de bovinos, muito embora esta tenha sido, e continua sendo, uma das principais preocupações dos pecuaristas. Considerando a escassez de resultados de pesquisas que abordaram tal questão, torna-se evidente a necessidade de mais estudos.
Este trabalho teve por objetivo analisar a viabilidade econômica da implantação de um sistema de rastreabilidade bovina, utilizando brincos plásticos e bótons, nas propriedades rurais do Estado de Minas Gerais.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente trabalho constitui-se de uma simulação com estudos de casos, referentes à implantação de um sistema de rastreabilidade bovina, em sistemas de produção de bovinos com 23, 67 e 189 animais, dando ênfase ao impacto financeiro que a implantação trará aos pequenos produtores rurais. Optou-se por estas quantidades por representarem os efetivos médios menores, médios e maiores, respectivamente, nos estabelecimentos agropecuários do Estado de Minas Gerais. Considerou-se que as propriedades realizam a cria, recria e engorda de bovinos.
Os dados referentes às quantidades de animais nas propriedades do Estado são provenientes da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER-MG), e correspondem à data de maio de 2004. Nesta ocasião, a população média de bovinos por propriedade aproxima-se de 67 cabeças, nos 309.551 estabelecimentos agropecuários. A maior concentração média encontra-se na região de Uberaba, com 189 animais por propriedade, e a menor na região de Juiz de Fora, com média de 23 bovinos por propriedade (Tabela 1).
Foi estimado o custo para a implantação de um sistema de rastreabilidade utilizando brincos e bótons de plástico, tomando-se como referência os valores praticados por duas empresas certificadoras. A empresa A cobra uma taxa de inscrição do produtor ao sistema, uma taxa por animal rastreado e o deslocamento do técnico, bem como taxa de anuidade. Já a empresa B, não cobra taxa de inscrição e nem anuidade, cobra uma taxa por animal rastreado, deslocamento do técnico e um salário referente ao dia de trabalho do técnico. Ambas permitem que o produtor faça a identificação dos animais, ou seja, os brincos e bótons podem ser adquiridos pelo produtor em qualquer empresa que produz identificadores. Nesta simulação, estipulou-se o valor dos brincos e bótons em R$1,40. Ao deslocamento do técnico foi pago R$1,50 por quilômetro rodado, na empresa A e R$0,40 na empresa B. Os valores foram obtidos através do web site de uma das empresas e por informações diretas da outra, por telefone.
Os resultados foram comparados por meio de análise descritivas, utilizando o software MS ExcelR, e agrupados em tabelas, objetivando uma melhor comparação, discussão e apresentação dos resultados (LOPES et al., 2004).
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Na tabela 2 são apresentados os custos da implantação de um sistema de rastreabilidade, em função dos preços praticados por duas certificadoras credenciadas pelo MAPA (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento), para rastrear 23, 67 e 189 animais, nos dois primeiros anos de implantação do sistema de rastreabilidade, uma vez que os animais rastreados permaneceram no mínimo dois anos na propriedade, antes de serem abatidos. Os custos estão expressos em reais, tanto nos valores individuais, como no valor total para a propriedade. O valor da visita do técnico, para fazer a vistoria dos animais, foi obtido por uma estimativa média dos honorários para um dia de trabalho.
Deve-se levar em consideração também que, inicialmente, ou seja, no primeiro ano, o produtor deverá cadastrar e rastrear todos os animais de sua propriedade, e nos anos seguintes somente os animais nascidos. De acordo com Lopes (2000), a quantidade de animais nascidos anualmente corresponde a 40% do total do plantel, em um rebanho dimensionado corretamente, no qual são criados e recriados machos e fêmeas, adotando-se uma taxa de natalidade de 80%. Assim, apenas 9, 27 e 76 animais nascidos passarão a ser rastreados, no segundo ano (ano 2).
Na tabela 3 foi estimado o custo da implantação da rastreabilidade em função dos 9, 27 e 76 animais nascidos, no segundo ano, nas propriedades com plantel de 23, 67 e 189 cabeças, respectivamente. Na estimativa, não foi incluída a taxa de inscrição, pois esta é paga somente uma vez no início do processo, mas foi incluída a taxa de anuidade cobrada por uma das empresas, bem como os valores dos brincos e da taxa por animal, que são apenas referentes aos animais nascidos, que serão identificados pela primeira vez.
O valor total, por propriedade, para a continuidade do processo de rastreabilidade no segundo ano reduz, em comparação com os valores, referentes ao primeiro ano (tabela 2). Tomando-se como referência a propriedade com 23 animais, para a empresa A, considerando que a anuidade deve ser rateada entre todos os animais da propriedade (R$100,00/32 (23+9) = 3,13), e que a taxa referente aos animais e aos brincos serão rateadas apenas aos animais nascidos no segundo ano (R$99,30/9 = 11,03), obtém-se o valor individual (por animal) de R$14,16 (3,13 + 11,06). Para a empresa B, se este valor total for rateado entre os nove animais que serão identificados (291,60/ 9) obtém-se o valor individual (por animal) de R$32,40. Esse valor mais alto deve-se à taxa de visita do técnico que será rateada por um número menor de animais, aumentando-se o valor por animal rastreado. Portanto, o valor total em relação ao primeiro ano é menor, mas o valor individual (por animal) aumenta consideravelmente, de R$14,14/cabeça para R$32,40/cabeça, no caso da empresa B.
O custo final da implantação da rastreabilidade, por animal, na Empresa B foi 46,7%, 39,51% e 25,6% maior do que a Empresa A, para propriedades com 23, 67 e 189 animais respectivamente, mesmo aquela não cobrando as taxas de anuidade e credenciamento. Tal fato evidencia que os pecuaristas devem estimar, cuidadosamente, os custos finais da implantação da rastreabilidade, em seus sistemas de produção, antes de escolherem uma empresa certificadora.
A consulta e análise, por parte do pecuarista, à diversas certificadoras é importante, pois Rolim & Lopes (2005), ao realizarem um estudo comparativo entre as certificadoras credenciadas pelo MAPA (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento), constataram que existem diferenças expressivas entre as certificadoras e algumas não estão preocupadas em informar aos pecuaristas sobre o assunto e estão tratando meramente da questão comercial. Estes pesquisadores salientaram ainda que, existem certificadoras que merecem uma fiscalização mais cuidadosa por parte dos órgãos competentes, pois nem todas estão cumprindo o que determina a legislação e/ou não estão aptas a prestar serviços de tamanha responsabilidade.
No Estado de Minas Gerais, os frigoríficos que necessitam de bovinos rastreados têm pago um adicional de um a dois reais por arroba rastreada (REZENDE, 2004). De acordo com Mendes (2004), existe a tendência de se aumentar o valor pago pelos animais rastreados, a partir do momento em que começar a faltar animais rastreados que sejam oferecidos ao mercado. Assim, pela venda de um bovino de 450 kg de peso vivo (15 arrobas, considerando um rendimento de carcaça de 50%), o produtor receberá um adicional de R$15,00 a R$30,00, por animal rastreado abatido. Este valor possibilita a adoção da rastreabilidade, para a maioria das propriedades rurais do Estado de Minas Gerais, pois subtraindo o custo da rastreabilidade média entre as duas empresas certificadoras, do valor da receita adicional que pode ser obtida com ela, junto ao frigorífico (R$15,00), o resultado é positivo (R$15,00 – R$13,79 = R$1,21), considerando propriedades com 23 animais. Esse resultado demonstra uma relação custo:benefício positiva, evidenciando que o pecuarista terá retorno econômico, uma vez implantada a rastreabilidade, em seu sistema de produção animal.
Para as propriedades maiores, com 189 animais (Tabela 3), os custos de implantação da rastreabilidade são bem menores do que a receita obtida com o adicional pago pelo frigorífico (R$15,00 – R$3,92 = R$11,08), sendo o resultado positivo. Tal fato deve-se à economia de escala, pois as despesas referentes à anuidade, taxa de credenciamento e visita do técnico são "diluídas", em função da quantidade de animais rastreados (Tabela 4).
Já os custos da rastreabilidade para os animais nascidos no segundo ano serão mais elevados, uma vez que o rateio de algumas despesas será feito para um número menor de animais. Com isso, as propriedades que estiverem rastreando até dez animais, não terão viabilidade econômica da implantação do sistema, pois os custos para implantar a rastreabilidade serão maiores que o valor adicional pago pelos frigoríficos, considerando esse valor de um real por arroba rastreada e o valor cobrado pela empresa A, uma vez que esta tem um custo de implantação menor do que a empresa B.
Considerando-se o adicional pago pelos frigoríficos de R$15,00 a R$30,00 por animal rastreado, pode-se constatar que a adoção de um sistema de rastreabilidade apresenta viabilidade econômica para as propriedades que estiverem criando mais de 20 animais, levando-se em consideração que os animais serão entregues aos frigoríficos que pagam um adicional de R$1,00 por arroba (Figura 1). Já a venda aos frigoríficos que pagam R$2,00, permite a viabilidade do sistema a pecuarista que tenha no mínimo 8 animais. Nessas propriedades a relação custo:benefício será favorável, uma vez que os valores adicionais pagos pelos frigoríficos superam os custos com a implantação do sistema de rastreabilidade.
CONCLUSÕES
Conclui-se que a implantação do sistema de rastreabilidade apresenta viabilidade econômica em sistemas de produção com no mínimo 20 e 8 animais, considerando receitas adicionais de R$1,00 e R$2,00 obtida por arroba de animal, respectivamente, pois tais receitas superam os custos da implantação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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***O trabalho foi originalmente publicado por Ciênc. agrotec. v.32 n.1 Lavras jan./fev. 2008.