INTRODUÇÃO
Com a ocorrência de enfermidades, em bovinos, prejudiciais aos seres humanos, como por exemplo a doença da vaca-louca (encefalopatia espongiforme bovina), bem como contaminações alimentares por Escherichia coli O 157: H7, Salmonella spp, além de outras (MARTINS & LOPES, 2003), surgiu a necessidade de se acompanhar mais de perto o ciclo de vida desses animais e dos produtos, criando-se um conjunto de ações denominado rastreabilidade.
A exigência da rastreabilidade da carne por parte da Comunidade Européia trouxe uma grande inquietação aos países exportadores e em especial ao Brasil, em virtude do tamanho do rebanho, das condições de criação do gado, da extensão do território brasileiro e da falta de utilização da tecnologia por parte da grande maioria de produtores ainda não acostumados com o uso da informática ou da gerência e controles integrados ao dia-a-dia de suas atividades.
Para REZENDE & LOPES (2004), rastreabilidade indica a possibilidade de seguir os passos de alguma coisa, no caso, o histórico do animal desde o nascimento ou aquisição até o momento do seu consumo ou de uma de suas partes. Com ela é possível, por meio de identificação vinculada a um corte da carne bovina, conhecer todo o manejo do animal, desde o seu nascimento até seu abate e comercialização.
Para não perder um de seus principais mercados (Comunidade Européia), e se projetar à frente das exigências de outros mercados, o Brasil teve de adequar-se a essa tendência e criar seu próprio sistema de rastreabilidade para atender às exigências dos seus consumidores (SARTO, 2002). Diante disso, o governo brasileiro, buscando a manutenção das exportações de carne bovina, criou o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina (SISBOV), por meio da Instrução Normativa no 1, publicada no Diário Oficial da União em 9 de janeiro de 2002 (BRASIL, 2002). Esse sistema se resume em um conjunto de ações, medidas e procedimentos adotados para registrar a origem, o estado sanitário, a produção e a produtividade da pecuária nacional, além da segurança dos alimentos provenientes dessa exploração econômica. O objetivo do sistema é identificar, registrar e monitorar, individualmente, todos os bovinos e bubalinos nascidos no Brasil ou importados.
Desde essa data a mídia televisiva, impressa e até mesmo eletrônica vem trazendo diversas matérias sobre o tema. Dentre estas estão algumas reclamações por parte das associações de criadores, apontando alguns entraves para a classe produtora, decorrentes da implantação do SISBOV. Considerando também que muitas são as dificuldades enfrentadas pelos pecuaristas, quando lhes é imposta uma nova tecnologia, mesmo que esta traga benefícios, espera-se que, com o levantamento das principais dificuldades enfrentadas por este importante segmento do agronegócio carne, seja possível sugerir propostas visando, se não for possível sanar, pelo menos amenizar o problema.
Diante disso, esta pesquisa teve como objetivo realizar o levantamento das dificuldades encontradas pelos pecuaristas que aderiram ao SISBOV. Especificamente pretendeu-se saber: a) se os produtores conhecem e como conheceram o SISBOV; b) qual é o método de identificação utilizado; c) qual a opinião sobre o custo da implantação da rastreabilidade; d) como consideram a remuneração do animal rastreado; e e) quais as vantagens e desvantagens da implantação da rastreabilidade.
MATERIAL E MÉTODOS
Formulou-se um questionário qualitativo semi-estruturado contendo quatorze questões, sendo treze de múltipla escolha e uma aberta, visando levantar as principais dificuldades encontradas pelos pecuaristas que aderiram ao SISBOV. Para elaboração do questionário tomou-se como referência o trabalho de REZENDE (2004), o qual foi adaptado e acrescido de mais perguntas. Este questionário foi aplicado junto a pecuaristas na Exposição Agropecuária Superagro, em Belo Horizonte (MG), no dia 30 de maio de 2005; na Feira Internacional de Gado de Corte (FEICORTE), em São Paulo, no dia 14 de junho de 2005, e em um Dia de Campo realizado na cidade de Conquista, MG, no dia 31 de agosto de 2005.
Na formulação da primeira pergunta, levou- se em consideração a necessidade de identificar o perfil do produtor por meio do tipo de exploração desenvolvida. As cinco perguntas seguintes cuidaram de avaliar o conhecimento dos produtores quanto a aspectos normativos do SISBOV e seus reflexos sobre o manejo e economia da propriedade. Nas perguntas subseqüentes buscaram-se informações quanto aos métodos de identificação mais utilizados, a destinação do produto dos abates, bem como os aspectos relativos à remuneração diferenciada, ou não, pelos animais rastreados. E, por fim, colheram-se as opiniões dos produtores quanto à confiança depositada no sistema, e se reconheciam vantagens, desvantagens e dificuldades com a implantação do SISBOV em seus sistemas de produção de gado de corte.
Abordaram-se 103 pessoas, sendo que 64 eram produtores de outras atividades do agronegócio ou visitantes e apenas 39 eram produtores de gado de corte. Destes, apenas 51% (vinte produtores) haviam implantado o SISBOV em seus sistemas de produção de bovinos de corte. Todos os vinte entrevistados responderam a todas as quatorze perguntas formuladas. Em alguns casos, dadas várias alternativas, o pecuarista podia escolher mais de uma.
Os dados foram analisados por meio de estatísticas descritivas simples, utilizando o aplicativo MS Excel®, e agrupados em tabelas, objetivando uma melhor comparação, discussão e apresentação dos resultados (LOPES et al., 2004). Contudo a eles não foram aplicados testes estatísticos, pois não houve estabelecimento de hipóteses no início da pesquisa, uma vez que o objetivo foi apenas realizar o levantamento das dificuldades encontradas pelos pecuaristas que aderiram ao SISBOV.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Quanto ao tipo de exploração desenvolvida pelos pecuaristas, 55% adotam o sistema de cria e recria; 30% atuam na fase de cria, recria e engorda; 10% na fase de engorda; e apenas 5% adotam a fase de recria. Observa-se que, dentre os produtores que responderam ao questionário, 40% exploram a modalidade de engorda, inferindo- se, assim, que comercializam animais, direta ou indiretamente, para a indústria frigorífica, razão por que já devem ter implantado o SISBOV em seus sistemas de produção. Todos os onze produtores que realizam as fases de cria e recria rastreiam seus animais, apesar de a legislação exigir que as informações referentes aos animais permaneçam pelo menos noventa dias na Base Nacional de Dados, do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), antes de serem abatidos.
Tal fato pode evidenciar que mesmo os pecuaristas que não comercializam animais para o abate estão se conscientizando da importância da rastreabilidade.
Em relação aos meios pelos quais conheceram o SISBOV, a maioria (55%) afirma ter sido através de associações de criadores; 20% via jornais; 5% via TV; 5% por meio da internet. Tal fato mostra a preocupação das associações em informar aos pecuaristas o que é e qual a importância do SISBOV. Outros meios também foram citados por 20%, como certificadoras, exposições e palestras em universidades. Nenhum pecuarista declarou ter conhecido o SISBOV por meio de divulgação feitas pelo MAPA, o que evidencia haver falhas nas estratégias de divulgação utilizadas pelo Ministério. Perguntados se conhecem os prazos para adesão ao SISBOV, 35% declararam que não conhecem. Uma possível solução para maior e melhor divulgação do SISBOV, no tocante não apenas aos prazos, mas também a sua importância e como implantar, poderia ser a publicação de uma cartilha, com ampla distribuição, principalmente aos pecuaristas. Ou ainda por meio de publicidade veiculada na televisão, oportunidade também para mostrar a toda população a importância de consumirem carne oriunda de animais rastreados, bem como as demais vantagens advindas da rastreabilidade.
Os identificadores mais utilizados pelos pecuaristas foram brinco e tatuagem (60%); brinco e bottom (30%); brinco e marca a fogo (20%); e brinco e dispositivo eletrônico (15%). Assinale-se que alguns pecuaristas adotam em suas propriedades mais de um método de identificação animal. Um produtor diz identificar os animais de outra maneira, mostrando que ele não sabe ao certo quais são os métodos de identificação permitidos pela legislação. Sobre os custos de implantação do SISBOV, 75% dos pecuaristas o consideram acessível; 15% acham alto; e 10% disseram ser baixo. O fato de apenas 15% considerarem alto o custo de implantação contraria a maioria das matérias divulgadas na imprensa, nas quais os pecuaristas perguntavam: "quem vai pagar a conta da adoção da rastreabilidade?"
Quanto ao manejo, 75% responderam que o SISBOV facilitou o manejo da propriedade, os outros 25% alegaram que o manejo ficou dificultado. A melhora no manejo se deveu, provavelmente, ao fato de os animais estarem identificados, facilitando assim diversas práticas zootécnicas.
Pequena parte dos pecuaristas (10%) consultados vende sua produção a frigoríficos, que destinam o produto do abate aos mercados externo e interno. Outros 25% comercializam sua produção junto a frigoríficos, que destinam os produtos, exclusivamente, ao mercado externo, enquanto que a maioria (65%) tem o produto dos abates destinados, exclusivamente, ao mercado interno. Quando se perguntou se os frigoríficos têm pago preços diferenciados por animais rastreados, a maioria (70%) respondeu que sim e que foi acrescida ao preço normal da arroba uma remuneração de, em média, R$ 2,10. Se, ao longo do tempo, os frigoríficos continuarem remunerando com esse adicional por arroba, de acordo com LOPES & SANTOS (2006), pecuaristas que possuem rebanhos com mais de nove cabeças e identificaram os animais com brinco e botton terão uma relação custo–benefício satisfatória, pois esses pesquisadores estimaram em R$13,78; R$5,95; e R$3,91 o custo da implantação da rastreabilidade em sistemas de produção com 23; 67 e 189 animais, respectivamente. Considerando que normalmente os animais são abatidos com peso igual ou superior a quinze arrobas, a receita adicional obtida por animal, de R$ 31,50 seria mais do que suficiente para cobrir os investimentos advindos com a rastreabilidade. Os outros 30% responderam que os preços estão sendo iguais aos dos animais não-rastreados. A falta de remuneração diferenciada, por parte da indústria frigorífica, àqueles pecuaristas que implantaram o SISBOV, é algo que necessita ser sanado e com certeza estimulará muito os pecuaristas a aderirem ao sistema, pois passarão a ver a rastreabilidade como um investimento, não apenas no que diz respeito à gestão de sistemas de produção, mas também como retorno financeiro direto, recuperando os investimentos e as despesas adicionais originadas com a implantação do Sistema, conforme resultados obtidos por LOPES & SANTOS (2006).
Com relação às dificuldades encontradas para implantação do SISBOV, quando solicitado que o pecuarista apontasse três, dentre oito alternativas apresentadas, 45% apontaram as mudanças freqüentes das normas; 30% a falta de divulgação das normas; 25% a compreensão das normas do SISBOV; 15% o custo elevado da certificação; 10% a compreensão das normas das certificadoras. Apenas 10% dos entrevistados disseram que não encontraram nenhuma dificuldade (Tabela 1). RESENDE (2004), ao entrevistar, por e-mail, oito pecuaristas, apontou como sendo a maior dificuldade, encontrada por 62,5%, as constantes mudanças nas normas do SISBOV. Essas duas pesquisas evidenciaram que pouco, ou quase nada, foi feito para sanar esse problema.
Quanto às mudanças freqüentes das normas, tal fato tem-se mostrado uma realidade, pois desde a sua implantação, em 10 de janeiro de 2002, até 26 de abril de 2006 (data em que este artigo foi concluído), dezenove matérias (instruções normativas, portarias e circulares) já foram publicadas no Diário Oficial da União normatizando o seu funcionamento e estabelecendo regras, algumas das quais alterando o cronograma inicialmente estabelecido, bem como revogando diversos artigos e parágrafo. A opção "dificuldade na escolha da certificadora" não foi citada por nenhum pecuarista. Tal fato provavelmente se deveu à quantidade de empresas credenciadas pelo MAPA, sendo 64 em oito Estados diferentes da Federação. Vale salientar que diversas empresas possuem técnicos credenciados em todos os Estados e 34% das empresas possuem site na internet, facilitando a tarefa do pecuarista em escolher uma empresa prestadora desse serviço. Entretanto, de acordo com ROLIM & LOPES (2005), em março de 2003, quinze meses após a publicação da instrução normativa que instituiu o SISBOV, 100% das treze certificadoras credenciadas possuíam página na internet. Dificuldade na compra de brinco identificador e desorganização por parte do governo também foram dificuldades apontadas pelos pecuaristas, ao ser dada a oportunidade para eles indicarem outras, além das alternativas apresentadas.
TABELA 1. Principais dificuldades encontradas pelos pecuaristas na implantação do SISBOV
Apesar das dificuldades encontradas, 90% dos entrevistados acreditam num futuro promissor do SISBOV, alegando que terão um rebanho diferenciado que é de fácil comercialização, melhor controle do animal, uma melhor remuneração e que há perspectivas de um mercado crescente. Porém 10% alegam não existir uma fiscalização adequada e não ocorre um esforço por parte do governo para que ocorra a implantação do sistema.
Por fim, perguntados sobre as vantagens com a implantação do SISBOV, os pecuaristas apontaram aquelas apresentadas na Tabela 2. Estes resultados corroboram a afirmação de MARTINS & LOPES (2003), que, ao discutirem diferentes aspectos da rastreabilidade, destacaram a importância desta como instrumento de gestão dos sistemas de produção animal.
TABELA 2. Vantagens com a implantação do SISBOV
CONCLUSÕES
A rastreabilidade, apesar de ser uma exigência, sobretudo, do mercado consumidor importador, ainda necessita de algumas transformações por parte de órgãos competentes, no caso do SISBOV, do Ministério da Agricultura, para sanar algumas dificuldades que os pecuaristas ainda encontram, tais como as constantes mudanças e a falta de divulgação das normas.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa n o 1, de 9 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, publicado em10 de janeiro de 2002, seção 1, p. 1. Brasília, DF, 2002.
LOPES, M. A.; SANTOS, G. O impacto financeiro da rastreabilidade em sistemas de produção de bovinos no Estado de Minas Gerais. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 43., João Pessoa, 2006, Anais... 2006, João Pessoa, 5 p. (Publicado em CD)
LOPES, M. A.; LIMA, A. L. R.; CARVALHO, F. de M.; REIS, R. P.; SANTOS, I. C.; SARAIVA, F. H. Controle gerencial e estudo da rentabilidade de sistemas de produção de leite na região de Lavras (MG). Revista Ciência e Agrotecnologia, v. 28, n. 4, p.883-892. 2004.
MARTINS, F. M.; LOPES, M. A. Rastreabilidade bovina no Brasil. Lavras: UFLA, 2003. 83 p. (Boletim Agropecuário, 55).
RESENDE, E. H. S.; LOPES, M. A. Identificação, certificação e rastreabilidade na cadeia da carne bovina e bubalina no Brasil. Lavras: UFLA, 2004. 39 p. (Boletim Agropecuário, 58).
REZENDE , H. M. G. de. Levantamento de resultados e das principais dificuldades na implantação do sistema brasileiro de identificação e certificação de origem bovina e bubalina – SISBOV. Juiz de Fora, 2004. Monografia (Pós- Graduação Lato Sensu) – Gestão da Informação no Agronegócio.
ROLIM, F. J.; LOPES, M. A. Comparativo entre certificadoras de rastreabilidade credenciadas para o SISBOV-MAPA. Ciência e Agrontecnologia, Lavras, v. 29, n. 5, p. 1052-1080, 2005.
SARTO, F. M. Análise dos impactos econômicos da implantação do sistema de identificação e certificação de origem bovina e bubalina no Brasil. 2002. Monografia (Conclusão de Curso) – Universidade de São Paulo, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz.
***Dado bibliográfico: Ciência Animal Brasileira, v. 8, n. 3, p. 515-520, jul./set. 2007