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Modificações Post- Mortem

Publicado: 24 de julho de 2023
Por: Prof. Roberto de Oliveira Roça. Departamento de Gestão e Tecnologia Agroindustrial Fazenda Experimental Lageado.
As funções vitais do sistema muscular não cessam no momento da morte do animal. Uma série de modificações bioquímicas e estruturais, que ocorrem após o sacrifício, é denominada de "conversão do músculo em carne". As modificações bioquímicas e estruturais ocorrem simultaneamente e são dependentes dos tratamentos ante-mortem, do processo de abate e das técnicas de armazenamento da carne.

1- Glicogênio

O glicogênio encontra-se distribuído em todos os tecidos, mas é .importante considerá-lo no fígado e no músculo estriado onde o seu metabolismo assume maior significado na transformação do músculo em carne. Apresenta grande importância no estudo das alterações post-mortem, tendo em vista que a sua concentração a nível muscular momentos antes do abate definirá de maneira significativa a formação de ácido lático e a conseqüente queda do pH.
A concentração do glicogênio hepático em bovinos está na ordem de 1,5 a 4,0% do peso do órgão, mas distúrbios do metabolismo hepático de carboidratos e problemas relacionados com a nutrição constituem os principais fatores que alteram estes valores. Nas doenças onde ocorre menor ingestão de alimentos, nos períodos de fome, de baixo plano nutricional, ou seja, quando o aporte energético se torna inferior às necessidades, diminui, no decorrer de um a dois dias, o teor de glicogênio no fígado e o conteúdo de glicogênio e glicose no sangue.
A concentração de glicogênio no sangue apresenta grandes oscilações diárias, atingindo maiores valores uma hora após uma alimentação e valores inferiores a 1% podem ocorrer após jejum de 24 horas.
Em vida, a massa muscular de bovinos armazena cerca de dois terços do glicogênio total do corpo, correspondendo a valores de 1,57% de glicogênio no músculo vivo.
O glicogênio muscular é utilizado como fonte de material energético para sustentar a contração quando a demanda por energia é maior do que a que pode ser oferecida pela glicose.
No citoplasma das células hepáticas e fibras musculares existem enzimas para a síntese e quebra de glicogênio. A atividade enzimática é regulada por hormônios: a síntese de glicogênio é estimulada pela insulina e a quebra é estimulada por adrenalina e glucagon. As primeiras enzimas que regulam a glicólise post-mortem no músculo são a fosforilase b e a fosfofrutoquinase. A ativação da glicólise abaixo de 5oC parece ser devido ao grande acúmulo de AMP (adenosina monofosfato) que estimula a fosforilase b.

2- Glicólise e queda do pH

Para compreensão da transformação do músculo em carne é necessário o conhecimento dos processos bioquímicos que ocorrem no animal em vida. As reações químicas no músculo vivo e após o sacrifício são similares, porém deve-se considerar que, após a morte fisiológica, os tecidos são incapazes de sintetizar e eliminar determinados metabólitos.
A glicólise é um processo que envolve todas as etapas da conversão do glicogênio ou glicose muscular em ácido pirúvico ou ácido lático. Considerando inicialmente o animal vivo, este processo é um meio rápido de obtenção de ATP (adenosina trifosfato) em condições anaeróbias, visto que não há consumo de oxigênio. Estas reações ocorrem no sarcoplasma e as enzimas que catalisam cada uma das reações são proteínas sarcoplasmáticas solúveis. O rendimento líquido da glicólise é de 3 moles de ATP e 4 íons hidrogênio por molécula de glicose-1-fosfato, proveniente do glicogênio. Esta série de doze reações químicas (Figura 1) é denominada via glicolítica de Embden-Meyerhof.
Figura 1 - Sumário das reações que proporcionam energia para a função muscular (FORREST et al., 1979).
Figura 1 - Sumário das reações que proporcionam energia para a função muscular (FORREST et al., 1979).
A segunda parte do mecanismo que ocorre na mitocôndria, no animal em vida, é chamada de ciclo de Krebs-Johnson (ciclo dos ácidos tricarboxílicos ou ciclo do ácido cítrico). É uma continuação da via glicolítica e requer oxigênio. Sua função é converter os ácidos pirúvico e lático, produtos finais da glicólise nos animais, em gás carbônico e íons hidrogênio. O ciclo de Krebs-Johnson constitui um mecanismo comum não só para oxidação dos produtos da glicólise, mas também para oxidação final de produtos resultantes do metabolismo de ácidos graxos e aminoácidos (Figura 1).
O gás carbônico proveniente do Ciclo de Krebs-Johnson é eliminado através da corrente sangüínea e os íons hidrogênio entram na terceira fase do mecanismo chamada de fosforilação oxidativa ou cadeia citocrômica mitocondrial. Os nucleotídeos NAD (nicotinamina adenina dinucleotídeo), NADP (nicotinamina adenina dinucleotídeo fosfato) e FAD (flavina adenina dinucleotídeo) agem em colaboração com enzimas mitocondriais para efetuarem o transporte de elétrons e facilitarem a transferência de hidrogênio, produzindo NAD-H2, NADP-H2 e FAD-H2. Estes nucleotídeos reduzidos naturalmente, dão origem à formação de ATP a partir de ADP (adenosina difosfato). O rendimento líquido de energia no ciclo de Krebs-Johnson e cadeia do citocromo é de 34 moléculas de ATP, totalizando nas três fases do mecanismo, 37 moléculas de ATP (Figura 1).
O animal recém abatido após um período de repouso, apresenta em seus músculos, ATP, fosfocreatina e tem pH em torno de 6,9 a 7,2. No músculo vivo, o ATP circula continuamente para a manutenção do metabolismo, mas quando o suprimento de oxigênio é cortado através da sangria, o músculo torna-se anaeróbio, e o ácido pirúvico não entra no ciclo de Krebs-Johnson e na cadeia citocrômica para formar ATP. Em anaerobiose há formação de ácido lático e apenas 8% do ATP em relação ao ATP formado pelo metabolismo com presença de oxigênio. Desta forma nos primeiros momentos post-mortem, o nível de ATP (10umol/g) é mantido por conversão do ADP a ATP (fosfocreatina + ADP < -> creatina + ATP), mas quando a fosfocreatina é exaurida, inicia-se a queda do nível de ATP. Portanto, as reservas energéticas se esgotam mais rapidamente no metabolismo anaeróbio. Inicialmente são degradadas as reservas de fosfocreatina, seguidas pelas reservas de glicogênio e outros carboidratos e finalmente o ATP, rico em energia. Como resultado, os prótons que são produzidos durante a glicólise e durante a hidrólise de ATP a ADP causam diminuição significativa do pH intracelular.
A velocidade do consumo de ATP determina a velocidade de degradação do glicogênio e, como conseqüência, a formação do produto final do metabolismo anaeróbio que é o ácido lático. Assim, a forma mais rápida para observar a velocidade de consumo de ATP é a verificação da queda do pH. A queda inicial do pH é devida principalmente à liberação de íons H+, que ocorre antes da redução de piruvato a lactato. Em pH 7,0, o íon H+ é ligado durante a fosforilação de ADP a ATP e liberado durante a hidrólise enzimática do ATP. Por outro lado, a pH 5,5 - 6,0, os íons H+ são liberados durante a glicólise mas não são liberados durante a hidrólise de ATP. Noventa por cento dos íons formados são devidos à glicólise e o restante devido à hidrólise do ATP.
A velocidade de queda do pH, bem como o pH final da carne após 24-48 horas, é muito variável. A queda do pH é mais rápida nos suínos, intermediária nos ovinos e mais lenta nos bovinos. Para bovinos, normalmente a glicólise se desenvolve lentamente; o pH inicial (0 horas) em torno de 7,0 cai para 6,4-6,8 após 5 horas e para 5,5 - 5,9 após 24 horas. Em suínos, a velocidade de queda é maior, atingindo valores de 5,6 - 5,7 após 6 - 8 horas post-mortem e 5,3 - 5,7 após 24 horas.
Em suínos, quando o pH atinge níveis inferiores a 5,8 dentro de 45 minutos post-mortem tem-se o indício da presença de carne PSE ("pale, soft, exudative") (Figura 2). Esta glicólise extremamente rápida, que ocorre em suínos susceptíveis ao estresse, não é observada em bovinos, embora LOCKER & DAINES (1975) tenham encontrado mudanças post-mortem em músculo bovino incubado a 37oC, que podem ser consideradas como uma leve forma de PSE. A incidência em suínos de carne PSE é variável: 10,3% nos Estados Unidos, 20% na Grã-Bretanha e 10% na Austrália.
Figura 2- Curvas de queda do pH post-mortem (FORREST et al., 1979).
Figura 2- Curvas de queda do pH post-mortem (FORREST et al., 1979).
Entretanto, se devido a uma deficiência de glicogênio, o pH permanece após 24 horas acima de 6,2, tem-se o indício de uma carne DFD ("dark, firm, dry" ou "dark-cutting"). Esta condição ocorre em bovinos, suínos e ovinos, mas com pequena importância econômica para ovinos.
A carne DFD é um problema causado pelo estresse crônico antes do abate, que esgota os níveis de glicogênio. Há evidências que o principal fator de indução do aparecimento do "dark cutting" seja o manejo inadequado antes do abate que conduz à exaustão física do animal.
O pH final é a causa das características físicas da cor escura e alta capacidade de retenção de água da carne e ocorre devido a pequena quantidade de ácido lático produzida. A glicose e os metabólitos intermediários também são acumulados.
O pH 6,0 tem sido considerado como linha divisória entre o corte normal e o "dark-cutting", porém alguns autores também utilizam valores de 6,2 - 6,3. No Brasil, os frigoríficos só exportam carne com pH < 5,8, avaliado diretamente no músculo L. dorsi, 24 horas post-mortem.
A incidência de "dark-cutting" é variável conforme o país: 22% na Finlândia, 3,2% na Irlanda, 3,6% na França, 4,1% na Grã Bretanha, e, em função da idade e do sexo: 1 a 5% para novilhos e novilhas; 6 a 10% para vacas e 11 a 15% para machos adultos também na Grã Bretanha. Em suínos varia de 3,8 a 10% nos Estados Unidos, 15% na Austrália e 30% na GrãBretanha.

3- Modificações estruturais

As mudanças estruturais mais importantes a nível muscular no postmortem são a contração e o rigor mortis, que podem ser considerados dois processos diferentes (Figura 2). No músculo vivo, a contração muscular ocorre devido a uma neuroestimulação através da placa motora terminal, que libera cálcio do retículo sarcoplasmático para o sarcoplasma. O cálcio inativa o sistema troponina-tropomiosina por ligação do cálcio à troponina C e, conseqüentemente há a reação entre actina e miosina que resulta na contração muscular. Durante esta fase de contração, os filamentos de actina deslizam ao longo dos filamentos de miosina por meio de uma série de interações rápidas entre os filamentos e o comprimento do sarcômero diminui. A presença de ATP é necessária para a contração, porque a energia utilizada para o processo de deslizamento é derivada da desfosforilação do ATP em ADP. Quando finaliza o estímulo nervoso, os íons cálcio são transportados novamente para o retículo sarcoplasmático através de uma bomba iônica denominada de bomba de cálcio, que requer energia na forma de ATP (Figura 3).
Imediatamente após a morte do animal, com temperatura entre 38- 40oC, sem estímulo nervoso e com uma quantidade suficiente de ATP presente, os íons cálcio são ativamente transportados para o retículo sarcoplasmático (R.S.) pelo sistema bomba de cálcio-ATP, localizada na membrana do R.S. (Figura 3). As mitocôndrias também armazenam cálcio no músculo vivo, que é proveniente do sarcoplasma em presença de oxigênio. Após a morte do animal, com a queda do pH, ATP, temperatura e ausência de oxigênio, as mitocôndrias liberam cálcio para o sarcoplasma, ao mesmo tempo que diminui a atividade da bomba de cálcio, e a concentração de cálcio nas miofibrilas aumenta. O aumento do cálcio livre de 10-8 moles/l para 10-6 moles/l, em ausência de ATP, dá início ao processo de contração (Figura 2 - [B]), similar à estimulação nervosa que induz a contração do músculo vivo.
Na contração muscular post-mortem (Figura 2 -[B]), enquanto uma reserva energética na forma de ATP for suficiente, os miofilamentos mantém-se móveis e por esta razão o músculo é elástico. Quando o nível de ATP se vai exaurindo, ou seja, diminui a energia para o processo de deslizamento dos miofilamentos, começa a formação de enlaces ou pontes permanentes entre actina e miosina e o músculo vai perdendo a elasticidade e entra em rigormortis (FIGURA 2 - [C]).
Figura 2 - Esquema das modificações da estrutura muscular post-mortem : [A] - repouso (imediatamente após a morte); [B] - contração, e, [C] - rigor mortis (HAMM, 1982).
Figura 2 - Esquema das modificações da estrutura muscular post-mortem : [A] - repouso (imediatamente após a morte); [B] - contração, e, [C] - rigor mortis (HAMM, 1982).
Figura 3- Esquema da representação do transporte de íons cálcio (HONIKEL & HAMM, 1985)
Figura 3- Esquema da representação do transporte de íons cálcio (HONIKEL & HAMM, 1985)
Desta forma, o rigor-mortis de um músculo normal (Figura 2 - [C]) é definido como o início da diminuição de sua elasticidade, que ocorre, a 20ºC, quando o pH atinge valores em torno de 5,9, valor de "R" de 1,10, o que corresponde à concentração de ATP de 1 uMol/g de músculo e continua até à queda do nível de ATP a 0,1 uMol/g e pH 5,5. A avaliação destas alterações pode ser realizada através da determinação do pH, ATP, elasticidade do músculo, valor de "R", ou comprimento do sarcômero, com a utilização de difratômetro computadorizado a laser.
O estabelecimento do rigor-mortis está intimamente relacionado com o valor de pH. Inicia-se mais rapidamente e tem maior duração em pH alcalino do que em pH ácido. A velocidade de queda do pH extremamente rápida ou extremamente lenta conduz ao desenvolvimento rápido do rigor-mortis, enquanto que em músculo com declínio do pH considerado normal, o rigor se desenvolverá lentamente.

4- Maturação

A maturação da carne é o fenômeno de resolução do rigor-mortis. O processo é iniciado pela atividade das enzimas pertencentes ao sistema denominado calpaínas, também conhecidas como CAF - enzimas fatoradas pelo cálcio. O sistema calpaínas constitui-se de duas enzimas, a µ-calpaína, que necessita de 5 a 50 µM de íons cálcio para sua atividade, e a m-calpaína, que requer 300 a 1000 µM do mesmo íon para sua atividade. Estas duas enzimas não atuam diretamente sobre a miosina e actina, porém degradam a linha Z e as proteínas desmina, titina, nebulina, tropomiosina, troponina e proteína C. A hidrólise da tropomiosina e troponina facilitaria a desestruturação e a liberação dos filamentos finos, resultando nos monômeros da actina, e a hidrólise da Proteína C, em monômeros da miosina. A degradação da titina, nebulina, desmina e outras proteínas da linha Z, também contribuem para enfraquecer a estrutura miofibrilar.
O complexo do sistema calpaínas é constituído também pela presença de calpastatinas que tem propriedade de inibir as calpaínas e influir diretamente na maciez da carne. Por exemplo, a relação calpastatina/calpaína é 2,0 para bovinos, 1,2 para ovinos e 0,7 para suínos. Os zebuinos, presumivelmente possuem uma relação maior do que os taurinos.
Outro grupo de enzimas proteolíticas que degradam a estrutura miofibrilar são as catepsinas. As catepsinas B e D degradam a actina e miosina nativas, e as catepsinas B e L degradam o colágeno, porém sua atividade em pH 5,5 é baixa.
A maturação da carne, com o objetivo de melhorar a textura, pode ser realizada mantendo a carne após o abate, em embalagem à vácuo, sob temperatura de 0 a 1°C, por um período de 10 a 21 dias, ou através da aplicação de cloreto de cálcio na carne, imediatamente após ao abate, por meio de infusão na carcaça com uma solução a 0,3M, na proporção de 10% (volume/peso), injeção na proporção de 5 a 10%, em cortes ou peças de carne com solução 0,2 a 0,3M, ou ainda imersão das peças em solução de 0,15M por 48 horas. Também pode ser realizada imersão em solução 0,05M a 0,25M de ácido acético ou lático.
Outra solução para melhorar a textura é mudar a forma de suspensão ou pendura da carcaça, com o objetivo de obter um equilíbrio entre a musculatura adutora e flexora do traseiro. Este método consiste na introdução do gancho pelo foramen oval da pélvis, em substituição à pendura tradicional através do tendão do músculo gastrocnêmio. Para utilização deste método deve ser considerado o fato de que o espaço ocupado pela carcaça suspensa pela pélvis é maior do que o espaço da carcaça suspensa pelo método tradicional.

5- Fatores que afetam as modificações post-mortem

Vários fatores determinam a velocidade da queda do pH, o início e duração do rigor-mortis e as propriedades da carne. Podem ser citados: estresse causado por fatores ambientais como temperatura, umidade, luz, espaço, ruído, e por fatores intrínsecos (como resistência ou susceptibilidade do próprio animal ao estresse, temperatura post-mortem e localização anatômica do músculo) procedimentos realizados imediatamente após o abate e antes da rigidez. Aspectos da produção animal como herança genética, manejo antes do abate (transporte, descanso, atordoamento e sangria) e nutrição também podem influenciar as propriedades musculares.
A resposta que o animal apresentará a cada fator ambiental dependerá da espécie, peso, idade, sexo e resistência do animal aos agentes estressantes, bem como o estado emocional do próprio animal.
O fator ambiental que merece destaque é a temperatura e está na dependência da aclimação dos animais. Temperaturas baixas promovem tremores e maior fluxo sangüíneo, que podem reduzir os níveis de glicogênio muscular sem promover um acúmulo significativo de ácido lático. Temperaturas altas, em animais incapazes de eliminar o calor corporal, podem elevar a temperatura muscular, acelerando as reações metabólicas, como hidrólise do ATP e glicólise. Fatores como umidade, luz, espaço e ruído assumem importância secundária.
A resistência ou susceptibilidade ao estresse determina as reações do animal frente ao agente estressante. De maneira geral, os animais sensíveis ao estresse apresentam temperaturas altas, glicólise acelerada e rápido aparecimento do rigor-mortis. Os animais resistentes ao estresse, para manter a temperatura e as condições homeostáticas musculares em níveis normais utilizam suas reservas energéticas, apresentando deficiência de glicogênio e uma glicólise post-mortem lenta com limitada produção de ácido lático.
A temperatura de armazenamento das carcaças de animais recémabatidos também pode determinar alterações significativas na velocidade das reações químicas post-mortem.
O conceito de que a velocidade de queda do pH é diretamente proporcional à temperatura de armazenamento não é totalmente correta. A influência da temperatura na velocidade do pH deve ser estudada em dois períodos distintos: nas primeiras quatro horas post-mortem e no período correspondente entre 4 e 12 horas. HONIKEL et al. (1981a), verificando os efeitos de várias temperaturas de incubação (0,5, 7,5, 14,0 e 30,0ºC) nas mudanças de pH após o abate, observaram que a velocidade da queda do pH após as primeiras quatro horas post-mortem foi maior para a temperatura menor (0,5ºC), seguida pela temperatura mais elevada (30ºC) e finalmente pelas temperaturas intermediárias (7,5ºC e 14ºC). No período correspondente de 4 a 12 horas post-mortem a velocidade de queda do pH foi diretamente proporcional à temperatura de incubação.
A temperatura de armazenamento também afeta o início do rigormortis, porém não pode ser considerada como um fato isolado. Em temperaturas variando de 0 a 38ºC, o início do rigor-mortis ocorre em diferentes valores de pH e em diferentes concentrações de ATP muscular. HONIKEL et al. (1983), avaliando a perda da elasticidade do músculo encontraram os seguintes resultados: a 38oC o início do "rigor" ocorreu a pH 6,25 e a 2 uMol/g de ATP; a 25ºC, pH 5,85 e a 1,2 uMol/g de ATP; a 15ºC, pH 5,75 e a 1 uMol/g de ATP; a 0ºC, pH 6,1 - 6,2 e 1,8 - 2,0 uMol/g de ATP. Os autores observaram a instalação completa do rigor-mortis, ou seja, o máximo de perda de elasticidade, após 7 horas para o músculo incubado a 38ºC, 17 horas para 25ºC, 18 horas para 15ºC e 2 horas para 0ºC.
Um dos efeitos mais significativos da temperatura de armazenamento, com ação direta na temperatura da carcaça, é o fenômeno do encurtamento pelo frio ("cold shortening"), que consiste na aceleração do metabolismo muscular que ocorre em baixas temperaturas entre 0 e 10ºC na fase de pré-rigidez. Este fenômeno ocorre no músculo bovino, suíno e ovino, sendo mais marcante nos músculos vermelhos e em animais mais velhos.
Os procedimentos realizados imediatamente após o abate e antes da rigidez também afetam o metabolismo post-mortem. Podem ser citados a desossa ou excisão do músculo a quente, congelação, trituração e adição de produtos químicos.
A desossa a quente tem efeito marcante no metabolismo postmortem, aumentando a glicólise e da quebra do ATP em músculo. Isto ocorre principalmente porque o resfriamento é mais rápido nos músculos excisados, afetando diretamente a maciez da carne. Os riscos de encurtamento e endurecimento da carne submetida à desossa a quente podem ser reduzidos com o emprego da estimulação elétrica.
O músculo congelado na fase de pré-rigidez dá origem a um tipo de rigor-mortis mais acentuado que se desenvolve na fase de descongelação. Após o descongelamento deste músculo, há um encurtamento de até 40% do comprimento original em poucos minutos e a perda de peso por exsudação pode atingir 25% em seis horas, determinando uma dureza extrema à carne. Este encurtamento é denominado "contração por descongelação", ou "rigor da descongelação". Ocorre da mesma forma que o encurtamento pelo frio e tem sua causa na liberação de íons cálcio com presença de concentrações ainda elevadas de ATP. O armazenamento durante 100 dias a -20ºC da carne congelada em pré-rigor ainda produz o "rigor da descongelação", porque os processos bioquímicos se desenvolvem muito lentamente. A temperaturas acima de -10ºC, a degradação do ATP é mais acelerada esgotando-se em poucos dias, não produzindo o "rigor da descongelação".
As alterações post-mortem em músculos triturados na fase de prérigor tem particular interesse no processamento da carne imediatamente após o abate, tendo em vista as vantagens econômicas e tecnológicas do processo. Os músculos em pré-rigor apresentam alta capacidade emulsionante e alta capacidade de retenção de água. A trituração promove uma aceleração da hidrólise do ATP e da glicólise. O aumento da velocidade destas reações é devido a rápida liberação dos íons cálcio do retículo sarcoplasmático afetado pela trituração. A adição de substâncias como cloreto de sódio, difosfatos e glicose na fase de pré-rigor tem como objetivo manter alta a capacidade de retenção de água e capacidade emulsionante e encurtar o tempo de elaboração de produtos derivados da carne como embutidos.
A localização anatômica é um fator intrínseco que afeta o teor de glicogênio. DREILING et al. (1987) encontraram concentração de glicogênio no músculo Sternomandibularis fresco (0,664g/100g) maior que no músculo Longíssimus dorsi (0,298g/100g). No entanto, esta diferença não foi encontrada nas amostras congeladas, o que sugere que a glicólise é mais ativa no músculo Sternomandibularis.
Além da localização anatômica, TARRANT & MOTHERSILL (1977) observaram a variação na queda do pH em função da profundidade do músculo. Músculos como Semimembranosus, Adductor, Semitendinosus e Biceps femoris apresentaram queda do pH mais rápida a uma profundidade de 8 cm do que a 5 cm e 1,5 cm. Os autores também observaram diminuição na atividade enzimática, na solubilidade das miofibrilas e da fosfocreatina, a 8 cm de profundidade.
Publicado originalmente como TESE na universidade FCA UNESP. Acesso disponível em: https://www.fca.unesp.br/Home/Instituicao/Departamentos/Gestaoetecnologia/Teses/Roca105.pdf

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Uma série de modificações bioquímicas e estruturais, que ocorrem após o sacrifício, é denominada de "conversão do músculo em carne". As modificações bioquímicas e estruturais ocorrem simultaneamente e são dependentes dos tratamentos ante-mortem, do processo de abate e das técnicas de armazenamento da carne.

O glicogênio encontra-se distribuído em todos os tecidos, mas é .importante considerá-lo no fígado e no músculo estriado onde o seu metabolismo assume maior significado na transformação do músculo em carne. Apresenta grande importância no estudo das alterações post-mortem, tendo em vista que a sua concentração a nível muscular momentos antes do abate definirá de maneira significativa a formação de ácido lático e a conseqüente queda do pH.

A temperatura de armazenamento das carcaças de animais recémabatidos também pode determinar alterações significativas na velocidade das reações químicas post-mortem.
Autores:
Roberto de Oliveira Roça
UNESP - Universidad Estatal Paulista
UNESP - Universidad Estatal Paulista
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