INTRODUÇÃO
Atualmente, diversas mudanças vêm ocorrendo no cenário da alimentação mundial, com destaque para a expansão mundial desse mercado e para a ocorrência de contaminações em vários produtos alimentícios, fato que tem aumentado a preocupação dos consumidores e dos governantes em relação à qualidade desses alimentos. Com a globalização e a criação de blocos econômicos, o sistema de produção de alimentos deve estar preparado para a inserção de seus produtos em um mercado altamente exigente.
Episódios na Europa, como a crise provocada pela encefalopatia espongiforme bovina ("doença da vaca louca") e pela febre aftosa, afetaram gravemente o comércio e reafirmaram a necessidade de melhorar os métodos para o rastreamento de animais vivos e seus derivados, especialmente quando são objetos de intercâmbios comerciais de âmbito internacional.
A definição de um sistema de rastreamento no Brasil ocorreu em razão da exigência dos países importadores da Europa, onde novas regras de rotulagem entraram em vigor em 2000 e requerem identificação precisa da procedência dos produtos que têm a carne bovina como componente. Tais medidas tentam restaurar a confiança dos consumidores dos países europeus no produto (LOPES, 2003).
A rastreabilidade relaciona-se com informação, segregação física e controle de qualidade de alimentos (NEVES et al., 2001). Segundo REZENDE e LOPES (2004), rastreabilidade indica a possibilidade de seguir os passos de alguma coisa, no caso, o histórico do animal desde o nascimento ou aquisição até o momento do seu consumo ou de uma de suas partes. Com ela é possível, por meio de identificação vinculada a um corte da carne bovina, conhecer todo o manejo do animal, desde o seu nascimento até seu abate e comercialização.
A exigência da rastreabilidade da carne, por parte da União Européia, trouxe uma grande inquietação aos países exportadores, em especial ao Brasil, devido ao tamanho do rebanho, às condições de criação do gado, à extensão do território brasileiro e à falta de utilização de tecnologia por parte da grande maioria dos produtores, ainda não habituados com o uso da informática ou da gerência e do controle integrados ao dia-a-dia de suas atividades (LOPES, 2003).
Visando atender a essa demanda, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) publicou a Instrução Normativa nº 1, de 10 de janeiro de 2002 (BRASIL, 2002), que instituiu o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina (SISBOV), estabelecendo as diretrizes, os requisitos, os critérios e os parâmetros para o credenciamento de entidades certificadoras. Desde a sua implantação, em 10/01/2002, diversas matérias (instruções normativas, portarias e circulares) foram publicadas no Diário Oficial da União, normatizando o seu funcionamento e estabelecendo regras, algumas das quais alterando o cronograma inicialmente estabelecido. Em 14 de julho de 2006, o MAPA, visando estabelecer normas para a produção de carne bovina com garantia de origem e de qualidade e em busca de um sistema mais adequado à realidade brasileira, publicou a Instrução Normativa nº 17 (BRASIL, 2006), com nova estrutura operacional para o SISBOV, alterando o nome para Serviço de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos. Esse novo sistema é de adesão voluntária, permanecendo a obrigatoriedade de adesão para a comercialização para mercados que exijam a rastreabilidade. Com a nova normativa, surgiu o conceito de Estabelecimento Rural Aprovado no SISBOV, nos quais todos os bovinos e bubalinos serão, obrigatoriamente, identificados individualmente e cadastrados na Base Nacional de Dados, com o registro de todos os insumos utilizados na propriedade durante o processo produtivo.
Na implantação do "antigo" SISBOV, por ser ainda um sistema recente, tanto os pecuaristas, os frigoríficos, as certificadoras, bem como os técnicos de defesa sanitária vivenciaram algumas dificuldades (LOPES e SANTOS, 2007). Entre tais dificuldades cita-se: mudanças frequentes na legislação, falta na divulgação dessas mudanças, qualidade do serviço das certificadoras, custo elevado da certificação, burocracia que envolve o SISBOV, incoerência do processo, falta de conscientização dos pecuaristas e controle da movimentação dos animais (DEMEU et al., 2010; DEMEU et al., 2008; LOPES e SANTOS, 2007). Considerando que a legislação foi bastante modificada, se faz necessário a realização de estudos para avaliar as principais dificuldades enfrentadas por esses importantes segmentos do agronegócio carne. Assim, o caráter exploratório deste estudo deve-se ao fato de haver poucas pesquisas sistematizadas voltadas para o tema.
Esta pesquisa teve como objetivo realizar o levantamento das principais dificuldades encontradas pelas certificadoras credenciadas pelo MAPA na implantação da rastreabilidade, visando elaborar indicadores, sugerir propostas para sanar tais dificuldades e contribuir na formulação de políticas nacionais.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foi formulado um questionário qualitativo semiestruturado, adaptado de LOPES e SANTOS (2007), contendo questões de múltipla escolha, abertas e mistas, o qual foi enviado às empresas certificadoras credenciadas pelo MAPA através do endereço eletrônico e, para as que não possuíam e-mail ou não haviam respondido, foi enviado posteriormente via correio convencional. A relação das empresas foi obtida no site http://www.agricultura.gov.br, consultado durante o mês de setembro de 2009.
O questionário envolveu perguntas em relação à quantidade de propriedades certificadas pela empresa; ao trabalho com outra espécie animal, além de bovinos; ao tempo de atuação no mercado; à quantidade de auditorias recebidas pelos fiscais do MAPA e a sua avaliação; aos meios de divulgação da rastreabilidade; à conscientização promovida pelo governo sobre a importância da rastreabilidade; ao aspecto financeiro, tais como, taxas cobradas e conhecimento sobre o custo para o pecuarista rastrear; à documentação exigida pelo MAPA; à situação de mercado para animais rastreados; às dificuldades encontradas diante do trabalho exercido; às maiores reclamações dos pecuaristas; à opinião sobre as atuais normas vigentes no país sobre rastreabilidade; às vantagens e desvantagens da implantação do novo SISBOV; aos entraves para a rastreabilidade alavancar-se no Brasil; à evolução do processo de rastreabilidade; e por fim, uma pergunta visando obter sugestões para tornar a rastreabilidade efetiva no país.
As informações obtidas foram tabuladas com o auxílio do programa EpiData® 3.1, versão em português, com controle automático de amplitude e consistência de dados. A análise estatística descritiva foi realizada com auxílio do programa estatístico SPSS for Windows® - versão 17.0.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
De um total de 143 certificadoras credenciadas no MAPA, 95 encontravam-se regulares, 47 suspensas e uma fechada. Das 143 certificadoras credenciadas, 138 (97%) possuíam e-mail. Dessas, apenas 3% responderam ao questionário por via eletrônica. Para as empresas que não possuíam e-mail e/ou não responderam ao questionário, esse foi encaminhado por correio convencional. Retornaram 27 correspondências devido a: mudou-se (10%), não existe o número indicado (4%), endereço desconhecido (1%), endereço insuficiente (1%) e não procurado (1%). Assim, sete empresas participaram respondendo ao questionário.
Deve-se atentar às limitações a que esse tipo de pesquisa está sujeita, decorrentes, entre outros, do obséquio à cooperação da população alvo, das desatualizações inerentes ao banco de dados de contatos, do tamanho da amostra utilizada, da falta de método estatístico de amostragem mais apropriado e da possibilidade de viés na realização dos questionamentos. Segundo SAAB (1999), alguns desses obstáculos podem limitar generalizações, que, no entanto, não invalidam a pesquisa como sinalizadora de tendências.
O objetivo do envio para todas as certificadoras, incluindo as suspensas e a fechada, foi investigar o motivo da suspensão e do fechamento. No entanto, nenhuma dessas respondeu ao questionário, o que diretamente relacionou-se e corroborou a parcela de correspondências que retornaram.
Também foi possível inferir a incoerência e desatualização do banco de dados do MAPA, uma vez que, boa parte dos questionários retornou devido a não existir o número indicado, endereço ser desconhecido e endereço ser insuficiente, mesmo de empresas que constavam como regulares. Isso reflete a necessidade de transformações, adequações e tratamento sistêmico dos dados fornecidos pelo MAPA para promover a integração do sistema agroindustrial da carne bovina sem comprometer a efetividade e credibilidade de todo o sistema.
As empresas participantes atuavam em seis Estados e seis cidades. A média obtida de propriedades certificadas pelas empresas foi de 609, variando de nenhuma, para uma empresa que encontrava-se com o sistema operacional ainda em desenvolvimento, ao valor máximo de 1.860 propriedades. Em média, 71,2 eram clientes ativos, 579,4 eram clientes inativos, 64,6 eram Estabelecimentos Rurais Aprovados pelo SISBOV (ERAS) e 17 estavam habilitados à exportação para União Européia.
A maioria das empresas certificadoras participantes (66,7%) não trabalhava com outra espécie animal além de bovinos. Em relação ao tempo de trabalho com rastreabilidade, cinco empresas (66,7%) responderam atuar a mais de 48 meses.
A quantidade de auditorias realizadas pelo MAPA, recebidas pelas certificadoras, em função do tempo de atuação no mercado, em média, foi de apenas 0,47 auditoria por ano. Uma possível explicação para esse fato, já alertada por LOPES e SANTOS (2007) que obtiveram um resultado similar, seria que o quadro de fiscais não tenha aumentado na mesma proporção da quantidade de certificadoras.
De acordo com SCHÜLLER (2009), auditoria é o procedimento realizado por auditores para avaliação do sistema de certificação e dos procedimentos executados pelas certificadoras credenciadas, a fim de verificar sua conformidade com as normas e regulamentos do SISBOV. As auditorias oficiais nos ERAS são realizadas por médicos veterinários oficiais dos Órgãos Estaduais Executores do Serviço de Defesa Sanitária Animal e Fiscais Federais Agropecuários do MAPA a cada seis meses, assim como as vistorias realizadas pelas certificadora, e a cada 60 dias em confinamentos. Esses auditores passam por treinamento teórico e prático antes do início das atividades. As auditorias são executadas por, no mínimo, dois auditores, conforme Art. 5º do Anexo II da IN nº 17 de 13 de julho de 2006.
Desse modo, a transgressão dos prazos estabelecidos para a execução do serviço pode comprometer o objetivo inerente às auditorias, assim como a idoneidade de todo o processo de certificação. Sugere-se um maior empenho dos órgãos responsáveis e um ajuste da quantidade de fiscais, de tal forma que eles possam realizar bem o trabalho de auditar, nos devidos prazos, as empresas certificadoras.
Quanto à avaliação das auditorias realizadas pelos Fiscais Agropecuários do MAPA, 42,86% consideraram adequadas, enquanto que 57,14% consideraram necessária a elucidação dos objetivos dessas auditorias. Nenhuma das empresas certificadoras que participaram da pesquisa sofreu qualquer tipo de punição desde sua autorização para funcionamento.
Com relação às providências tomadas para que os técnicos vinculados a cada uma das certificadoras se adequassem à execução das normas do novo SISBOV, 83,4% das certificadoras responderam ter realizado um treinamento interno para capacitação dos técnicos, enquanto que 16,7% executaram credenciamento apenas de técnicos que se mostraram aptos para a atividade profissional e restringiram a quantidade de técnicos contratados. Todas as empresas certificadoras atuantes relataram existir um acompanhamento de competência dos técnicos, como punições e descredenciamento interno.
Nota-se que nem todas as certificadoras demonstram competência profissional baseada no treinamento, na reciclagem e na experiência de seus funcionários. Portanto, se fazem necessários requisitos para a contratação de pessoal treinado, com referencial profissional, conhecimento técnico e experiência na área de prestação de serviço especializado, além da obrigação do profissional estar registrado junto ao Conselho de Classe correspondente. De acordo com ROLIM e LOPES (2005), ao realizarem estudo comparando as certificadoras de rastreabilidade, existem empresas que merecem ser observadas com melhores olhos pelos órgãos competentes, pois nem todas estão cumprindo o que determina a legislação e não estão aptas a prestar serviços de tamanha responsabilidade.
Após a seleção, esses técnicos carecem de um treinamento teórico, aplicado pela empresa em questão. O treinamento realizado deve ter como objetivo capacitar profissionais para a identificação e certificação animal. No treinamento deve ser abordado o conceito de rastreabilidade bovina, contextualização para a importância da rastreabilidade no Brasil e no mundo e identificar, passo a passo, todos os procedimentos operacionais da empresa, assim como o papel do técnico, as perspectivas de trabalho, os procedimentos nas inspeções a campo, coleta e processamento de dados, responsabilidades e remuneração.
A pesquisa revelou que 57,1% das certificadoras participantes realizam divulgação da rastreabilidade utilizando meios como internet, boletins de associações e folders. Desse modo, é possível observar a expansão e a importância de meios de comunicação de massa, como a internet, e seu efeito na disseminação do conhecimento em um mundo globalizado. Não obstante, é fundamental ampliar a divulgação em outros meios, com o propósito de popularização da tecnologia e esclarecimento ao produtor sobre o funcionamento e a forma de adoção da rastreabilidade bovina na propriedade rural. Além da publicação de uma cartilha, conforme já fora realizado pelo MAPA, uma maior e melhor divulgação do SISBOV, no tocante não apenas aos prazos, mas também a sua importância e o modo de implantação, poderia ser por meio de publicidade veiculada na televisão, jornais e revistas, oportunidade também para mostrar a toda população a importância de consumirem carne oriunda de animais rastreados, bem como as demais vantagens advindas da rastreabilidade.
A maior parte das empresas certificadoras participantes (85,7%) acredita que o governo não realiza nenhum tipo de conscientização para os pecuaristas da importância da rastreabilidade. Quando foi perguntado como gostariam que fosse a campanha de conscientização dos pecuaristas, as certificadoras responderam que deveria haver: maior esclarecimento ao produtor (42,9%), incentivo aos pecuaristas para a adoção do sistema (42,9%), divulgação da importância da rastreabilidade (28,6%), garantia de diferencial de preço (14,3%) e, ainda, obrigatoriedade de adoção do sistema (14,3%).
Quanto ao aspecto financeiro, houve certa variação na cobrança de taxas por parte das empresas certificadoras. Na Tabela 1 podem ser observadas quais são as taxas cobradas. As taxas cobradas pela maioria das certificadoras (71,4%) foram as de rastreamento por animal, de visita e do deslocamento do técnico. Somadas a isso, outras taxas foram citadas, como o acompanhamento em auditoria oficial, certificação e inspeção.
Tabela 1.Taxas cobradas pelas empresas certificadoras na implantação da rastreabilidade
Os valores praticados, na data da realização da pesquisa, pelo serviço prestado, comparados aos do início do trabalho da certificadora, são representados de forma pouco homogênea. Duas das certificadoras alegaram que os valores diminuíram, outras duas que permaneceram iguais e outras duas que aumentaram. O motivo alegado para o acréscimo do valor foi a elevação da burocracia e a maior dificuldade de inspeção.
Todas as empresas certificadoras participantes da pesquisa responderam que conheciam os custos para a implantação e manutenção da rastreabilidade em uma propriedade rural. O custo médio da implantação da rastreabilidade variou entre R$3,30 a R$6,00 por animal, enquanto que, o custo para a manutenção da rastreabilidade está diretamente relacionado ao tamanho do rebanho.
Para 66,7% das certificadoras, os pecuaristas não têm apresentado todos os documentos exigidos pelo MAPA, sendo que os documentos que proporcionaram maior dificuldade para a apresentação, segundo as certificadoras, são o inventário atualizado dos animais, e o comprovante de movimentação de entrada, saída e morte. Tal fato é bastante grave, pois, segundo SCHÜLLER (2009), o relatório atual possui duas classificações de não conformidades: Maiores (26 campos do check list) e Menores (6 campos). As não conformidades menores são aquelas observadas nos campos: Nome do ERAS; Nome do Proprietário; Tipo de Estabelecimento; Formulário de Comunicado de Sacrifício, Morte Natural ou Acidental de Animais (Anexo XIV da IN 17) está devidamente assinado pelo Órgão Executor de Sanidade Animal do Estado?; O Formulário de Comunicado de Sacrifício, Morte Natural ou Acidental de Animais (Anexo XIV da IN 17) foi informado a certificadora até a vistoria?; O certificado do ERAS está dentro do prazo de validade? Os demais (26) campos são classificados como não conformidades maiores. No caso da ocorrência de Não Conformidade Menor o ERAS tem 30 dias para apresentar ações corretivas. Caso não apresente ação corretiva ou defesa o ERAS perde a Certificação. No caso de ocorrências de Não Conformidade Maior o ERAS perde imediatamente a Certificação. É importante salientar que a ocorrência de uma não conformidade observada na auditoria, a conclusão do relatório será: ERAS Não Apto à Rastreabilidade; no caso de a não conformidade apresentada ser Menor, havendo a ação corretiva, a propriedade passa a estar apta a rastreabilidade.
Quando questionado qual o mercado que os bovinos certificados atendem prioritariamente, 60% das certificadoras acreditam ser tanto o mercado externo, como o interno. Para 83,3% das certificadoras o Brasil tem mercado para animais rastreados. As justificativas apresentadas foram: expectativa de tornar-se uma exigência pelos consumidores, tamanho do rebanho brasileiro expectativa de incentivos e remuneração apropriados.
Embora a certificação da carne bovina seja importante para os consumidores, a falta de conhecimento e as exigências relacionadas à qualidade da carne ainda são obstáculos para os consumidores brasileiros. De acordo com VELHO et al. (2009), o sobrepreço que o consumidor de baixa renda familiar está disposto a pagar pela carne certificada é considerado importante, o que demonstra que as exigências de qualidade e suas garantias alcançam ampla faixa de consumidores.
Mudanças frequentes nas normas do SISBOV, pecuaristas desinteressados em rastrear animais e falta de conscientização dos pecuaristas sobre a importância da rastreabilidade foram os principais itens apontados como maiores dificuldades encontradas pelas empresas certificadoras entrevistadas (Tabela 2). LOPES et al. (2007), analisando as principais dificuldades encontradas pelos pecuaristas na implantação da rastreabilidade, observaram também que as mudanças frequentes nas leis foram a principal dificuldade encontrada, por 45% dos entrevistados. A resposta obtida das certificadoras na presente pesquisa é confirmada pelo histórico da rastreabilidade. Desde 10 de janeiro de 2002, quando foi publicada a primeira instrução normativa (IN), que instituiu o "antigo" SISBOV, até o dia 21 de dezembro de 2009 foram publicadas 25 instruções normativas. Dessas, 16 instruções foram revogadas e, é esperada, para os próximos meses, a revogação de mais oito instruções normativas, como prevê a IN 65 de 16 de dezembro de 2009. Após a pesquisa realizada por LOPES et al. (2007), isso é, desde o dia 31 de agosto de 2005 até março de 2010, já foram publicadas nove instruções normativas e uma Lei (n° 12.097, de 24 de novembro de 2009); e revogadas 16 INs.
Tabela 2. Principais dificuldades encontradas pelas certificadoras na implantação da rastreabilidade
De acordo com SCHÜLLER (2009), das 85.000 propriedades cadastradas no "antigo" SISBOV (Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina), que foi revogado em 14 de julho de 2006, somente 8.000 aderiram ao "novo" SISBOV (Serviço de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos). Dessas 8.000, apenas 2.681 ERAS foram selecionados para auditoria. No entanto, a União Européia informou ao Brasil que selecionaria apenas 300 propriedades dessa primeira lista. Entretanto, dessas propriedades, apenas 106 atenderam às exigências de certificação e rastreabilidade, sendo autorizadas inicialmente a exportar carne bovina in natura. Em 27 de fevereiro de 2008 as exportações para esse bloco econômico foram retomadas. A Lista Traces (lista composta pelas propriedades aptas a exportar para a União Européia) foi crescendo a medida que novas auditorias iam sendo realizadas. Segundo Food Safety (2010), em março de 2010, a lista se compunha de 1.899 propriedades.
É preciso destacar que a rastreabilidade no Brasil é nova, apenas oito anos, e que antes jamais o governo federal havia certificado ou rastreado animais. Assim, é necessário levar em consideração que a legislação está sendo adequada aos poucos, dentro das condições brasileiras, e espera-se que em pouco tempo tenha sido aperfeiçoada. Mudanças marcantes ocorreram com a IN 17. Dentre elas é importante destacar a mudança do nome de Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina para Serviço de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos; a adesão, antes obrigatória, passou a ser voluntária, permanecendo a obrigatoriedade de adesão para a comercialização para mercados que exijam rastreabilidade; e o conceito de Estabelecimento Rural Aprovado no SISBOV. Ainda assim, uma campanha para divulgação e esclarecimentos aos produtores, além de incentivos financeiros, são formas pelas quais poderão futuramente ser restauradas a credibilidade e conseguidas adesões, pelos pecuaristas, ao novo SISBOV.
As principais reclamações dos pecuaristas mencionadas pelas empresas certificadoras participantes da pesquisa para a implantação da rastreabilidade podem ser observadas na Tabela 3. Apesar dessas reclamações, segundo SIMÕES et al. (2004), a implantação da rastreabilidade no sistema de produção, em que o produtor rural arca com os custos e recebe uma recompensa em forma de ágio sobre a arroba, pode ser um instrumento eficiente na redução do desequilíbrio entre as lucratividades do setor de abate e de produção. Em um ambiente de concorrência e com escassez de boi rastreado e de não fidelidade entre pecuarista e indústria, provavelmente o ágio de mercado estará correspondendo a um valor acima dos custos da rastreabilidade para o produtor. A rastreabilidade, para o pecuarista, pode representar oportunidade de auferir algum lucro a mais em seu sistema de produção, ocorrendo, dessa maneira, uma redução dos efeitos negativos de políticas distorcivas e falhas de mercado. No que diz respeito a ganho financeiro, LOPES et al. (2008), ao analisarem a viabilidade econômica da adoção e implantação da rastreabilidade em sistemas de produção de bovinos no Estado de Minas Gerais, verificaram que a implantação do sistema de rastreabilidade possui viabilidade econômica, pois as receitas adicionais superaram os custos da implantação, considerando que ela variou de R$15,00 a R$30,00 por animal rastreado, pois a maioria dos frigoríficos tem remunerado os pecuaristas em R$1,00 a R$2,00 por arroba.
Tabela 3. Principais reclamações dos pecuaristas para implantação da rastreabilidade
Somado a isso, ao se implantar a rastreabilidade pode-se estar gerando externalidades, entre as quais: geração de melhor qualidade da carne, estímulo a segmentação do mercado e diferenciação do produto, possibilidade de criação de uma aliança vertical na produção, industrialização e comercialização de carne bovina e ainda pode significar uma poderosa ferramenta de gestão para o pecuarista.
Quando as certificadoras foram questionadas sobre as atuais normas vigentes no país sobre rastreabilidade, 57,1% acreditam serem boas, embora possam ser melhoradas. Suas principais sugestões para a melhora das presentes normas são: padronização das normas, desburocratização do processo, remoção do documento de identificação animal (DIA), exigência de documentação apenas na propriedade, apuração da comunicação entre certificadoras e frigoríficos, aperfeiçoamento de auditorias realizadas pelo MAPA, fiscais mais bem preparados para a realidade de campo, definição da remuneração pelo governo, melhora da política de exportação e uso da tecnologia de identificação por rádio frequência (Radio Frequency Identification – RFID).
Somada a mudança frequente das normas e a elevada burocracia do processo, a operacionalidade do sistema está atravancada. Os pecuaristas, desprivilegiados na negociação intermediada pelos frigoríficos, se vêem obrigados a aceitar o que lhes é imposto. Caso o pecuarista inserido na lista de Traces não queira vender os animais com a chancela da Europa para um frigorífico que não pague ágio, ele é obrigado a negociar com quem atende apenas ao mercado doméstico. A dificuldade de se conseguir negociar em um mercado em que os grandes frigoríficos exportadores possuem cada vez mais representatividade está associada à necessidade de dissociar o rebanho em pequenos lotes, perdendo na negociação e aumentando os custos operacionais. Dessa forma, criou-se um mecanismo que facilita a obtenção de produtos pelos frigoríficos, ao mesmo tempo em que se reduz a pressão para pagamento de prêmio ou ágio aos pecuaristas.
Brincos identificadores individuais têm sido utilizados para o controle de qualidade e sanidade da carne bovina. Entretanto, esses brincos são insuficientes para o rastreamento total das características dos animais e do transporte dessas informações pela cadeia de suprimentos (RIBEIRO et al., 2008). Outra tecnologia que pode ser potencialmente utilizada para efetuar a rastreabilidade, principalmente na produção agropecuária e no varejo de alimentos é a identificação por rádio frequência, cuja sigla RFID deriva do inglês Radio Frequency Identification. De acordo com SCHERER et al. (2004), a aplicação do RFID para a etapa do processamento de alimentos é de natureza mais complexa. A RFID é um método de identificação que usa ondas de rádio. O seu funcionamento ocorre por intermédio de um leitor que se comunica com um dispositivo de identificação, a qual armazena a informação digital em um microchip. Segundo LOPES (1997), no caso de bovinos, tem-se utilizado chips de aplicação subcutânea, umbilical e intra-rumenal, além de brincos eletrônicos.
As principais vantagens e desvantagens assinaladas pelas empresas certificadoras participantes da pesquisa na implantação do novo SISBOV estão retratadas nas Tabelas 4 e 5, respectivamente. Os entraves existentes na rastreabilidade bovina no Brasil podem ser visualizados na Tabela 6.
Tabela 4. Principais vantagens apontadas pelas certificadoras na implantação do novo SISBOV
Tabela 5. Principais desvantagens apontadas pelas certificadoras na implantação do novo SISBOV
Tabela 6. Principais entraves para a rastreabilidade avançar no Brasil
Segundo 71,4% das empresas certificadoras participantes, em termos de segurança do sistema e de todo o processo de certificação, a evolução da rastreabilidade foi classificada como ruim. Quando perguntado se as certificadoras acreditavam em um futuro promissor da rastreabilidade no país, uma parcela significativa (71,4%) respondeu que sim. Exigência para exportação do produto brasileiro, segurança alimentar e ser uma tendência foram as justificativas dadas pelo grupo que crê, ao passo que, a falta de mercado e o fato do processo estar retrocedendo são as razões da descrença da parcela restante
Por fim, foram solicitadas sugestões para tornar a rastreabilidade um grande feito no Brasil. Entre as propostas apresentadas, adequação da remuneração pela carne rastreada (71,5%), diminuição da burocracia do novo SISBOV (42,9%) e maior divulgação da rastreabilidade (28,6%) foram as mais expressivas. Além disso, outras recomendações, como um sólido treinamento aos auditores do MAPA, visando uma fiscalização objetiva e coerente, adequação do sistema à realidade de campo, rastreamento de animais a partir do primeiro dia de vida, emprego da tecnologia de identificação por rádio frequência, incentivo do governo, esclarecimento ao produtor e maior seriedade de todos os elos envolvidos no processo devem ser consideradas.
CONCLUSÕES
As mudanças frequentes nas normas do novo SISBOV, o desinteresse e a falta de conscientização dos pecuaristas para a rastreabilidade foram as principais dificuldades enfrentadas pelas certificadoras na implantação da rastreabilidade bovina no Brasil. Transformações por parte do MAPA somadas a mobilização dos pecuaristas através de divulgação e esclarecimentos são necessários para sanar tais dificuldades. Deve-se ressaltar ainda, a necessidade de adequações e tratamento sistêmico dos dados inerentes à incoerência e desatualização do banco de dados das certificadoras credenciadas no MAPA.
A rastreabilidade é um procedimento que pode ser associado a um programa de certificação e qualidade da carne para tornar as relações comerciais entre pecuarista e indústria frigorífica mais transparente, bem como fornecer um produto diferenciado, com maior valor agregado e mais seguro para o consumidor. Não obstante, apesar de uma exigência, sobretudo do mercado consumidor importador, ainda encontra- se em evolução.
Nos questionários respondidos pelas certificadoras fica claro que ainda existem muitos "gargalos" que devem ser superados no processo da rastreabilidade. Percebe-se que o aprimoramento do processo se dará com as experiências, o levantamento das dificuldades e a adequação à realidade brasileira. Para isso é fundamental que haja maior comprometimento e participação de todos os elos envolvidos no processo de rastreabilidade.
Espera-se que as dificuldades sejam superadas, devendo esse ser um objetivo a ser perseguido. A atual situação ressalta a importância de que esforços sejam empreendidos. Neste sentido é necessário ampliar o desenvolvimento e aplicação de modelos de pesquisa a fim de promover um maior alinhamento deste segmento produtivo, de modo a agregar valor de mercado aos produtos e melhor equilibrar os ganhos em cada elo da cadeia.
Desta forma, uma agenda nacional de pesquisa e desenvolvimento em agronegócio deve contemplar aspectos ligados à rastreabilidade abrangendo todos os elos da cadeia agroindustrial. Ênfase especial deve ser dada ao segmento agropecuário, pois é neste elo da cadeia que as carências tornam-se mais expressivas e as ações mais prementes. O sucesso de ações que visem atender essa necessidade dependerá da formação e apoio a equipes multi e interdisciplinares.
Por fim, mostram-se relevantes as constatações da pesquisa por permitirem o entendimento das dificuldades encontradas pelas certificadoras na implantação da rastreabilidade bovina, relevando a realidade das empresas. De posse dessa informação, derivam-se conclusões importantes não apenas para as certificadoras, como constituintes de um elo do sistema, mas também para a implementação de políticas públicas de desenvolvimento agropecuário as quais combinam um maior empenho dos órgãos responsáveis pelas auditorias e um ajuste da quantidade de auditores equivalente à quantidade de empresas certificadoras, uma maior e melhor divulgação do SISBOV, no tocante não apenas aos prazos, mas também a sua importância e o modo de implantação, seja por meio de publicidade veiculada a televisão, jornais ou revistas devem ser conduzidas pari passu com políticas de capacitação.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) o apoio recebido para a realização desta pesquisa.
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**O trabalho foi originalmente publicado no Boletim da Indústria Animal (BIA), do Instituto Zootecnia (IZ/APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo, Brasil.