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Alimentação pré-desmame e pós-desmame de fêmeas ovinas de reposição

Publicado: 29 de novembro de 2023
Por: Emanuel Isaque Cordeiro da Silva1* 1Técnico em agropecuária. Especialista em alimentos e alimentação animal. Graduando em Bacharelado em Zootecnia, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Brasil.
Sumário

A ovinocultura no Brasil é um segmento em constante tecnificação para atender as demandas do mercado interno e, quiçá externo, de produtos como carne, leite e lã. Os maiores rebanhos estão concentrados no Sul do país onde as raças exploradas são as lanadas e as maiores produtoras de leite para a fabricação de queijos artesanais, todavia também há uma expressividade de efetivo na região Nordeste, onde produtos como a carne e a pele são muito valorizados. Para que a produção ovina continue em constante evolução, é necessário um conjunto de manejos fundamentais como o reprodutivo, nutricional e de reposição das matrizes ovinas. Nesse contexto, é de suma importância um manejo especial com as cordeiras nascidas que forem destinadas à reposição de fêmeas velhas. Cada matriz ovina gera um número de animais destinados ao abate, comercialização etc. e há um período determinado em que essa matriz produzirá novos animais em um determinado período, sendo assim, a separação de um lote de cordeiras e borregas para futuras matrizes e um manejo adequado na sua alimentação ao pé da mãe e pós-desmame é imprescindível no alcance de índices zootécnicos e econômicos satisfatórios em um sistema de produção.

Palavras-Chaves: Fêmeas, Reposição, Alimentação, Pré-desmame, Pós-desmame.

1. Introdução

A ovinocultura brasileira vem obtendo destaque na produção de carne e lã na América do Sul. Dados do IBGE (2021)1 apontam um efetivo ovino de 20,5 milhões de cabeças, sendo a região Nordeste responsável pela produção e criação de 69,9% de todo o efetivo brasileiro. Entretanto, a região Sul se destaca quanto ao número de animais tosquiados e a produção de lã que em 2021 teve recorde de 8,3 milhões de kg produzidos (IBGE, 20211 ). Quanto a produção de carne, o Brasil ganha destaque quanto aos países da América do Sul, produzindo em 2016 cerca de 91,2 milhões de kg de carne ovina (IBGE, 20162 ); todavia, mesmo com grande produção cárnea o país ainda não possui o hábito de consumo de carne ovina, tendo um consumo per capita de 0,52 kg/ano em 2022, muito aquém do consumo mundial que possui média de 1,774 kg/per capita e de países como a Austrália e Nova Zelândia onde o consumo médio per capita anual de carne ovina atinge 7,96 e 3,7 kg, respectivamente (OECD-FAO, 2022; OUR World in Date, 2020), porém a produção de carne ovina e a instigação do consumo da carne é uma aposta que pode alavancar a produção de ovinos no Brasil, que poderá obter destaques entre a produção mundial.
Para que a produção de carne e lã mantenha uma constância e, quiçá uma ascendência quanto ao mercado e produção global, são necessários alguns esforços, dentre eles o de manejo nutricional das crias e borregas de reposição. Cordeiras são definidas como a categoria do nascimento até a idade de 7 meses, onde essas fêmeas recebem uma dieta basicamente líquida nos primeiros dias e, a partir da primeira semana, é viável a utilização de técnicas como o creep-feeding para auxiliar o desenvolvimento do rúmen destes animais, fornecendo-as uma dieta à base de volumosos secos ou aquosos. Já as borregas são a categoria definida como toda e qualquer fêmea ovina dos 7 meses até a idade do primeiro parto, geralmente oscilando entre 12 e 24 meses, dependendo do sistema de produção optado pelo ovinocultor. Ambas as categorias são de suma importância, uma vez que um determinado lote das melhores fêmeas cordeiras ou borregas podem ser selecionadas para a reposição de ovelhas matrizes em final de vida útil.
O manejo alimentar na fase de aleitamento e na fase de desmame é imprescindível, uma vez que podem oferecer riscos à sanidade do animal, dado ao não atendimento das exigências nutricionais, aos fatores antinutricionais existentes nos alimentos que comporão a ração das fêmeas, ao excesso de concentrado na fase de desenvolvimento do rúmen das fêmeas etc.
Os custos com a alimentação variam de 50 a 70% dos custos totais de produção, e a alimentação adequada das fêmeas de reposição é um dos fundamentos para a obtenção de fêmeas sadias, com boa conformação e escore de condição corporal, com aprumos adequados e com boa habilidade materna, para que se tornem matrizes futuras e gerem produtos que atendam a demanda interna e externa de lã, pele, carne ou outros produtos, colocando o país em posição de destaque na ovinocultura global.

2. Material e Métodos

Objetiva-se atualizar os conceitos e conhecimentos acerca da alimentação de borregas de reposição enfatizando o processo de seleção, os alimentos mais utilizados e indicados e seus fatores antinutricionais, as exigências dietéticas das fêmeas, o melhor manejo de desmame e outros indicadores na busca da eficiente seleção e reposição de matrizes na busca pelos melhores coeficientes zootécnicos e econômicos ao ovinocultor. Para tanto, foram utilizados livros da área de ovinocultura e artigos selecionados nas bases de dados do Google Acadêmico, Mendeley e Scholar Scientific Electronic Library Online (ScliELO). A pesquisa foi realizada utilizando as palavras-chave “alimentação de borregas”, alimentação de cordeiras”, “desmame de ovinos”, “nutrição e alimentação de ovinos” e “manejo alimentar de ovinos”, onde foram realizados filtros para a seleção dos artigos e/ou livros que estivessem de acordo com os critérios como escrita e avaliação CAPES da revista ou jornal em questão.

3. Resultados e Discussão

A criação de cordeiras e borregas de reposição é um processo de transformação de alguns recursos que objetivam a conversão em produtos (carne, leite, pele ou lã) que satisfaçam a demanda global em um ambiente determinado com índices zootécnicos e econômicos divergentes. Nesse contexto, a alimentação é um processo que constitui um conjunto de atos voluntários e conscientes, entre oferta pelo produtor e consumo pelo animal, que envolve a eleição, preparação, administração e consumo dos ingredientes, enquanto que a nutrição é a ciência que aborda um conjunto de fenômenos ou fatores involuntários que sucedem o consumo dos alimentos e determina teoricamente as necessidades dietéticas dos animais nas mais variadas fases e estágios fisiológicos. Portanto, temos que o objetivo da alimentação racional e adequada de fêmeas de reposição, ou futuras matrizes, é a utilização de recursos com baixos investimentos, ou seja, recursos a um menor custo e que causem menor degradação ambiental e forneçam nutrientes suficientes para a conversão animal em produtos e/ou serviços, como a reprodução.
As bases para uma alimentação racional alicerçam-se no conhecimento dos hábitos alimentares do animal, do seu processo digestivo, requerimentos nutricionais, composição nutricional dos ingredientes e seus fatores antinutricionais e limites de inclusão e a formulação de rações balanceadas (Teixeira, 1998; Church, 1993). Segundo Hofmann (1989) as diferenças evolutivas existentes nos ovinos em sua adaptação meio ambiental têm determinado certas características de diferenças entre esta espécie e os demais ruminantes domésticos (Tabela 1).
Tabela 1 – Comparação relativa entre ovinos, caprinos e bovinos em sua adaptação ambiental
Tabela 1 – Comparação relativa entre ovinos, caprinos e bovinos em sua adaptação ambiental

3.1 Alimentação da fêmea lactente (pré-desmame)

O animal neonato nasce com o rúmen afuncional, ou seja, as fêmeas nascem como animais de estômago simples ou não ruminantes, sendo o abomaso o compartimento funcional do trato gastrintestinal (TGI), portanto o animal depende diretamente do leite materno para a manutenção das atividades fisiológicas durantes as primeiras semanas de vida (NRC, 2007). De acordo com Fonseca et al. (2011) o leite de ovelhas contém quase o dobro de sólidos totais e maiores teores de proteína, principalmente a caseína e gordura em comparação com o de vaca. Em acordo, Morais (2013) determinou que o leite de ovelhas apresenta um conteúdo maior de proteína bruta, lipídeos ou gordura, cinzas ou minerais e sólidos totais quando comparado com o leite de vaca e cabra (Tabela 2).
Tabela 2 – Composição química do leite de ovelha comparado ao de outras espécies de fêmeas produtoras
Tabela 2 – Composição química do leite de ovelha comparado ao de outras espécies de fêmeas produtoras
É fato que o leite da ovelha possui melhor composição nutricional quando comparado aos leites de cabra e vaca, o que favorece um bom desempenho e ganho de peso dos animais lactentes. Porém, é necessário mensurar se a composição existente no leite supre as exigências dietéticas dos animais em proteína, energia, minerais e vitaminas. De acordo com Selaive-Villarroel et al. (2017) são necessários 4 kg ou L de leite de ovelha para produção de 1 kg de cordeiro, portanto alicerçados pelos autores, para que uma fêmea alcance o peso de 20 kg num período de 90 dias quando se emprega sistema intensivo de criação, seria necessário a ingestão de 80 L/3 meses, onde o animal consumiria cerca de ~0,89 L de leite/dia, tendo a ovelha uma produção diária de ~1,5 L/dia.
Dito isto, ainda Segundo Selaive-Villarroel et al. (2017), o consumo de leite pelos animais lactentes é primordial para o bom desenvolvimento ósseo e deposição de músculo e gordura na carcaça com a finalidade da obtenção de borregas com ótimo escore de condição corporal ao acaso da primeira monta ou inseminação artificial.
As primeiras 12 horas de vida das futuras matrizes são decisivas, tendo estas que consumir o colostro, que é a primeira secreção láctea dos mamíferos depois do parto, logo na primeira hora de vida assegurando bom desenvolvimento do sistema imunológico, uma vez que este leite é rico em iminoglobulinas e maiores teores de proteínas e energia. É preferível que o animal consuma o colostro direto da mãe, no entanto, caso haja necessidade, a administração artificial por mamadeira é viável.
Como supracitado, o colostro é rico em substâncias que favorecem a imunidade dos animais, porém essas substâncias possuem um tempo de vida curto para serem melhor absorvidas e eficazes. Quanto mais tardar o consumo de colostro, menos eficiente será o colostro no desenvolvimento do sistema imunológico do animal, portanto o animal não deve passer mais que 12 horas depois do parto para consumi-lo (Figura 1).
Figura 1 – Capacidade de absorção intestinal de imunoglobulinas em ovinos em horas depois do parto
Figura 1 – Capacidade de absorção intestinal de imunoglobulinas em ovinos em horas depois do parto
O colostro é fundamental para a alimentação inicial das fêmeas neonatas, pois além de fornecer imunidade passiva, favorece a eliminação do mecônio do intestino, imprescindível para uma boa sanidade e desempenho. Estudos realizados por Silva et al. (2022), e corroborados por Todaro et al. (2023), utilizando a raça Santa Inês como referência corroboram a ideia de que a composição colostral é muito superior ao do leite comum, e que essa composição tende a descender conforme as horas ou ordenhas, mas depois, conforme as lactações ou ordenhas tendem a aumentar (Tabela 3 e Figura 2).
Tabela 3 – Composição química do colostro de ovelhas Santa Inês e variação na composição em 96 horas
Tabela 3 – Composição química do colostro de ovelhas Santa Inês e variação na composição em 96 horas
Figura 2 – Variação na composição química do leite de ovelha conforme as horas
Figura 2 – Variação na composição química do leite de ovelha conforme as horas
Deve-se ter em conta que a ração ofertada à matriz ovina possui influência direta na composição dos sólidos totais do leite, por isso há variações na composição segundo diversos autores e os parâmetros de avaliação da composição empregados.
Dada a importância do leite materno e da ingestão de colostro no bom desenvolvimento do sistema imunológico e ósseo do animal, temos o leite como um ingrediente base na alimentação no pré-desmame. Entretanto, pode não ser o único ingrediente disponível para os animais. Existem uma série de sucedâneos do leite que podem ser ofertados aos animais nessa fase e que possuem papel análogo ao leite da matriz, porém alguns com uma carga nutricional maior, principalmente de minerais e vitaminas. Segundo Sá & Sá (2004)17 os melhores resultados no desempenho de cordeiras na fase de aleitamento quando submetidas à alimentação artificial com sucedâneos do leite se deram com produtos com 30% de gordura e 24% de proteína. No entanto, apesar de conferir bons resultados, há uma série de limitações quanto ao uso dessa prática, sendo os principais a digestibilidade, presença de fatores antinutricionais, perfil composicional de ácidos graxos e balanço de aminoácidos existentes (Davis & Drackley, 1998). Segundo Ferreira (2005) os melhores resultados como ganho de peso, manutenção do pH ruminal e bom desempenho de crescimento animal foram obtidos em dietas com sucedâneos à base de produtos derivados lácteos, por sua vez os derivados não-lácteos proporcionaram certos incômodos ao animal em termos de atendimento das exigências nutricionais, desenvolvimento de diarreias etc.
A importância do consumo relativo de leite sobre o ganho de peso diário (GPD) ou taxa de ganho de peso diário em cordeiras durante os diferentes períodos de lactação estabelece que nas primeiras 4 semanas de vida o leite é responsável por 90% do GPD, entre a quarta e oitava semana sua influência sobre o GPD é de 80% e da oitava à décima segunda semana sua influência é da metade do GPD, ou seja, 50% (Ciria et al., 2009).
No entanto, estudos feitos por Ruiz et al. (2000), Oravcová et al. (2006) e Ferreira et al. (2011) corroboram que a partir sexta à oitava semana a produção de leite das matrizes começa a decrescer, enquanto que em detrimento à essa baixa na produção, os requerimentos nutricionais das cordeiras para crescimento aumentam (Figura 3 e 4), logo essa é uma situação em que poderia repercutir de forma negativa quando se não há o fornecimento de alimentação suplementar ou complementária às fêmeas para que estas possam expressas seu máximo potencial genético de crescimento. Ainda segundo os mesmos autores, essa situação se agrava quando a matriz amamenta dois ou três cordeiros, por isso que o índice de mortalidade neonatal quando a ovelha amamenta três animais é muito grande quando não há suplementação a partir da quarta ou oitava semana de vida do animal jovem em crescimento.
Figura 3 – Produção de leite e exigências nutricionais em ovinos
Figura 3 – Produção de leite e exigências nutricionais em ovinos
Figura 4 – Produção de leite de fêmeas ovinas da raça Santa Inês em semanas pós-parto
Figura 4 – Produção de leite de fêmeas ovinas da raça Santa Inês em semanas pós-parto
Além dessa problemática da queda na produção de leite, em muitas regiões, como as do Sul do Brasil a utilização do leite de ovelhas é destinada para a produção de queijos artesanais muito valorizados no mercado, sendo assim, uma das estratégias para a alimentação das futuras matrizes é a adoção do leite de vaca para fornecimento artificial. Silva Sobrinho et al. (1996) apontam que apesar do leite de vaca possuir menos sólidos totais, ou seja, ser menos nutritivo que o da ovelha em termos de proteína e energia, a ingestão deverá ser maior e o ganho de peso é menor, porém gasta-se menos em comparação ao aleitamento com o leite de ovelha. Ainda segundo os autores, para cada litro de leite de ovelha são necessários de 2 a 4 litros de vaca para garantir a composição nutricional exigida pelo animal lactente.
Utilizando dados propostos por Da Silva (2021) sobre a predição da exigência de proteína para uma fêmea com 4,5 kg e tomando como base os dados da tabela 2 sobre a composição do leite ovino e bovino, temos que a fêmea necessita por dia cerca de 186 g de proteína, portanto seria necessário ingerir 3,1 L/d de leite de ovelha para garantir seu bom desempenho, por sua vez, seriam necessários 5,6 L/d de leite de vaca para garantir a mesma composição proteica.
Uma das formas de assegurar economia na criação é o fornecimento de leite de vaca a partir do 3º dia de vida do animal, porém essa adição do leite bovino à dieta do animal deve ser cuidadosa e paulatina, ou seja, deve-se adaptar o TGI do animal ao conteúdo do leite de vaca para não ocasionar doenças ou diarreia. Para tanto, Sandoval Júnior (2011) apresenta técnicas de adaptação ao leite de vaca para caprinos em aleitamento artificial que podem ser adaptadas e empregadas para cordeiros conforme a idade (Tabela 4).
Tabela 4 – Esquema de manejo adaptativo ao leite de vaca para cordeiros
Tabela 4 – Esquema de manejo adaptativo ao leite de vaca para cordeiros
Uma outra solução estratégica possível e muito empregada nas propriedades ovinocultoras é atender os requerimentos nutricionais da ovelha em lactação e suplementar a alimentação das cordeiras lactentes através da administração de concentrado de ótima qualidade nutricional por meio do creep-feeding, o que assegura uma máxima taxa de crescimento de acordo com o potencial produtivo das fêmeas (Carbó, 1998).
Silva Sobrinho et al. (1996) definiram o creep-feeding (Figura 5) como sendo uma atividade de manejo essencial em sistemas de produção intensiva de cordeiros consistindo na administração de alimentação suplementar para os animais na fase de aleitamento, assegurando um bom desenvolvimento ruminal e sanidade dos cordeiros quando se deseja realizar o desmame com menos de 60 dias pós-parto. Segundo os mesmos autores esse manejo resulta em crescimento mais rápido e deve ser empregado logo na primeira semana de vida do animal.
Selaive-Villarroel & Silveira (2017) asseguram que o creep-feeding confere como produto final cordeiros mais pesados e que a melhor idade para implantação é entre 10 a 15 dias pós-nascimento, onde os cordeiros alcançam peso de abate entre 32 e 35 kg entre 4 e 5 meses de vida. Ainda conforme os autores, os concentrados indicados para o “creep” devem possuir 16 a 20% de proteína bruta e 65 a 80% de nutrientes digestíveis totais (energia), sendo fornecida a ração ad libtum ou 1 a 2% do peso vivo do animal, onde a relação volumoso:concentrado (v:c) varia de acordo com a idade do animal. Chappell (1993) sugere que, do nascimento até o desmame tardio aos 80 dias, a ração seja composta por 16,9% de PB e 80% de NDT com relação v:c de 10:90, onde o GMDP alcance 0,25 kg e o peso a desmame seja de 25 kg.
Figura 5 – Exemplo prático de espaço destinado para o creep-feeding de cordeiros
Figura 5 – Exemplo prático de espaço destinado para o creep-feeding de cordeiros
A alimentação pré-desmame das cordeiras afeta significativamente o crescimento no pós-desmame. Além disso, o conteúdo de proteína e energia na dieta na fase pré-desmame possui influência direta no ganho de peso corporal das cordeiras desmamadas.
A quantidade de concentrado que as fêmeas irão consumir e a seletividade pelos tipos de alimentos variam de acordo com a idade que estas começam a se alimentar com alimentos sólidos. Em experiência prática, a partir do terceiro dia de vida os animais começam a se familiarizar com alimentos sólidos, consumindo pequenas quantidades. Segundo Carbó (1997), o consumo de ração entre a segunda e a sexta semana de vida dos animais é afetado pela palatabilidade, composição e forma de administração do alimento e se este é fornecido em uma baia de produção de leite das ovelhas e uma baixa disponibilidade de forragem. Segundo o NRC (1985) e ratificado pelo NRC (2007) nesta idade as fêmeas possuem preferência por rações moídas e as peletizadas, e a partir da quinta e sexta semana pode-se adicionar grãos inteiros à ração concentrada.
Como princípios do “creep”, temos que este manejo é fundamental para estimular o desenvolvimento normal e rápido das papilas ruminais, portanto do desenvolvimento do rúmen, e suplementar o consumo de nutrientes para um crescimento mais rápido.
Selaive-Villarroel & Silveira (2017) destacam que os cordeiros que possuem acesso precoce ao consumo de concentrado, isto é, de alimento sólido, os compartimentos digestivos alcançam proporções relativas a de um adulto por volta de 8 semanas de idade (Figura 6), em contrapartida, Berchielli et al. (2011) frisam que há uma diminuição nas concentrações plasmáticas de glicose até atingir valores normais para um ruminante por volta de 14 semanas de idade (Faichney, 1992).
Figura 6 – Proporções relativas dos compartimentos estomacais em ovinos em várias idades
Figura 6 – Proporções relativas dos compartimentos estomacais em ovinos em várias idades
O conhecimento da proporção ou volume dos estômagos dos cordeiros é fundamental para a elaboração de dietas que serão bem digeridas e eficientemente aproveitadas para o bom desenvolvimento do animal. Van Soest (1994) destaca que o volume dos estômagos em relação ao peso do animal adulto equivale a 12 a 19%.
Apesar de parecer uma fonte viável de suplementação nutricional para as cordeiras, o creep-feeding possui implicações quanto ao manejo, economia e outros fatores. Ungerfeld et al. (2012) e Galvão (2018) apresentam uma série de vantagens e desvantagens para o “creep” (Tabela 5).
Tabela 5 – Vantagens e desvantagens do uso do creep-feeding
Tabela 5 – Vantagens e desvantagens do uso do creep-feeding
É necessário ter em conta que existem alguns fatores para a adoção ou não do “creep”. Pérez (2017) demonstrou que a raça, tipo de parto e sexo possuem grande influência seja ela positiva ou negativa.
Têm-se demonstrado que o passo ao nascer das cordeiras é determinado pela raça quando a alimentação não é um fator limitante, o peso vivo da prole de ovelhas de grande porte é maior que os de médio e pequeno porte. Além disso, Carbó (1997)30 explana que possui influência sobre o ganho de peso, a suplementação com o “creep” influenciou positivamente o crescimento pré-desmame quando houve interação entre as raças (Pérez, 2017).
O tipo de parto também pode influenciar na taxa de peso e GPD, sendo observados que os pesos ao nascer são maiores em produtos de parto simples, único e eutócico em comparação com os partos duplos ou triplos, e às vezes distócicos, o que se atribui principalmente a que a cria única não compete por nutrientes e espaço no útero durante a gestação, ou seja, quando há mais de um indivíduo os nutrientes da matriz serão mobilizadas para serem distribuídos entre os fetos, onde um pode nascer mais vigoroso e outro débil. Segundo Coimbra Filho (1997) o peso de cordeiras nascidas de parto simples ou único é 20% superior quando comparado com os partos gemelares. Sendo assim, é possível determinar que a combinação do tipo de parto e a utilização do “creep” também influenciou de forma positiva no crescimento, situação observável em indivíduos de parto único com maiores pesos (Pérez, 2017).
O sexo também influencia, pois nos ovinos o peso ao nascimento dos machos é 5 a 12% superior que o das fêmeas (Adhab e Ahmed, 2017). A suplementação via “creep” influenciou de forma positiva no crescimento pré-desmame de cordeiras, quando houve interação com o sexo do cordeiro (Pérez, 2017).

3.2.1 Ingredientes recomendados para o creep-feeding e misturas concentradas indicadas

Os ingredientes utilizados são bastante variáveis e dependem da disponibilidade e custos. É necessário compreender as necessidades dos animais e os fatores que fazem os ingredientes serem bem aceitos ou recusados. Para tanto, a mistura deve conter ingredientes palatáveis, com boa granulometria e que sejam de fácil digestão e que não ocasione danos aos animais. Entre os mais utilizados estão o milho e seus coprodutos, sorgo e seus coprodutos, desde que se atente aos teores de taninos presentes neste, farelo de soja, fenos de gramíneas de boa composição bromatológica como tifton, braquiárias etc., canola, melaço de cana, açúcar, mandioca e seus coprodutos, trigo e seus coprodutos, sais minerais, bicarbonato de sódio entre outros.
O número de ingredientes empregados para a elaboração de um suplemento pode simples utilizando milho em grão ou na forma de xerém e farelo de soja (Da Silva, 2021) ou combinado com sais minerais e bicarbonato de sódio e alguns aditivos (Da Silva, 2021).
Observações realizadas por Karim et al. (2001)40 destacam que quando o suplemento fornece um baixo conteúdo em proteína e energia, os animais aumentam o consumo de matéria seca a fim de compensar o baixo aporte destes nutrientes e o que explicaria o efeito benéfico do creep-feeding.
Existe uma imensidão de indicações ou recomendações da composição de rações para o “creep”, o conteúdo que mais varia é o de proteína bruta (PB) que vai desde 14% até 27% e o de energia que pode chegar até 80%. Neste, utilizaremos as recomendações propostas por Da Silva (2021) e Sandoval Júnior (2011), onde as rações estão disponíveis na tabela 6.
Tabela 6 – Rações recomendadas para creep-feeding
Tabela 6 – Rações recomendadas para creep-feeding

3.2 Desmame das fêmeas: fundamentos e aplicações

Em uma revisão, FAOSTAT (2021) destaca que o leite de ovelha representa 1% de todo o leite produzido no mundo, já o IBGE (2021) destaca que o Brasil produz cerca de 1,72 milhões de litros de ovelha/ano, no entanto, por mais que haja produção esse leite é destinado à fabricação de queijos, sendo assim, como ocorre com a espécie bovina, o manejo de desmame das crias é uma técnica que visa fornecer nova alimentação ao animal e reservar o leite para a produção de coprodutos.
Silva Sobrinho et al. (1996) definem o desmame como a supressão total da ingestão de leite pelo animal. Szorobura et al. (2022), por sua vez, definem o desmame como um manejo de separação física definitiva da ovelha e sua cria, sendo um método de intenso estresse para ambos e que pode influenciar na sobrevivência, ganho de peso, sanidade etc. de ambos.
Um dos fundamentos para a aplicação do desmame das cordeiras é o enfoque na separação em lotes que visa possibilitar uma alimentação distinta às crias com diferentes necessidades nutricionais como também pelas diferenças de sexo, idade, peso e estágio fisiológico, sendo assim, o desmame visa separar o jovem animal que possui diferentes necessidades nutricionais em comparação com a matriz. Coimbra Filho (1997) enfatiza que o desmame é uma técnica importante, mas que deve ser abordada do ponto de vista das crias, das matrizes e da composição da ração que consomem.
Em ovinos, o desmame é definido como o período no qual o leite materno é paulatinamente substituído por forragens, concentrados ou dietas baseadas em grãos. Para a implementação do desmame no sistema de produção os critérios avaliados são econômicos e práticos. Segundo vários ovinocultores, sai mais barato e prático um animal desmamado do que um ao pé da mãe. É um período de transição entre uma mistura líquida baseada em caseína, lactose e triglicerídeos para uma mistura sólida ou semissólida baseada em nutrientes mais complexos (fibras etc.), daí a importância da adoção do “creep”, mencionado supra. Para Neiva (2000) essa redução do consumo lácteo promoverá um melhor desenvolvimento do rúmen-retículo, proporcionando aos animais um maior consumo de volumoso e concentrado, consequentemente, um menor custo de produção. Estas mudanças na dieta do animal requerem uma adaptação da função digestiva, sendo o rúmen e seus microrganismos fundamentais neste processo. A adaptação às novas condições da dieta pode ser estressante, uma vez que a maduração do sistema digestivo dos ovinos e demais mamíferos jovens é incompleta (Magistrelli et al., 2011).
O TGI e suas produções se desenvolvem logo após o nascimento por vários meses e essa evolução possui relação direta com a idade do animal e os fatores nutricionais, isto é, tipo de dieta que o animal consome. Se as cordeiras permanecerem em etapa de pré-ruminante até os 42 dias de idade, o peso dos órgãos digestivos, expresso em porcentagem do peso vivo, aumenta em larga escala para os intestinos delgado (ID) e grosso (IG), no entanto, diminui gradualmente para o abomaso, e não mostra mudanças a partir de então. A duração do aumento de peso do ID é mais longa em comparação com outros órgãos do TGI (Guilloteau et al., 2009).
Selaive-Villarroel et al. (2017) e ratificado por Szorobura et al. (2022) apontam que o desmame é aplicado seguindo diferentes objetivos e necessidades da produção animal. Pode-se realizar de forma gradual ou abrupta, podendo ser abrupto quando o desmame é realizado nos primeiros dias de vida, desmame precoce entre os 30 e 45 dias e o convencional aos 60 dias (Silva Sobrinho et al., 1996; Szorobura et al., 2022). Para Coimbra Filho (1997) o desmame natural, muito empregado em explorações pequenas, o viável é a separação aos 3 meses de idade (75 a 90 dias) e quando há o interesse em acelerar a recuperação das ovelhas para que entrem em outro ciclo reprodutivo, é viável a separação aos 2 meses (60 dias). O desmame precoce, realizado aos 21 dias ou menos, é praticado em caso de matrizes destinadas à ordenha.
Selaive-Villarroel et al. (2017) apontaram várias características essenciais quanto ao desmame. Segundo os autores o escore de condição corporal (ECC) ideal das cordeiras ao momento do desmame deve ser de 2,0 a 2,5; taxas de mortalidade entre 20 a 25% e de desmame entre 60 e 65% são inviáveis para a produção de carne; um mau manejo no desmame pode ocasionar menos ganho médio diário de peso (GMDP) e aumento na taxa de mortalidade, principalmente por parasitoses; um desmame conciliado com confinamento asseguram maior GMDP e diminui a idade de abate; o peso médio ao desmame varia conforme o sistema de produção sendo de 12 a 14 kg para extensivo, 18 a 22 kg para semi-intensivo e 24 a 26 kg para produção intensiva; um maior ganho de peso diário (GPD) é obtido com desmame aos 62 dias; e, por fim, o peso das cordeiras é o melhor indicador para a realização do desmame.

3.3 Seleção de fêmeas para reposição/reprodução

Após o desmame, em muitos casos, as cordeiras são selecionadas para a vida reprodutiva ou comercializadas. Sendo assim, a escolha das fêmeas para a reprodução é uma das principais premissas dentro de um sistema de criação.
Silva Sobrinho (2006) ratificado por Selaive-Villarroel et al. (2017) apontam que em rebanhos comerciais o indicado é a substituição anual de 20% das matrizes, sendo assim, o produtor pode optar pela seleção das fêmeas de reposição na propriedade ou na aquisição de terceiros.
Brandano et al. (2004) destacam que cerca de 50% das fêmeas devem ser selecionadas para reprodução, esse grande número reflete a maior taxa reprodutiva de ovelhas em relação aos carneiros. Ainda segundo os autores, o restante dos 50% das fêmeas deverão ser abatidas ou comercializadas. Para os autores, a taxa de reposição pode ser calculada para todo o rebanho ou para o quantitativo de fêmeas adultas. Para exemplificar o exposto, temos que em um rebanho com 200 ovelhas, consistindo de 150 adultas e 50 jovens, a taxa de substituição anual é de 25% para todo o rebanho (50/200) ou 33,3% para ovelhas adultas (50/150).
Para a seleção de fêmeas de reposição na propriedade desde a fase de cordeiras é necessário conhecer a árvore genealógica da fêmea para vislumbrar parâmetros como habilidade materna da mãe e avós, capacidade de levar a gestação a termo etc. Nascimento (2023) já adverte que selecionar fêmeas de reposição é tarefa que exige trabalho, dedicação e critérios rígidos.
Quadros (2018) e Nascimento (2023) apresentam pontos ou critérios de seleção quanto ao animal, características zootécnicas e reprodutivas para a seleção de fêmeas de reposição:
  • Ausência de enfermidades, com pelagem brilhante;
  • Demonstrar caráter feminino, ou seja, comportamento de fêmea;
  • Bom porte e boa conformação, com aprumos perfeitos e cascos sadios;
  • Bom ECC (entre 3 e 4);
  • Comportamento ativo;
  • Ausência de defeitos físicos;
  • Peito largo e profundo, linha de dorso e lombo comprida e larga e garupa comprida e larga;
  • Úbere bem inserido com apenas dois tetos (Figura 7);
  • Selecionar as borregas que se adaptam bem às condições do ambiente e ao manejo, e que sejam mais resistentes a possíveis enfermidades durante o aleitamento e após o desmame.
Figura 7 – Tipos de úberes que podem ser apresentados em ovelhas
Figura 7 – Tipos de úberes que podem ser apresentados em ovelhas

3.4 Alimentação das fêmeas pós-desmame

As borregas de reposição, como são classificadas pós-desmame para a vida reprodutiva, constituem parte essencial do rebanho durante todo o ano e suas necessidades nutricionais, segundo raça, estado fisiológico etc., variam consideravelmente, segundo as possibilidades que possui o sistema de produção da qual estão submetidas. De maneira geral, seu ciclo produtivo compreende desde a aquisição e inserção da ovelha jovem de reposição ao rebanho, em casos de compra das fêmeas, até a seguinte cobrição que, geralmente, ocorre depois do desmame de suas futuras crias.
Como supracitado, o manejo alimentar na etapa pré-desmame possui influência direta sobre o peso na etapa pós-desmame, enfatizando-se uma correlação entre o peso ao desmame com o peso para reprodução de R2 = 0,515 (Bhatt et al., 2009).
Embora a energia, seja nas diversas formas apresentadas (metabolizável (EM), líquida (EL) ou nutrientes digestíveis totais (NDT)), e a proteína sejam quantitativamente os nutrientes mais importantes, até mesmo quando se formulam rações, todos os nutrientes são críticos e não devem ser negligenciados, tampouco reduzidos a combinações para compor uma dieta (Da Silva, 2021). É de suma importância frisar que as deficiências, excessos e desbalanços mais comuns envolvem tanto a energia e proteína, como também o cálcio, fósforo, vitamina A e vitamina E (NRC, 1985; NRC, 2007).
No pós-desmame, o rúmen-retículo já está em pleno funcionamento e representado boa parte ou completa porcentagem do adulto. Durante o pós-desmame, as dietas mudam para uma mistura de nutrientes mais complexa. Tais mudanças requerem uma adaptação da função digestiva, sendo as fontes nitrogenadas e os carboidratos os precursores mais significativos dessa adaptação digestiva. Pode administrar proteína verdadeira (dos alimentos) onde o nitrogênio encontra-se na forma de aminoácidos (AA’s) e, em contrapartida, o nitrogênio não-proteico (NNP) podem ser fornecidos e, no rúmen, transformado em proteína microbiana, devido aos microrganismos que vivem neste compartimento, sendo os componentes da proteína microbiana, entre eles os aminoácidos, absorvidos à medida que transitam por outros compartimentos do TGI. Com isso, temos que os ruminantes dotam de um aporte de proteína microbiana, além da proteína de origem alimentar (Figura 8 e 9). Deve-se enfatizar que, segundo Church (1993) e corroborado por Berchielli et al. (2011) as bactérias fermentadoras do rúmen utilizam as fontes proteicas, seja NNP ou dos alimentos, para que possam produzir seus produtos finais, por exemplo as fermentadoras de carboidratos não-estruturais (CNE) exigem amônia e aminoácidos para a síntese proteica.
Com relação aos carboidratos, a principal diferença do metabolismo dos animais ruminantes, como é o caso dos ovinos, com respeitos as demais espécies não ruminantes é a capacidade de utilização dos ácidos graxos voláteis (AGV’s) como fonte de energia corporal. O animal ruminante, graças à população de microrganismos presentes no seu TGI particular, consegue converter a fibra dos alimentos, principalmente dos volumosos, em energia e produtos. É ratificado que entre 50 e 80% da glicose disponível a nível celular provém do metabolismo dos AGV’s como acetato, butirato e propionato (acético, butírico e propiônico) (Berchielli et al. 2011; Church, 1993). A degradação microbiana dos polissacarídeos complexos e de carboidratos simples que ocorre no rúmen, disponibiliza uma série de metabólitos que, diretamente ou transformados no epitélio ruminal, servem como fontes energéticas para as células do corpo do animal (Figura 10) (Church, 1993 ; Teixeira, 1992).
Após o período de desmame as fêmeas de reposição devem receber uma dieta balanceada a fim de obter uma maturidade sexual em menor tempo possível, sendo importante levar em consideração que o peso adulto das diferentes raças de fêmeas ovinas varia entre menos de 40 kg até mais de 130 kg, sendo assim a taxa de crescimento destas determinam suas necessidades nutricionais e as medidas de pastejo pelo produtor bem como a adoção de rações concentradas comerciais. Silva Sobrinho (2006) corroborado por Selaive-Villarroel et al. (2017) aponta que por mais que atinjam maturidade sexual precocemente, dado ao manejo alimentar e nutricional adotado, é necessário que as fêmeas atinjam 70% do peso adulto para que possam entrar na vida reprodutiva, isto é, para que se possa realizar o primeiro acasalamento destas. A composição bromatológica dos ingredientes determinada através de análises e metodologias diferentes para os mais variados nutrientes proporcionam valores mais confiáveis para a formulação de rações, caso não haja disponibilidade das informações da qualidade nutricional dos ingredientes na propriedade pode-se utilizar valores estimados em tabelas de referências como os presentes no NRC (2007)9 , CQBAL 3.0 ou Da Silva (2021).
Figura 8 – Esquema do metabolismo proteico em ovinos
Figura 8 – Esquema do metabolismo proteico em ovinos
Figura 9 – Esquema do metabolismo de nitrogênio em ovinos
Figura 9 – Esquema do metabolismo de nitrogênio em ovinos
Figura 10 – Esquema do metabolismo de carboidratos em ovinos
Figura 10 – Esquema do metabolismo de carboidratos em ovinos
O Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos, conhecido como National Research Council (NRC) publicou em 2007 a versão mais recente sobre as necessidades nutricionais dos ovinos, atualizando e melhorando a publicação de 1985 com base em inúmeros estudos e pesquisas que se têm produzido nos últimos anos sobre a nutrição e alimentação dos ovinos. Este livro se converte em uma ferramenta de suma importância onde se estabelecem os requerimentos alicerçados pelo peso corporal, o GPD, consumo de matéria seca (CMS), requerimentos de energia (NDT, EM, ELm, ELg), proteína bruta (PB) e metabolizável (PM), assim como dos principais minerais como cálcio (Ca) e fósforo (P) e vitaminas (A e E). Ainda apresenta as estimativas da composição bromatológica dos principais alimentos utilizados na formulação e fabricação de rações para pequenos ruminantes.
Deve-se enfatizar que, as necessidades nutricionais dos ovinos mudam em função de determinados fatores, um deles são as condições edafoclimáticas, dito isto, é de suma importância que os requerimentos sejam sob as condições brasileiras, no entanto estes dados são defasados ou ainda inexistentes. Para as condições brasileiras existem tabelas para aves, suínos e gado de corte, mas para as demais espécies de interesse zootécnico não se existem tabelas concretizadas.
Para as necessidades nutricionais de borregas de reposição (Tabela 7) podemos utilizar os dados presentes no NRC (2007) e em Da Silva (2021).
Tabela 7 – Necessidades nutricionais de borregas de reposição
Tabela 7 – Necessidades nutricionais de borregas de reposição
Brandano et al. (2004) destaca que a fibra é elemento essencial na dieta das fêmeas de reposição, onde a ração deverá ser composta por 30 a 32% de FDN. Os autores destacam a fibra como elemento importante para o bom funcionamento das funções ruminais, ainda destacam que excesso de fibra pode levar à falta de energia que, por sua vez, pode reduzir significativamente a taxa de crescimento e desenvolvimento das borregas, tendo como consequência negativa o retardo do aparecimento do primeiro estro fértil, por exemplo. Em contrapartida, Berchielli et al. (2011) e McDonald et al. (2022) alertam que o excesso de fornecimento de concentrado resulta em excesso de energia para os animais, o que resulta em deposição significativa de gordura corporal indesejável, o que pode prejudicar não apenas a fêmea, mas sua vida reprodutiva e na função ovariana. A proteína é um nutriente essencial, sendo sua deficiência manifestada pela redução na taxa de crescimento dos animais. Brandano et al. (2004) destacam teor de PB de 18 a 20% da MS como sendo essencial para borregas de reposição.
Na prática, quando o volumoso fornecido aos animais é de baixa qualidade, isto é, de baixo valor nutritivo, é necessário incrementar a baixa quantidade de nutrientes disponíveis na forragem no concentrado.
Chappell (1993) frisa que a ração para borregas de reposição deve ser composta por 65% de NDT e 10,2 a 12,8% de PB com relação v:c ideal de 65:35. Da Silva (2021a), por sua vez, indica CMS ideal de 1,4 kg/dia e ração ideal sendo composta por 65% NDT, 10% PB, 2,4 Mcal/kg de energia metabolizável, 0,55% de Ca e 0,25% de P, para Da Silva (2021a) a relação v:c de 65:35 proposta por Chappell (1993) ainda mostra resultados eficientes, porém para fêmeas com PV entre 50 e 70 kg essa relação deverá ser de 85:15.
No manejo alimentar, Brandano et al. (2004) aponta que as borregas devem ser separadas por lotes conforme idade ou peso. No primeiro lote, composto por borregas entre 3 e 10 meses a alimentação é de pastos de boa qualidade e concentrados, por sua vez, no segundo lote que vai dos 10 meses até o primeiro parto a alimentação básica deverá ser composta por feno, pasto e concentrado. Ainda segundo os mesmos autores, o para o primeiro lote o concentrado deve fornecer 45 a 50% da energia total e 20 a 25% da energia total para o segundo lote. A silagem é um ingrediente bem visto e aceito pelos animais, contudo, os autores enfatizam que o consumo de silagem pelas borregas não deve exceder 0,5 a 0,7 kg/animal/dia. O feno e o pasto são bem aceitos pelas borregas, porém, a utilização destes possui maior impacto na alimentação do segundo lote, uma vez que favorece um efeito positivo no desempenho reprodutivo.
A suplementação concentrada pós-desmame na base de 0,3 a 0,5 kg/borrega por dia em regime de pasto possui benefícios uma vez que reduz a idade a primeira parição em 1 a 2 meses, além de aumentar a fertilidade e prolificidade da fêmea.
Mesmo que os regimes de alimentação concentrada de alto nível durante o período pré-púbere sejam capazes de avanço da puberdade, já que os animais crescem mais rapidamente, eles têm um efeito negativo sobre o desenvolvimento da glândula mamária, e consequentemente na produção de leite durante primeira lactação. Vale destacar que altos níveis de concentrado na dieta resultam em menor pH ruminal (acidez) o que pode resultar em acidose ruminal. Além disso, o exesso de concentrado pode danificar o epitélio ruminal, condição conhecida como paraqueratose ruminal, o que diminui a absorção de AGV’s pela parede ruminal para utilização da energia proveniente destes AGV’s.

3.2.1 Alimentos usuais no pós-desmame e fatores antinutricionais

- Forragens frescas/verdes (in natura): possui variação no conteúdo nutricional/composição dependendo do conteúdo de fibra e proteína, determinado pelas diferenças entre as espécies, o estágio de crescimento e as práticas de cultivo. Forragens novas possuem maior valor nutritivo e maior relação folha/colmo, em contrapartida plantas velhas possuem maior produção de MS, no entanto a qualidade é muito aquém das necessidades dos animais, além de que plantas velhas possuem muita fibra em sua composição.
- Silagens: mais comumente de produtos a partir d cultivos de grãos parcialmente fermentados, gramíneas e leguminosas que devem ser produzidos livres de fungos indesejáveis. Pode-se utilizar subprodutos, mas depende da disponibilidade destes na propriedade. A alimentação de ovinos com silagens é uma prática comum e recomendável. Deve-se enfatizar que são necessárias algumas medidas como o cálculo prévio do silo para aportar a quantidade de silagem necessário por um determinado período, bem como saber o consumo dos animais no dia, pois a abertura constante do silo faz com que o material que estava sendo mantido sob condições de anaerobiose comece a se deteriorar pela presença de oxigênio.
- Forragens colhidas e conservadas: englobam os fenos de gramíneas e leguminosas, as forragens peletizadas e alguns coprodutos tais como palhadas e casca de grãos. Os fenos são forragens parcialmente secas com menos de 15% de umidade, aquelas plantas colhidas em estágio inicial de crescimento podem menores teores de MS, porém são ricas em termos de energia e digestibilidade.
- Fontes de alta energia (concentrados energéticos): em termos de quantidade são os ingredientes mais importantes nas rações dos animais. São compostos por menos de 20% PB e 18% de fibra bruta (FB), incluem, porém não todos, os grãos de cereais (milho, milheto, trigo, cevada, centeio, sorgo etc.), raízes e tubérculos (batatas, mandioca etc.), subprodutos da moagem, produtos da panificação e outros subprodutos da fabricação de alimentos como polpa cítrica, polpa de beterraba, óleos vegetais etc.
- Fontes de alta proteína (concentrados proteicos): em ordem, são os ingredientes secundários que, juntamente com os energéticos, compõem a ração. São compostos por mais de 20% de PB e englobam os farelos de oleaginosas como girassol, soja, algodão etc..
- Água: o consumo de água através do leite satisfaz os requerimentos das cordeiras nas primeiras duas a três semanas de idade, depois desse período o teor de água dos alimentos, principalmente dos concentrados, é baixo sendo necessário o consumo de água limpa e fresca nas quantidades corretas.
Temos que os fatores antinutricionais (FAN) são substâncias frequentemente presentes em ingredientes usados na alimentação animal, principalmente das fontes de proteína. Podemos definir esses FAN como sendo substâncias presentes em concentrações diminutas em ingredientes de origem vegetal e que possuem influência negativa no valor nutritivo, na digestibilidade, absorção e utilização dos ingredientes, além de interferir na eficiência dos processos fisiológicos dos animais. Os ruminantes suportam mais os FAN do que as aves, no entanto é necessário atenção especial deve ser dada uma vez que alimentos com altos teores de FAN prejudicam a saúde e podem levar a morte do animal.
Existem uma série de FAN, muitos inibem a ação de enzimas, afetam a absorção de AA’s, afetam a reprodução etc. Os inibidores de proteases são os mais comuns e estão presentes na soja crua ou mal processada, afetando a ação das enzimas proteolíticas de duas formas, apenas inibindo a tripsina ou inibindo a tripsina e quimotripsina. O tratamento térmico inibe essas substâncias, entretanto o superaquecimento pode prejudicar nutrientes como AA’s e vitaminas. Outras leguminosas, como o feijão guandu, possuem hemaglutininas, que causam aglutinação das células e, no intestino, reduzem a ação dos enterócitos na absorção de nutrientes. As saponinas possuem maior relevância para ruminantes, pois têm efeito deletério sobre a ação dos microrganismos ruminais causando baixas produções de AGV’s e desproporção na taxa de acetato:propionato quando o animal está submetido à dieta com 1% dessa substância, além disso causa timpanismo devido ao excesso de gás no interior do rúmen. Os cianógenos são glicosídeos que podem ser hidrolisados a ácido prússico ou ácido cianídrico no rúmen dos ovinos, onde boa parte é expelida pelos pulmões e a maior parte convertida no fígado a tiocianato, HCN desintoxicado. Excesso de cianeto provoca anoxia do sistema nervoso central e a morte pode ocorrer em minutos. Os ruminantes são mais sensíveis ao HCN do que suínos e equinos, e os ovinos são mais resistentes que bovinos. Outro FAN é o gossipol que interfere no aproveitamento de minerais e na reprodução, ocasionando infertilidade nos machos e danos aos ovários das fêmeas.

4. Conclusão

A ovinocultura brasileira é uma atividade promissora, seja ela na produção de lã nos estados do Sul, ou na produção de carne, com ênfase no Nordeste, o setor é produtivo. Nesta perspectiva, temos que a alimentação é de suma importância na saúde, bem-estar e desempenho dos animais, principalmente nos primeiros dias de vida, onde os neonatos recebem alimentação líquida rica em anticorpos que comporão sua imunidade na vida adulta.
Como explanado, a alimentação de fêmeas de reposição é um assunto escasso na literatura brasileira, por isso, dada a importância dessa categoria, a elaboração deste trabalho é de relevante impacto na comunidade científica e laboral. As fêmeas de reposição são os produtos que o ovinocultor deve dar destaque, pois cerca de 20 até 50% das matrizes, dependendo do sistema de produção são descartadas anualmente, sendo imprescindível a seleção e cuidados das futuras matrizes que fornecerão os produtos, isto é, os novos animais ao rebanho do produtor para a produção de carne, leite, pele, lã etc.
Neste contexto da alimentação das fêmeas de reposição, fica claro a importância dos conceitos de nutrição animal, bem como do estudo dos alimentos sobre os limites máximos de inclusão, seus fatores antinutricionais e sua composição, além das técnicas de formulação de rações que atendam as demandas nutricionais dos animais segundo peso, idade, raça, sexo, estágio fisiológico etc.

5. Agradecimentos

Agradeço à Marivaldo Quirino de Oliveira, Sebastião Pedro da Silva, Eduarda Carvalho da Silva Fontain, Associação Pernambucana dos Criadores de Caprinos e Ovinos – APECCO, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Belo Jardim-PE, Embrapa Caprinos e Ovinos e Instituto Agronômico de Pernambuco – IPA.
PUBLICADO ORIGINALMENTE NA Revista Universitária Brasileira, Rev. Univer. Bras., v.1, n.2. 073-095 (2023). 
Silva EIC. Alimentação pré-desmame e pós-desmame de fêmeas ovinas de reposição. Revista Universitária Brasileira.
(2023); 1(2): 73–95. A Revista Universitária Brasileira utiliza a licença Creative Commons (CC BY 4.0).

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63. Kamra DN. Rumen microbial ecosystem. Curr Sci. 2005;89(1):124-134.

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O colostro é fundamental para a alimentação inicial das fêmeas neonatas, pois além de fornecer imunidade passiva, favorece a eliminação do mecônio do intestino, imprescindível para uma boa sanidade e desempenho. Estudos realizados por Silva et al.e corroborados por Todaro et al. (2023)16, utilizando a raça Santa Inês como referência corroboram a ideia de que a composição colostral é muito superior ao do leite comum, e que essa composição tende a descender conforme as horas ou ordenhas, mas depois, conforme as lactações ou ordenhas tendem a aumentar.

A quantidade de concentrado que as fêmeas irão consumir e a seletividade pelos tipos de alimentos variam de acordo com a idade que estas começam a se alimentar com alimentos sólidos.

Em experiência prática, a partir do terceiro dia de vida os animais começam a se familiarizar com alimentos sólidos, consumindo pequenas quantidades.
Autores:
Emanuel Isaque Cordeiro da Silva
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
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