1. Aflatoxina no amendoim.
A presença de elevados teores de aflatoxina em amendoim cru e em farelos de amendoim sempre representaram um sério problema para o Brasil (Fonseca, 1968 e 1969). A prevenção da contaminação do amendoim, com aflatoxina, foi a nossa maior preocupação na Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da Universidade de São Paulo, Brasil.
A contaminação do amendoim, no Brasil, é devida às tradicionais práticas de colheita, secagem e de armazenamento utilizadas pelos produtores que aumenta a probabilidade de desenvolvimento fúngico e de produção de aflatoxina. Além disso, na safra das águas o amendoim é, muitas vezes, colhido sob condições climáticas adversas que ocorrem em janeiro, fevereiro e até março.
O efeito que ela pode causar depende da dose e da freqüência com que é ingerida e pode ser agudo (letal ou não) ou subagudo.O efeito agudo é de manifestação e percepção rápidas, podendo levar o animal à morte, porque causa alterações irreversíveis, e é resultante da ingestão de doses geralmente elevadas. O efeito subagudo é o resultado da ingestão de doses não elevadas que provoca distúrbios e alterações nos órgãos do homem e dos animais, especialmente no fígado. Ambos os casos dependem da espécie animal (umas são mais susceptíveis que outras), da idade (os mais jovens são mais afetados), do estado nutricional e, também, do sexo. Sabe-se, também, que ela pode provocar cirrose, necrose do fígado, proliferação dos canais biliares, síndrome de Reye (encefalopatia com degeneração gordurosa do cérebro), hemorragias nos rins e lesões sérias na pele, pelo contacto direto. Além disso, os produtos do seu metabolismo, no organismo, interferem com o sistema imunológico da pessoa ou do animal. Isto faz com que a resistência, às doenças em geral, diminua.
Além dos problemas já citados, já está comprovada a sua relação com a incidência da hepatite B e do "kwashiorkor". Todos estes problemas, obviamente, dependem da quantidade e freqüência da ingestão de produtos com aflatoxina e da idade da pessoa.
Há, também, o risco do desenvolvimento de câncer primário do fígado. Em países da África e da Ásia, onde se consome, regularmente, alimentos contaminados com aflatoxina, a incidência de câncer no fígado é de, aproximadamente, 13 casos por 100.000 habitantes, por ano.
O consumo de rações contendo farelo, milho, ou qualquer outro alimento contaminado com a aflatoxina, pode causar a morte de animais ou diminuir o seu desempenho, desenvolvimento e produção, de uma maneira que só será percebida quando o prejuízo já ocorreu, além de provocar câncer no fígado em várias espécies.
A ingestão da aflatoxina diminui a produção de leite, a produção e a eclodibilidade dos ovos, passa para o leite (1 a 3% da toxina ingerida) e, por conseguinte, passa para o queijo, iogurte etc., sem falar nos riscos que as crianças correrão consumindo o leite.
A susceptibilidade dos animais à aflatoxina pode ser classificada em três níveis, a saber:
- Muito susceptíveis: (DL50 < 1 mg/kg peso vivo) trutas, marrequinhos, cobaias, coelhos, cães, gatos e peruzinhos.
- Susceptíveis: (DL50 até 10 mg/kg) porcos, bezerros, pintinhos, frangos, codornas, faisões, vacas, marta, ratos e macacos.
- Pouco susceptíveis: carneiros e camundongos.
2. Onde e como ela acontece.?
Na hora do arranquio o amendoim contém cerca de 40% de umidade ou mais. A partir deste momento ele começa a perder umidade numa velocidade que depende do clima (sol, chuvas, dias nublados etc.) e da maneira com a planta for disposta no chão para secar: se deitada ou embandeirada (com as vagens para cima). Enquanto a umidade estiver acima de 20-22% a atividade metabólica da vagem oferece resistência à penetração do fungo e o risco de contaminação é praticamente nula. Abaixo de 11% (no amendoim em casca) não há umidade suficiente para os fungos crescerem e também não há perigo de contaminação. O intervalo de 22-20 até 11% de umidade é, portanto, o período crítico e se houver demora da secagem nesta fase, a probabilidade de contaminação do amendoim será muito grande. Desta forma, abaixo de 20% de umidade o amendoim deve ser seco o mais rapidamente possível, até 11%, e só então ser batido ou despencado e ensacado, para se evitar o desenvolvimento do A. flavus e, consequentemente, que haja contaminação com a aflatoxina. Nem sempre esta secagem rápida pode ser conseguida porque, na hora da colheita da safra de maior volume, que é chamada "das águas", e que ocorre nos meses de janeiro/fevereiro, às vezes chove muitos dias em seguida ou faz dias nublados o que impede uma secagem rápida.
Outro fator que atrasa a secagem é a posição deitada em que muitos lavradores colocam o amendoim após a colheita: nesta posição o amendoim seca muito lentamente e favorece a contaminação. Além disso, as vagens podem ser enterradas pelas chuvas e, quando isto acontece, a contaminação é quase certa. Embandeirado, o amendoim seca muito mais depressa, corre muito menos risco de ser contaminado, mesmo chovendo bastante, e quebra menos na batedura. A prática, amplamente empregada, de bater e ensacar o amendoim ainda úmido (cerca de 14-18%), é altamente prejudicial. Dentro do saco o amendoim demora muito para secar e o calor gerado pela própria atividade do grão, mais o ambiente úmido da sacaria, são extremamente favoráveis à contaminação. Da mesma forma, o amendoim que, embora seco, for mal armazenado pode, em época chuvosa (devido à elevada umidade relativa do ar), reumedecer-se e dar condições ao fungo de crescer, possibilitando a contaminação com aflatoxina.
A mudança das velhas práticas na colheita e no pós-colheita, pelos produtores, pode trazer bons resultados. Contudo, isto é complexo e um persistente trabalho de extensão agrícola é necessário porque o produtor, muitas vezes, se recusa a aceitar novas práticas, especialmente quando há um aumento no trabalho e nos custos, sem uma política de melhor preço para amendoim melhor, por parte dos cerealistas ou beneficiadores.
Considerando estes problemas, o estudo de práticas alternativas e complementares para controlar a contaminação pela aflatoxina, que possa ajudar o trabalho de extensão agrícola com o produtor, é bastante desejável.
3. Práticas Usuais e Novas dos Produtores de Amendoim.
Preocupados com a quantidade de lotes e amendoim rejeitados pela indústria pelos elevados índices de aflatoxina, nós, da ESALQ e com o patrocínio da iniciativa privada, desenvolvemos junto aos produtores, um programa de extensão para levar aos mesmos instruções sobre as práticas recomendadas para minimizar a incidência de aflatoxinas. Foi o Programa de Melhoria da Qualidade do Amendoim. Este programa constava de palestras aos produtores de amendoim, nas regiões de Pompéia, Herculândia, Marília, Jaboticabal, Dumont, Sertãozinho, Birigüi, São José do Rio Preto, teve participação de 722 produtores e durou de 1989 a 1994. Neste período também foram feitas palestras para os Inspetores Sanitários do Ministério da Saúde nas regiões de São Paulo, Marília, Campinas, Bauru, Ribeirão Perto, com participação de 285 inspetores. A principal mensagem, dada e reforçada aos produtores, foi a necessidade absoluta de inversão do amendoim na leira durante o período de secagem. Depois de 5 anos desse programa, esta já é uma prática usual naquelas regiões.
As outras mensagens, enfatizadas aos produtores para prevenção do desenvolvimento de micotoxinas, foram as recomendadas pela FAO (1978) e as que nossa experiência nos ensinou:.
4. Práticas de Prevenção
Antes da colheita.
- Fazer rotação de cultura
- Fazer um eficiente programa de controle de doenças e pragas
- Evitar danos mecânicos às vagens
- Pastorear bem a braquiária
Na colheita e no pós-colheita.
- Colher no ponto ótimo de maturação, sempre que possível
- Colocar as plantas invertidas para secar adequadamente na leira e colher apenas quando o amendoim estiver seco com, no máximo, 10% de umidade. Nunca ensacar quando a umidade estiver acima daquele valor
- Não deixar o amendoim pernoitar no campo (esta é uma prática comum em algumas regiões)
- Secar o amendoim embandeirado
- Bater e ensacar somente quando o produto estiver seco
- Não fenar a alfafa ainda úmida
- Não deixar o milho em contacto com o solo, no campo
- Se a colheita do milho for mecânica, regular bem a máquina para não danificar os grãos
- Utilizar sacaria adequada para cada produto
Durante o transporte.
- Proteger a carga contra chuva durante o transporte
- Proteger a carga contra o sol ou altas temperaturas
Durante o armazenamento
- Armazenar o amendoim sempre em casca, descascando-o somente quando for negociado
- Fazer pré-limpeza, para eliminar terra e todas impurezas que possam vir do campo
- Manter o armazém sempre limpo
- Não fazer pilhas muito grandes, para facilitar as operações e inspeções
- Não superlotar o armazém e permitir boa ventilação
- Monitorar a umidade relativa do ar (UR)
- Fazer o controle de insetos e roedores, fumigando sempre que necessário
- Manter o amendoim afastado do contacto direto com as paredes e o chão
- Inspecionar o armazém freqüentemente, para detectar se algo está errado
O estresse nutricional da planta e, principalmente, o estresse hídrico, são fatores que predispõem os produtos agrícolas à contaminação com micotoxinas. Sabe-se, já de há muito tempo, que o bom estado hídrico da planta dá-lhe mais resistência à invasão por fungos. Desta forma, se houver um período de seca antecedendo a colheita, recomenda-se fazer um boa irrigação dois ou três dias antes, se isto for possível. Isto vale para qualquer tipo de produto mas é de suma importância no amendoim e no milho.
Rações.
A qualidade das rações começa pelo controle da matéria prima que vai ser utilizada, notadamente, o milho. A presença de micotoxinas deve ser investigada: a aflatoxina e a fumonisina. Embora no estado de São Paulo a ocorrência de fumonisinas (toxinas produzidas por algumas cepas de fungos do gênero Fusarium) seja menor, não está descartada sua presença. Quando sua presença no milho, e por conseqüência na ração, alcança valores altos, ela pode provocar problemas de saúde nos animais, especialmente em cavalos e suínos.
Braquiária.
Esta gramínea, entrou no país proveniente da África e da Nova Zelândia e é largamente empregada na formação de pastagens. A de origem neozelandesa é suscetível ao ataque do fungo Pithomyces chartarum que se desenvolve nas partes inferiores das folhas quando estas se encontram em fase de decrepitude, principalmente nos ramos inferiores e quando as condições de umidade e temperatura são elevadas, e produzindo uma toxina denominada esporidesmina, causadora da chamada fotossensibilidade e eczema facial dos bovinos e ovinos. Para que o desenvolvimento do fungo e da toxina seja evitada recomenda-se que o produtor promova um bom pastoreio não permitindo que as plantas cresçam muito a ponto de os ramos inferiores entrem em necrose. A de origem africana , ao que se sabe, não é suscetível, porém, hoje, não se sabe distinguir qual a procedência das braquiárias que estão plantadas neste país.
5. Referências.
Dickens, J. W. & Kalsa, J. S. 1967.Windrow orientation and harvesting damage to peanuts. Oleagineux, 22:741-746.
FAO, 1978. Recommended Practices for the Prevention of Mycotoxins in Food, Feed and their Products. Publ. M-84, ISBN 92-5-100703-9 da Série FAO-Food and Nutrition Paper nº 10, Roma. FAO/UNEP, 1979. 71 p.
Fonseca, H., 1968. Contribuição ao estudo da ocorrência de aflatoxina em tortas, farelos e farinhas de amendoim (Arachis hypogaea L.) no Estado de São Paulo. Tese de Doutorado em Agronomia, Universidade de São Paulo.
Fonseca, H., 1969. Contribuição ao estudo da aflatoxina no amendoim (Arachis hypogaea L.) da colheita à industrialização. Tese de Livre-Docência, Universidade de São Paulo.
Fonseca, H., 1997. Micotoxinas em milho. In: Fancelli & Dourado-Neto (eds.) Tecnologia da Produção de Milho. Piracicaba. Publique. Págs. 10-17.