Geograficamente os trópicos incluem a parte do globo entre as latitudes de aproximadamente 23o norte e 23o sul. Nem todas as áreas aí compreendidas são quentes e úmidas mas, na maioria delas, as condições atmosféricas são muito favoráveis (de 70 a 100% de umidade e mais de 25oC, para a rápida proliferação de fungo. Seus esporos são abundantes e amplamente encontrados e crescem rapidamente no solo, em plantas, em alimentos, em papel e até em vidros. Alimentos armazenados são um campo excelente para a proliferação de fungos, principalmente em países onde os princípios básicos de secagem adequada e armazenamento correto, ainda são desconhecidos ou desprezados.
Os fungos, bolores ou mofos podem, pela sua ação direta, ocasionar vários problemas aos produtos armazenados. Desenvolvendo-se sobre sementes podem causar perda do seu poder germinativo; podem afetar a qualidade por descoloração do arroz e da manteiga de cacau, produzir aromas desagradáveis, como no caso do café, e alterando as condições físicas por desidratação dos produtos onde crescem. Podem também diminuir o valor nutritivo das proteínas, na maioria dos produtos, dos óleos e gorduras, por hidrólise das mesmas, no amendoim, soja etc., além de prejudicar seriamente o aspecto externo dos alimentos. Podem produzir toxinas como no amendoim, arroz e muitos outros produtos, além de abrir caminho para outros agentes de deterioração como as leveduras e bactérias bem como aos insetos.
Alguns dos levantamentos mais antigos, no que diz respeito à depreciação do valor ocasionado pelo ataque de fungos, foram efetuados pelo Tropical Products Institute na década dos 30. Mais recentemente, o Central Food Research, na Índia, estudou extensivamente o efeito de fungos no armazenamento do café. Foi constatado que a produção microbiana crescia marcadamente quando o café absorvia umidade. Esta microbiota consistia principalmente de Cunninghamella, Trichoderma, Aspergillus e Penicillium. No café cereja apareceu uma população diferente de fungos, com predominância de tipos filamentosos. Os cientistas não conseguiram constatar mudanças na constituição química dos grãos, mas a cor e a qualidade da bebida foram prejudicadas pelo ataque dos fungos.
No Brasil também foram feitos alguns estudos em cafés cujas bebidas eram de má qualidade as quais foram atribuídas a diversos fungos, incluindo espécies de Clodosporium, Penicillium e Fusarium.
Muitos estudos foram feitos também com o cacau. Mais de 50 tipos de fungos foram identificados nas várias etapas do processo de obtenção deste fruto e os mais importantes são espécies de Aspergillus, Penicillium e Mucorales. Os fungos que atacam o cacau podem ser classificados em 2 grupos: os que parecem ser inócuos ao consumidor e crescem principalmente sobre a testa da amêndoa e os que penetram profundamente na amêndoa e estão associados com odores desagradáveis. Nesta segunda classe estão incluídos o Aspergillus fumigatus e o A. glaucus.
Os principais problemas, quando os produtos alimentícios estão convenientemente secos, são causados por insetos e roedores. Em muitos países estes depredadores são combatidos até com bastante eficiência. Porém, os fungos não são considerados de muita importância, principalmente na Africa. Aliás, diga-se de passagem, muitas tribos africanas preferem alimentos que foram atacados por fungos. Eles gostam, por exemplo, de mandioca recoberta por um fungo preto, provavelmente Aspergillus niger.
As sementes oleaginosas tropicais, quando impropriamente armazenadas, também deterioram rapidamente com aumento de acidez que, freqüentemente, corresponde a uma alta proporção de amêndoas quebradas. Estudos efetuados com dendê mostraram que amêndoas inteira armazenadas por 12 semanas tinham 3% de acidez livre ao passo que as quebradas tinham três vezes mais. Estes mesmos revelaram que os fungos presentes consistiam quase que somente de espécies de Aspergillus das quais a mais comum era a do A. flavus, que tem uma marcada ação lipolítica nas gorduras. Estudos com outras oleaginosas revelaram resultados semelhantes. O Quadro 1, anexo nos dá uma idéia dos fungos que mais comumente ocorrem nas oleaginosas armazenadas e sua atividade lipolítica.
O aumento da acidez livre nas oleaginosas ocasiona um duplo prejuízo: primeiro um decréscimo no teor de óleo e segundo, por exigir um maior gasto de lixívia sódica, necessária para neutralizar a acidez livre. Além disso, o sabão formado na neutralização da acidez arrasta consigo, uma certa percentagem de óleo, que será tanto maior quanto for a acidez.
Além do problema das perdas econômicas pelo aumento da acidez, o desenvolvimento de fungos é geralmente acompanhado de produção de toxinas bastante deletérias como é o caso da aflatoxina do A. flavus, da ocratoxina do A. ochraceus (A. allutaceus) e outras.
Sabe-se hoje que o A. flavus basicamente, pode se desenvolver no amendoim antes da colheita, por danificação da casca por insetos ou instrumentos agrícolas e, também, por penetração pelo ginóforo. Durante a secagem, seja no campo, seja em terreiros, é mais provável o desenvolvimento da aflatoxina, porém em níveis não muito elevados (a não ser que chova muito na colheita). Todavia, as altas concentrações da toxina são encontradas em amendoim colhido (com as colhedoras) ainda úmido e impropriamente armazenado, ou por conter demasiada umidade ou por falta de proteção ao reumedecimento durante o armazenamento. Estudos feitos neste sentido mostraram que é durante o transporte e armazenamento que concentrações elevadas da toxina são encontradas, causadas por secagem insuficiente antes do armazenamento, por infiltração de água em caminhões ou armazéns ou mesmo por reumedecimento deliberado.
Em nosso país, o lavrador e o industrial, com exceções, ainda ignoram os problemas causados pelo ataque de fungos, quer do ponto de vista das perdas já citadas, quer do ponto de vista da aflatoxina, embora este também reflita no plano econômico. A aflatoxina continua causando entraves e inclusive desentendimentos entre exportadores brasileiros de amendoim e sub-produtos e os importadores europeus dessas matérias primas.
Quadro 1. Ação lipolítica de fungos que incidem em sementes oleaginosas armazenadas.