Introdução
O interesse do consumidor por alimentos orgânicos aumenta gradativamente, tendo em vista a busca por uma alimentação mais saudável e, nesse contexto, o ovo de produção orgânica tem grande participação (POLETTI, 2017). A preocupação dos consumidores com a saúde e a qualidade dos alimentos tem aumentado consideravelmente. Junto ao setor industrial, a produção de alimentos saudáveis e sustentáveis nos aspectos ambientais, sociais e econômicos é um dos grandes desafios do momento, ao mesmo tempo em que há uma grande demanda desses alimentos no mercado.
A produção orgânica de alimentos possui algumas particularidades com relação aos outros sistemas de produção, pois, por lei, não é permitida a utilização de agrotóxicos e adubos químicos sintéticos, o que tem como objetivo aumentar a biodiversidade e os ciclos biológicos, atingindo melhor os sistemas naturais, visando à sustentabilidade (AZEVEDO et al., 2016). Para a criação de aves sob o sistema orgânico de produção, a legislação brasileira permite a divisão deste sistema produtivo em cage-free ou semiconfinadas, e free-range ou caipira. No primeiro, as aves ficam soltas em galpões, com acesso a ninhos e poleiros, local para banho de areia e maior espaço para se movimentarem, permitindo que elas apresentarem comportamentos naturais (THIMOTHEO, 2016). Já no sistema freerange, além de todas as características do sistema anterior, as aves ainda possuem livre acesso a piquete para forragear do lado externo do galpão (SACCOMANI, 2015). Esse sistema é um modelo de produção diferenciado, de baixa densidade, onde os animais têm acesso direto ao pasto, consumindo insetos e forragem típica do seu hábito alimentar, podendo conferir, desse modo, textura e cor diferenciada aos ovos (BESSEI, 2010). Independentemente de ser semiconfinado ou caipira, a alimentação dos animais segue protocolos de produção orgânica, onde os ingredientes geneticamente modificados e medicamentos sintéticos são proibidos e são utilizados apenas produtos naturais para manutenção da saúde das aves (SACCOMANI, 2015). De acordo com Rizzi et al. (2006), a qualidade do ovo pode ser significativamente influenciada pelo sistema de alojamento. Os ovos orgânicos são frequentemente comercializados em feiras orgânicas semanais e, nesse sentido, características de frescor que influenciam a qualidade do ovo tornam-se fator determinante para a viabilidade do agronegócio (POLETTI, 2017).
A produção de ovo orgânico pode ser desenvolvida em pequenas propriedades, podendo contribuir para a fixação do homem no campo, por permitir melhor nível de vida para as famílias rurais, através de incremento de renda (LEMOS, 2015). A avicultura orgânica permite a produção de aves livres, mantidas em ambiente que permita que expressem o seu comportamento natural. O bem-estar de galinhas poedeiras vem sendo incluído como parte de programas de garantia de qualidade, sendo uma estratégia importante no acesso ao mercado consumidor (SOSSIDON e ELSON, 2009). O sistema orgânico de produção de ovos é um nicho de mercado em expansão. Por se tratar de um sistema que se preocupa com a origem do produto e seus procedimentos, as aves em sistema orgânico tendem a permanecer alojadas até o final da sua vida produtiva, que pode chegar até 120 semanas de idade (AZEVEDO et al., 2016), diferente dos sistemas convencionais, cujo ciclo produtivo das aves se encerra com 70 semanas.
Pela designação, ovo, entende-se o ovo de galinha em casca, sendo os demais acompanhados da indicação da espécie de que procedem (BRASIL, 2003). O ovo é um alimento nutricionalmente completo, sendo uma ótima fonte de proteínas de alto valor biológico (MOULA et al., 2013). Ovos são estruturas biológicas com características específicas que determinam seu frescor, tais como apresentação de albúmen e gema, unidades Haugh e pH, que sofrem alteração a partir do momento da postura, definindo, portanto, sua qualidade adequada para o consumo. Além disso, as características de qualidade variam com o passar do tempo de postura, sendo influenciadas pela idade da ave (POLETTI, 2017), condição nutricional e ambiental dos animais, e de armazenamento dos ovos. De acordo com Mizumoto et al. (2008), considerando a composição centesimal, ovos oriundos de sistemas orgânicos de produção apresentam maiores níveis de proteína, cálcio, ferro, magnésio e menores níveis de colesterol e lipídeos na gema. A produção e consumo de ovos produzidos em sistemas alternativos têm crescido nos últimos anos, entretanto existe carência de informações precisas sobre a qualidade interna e externa desse alimento.
Material e métodos
Foi realizado um estudo observacional durante um ciclo produtivo, avaliando-se ovos desde a 28a até a 80a semana de idade das aves. A criação das aves estava localizada em propriedade situada em zona periurbana da cidade de Viamão/RS, com certificação de conformidade orgânica através da Rede de Agroecologia Ecovida (OPAC – Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade Orgânica) desde outubro de 2011. As aves da linhagem Isa Brown foram adquiridas de incubatório certificado e alojadas em pavilhão de alvenaria com acesso ao ambiente externo, luz natural e suprimento de luz artificial nos meses de inverno. O lote de aves foi acompanhado por 50 semanas. A ração era formulada pelo próprio agricultor e continha milho (45,2%), farelo de soja (20%), calcário calcítico, além de farelo de trigo, girassol, linhaça, pó de rocha, e grãos fermentados com lactobacilos e água, totalizando 3.766 kcal/kg de Energia Bruta e 61,9% de nutrientes digestíveis totais. Além da ração, eram fornecidas às aves sobras de hortaliças e pastagem à vontade.
Para a avaliação foram coletados seis ovos, da produção do dia anterior, em cada uma das idades de postura, totalizando 162 unidades ao final do experimento. Cada ovo era pesado logo após a coleta e avaliado quanto: espessura da casca, índice de gema, Unidade Haugh e porcentagem de gema e albúmen. Após, cada ovo foi quebrado e foram pesados o albúmen e a gema separadamente. As cascas depois de lavadas em água corrente, foram secas em estufa 65°C por 24h até peso constante.
Após a secagem, avaliou-se a espessura da casca através da metodologia adaptada de Barbosa et al. (2008). Com auxílio de um paquímetro digital, foram tomadas três medidas em milímetros, sendo uma na região da câmara de ar e duas na zona equatorial da casca.
A unidade Haugh foi determinada depois da mensuração do peso do ovo e da altura de albúmen, através da fórmula de Stadelman et al. (1996):
HU=100 x log (H-1,7W0.37+7,6)
Onde H = altura do albúmen espesso (mm); W = peso do ovo (g).
Para determinação do índice de gema, esta foi separada do albúmen e sua altura e diâmetro foram medidos com o auxílio de um paquímetro digital. O índice de gema foi calculado através da razão entre a altura e o diâmetro. A porcentagem de casca, gema e albúmen, foi calculada através da relação entre o peso de cada um dos componentes em relação ao peso total do ovo.
Os dados foram submetidos à análise de regressão utilizando, o PROC REG, considerando a idade de postura como variável regressora. Utilizou-se o software estatístico SAS. Foram consideradas as equações de regressão com P< 0,05.
Resultados e discussão
A qualidade externa e interna dos ovos foi afetada pela idade das aves (Tabela 1). Na avaliação de qualidade externa, o peso do ovo e a espessura da casca resultaram em efeito cúbico e quadrático significativo (P< 0,001), respectivamente. Quanto aos indicadores de qualidade interna, a avaliação da UH resultou em comportamento cúbico, enquanto o índice de gema resultou em comportamento linear decrescente. Na análise dos componentes dos ovos, a porcentagem de casca não foi diferente significativamente ao longo da idade das aves, no entanto, na porcentagem de gema e de albúmen verificou-se comportamento cúbico significativo (P< 0,05). Foi verificado que os coeficientes de determinação (R²) das curvas, mesmo com alta significância dos modelos, foram de médio a baixo, indicando que apenas uma resposta não explicou o fenômeno do avanço da idade das aves isoladamente.
Com o avanço da idade das aves, o peso dos ovos variou de forma cúbica e resultou em uma curva sigmóide (P< 0,001; R2=0,556) (Figura 1). A média de peso dos ovos foi de 62,4 ± 5,1 g, classificados, na média, como ovos do tipo extra (BRASIL, 2003). O peso dos ovos aumentou com a idade das aves, assim como a heterogeneidade dos mesmos ao longo de todo o ciclo de produção, conforme é reportado na literatura (TRAVEL e NYS, 2011; SOUZA et al., 1994; SCOTT e SILVERSIDES, 2000).
A espessura da casca decresceu quadraticamente (P< 0,001) à medida que avançava o período de postura das aves criadas sob o sistema orgânico de produção (Figura 1). O decréscimo na espessura da casca dos ovos com o avanço do período de postura, também é observado em sistemas convencionais de produção (TAKATA, 2006; BARBOSA et al., 2012).
As diferenças quanto às espessuras de casca podem decorrer, também, em situações de estresse térmico (BARBOSA FILHO et al., 2006), nos diferentes sistemas de produção. Aves mantidas em sistemas não convencionais são menos sujeitas a estresse (CRAIG e SWANSON, 1994), como é o caso do presente estudo. Mas há que se considerar que, durante o período de postura, as aves ficam sujeitas a condições ambientais que podem afetar seu desenvolvimento, bem-estar e produtividade (ALVES, 2007), além de ser mais difícil a manutenção de padrões de qualidade ao longo do período de postura (VAN DEN BRAND et al., 2004). Outro fator que contribuiu para a diminuição da espessura da casca, com o avanço da idade de postura da ave, foi o aumento do peso do ovo verificado nesse estudo. Isso pode ocorrer devido à diminuição da deposição de cálcio na casca do ovo em função da diminuição da eficiência na absorção de cálcio principalmente, se houver menor oferta de cálcio na dieta (VIEIRA et al., 2011).
A unidade Haugh é uma expressão que relaciona o peso do ovo e a altura do albúmen, e é um indicador de frescor dos ovos. Valores altos de unidade Haugh (Figura 2) eram esperados, tendo em vista que os ovos foram ovipositados no dia anterior às análises. Foi verificado um efeito cúbico sigmóide na Unidade Haugh ao longo do tempo (P< 0,05), sendo esses valores, em sua maioria, um pouco menores que a média encontrada por Đukić-Stojčić et al. (2009), que foi de 91,25 para ovos de aves criadas em free-range, ou caipira, e 87,08 para aves criadas em sistema convencional. Deve ser observado que a UH é influenciada negativamente pela temperatura ambiente e os estudos destes autores foram realizados em região de clima mais frio do que o do presente estudo, o que pode ter afetado negativamente o resultado. Por se tratar de uma medida de frescor dos ovos, não eram esperadas diferenças significativas ao longo do período de postura, uma vez que os ovos foram avaliados a um dia após sua postura.
Figura 1. Peso do ovo e espessura da casca de ovos de aves de 28 a 80 semanas de idade em sistema orgânico de produção da cidade de Viamão no ano de 2013.
Figura 2. Unidade Haugh e Índice de gema de ovos de aves de 28 a 80 semanas de idade em sistema orgânico de produção da cidade de Viamão no no de 2013.
O índice de gema, que mede a qualidade da gema através das medidas de sua altura e largura, diminuiu linear e significativamente (P< 0,05) à medida que aumentou a idade das aves (Figura 2). A idade das aves influenciou o índice de gema de ovos oriundos de sistema de produção orgânico. Zita et al. (2009) e Zita et al. (2012) também reportaram um decréscimo no índice de gema de ovos produzidos por aves da linhagem Isa Brown ao longo do período de postura, em sistema convencional. Já, Svobodova et al. (2009) encontraram valores médios para índice gema menores, em ovos produzidos por galinhas dessa linhagem em gaiolas e em cama (em sistema convencional), que os observados neste trabalho, indicando um melhor índice gema quando aves são criadas em sistema orgânico de produção. Baixos índices de gema, verificados em ovos de poedeiras mais velhas, podem indicar uma fragilidade da sua membrana, afetando a qualidade e resistência mecânica (FERNANDES, 2015).
Na análise dos componentes dos ovos (Figura 3), foram determinadas regressões quadráticas significativas nas respostas de porcentagem de gema e porcentagem de albúmen (P< 0,05).
Figura 3. Porcentagem de gema e de albúmen em ovos de aves de 28 a 80 semanas de idade em sistema orgânico de produção da cidade de Viamão no ano de 2013.
A porcentagem de gema foi aumentando ao longo do ciclo produtivo e a porcentagem de albúmen foi diminuindo, até a inflexão da curva em torno de 64 semanas de idade, quando o comportamento inverteu. Zita et al. (2012), ao estudarem ovos de aves Isa Brown entre as 20ª e 60ª semanas de idade, verificaram diferenças significativas nas proporções de albúmen, gema e casca de ovos ao longo do período de postura. De acordo com Travel e Nys (2011), o aumento do peso do ovo durante um ciclo de produção normal está associado a uma variação relacionada à idade das aves na proporção dos diferentes componentes dos ovos. Assim, a maior porcentagem de gema, devido ao seu aumento em ovos de aves mais velhas, consequentemente gerou diminuição na proporção de albúmen. As alterações que ocorreram nas características dos ovos produzidos no sistema orgânico foram semelhantes às encontradas por outros pesquisadores, em outros sistemas produtivos como, por exemplo, o convencional (HIDALGO, 2008) e o free-range, ou caipira, (RIZZI e MARANGON, 2012; SVOBODOVA, 2014) e, portanto, o sistema orgânico de criação parece não influenciar nas características de qualidade de ovos de galinha.
Conclusões
No sistema orgânico caipira de produção, ovos de aves com mais idade foram mais pesados e com menor espessura de casca.
Com o aumento da idade das aves, houve diminuição em indicadores de qualidade interna como Unidade Haugh, Índice de gema e porcentagem de gema.
Ovos oriundos de sistema orgânico de produção mantiveram padrões de qualidade, estabelecidos pela legislação brasileira, próprios para consumo ao longo do ciclo de produção.
Esse artigo foi originalmente publicado emRevista Brasileira de Agroecologia | Vol. 16 | Nº 1 | Ano 2021 | p. 74 DOI: 10.33240/rba.v16i1.23170 | https://revistas.aba-agroecologia.org.br/rbagroecologia/article/view/23170/14329.