Introdução
A carne de frango é considerada um alimento de alta qualidade devido ao seu teor de proteína (27g), baixo teor de gordura saturada e alto teor de ácidos graxos insaturados (KUMAR et al., 2021). Esse fator faz com que seja uma das proteínas mais consumidas no Brasil.
A produção mundial de carne de frango expandiu continuamente desde 2015 e atingiu a maior proporção (35,44%) entre todos os tipos de carne em 2020, isso devido ao preço acessível e nutrição de qualidade (HUDÁK et al., 2021). No Brasil, a avicultura de corte é responsável por aproximadamente 1,5% do PIB nacional e pela geração de cinco milhões de empregos diretos e indiretos (ABPA, 2023).
No entanto, na avicultura sempre existiram questionamentos a respeito sobre o uso de hormônios exógenos, devido ao rápido crescimento e ao tempo reduzido para se obter o peso de abate, somado a isso profissionais da saúde afirmam que hormônios exógenos eram acrescentados na ração ou água e por meio de injeções via subcutânea (SCHEUERMANN et al., 2015; RUFINO et al., 2016).
O uso de hormônios na avicultura não é permitido segundo a Instrução Normativa do MAPA Nº 17, de 18 de junho de 2004 (BRASIL, 2004), além disso não é uma prática viável pela necessidade de ser injetada individualmente e diariamente, pelo alto custo, o tempo para ação dos hormônios é maior do que o tempo de abate das aves e se fossem colocados via água ou ração seriam inativados pela ação das enzimas digestivas presentes no Sistema Gastrointestinal (SGI) (BRASIL, 2004; SANTOS et al., 2012; RUFINO et al., 2016; RODRIGUES; YADA, 2018).
No entanto, constata-se que perduram dúvidas pertinentes ao uso de hormônios exógenos, pela população em geral que não buscam ou confiam nas informações divulgadas por profissionais da área do agronegócio.
Nessa perspectiva, objetivou-se estudar as representações de estudantes de graduação em Medicina Veterinária e Zootecnia, ingressos e concluintes, sobre a aplicação de hormônios exógenos em frangos de corte.
Material e métodos
A pesquisa se deu em caráter qualitativo e quantitativo, conforme Gil (2019), como também uma investigação bibliográfica. A coleta dos dados foi realizada com alunos dos períodos iniciais (1º e 2º) e finais (9º e 10º) dos cursos de Zootecnia e Medicina Veterinária do Campus de Engenharia e Ciências Agrárias da Universidade Federal de Alagoas, entre os meses de janeiro e fevereiro de 2022. Assim, para a coleta dos dados referente à pesquisa foi utilizado um questionário estruturado, o qual, atua como ferramenta útil na realização de pesquisas (GIL, 2019). O questionário não era obrigatório, sendo facultado aos estudantes responder ou não.
Os atores da pesquisa foram apresentados ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e somente após o consentimento livre, tiveram acesso ao questionário de forma virtual pelo uso dos formulários do Google. O formulário/questionário foi composto por 16 perguntas abertas e fechadas com a intenção de identificar os universitários e questões sobre o consumo de proteína animal, generalidades na produção de frangos de corte e fontes de informação sobre a produção de frangos de corte (Quadro 1).
Quadro 1. Questionário utilizado no desenvolvimento da pesquisa.
Para reconhecimento dos entrevistados nessa pesquisa foram preparadas questões relacionadas a gênero, faixa etária, curso e período que está cursando. As demais perguntas em relação ao uso de hormônio na produção de aves foram realizadas para analisar se o estudante acreditava ou não no uso de hormônios, se deixaria de consumir carne de aves por acreditar na aplicação de hormônios, ao que eles relacionam a grande produtividade de frangos no Brasil, se já investigaram informações acerca do uso de hormônios e se reconhecem o que a legislação brasileira determina sobre o assunto.
Todos os dados obtidos de 21 respostas foram analisados por meio de aplicação de técnicas metodológicas adequadas à interpretação de respostas oriundas de questionários. Tendo-se apoiado na análise de conteúdo proposta por Bardin (2011), que consiste em um método científico social de investigação do conteúdo de comunicações e textos, que se baseia em um ponto de vista quantitativo e analisa numericamente a frequência de determinados termos, estruturas e referências em um determinado texto/dado.
Resultados e discussão
Os cursos de Zootecnia e Medicina Veterinária no Campus de Engenharia e Ciências Agrárias, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), em Rio Largo, AL, possuem cinco anos de duração, divididos em 10 períodos letivos, nos primeiros períodos os alunos não veem sobre produção animal. Consequentemente, já a partir do 3º período (segundo ano), os acadêmicos adquirem um forte suporte sobre a fisiologia dos animais domésticos, com disciplinas pertinentes para o entendimento dos estágios hormonais no corpo dos animais.
Setenta e cinco por cento do questionário foi respondido por mulheres e 25% por homens. A maioria dos entrevistados foi composta por jovens adultos, sendo 41,7% com idades entre 19 e 21 anos, 12,5% entre 22 e 24 anos e o restante 45,8% com 25 anos ou mais. A maior parte dos alunos entrevistados 58,4% estavam cursando os primeiros semestres do curso, enquanto 41,6% estavam cursando os períodos finais.
As representações dos estudantes de Zootecnia e Medicina Veterinária do CECA/UFAL, em relação à proteína mais consumida, revelam a importância da produção do frango de corte. Em uma questão de múltipla escolha 87% dos estudantes escolheram frango (Figura 1). Perguntados em sequência sobre o porquê consomem mais essa proteína, 43,5% dos estudantes afirmaram que é devido ao seu custo-benefício (Figura 2), visto que no mercado a proteína animal de frango é financeiramente mais barata.
Figura 1. Representação das proteínas de origem animal consumidas¹.
Figura 2. Motivação pelo qual se consome a carne de frangos de corte¹.
O maior consumo pelos estudantes está relacionado a carne de frango ser uma fonte de proteína animal de alta qualidade e com preços acessíveis no mercado, fazendo com que seja uma das carnes de maior preferência pelos consumidores (WANG et al., 2023). Os consumidores consideram a carne do peito do frango com menor nível de calorias e colesterol, passando a consumir mais este corte mediante a preocupação com a saúde (OLIVEIRA et al., 2015).
As respostas referentes ao uso de hormônios na produção de frango no Brasil mostram que a maioria 60,9% já tem um bom conhecimento relacionado ao assunto, entretanto 39,1% ainda acredita que existe aplicação de hormônio (Figura 3). Este dado relativamente alto está possivelmente relacionado ao desconhecimento em função do período acadêmico que eles cursam, pois dentre os 39,1% que acreditam na aplicação de hormônio exógeno, aproximadamente 89% estão cursando entre o 1° e o 2° período. A partir do 3° período os alunos começam a ter contato com a disciplina de fisiologia, que em seu conteúdo já desmitifica este conceito errôneo.
Figura 3. Representação sobre o uso de hormônios exógenos em frangos de corte¹.
Ainda, dos 39,1% que acreditam na aplicação de hormônios na produção de frango, foi perguntado como eles acreditam que seja feito a inserção desse hormônio, 57,1% deles disseram que de forma oral, já 42,9% acreditam que a aplicação é de forma injetável (Figura 4). Mendes et al. (2016) em pesquisa realizada em Janaúba-MG, afirmam que, em seu universo de pesquisa, há o baixo consumo tanto da carne de frango quanto do ovo estando isso associado a falsas informações relativas à alimentação das aves e ao sistema de produção.
Figura 4. Representação de como os estudantes acreditam que seja feita a inserção desses hormônios nos frangos de corte¹.
Em relação ao crescimento rápido dos frangos de corte (Figura 5), 13% afirmam que esse se deve por alimentação balanceada, 61% associam ao melhoramento genético, 13% associam a técnica de manejo, 13% citaram novamente o uso de hormônios como o responsável por este resultado.
Figura 5. Representação sobre quais fatores os estudantes associam alta produtividade de frangos de corte no Brasil¹.
O Brasil possui uma tecnologia moderna na cadeia produtiva de frangos de corte a ponto de obter patamares de produtividade semelhantes aos países mais avançados tecnologicamente (PINHEIRO, 2020). Os altos níveis de desenvolvimento industrial e de criação de aves combinados com a genética, proporcionam a evolução das taxas de conversão alimentar, precocidade e sobrevivência (RICHETTI; SANTOS, 2010), o que faz com que a produção brasileira nesse setor seja mundialmente reconhecida.
Esse fato se dá pelos avanços em pesquisa de melhoramento genético, os quais foram os grandes responsáveis por transformar o frango de corte em um animal extremamente competitivo, reduzindo seu ciclo de crescimento e diminuindo seu consumo de alimento (CUNHA, 2014).
Nesse contexto, por ausência de informações para a população em geral acerca de toda a cadeia produtiva de frango de corte, bem como o desenvolvimento em ciência e tecnologia (pesquisa), há desde os anos 1980 uma forte disseminação da existência de aplicação exógena de hormônios em frangos de corte, em tentativa de se justificar o rápido desenvolvimento desses animais em curto espaço de tempo, o que ocorre na verdade, pelas seleções de linhagens, ambiência e nutrição desses animais (ARAÚJO PIMENTA et al., 2020).
Apesar da maioria dos estudantes saberem que não há utilização de hormônios exógenos em frangos, uma pequena parte dos estudantes dos períodos iniciais acreditam que são administrados e sendo esse o fator da alta produtividade do setor avícola.
Francisco et al. (2007), estudando a caracterização do consumidor de carne de frango em Porto Alegre- RS observaram que 89% dos consumidores acreditam que há a utilização de hormônios exógenos na avicultura de corte.
Os autores supracitados atribuem esse fator ao distanciamento entre o consumidor urbano e o local de produção, fazendo com que esse mito seja ainda mais alimentado, isso também pode ser atribuído aos estudantes dos primeiros períodos acreditem na utilização de hormônios. Resultados semelhantes foram encontrados por dos Santos et al. (2020) e de Araújo Pimenta et al. (2020), onde avaliando a percepção do mito sobre a utilização de hormônios em estudantes dos cursos de Zootecnia e Medicina Veterinária, uma parte desses estudantes (30%) acreditam que há uso de hormônios, dados acima do encontrado no presente estudo.
Perguntados se deixariam de consumir a carne de frango por acreditar que existam hormônios exógenos, 47,8% disseram que não, 34,8 disseram que sim e 17,4, talvez (Tabela 1).
Tabela 1. Você deixaria de consumir frango por acreditar que existam hormônios exógenos?.
Os consumidores estão cada vez mais exigentes e preocupados com a alimentação, sendo o frango uma excelente opção para o consumo devido ao preço acessível, atraindo a compra por diferentes classes sociais, sabor e textura da carne, fornecendo versatilidade nos modos de preparo e acessibilidade de compra. Consequentemente, a média do consumo nacional, obteve um aumento de cerca de 10% entre os anos 2016 a 2021, passando de 41,1 kg para 45,5 kg per capita (ABPA, 2022) A renda mensal dos consumidores afeta diretamente as condições de aquisição de produtos. Oliveira et al. (2015) perceberam em seus estudos que aqueles com maior poder aquisitivo apresentam preferência pelos cortes mais nobres, e mesmo pessoas que ganham um ou até menos que um saláriomínimo consomem carne de frango com certa frequência pelo fato de o custo ser mais baixo em relação a outras carnes. Assim, é possível notar que o consumo de carne de frango existe em todas as classes sociais, sendo a diferença no ato da compra as variedades de cortes.
Dos atores pesquisados, 65,2% possuem conhecimento da composição básica da dieta de frango, este resultado é excelente, se considerarmos que estes futuros profissionais irão atuar na área de produção animal, este fato pode estar relacionado com o período acadêmico que cursam, pois dos 65,2% com conhecimento da composição da dieta, 66,7% estão nos período finais, e só a partir do 5° período os alunos têm contato com disciplinas como, Nutrição de Não Ruminantes, Avicultura e Formulação de Ração que desmistificam este conceito.
Uma parcela de 87% dos estudantes admitiu que não seria financeiramente viável a aplicação de hormônios na criação de frangos, 65,2% procuraram informações com relação à o assunto e um soma de 82,6% dos entrevistados creem não ser liberado uso de hormônios na produção avícola brasileira.
Ainda que a maioria dos estudantes envolvidos nesta pesquisa estejam informados que os ganhos da avicultura moderna são devidos a outros fatores (avanços no melhoramento genético, nutrição e técnicas de manejo), ainda é necessário esforço da comunidade acadêmica para desmistificação nos períodos iniciais visto que os estudantes de veterinária e zootecnia serão agentes divulgadores dessa informação.
Conclusões
De acordo com os resultados do presente estudo, conclui-se que maioria dos estudantes dos cursos de Medicina Veterinária e Zootecnia tem conhecimento de que não há utilização de hormônios exógenos em frangos de corte, entretanto uma pequena parte desses estudantes, especialmente nos períodos iniciais dos cursos, acreditam na utilização de hormônios. Demonstrando que se deve ter um maior esforço por parte da academia para desmitificar esse tema.
PUBLICADO ORIGINALMENTE NA REVISTA SEMIÁRIDO DE VISU, EM MAIO DE 2024. ACESSO DISPONÍVEL EM: https://semiaridodevisu.ifsertao-pe.edu.br/index.php/rsdv/article/view/687
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DOI: 10.31416/rsdv.v12i2.687