Introdução
A partir da década de 60, a avicultura brasileira passou a ter maior intensidade no seu processo de produção, devido a melhoria genética, à introdução de novas tecnologias, ao uso de instalações mais apropriadas, de alimentação racional e da parceria entre produtor e a agroindústria através de contratos de integração (Carmo, 1999).
O Brasil tem a avicultura comercial mais produtiva do mundo, tornando-se em 2006 o maior produtor e exportador de carne de frangos, além disso, a avicultura de postura apresentou produção de 22,18 trilhões de ovos em 2009, queda de 8,54% em relação a 2007 (UBA, 2009).
Apesar de todo crescimento experimentado pela avicultura no país, evidências sugerem que o setor ainda pode crescer mais. Impulsionado pela busca cada vez maior do consumidor por informações acerca dos produtos alimentícios (Cerutti, 2002).
Seria desejável que houvesse na indústria avícola, além de ferramentas de gestão e controle de qualidade, análise de contra prova que auxiliasse atestar a veracidade das informações constantes no histórico alimentar de lotes de produtos diferenciados (carne de frango e ovos provenientes de aves alimentadas com dieta estritamente vegetal), que pudesse monitorar o processo de rastreabilidade e fornecer laudos técnicos para as auditorias, como instrumento de confiabilidade (Oliveira et al., 2010).
Como alternativa, o grupo de pesquisadores da UNESP/Botucatu - Centro de Isótopos Estáveis vêm desenvolvendo a técnica que visa rastrear as farinhas de origem animal utilizadas na alimentação das aves no produto final (Carrijo et al., 2006; Gottmann et al. 2008; Móri et al., 2008; Denadai et al., 2008, 2009; Oliveira et al., 2010).
O presente trabalho teve como objetivo identificar a inclusão de farinha de carne e ossos bovinos na alimentação de aves contendo ou não glúten de milho e levedura (alimentos C4), por isótopos (δ13C e δ15N), além de determinar quanto tempo de fornecimento de ração (28 ou 56 dias), proporciona melhor incorporação dos isótopos nos ovos.
Materiais & Métodos
Foram utilizadas 256 galinhas poedeiras distribuídas aleatoriamente em oito tratamentos, com quatro repetições, considerando-se como repetição uma gaiola com densidade de oito aves.
Os tratamentos foram compostos de uma dieta controle a base de milho, farelo de soja e farelo de trigo e as demais dietas foram acrescidas de glúten de milho e/ou levedura e /ou farinha de carne e ossos bovinos (FCO). Realizaram-se duas batidas de cada dieta, uma para a alimentação das aves no período de 1-28 dias e uma segunda batida para o período de 29 a 56 dias.
Nos 28º e 56º dias foram tomados aleatoriamente oito ovos por tratamento (dois por repetição). O objetivo de fazer duas coletas foi para buscar o melhor dia de substituição dos isótopos nos ovos.
As amostras foram preparadas no Laboratório de Bromatologia do Departamento de Melhoramento e Nutrição Animal da FMVZ, da UNESP campus de Botucatu (Denadai et al., 2008) e analisadas no Centro de Isótopos Estáveis do IBB, da UNESP, campus de Botucatu, segundo Ducatti (2007).
Os resultados isotópicos obtidos foram submetidos a análise estatística multivariada de variância (MANOVA) com auxílio do procedimento GLM do programa estatístico SAS (1996). A partir dos dados gerados pelas matrizes de erro, serão determinadas regiões com 95% de confiança para verificar as diferenças entre as médias dos tratamentos experimentais (dietas com adição de glúten de milho e/ou levedura e/ou farinha de carne e ossos bovinos) e a média do grupo controle (dieta a base milho, farelo de soja e farelo de trigo). Nos gráficos para que determinado tratamento seja considerado diferente do grupo controle é necessário que sua região de confiança não sobreponha nenhum eixo do gráfico. O fato da elipse sobrepor um dos eixos mostra que a diferença entre médias de δ13C e δ15N dos tratamentos comparados é igual a zero, e assim os tratamentos não diferem.
O fracionamento isotópico foi calculado segundo Hobson & Clark, (1992) pela diferença entre o δ do tecido e da dieta, tanto para δ13C quanto para δ15N.
Os resultados obtidos do cálculo fracionamento foram submetidos à análise estatística multivariada de variância (MANOVA) para verificar as diferenças de incorporação isotópica entre os dias de coleta (28 e 56dias).
Resultados & Discussão
Os resultados de fracionamento isotópico demonstraram que o ovo fraciona os isótopos do carbono e nitrogênio de forma distinta (Tabela 1), e podem ser explicados por Tieszen et al. (1983), os quais afirmaram que as principais frações bioquímicas do organismo diferem isotopicamente umas das outras, porém concordaram com a expressão de ordem geral de DeNiro & Epstein (1978), os quais afirmam que "o animal é aquilo que consome ±1‰ para carbono-13" (∆13Covo - dieta = -1,12‰ variando de -0,28 a -1,81‰ aos 28 dias e ∆13Covo - dieta = -1,27‰ com variação de -0,98 a -1,78‰ aos 56 dias) e com Gannes et al. (1998) que afirmaram que ocorre enriquecimento médio de nitrogênio-15 de 3‰ a cada elevação de nível trófico (∆15Novo - dieta = 2,57‰, variando de 2,09 a 3,14‰ aos 28 dias e ∆15N ovo - dieta = 2,62‰, com variação de 2,20 a 2,79‰ aos 56 dias).
Mesmo sendo diferentes estatisticamente os dias de coleta (28 e 56 dias), a diferença numérica encontrada foi pequena e não diferente do estudado por Denadai et al. (2008) que avaliou ovos após um período de tratamento de 35 dias (∆13Covo - dieta = -1,79‰ e ∆15N ovo - dieta = 2,63‰ ), portanto, o período de avaliação pode ser diminuído para 28 dias, sem que haja prejuízo nos resultados de incorporação.
Tabela 1. Fator de fracionamento isotópico entre ovo e dieta, de poedeiras submetidas às dietas experimentais de 1-28 dias e 29-56 dias
O tratamento LEVEDURA foi significativo pelo Manova, com p<0,05 e os demais com p<0,01.
Porém, quando foi observado o resultado estatístico que criaram as regiões de confiança, notou-se diferença de detecção entre os dias avaliados (Fig. 1). Na avaliação aos 28 dias, apenas os tratamentos onde houve inclusão de FCO associadas ao glúten, ou levedura ou glúten e levedura foram diferentes estatisticamente do controle (p<0,05). Entretanto, aos 56 dias todos os tratamentos experimentais apresentaram diferença estatística quando comparados ao controle, corroborando com os resultados de Denadai et al. (2008 e 2009), que avaliaram ovos de poedeiras alimentadas com dietas contendo FCO.
A diferenciação de detecção entre os dias de coleta pode ser consequência da menor diferença numérica entre os dados isotópicos da dieta controle e as dietas experimentais aos 28 dias (dados não divulgados), com reflexo direto nos valores isotópicos dos ovos (DeNiro & Esptein, 1978).
Figura 1. Regiões de confiança formadas pela diferença entre os valores isotópicos de δ13C e δ15N do ovo de cada tratamento, quando comparados ao tratamento controle (n = 8)
Tendo em vista os resultados de fracionamento isotópico (Tabela 1), a associação da avaliação dos tecidos às dietas, para determinação do fracionamento isotópico serviria para a reconstrução da dieta, ou seja, descobrir qual a assinatura isotópica da alimentação que o animal foi submetido e, dessa forma, tentar predizer os prováveis componentes dessa dieta e organizar o histórico alimentar das aves. Com isto, mesmo não diferenciando do controle, ou seja, sendo determinado como sendo sem adição de FCO, mas a dieta indicando variação, estes ovos não poderiam ser certificados como vegetais.
Porém, outros estudos serão necessários até a definição completa da técnica dos isótopos estáveis na rastreabilidade em ovos, de produtos de origem animal em dietas de poedeiras. A mistura de novos ingredientes, níveis de inclusão menores da FCO na presença destes mesmos ingredientes e níveis de inclusão de farelo de trigo, glúten de milho e leveduras diferentes aos utilizados neste estudo.
Conclusões
A análise dos ovos em associação à dieta permite, pela técnica dos isótopos estáveis do δ13C e δ15N, diferenciar ovos de aves que recebem alimentação a base de vegetais dos que procedem de aves que possuem alimentação com inclusão de FCO, mesmo adicionando glúten e levedura.
O período de avaliação pode ser diminuído para 28 dias, sem que haja prejuízo nos resultados de incorporação.
Agradecimentos
À FAPESP pela bolsa de pós-doc (processo nº 2008/53226-8) concedida ao primeiro autor.
Ao Evandro Tadeu Silva, funcionário do CIE pela realização das análises isotópicas.
À APTA, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo por ter cedido o setor de avicultura para a realização do estudo.
Bibliografia
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