Introdução
Na rastreabilidade animal a composição isotópica dos tecidos serve como traçador natural das diferentes dietas com distintas assinaturas isotópicas. Por outro lado, a relação entre a composição isotópica do material ingerido e a do tecido animal pode responder ao status nutricional, taxa de turnover e rota biossintética (Kock et al., 1994). Alguns autores têm avaliado de forma separada (análise univariada) os isótopos de carbono e nitrogênio. Rogers (2009) avaliou a dieta de galinhas pela técnica de isótopos estáveis, analisando os resultados de carbono e de nitrogênio de forma separada para componentes de ovos, no entanto conclui que estes apresentam resultados diferentes entre o carbono-13 e o nitrogênio-15 da mesma amostra.
Contudo Carrijo et al. (2006) perceberam a necessidade da análise dos dados de enriquecimento relativo do carbono-13 (δ13C) associada a do nitrogênio-15 (δ15N) (análise multivariada), a qual permitiu verificar no músculo peitoral a inclusão de farinha de carne e ossos de origem bovina na alimentação de frangos de corte. Também em frangos, Gottmann et al. (2008), identificaram no músculo peitoral a inclusão de farinha de vísceras de aves na alimentação, mesmo com a adição de outros ingredientes alternativos (farelo de trigo e levedura). Oliveira et al. (2010), analisaram músculo peitoral, quilha e tíbia de frangos de corte, com o objetivo de identificar qual destes tecidos seria melhor para rastrear a farinha de vísceras de aves na dieta de frangos de corte em alguma fase da criação.
Denadai et al. (2005), avaliaram ovos de poedeiras de dois produtores da região de Bastos/SP, em que um utilizava apenas produtos de origem vegetal e outro, utilizava subproduto de origem animal. Observaram pelo sistema de duplo eixo isotópico (d13C e d15N) que estes ovos possuíam padrões isotópicos distintos, sugerindo a possibilidade de rastrear a inclusão de farinha de origem animal na alimentação de poedeiras e detectando-a no ovo. Em codornas de corte Móri et al. (2007), detectaram os subprodutos de origem animal utilizado nas dietas destas aves, no músculo peitoral, quilha e tíbia. Denadai (2008) e Denadai et al. (2009) detectaram a inclusão de 1,5% de farinha de carne e ossos bovinos no albúmen de ovos de aves alimentadas com esse ingrediente. Concluíram que a análise combinada de d15N e d15C, ou seja, a análise multivariada de dados dos isótopos estáveis de carbono e nitrogênio, possibilita a detecção da dieta das aves.
Assim sendo, na literatura tem-se observado trabalhos com isótopos de carbono e de nitrogênio sendo analisados de forma univariada e multivariada, para a rastreabilidade. O objetivo deste artigo foi de esclarecer as diferenças entre as técnicas de análises e estabelecer uma análise estatística que apresente maiores detalhes sobre os resultados de isótopos estáveis de carbono-13 e nitrogênio-15 para a rastreabilidade em aves. Para exemplificar foram avaliados dados de carbono-13 e nitrogênio-15 de ovos, músculo peitoral e quilha de aves, por métodos estatísticos univariados (ANOVA e teste de Tukey) e multivariado (MANOVA).
Materiais & Métodos
Dados referentes aos ovos
Os dados referentes aos ovos foram provenientes de Denadai (2008), onde foram utilizadas 240 galinhas poedeiras, em delineamento experimental inteiramente casualizado, com cinco tratamentos e seis repetições. Os tratamentos consistiram de níveis de inclusão (0; 1,5; 3,0; 4,5 e 6,0%) de farinha de carne e ossos bovinos na dieta a base de milho e farelo de soja. No 35º dia foram tomados aleatoriamente 12 ovos por tratamento, dois por repetição para mensuração do enriquecimento isotópico de δ13C e δ15N.
Análise dos métodos estatísticos
Analise de variância multivaridada (MANOVA) e univariada (ANOVA)
Tanto as técnicas univariadas (ANOVA) quanto MANOVA são utilizadas para avaliar a significância estatística de diferenças entre grupos. Para a ANOVA a hipótese nula testada é a igualdade de médias da variável dependente ao longo de grupos. Em MANOVA, a hipótese nula testada é a igualdade de vetores de médias sobre múltiplas variáveis dependentes ao longo de grupos. O aspecto único de MANOVA é que a variável estatística combina de maneira ótima as múltiplas medidas dependentes em um único valor que maximiza as diferenças ao longo dos grupos.
O uso de ANOVA(s) univariadas separadas pode criar problema quando tentamos controlar a taxa de erro geral ou experimental. Por exemplo, considere que avaliaram uma série de cinco variáveis dependentes por meio de ANOVA(s) separadas, sempre usando 0,05 como nível de significância. Dada a inexistência de diferenças reais nas variáveis dependentes, é de se esperar a observação de um efeito significante sobre qualquer variável dependente dada em 5% do tempo. No entanto, Hair et al. (2009), observaram que em cinco testes separados, a probabilidade de erro Tipo I gira em torno de 5%, se todas as variáveis dependentes estão perfeitamente correlacionadas, e 23% (1- 0,955), se as variáveis dependentes são não- correlacionadas. Assim uma série de testes estatísticos separados deixa sem controle a taxa de erro Tipo I efetiva geral ou experimental. Se o pesquisador deseja manter sob controle a taxa de erro experimental e existe pelo menos algum grau de intercorrelação entre as variáveis dependentes, então a MANOVA é apropriada.
Para complementar a MANOVA, podem ser criados gráficos bidimensionais avaliando as diferenças de um vetor resposta com os demais. Esse tipo de avaliação é mais utilizado quando o que se quer é uma única comparação, a com o padrão, por exemplo, pois se tivermos 10 tratamentos, 10 gráficos seriam criados para avaliar todas as possíveis diferenças, o que dificulta muito o processo de análise.
Análises estatística dos dados de rastreabilidade
A primeira fase consistiu em analisar separadamente os dados de isótopos estáveis de carbono-13 e de nitrigênio-15, utilizando a análise de variância univariada (ANOVA) e complementada pelo teste de Tukey. Essa análise foi realizada para verificar a influência da taxa de erro tipo I descrita por Hair et al. (2005), verificando assim se as variáveis são perfeitamente correlacionadas. Na segunda fase, os dados foram explorados pelas análises multivariadas MANOVA, sendo avaliada a comparação do padrão (0% de inclusão) com os demais tratamentos, representada pelo gráfico bidimensional. Finalizou-se com a avaliação dos resultados obtidos pelos métodos e a definição do método mais propício a ser usado para dados de rastreabilidade em aves pelos isótopos estáveis de carbono-13 e nitrogênio-15.
Resultados & Discussão
Pode-se verificar que existiu diferença significativa entre os tratamentos, pela análise de variância (ANOVA) (p<0,01) da variável carbono-13 para os dados de ovos, e que apenas os tratamentos com adição de 4,5 e 3,0 % de inclusão de farinha de carne e ossos bovinos não apresentaram diferença significativa entre si, os demais diferiram pelo teste de Tukey com 5% de significância (Tabela 1).
Para a variável de nitrogênio-15 observou-se que a análise de variância (ANOVA) foi significativa (p<0,01) e que o tratamento com inclusão de 6,0% de farinha de carne e ossos bovinos não diferiu do tratamento com 4,5% de inclusão, o tratamento com inclusão de 4,5 não diferiu do com 3,0% de inclusão e o de 1,5 % de inclusão não diferiu do sem inclusão (0%), pelo teste de Tukey com 5% de significância (Tabela 2), resultado este que foi diferente do obtido para a variável de carbono-13.
Pode-se observar pela MANOVA que existiu diferença significativa entre os tratamentos (Tabela 2) para todos os critérios usados. Na Figura 1 foi representada a diferença do padrão (0% de inclusão de farinha de carne e ossos bovinos) com os demais tratamentos, onde observou-se que apenas o tratamento com 1,5% de inclusão não diferiu do padrão.
Tabela 1. Teste de Tukey da variável carbono-13 para os ovos.
Anova p<0,01. Médias com diferente letra diferem significativamente (p<0,05), pelo teste de Tukey
Tabela 2. Manova para as variáveis de carbono-13 e nitrogênio-15 de ovos.
Figura 1. Representação bidimensional da MANOVA, comparação dos diferentes tratamentos com inclusão de farinha de carne e ossos bovinos ao tratamento sem inclusão, para os ovos.
Quando a análise estatística foi realizada para cada variável separadamente (análise Univariada) observou-se para a variável carbono-13 diferença entre o padrão e o tratamento com 1,5 de inclusão o mesmo não foi observado para a variável nitrogênio-15 no entanto ao realizar a análise conjunta (análise multivariada) observou-se que esses tratamentos não diferem entre si (Tabela 2 e Fig. 1).
Pode-se ressaltar a necessidade de análise de carbono-13 e nitrogênio-15 para a rastreabilidade de aves e a análise estatística conjunta desses dados (análise multivariada), observando que esta análise mostrou resultado mais propício para problemas com mais de uma variável dependente.
Conclusões
A rastreabilidade por isótopos estáveis deve ser avaliada por mais de uma variável como o carbono-13 e o nitrogênio-15.
A análise estatística adequada para problemas com mais de uma variável dependente, nesse caso carbono-13 e nitrogênio-15, pode ser a análise multivariada manova e complementada por teste entre grupos.
Agradecimentos
A fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo pela concessão de bolsa de pós-doutorado.
Bibliografia
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