Introdução
As técnicas para a determinação da energia metabolizável têm sofrido modificações ao longo do tempo, às vezes sem o estudo criterioso da qualidade dos dados gerados, o que pode interferir na repetibilidade desses dados. As dúvidas começam pelo número de repetições, que varia de 4 a 7 entre os vários estudos sobre o metabolismo de ingredientes. O mesmo ocorre com os níveis de substituição, que variam de 20 a 40%, dos ingredientes de origem vegetal e animal nas rações-teste, podendo gerar, dependendo do nível de inclusão do ingrediente, rações mais ou menos desbalanceadas nutricionalmente. Além desses fatores que podem interferir na determinação dos valores corretos, existe a preocupação em determinar o número ideal de dias para adaptação das aves às rações-teste e para a coleta total de excretas.
Conforme Fischer & McNab (1989), em ensaios para determinar a EMAn pelo método de coleta total de excretas, os ingredientes testados são fornecidos por determinado período para se estabelecerem as condições de equilíbrio e quaisquer diferenças no trato digestivo, no início e no final do ensaio, são assumidas como inexistentes. De acordo com esses autores, qualquer diferença será relativamente pequena em comparação ao balanço total se o período usual de 3 a 5 dias de coleta for adotado.
Sibbald & Price (1975) realizaram dois experimentos utilizando o método de coleta total de excretas. No primeiro, utilizaram os cinco dias de adaptação e nove de coleta e, no segundo, seis dias de adaptação e três de coleta. Os autores concluíram que a variação associada aos valores de EM pode ser controlada pela duração do período de coleta de excretas. Relacionando diversos fatores, entre eles o tempo de coleta das excretas e os níveis de substituição do ingrediente-teste, os autores concluíram que, aumentando o número de dias de coleta, é possível reduzir o erro-padrão da média.
Em trabalhos semelhantes, observa-se que ainda não existe um padrão estabelecido para determinação dos valores de EM de ingredientes para aves: Lima et al. (1989) e Brugalli et al. (1999) utilizaram períodos de adaptação e de coleta de cinco dias, totalizando dez dias de período experimental; Farrell et al. (1991) e Vieites et al. (2000) utilizaram quatro dias de adaptação e cinco de coleta total de excretas; Albino et al. (1992) e Nascimento et al. (2005) optaram por três dias de adaptação e cinco de coleta total de excretas; Tucci et al. (2003) utilizaram quatro dias de adaptação e quatro de coleta de excretas; e Rodrigues et al. (2005), trabalhando com galos Leghorn adultos, utilizaram cinco dias de adaptação, seguidos de cinco tempos de coletas (1 a 5 dias). Dessa forma, realizou-se este trabalho para avaliar o melhor período de coleta total de excretas para estimativa da energia metabolizável aparente e aparente corrigida pelo nitrogênio em pintos de corte em crescimento.
Material e Métodos
As aves foram mantidas em regime de luz natural durante todo o período experimental. Foram utilizados 600 pintos da linhagem Ross, criados em baterias com aquecimento elétrico no período de 1 a 14 dias de idade, quando foram separados por sexo e distribuídos em boxes, na densidade de 10 aves/boxe (cinco machos e cinco fêmeas). A partir desta idade, as aves foram submetidas à temperatura controlada, na faixa de conforto dos animais (24°C), e receberam uma ração-referência, à base de milho e farelo de soja, com 21% de PB e 3.000 kcal de EM/kg. Após esse período e até 23 dias de idade, em cada tratamento, um grupo de aves continuou recebendo a ração-referência e outro passou a receber a ração-teste, obtida pela substituição de 40% da ração-referência por milho. As rações e a água foram fornecidas à vontade em cada boxe, utilizando-se comedouros e bebedouros tipo calha. A mistura dos ingredientes da ração-referência (Tabela 1) foi feita em misturador vertical com capacidade para até 500 kg durante 15 minutos. A mistura dos 40% do milho com os 60% da ração-referência para elaborar a ração-teste foi realizada em um misturador Y com capacidade para 90 kg durante 10 minutos. As rações foram acondicionadas em sacos plásticos e estocadas no local de realização do experimento.
Tanto a ração-teste como a ração-referência foram pesadas e fornecidas à vontade durante o período experimental para determinação do consumo pelas aves. A ração-teste foi fornecida durante nove dias (15 a 23 dias de idade), sendo quatro dias para adaptação e cinco para os diferentes períodos de coleta (1, 2, 3, 4 ou 5 dias), de modo que cada período de coleta total de excretas representou um tratamento. As aves que receberam a raçãoreferência durante o período experimental já estavam sendo alimentadas com essa ração desde o primeiro dia de idade. Por isso, não houve necessidade de período de adaptação.
Em cada tratamento, seis aves receberam a ração-teste e seis a ração-referência, totalizando 12 grupos de aves utilizadas em cada período de coleta, independentemente um do outro.
Os tratamentos adotados para determinação dos valores de EMA e EMAn do milho foram denominados T1, T2, T3, T4 e T5, conforme o período de coleta total de excretas (1 a 5 dias).
As rações fornecidas foram pesadas no início e as sobras, no final de cada período de coleta, a fim de determinar o consumo alimentar e a energia bruta consumida em cada tratamento.
Tabela 1 - Composição da ração-referência
As coletas de excretas foram realizadas diariamente, em intervalos de 24 horas, durante os cinco dias, de acordo com cada tratamento. As bandejas foram cobertas com plástico e colocadas sob cada boxe da bateria, de modo a individualizar o material e evitar p erdas. As excretas recolhidas em cada unidade experimental, após eliminação de penas, resíduos de ração e outras fontes de contaminação, foram transferidas para sacos plásticos identificados, sendo pesadas e armazenadas em congelador até o final do período de coleta. Posteriormente, as amostras foram descongeladas, reunidas por repetição e homogeneizadas, retirando-se alíquotas de 400 a 500 g. As amostras foram mantidas em estufas ventiladas, a 55ºC por 48 horas, para secagem e posterior análise, segundo Mazzuco et al. (2002).
As análises laboratoriais foram realizadas no Laboratório de Análises Físico-Químicas da Embrapa Suínos e Aves. Os valores de EM do milho relativos a cada período de coleta foram ajustados com base na retenção de nitrogênio e calculados utilizando-se fórmula de Matterson et al. (1965). Os teores de MS e de nitrogênio nas excretas e nas rações e de MS nos ingredientes foram determinados de acordo com a AOAC (1995). Os valores de EB nas rações e nas excretas foram determinados por meio de bomba calorimétrica pelo método descrito por Parr Instruments Co. (1984).
O delineamento experimental foi composto de cinco tratamentos (1, 2, 3, 4 e 5 dias de coleta total de excretas), com seis repetições, em blocos casualizados de acordo com o andar da bateria, totalizando 300 pintos de corte para a ração-teste e 300 para a ração-referência.
Os dados foram analisados por análise de variância, utilizando-se o procedimento GLM do SAS (2001), e as médias entre tratamentos foram comparadas pelo teste Tukey a 5% de significância.
Definiu-se como tempo mínimo de coleta total de excretas o momento a partir do qual houvesse estabilização na variabilidade dos dados, a qual foi avaliada por meio do coeficiente de variação. Para determinar o número de dias de coleta em que a variabilidade se estabilizou, foi ajustado um modelo platô com resposta linear (1):
em que: E(y) = esperança do coeficiente de variação de EMA e EMAn esperado nos tempos de coleta (x = 1, 2, ..., 5 dias); a e b = parâmetros da reta antes do platô; d = valor de x em que o coeficiente de variação se estabilizou, isto é, onde a reta teve coeficiente de inclinação igual a zero. Os parâmetros do modelo foram estimados pelo método da máxima verossimilhança, utilizando-se o procedimento NLMIXED do SAS (2001).
O modelo (1) foi comparado aos modelos de regressão linear e quadrática, utilizando-se os critérios de informação de Akaike (AIC) e Bayesiano (BIC), por meio do SAS (2001).
Resultados e Discussão
Conforme demonstrado na Tabela 2, o período de um dia de coleta de excretas diferiu significativamente (P<0,05) dos demais. Porém, não houve diferenças (P>0,05) entre os períodos com 2, 3, 4 e 5 dias de coleta, o que corrobora, em parte, as informações obtidas por Rodrigues et al. (2005), que não constataram diferença significativa para qualquer período estudado.
Potter (1972) concluiu em seu estudo que a metodologia da coleta total de excretas apresenta os melhores resultados para EMA. Sibbald & Price (1975) verificaram erros-padrão da média de 33,0; 23,0; 19,0; 17,0; 15,0 e 14,0, respectivamente, para 1, 2, 3, 4, 5 e 6 dias de coleta de excretas para EM, em kcal/kg, e concluíram que a variação associada aos valores estimados de EM pode ser controlada pela duração do período de coleta de excretas e que, aumentando o número de dias de coleta, é possível reduzir o erro-padrão da média. Esses valores estão de acordo com os dados encontrados neste trabalho, pois, quando o número de dias de coleta de excretas aumentou, o valor do erro-padrão da média e o coeficiente de variação diminuíram. No entanto, não estão de acordo com os resultados obtidos por Rodrigues et al. (2005), que constataram redução no erropadrão apenas até o terceiro dia de coleta, quando voltou a crescer novamente.
Tabela 2 - Valores médios, em kcal/kg, de energia metabolizável aparente (EMA) e corrigida para nitrogênio (EMAn) do milho, com base na matéria natural, de acordo com os períodos de coleta total de excretas (CTE), e seus respectivos erros-padrão (EP) e coeficientes de variação (CV)
Tabela 3 - Estatísticas de qualidade do ajuste para os três modelos avaliados
Figura 1 - Coeficientes de variação (CV) observados e ajustados em função do período de coleta de excretas para energia metabolizável aparente (EMA) e corrigida para nitrogênio (EMAn) do milho.
Pimentel Gomes (1981) afirma que o coeficiente de variação permite uma idéia da precisão do experimento. Tendo em vista os coeficientes de variação obtidos comumente nos ensaios agrícolas de campo, esses coeficientes podem ser considerados baixos quando inferiores a 10%, médios quando de 10 a 20%, altos quando de 20 a 30% e muito altos quando superiores a 30%. Nesse trabalho, os coeficientes de variação foram 4,38 e 4,01%, respectivamente, para EMA e EMAn e, portanto, podem ser classificados como baixos, indicando que o experimento foi bem conduzido.
Entre os diversos autores que utilizaram a técnica de coleta total de excretas, não há um padrão estabelecido sobre o número de dias de adaptação e de coleta de excretas a ser utilizado. Considerando as estimativas de energia, os coeficientes de variação e os erros-padrão da média, os melhores resultados foram obtidos para os períodos de 4 e 5 dias de coleta total, tanto para os valores de EMA como para os de EMAn, provavelmente porque, com o maior número de dias de coleta de excretas, obtiveram-se valores de EM mais estáveis. Porém, isso não ocorreu com os resultados obtidos por Rodrigues et al. (2005), que concluíram que três dias de coleta são suficientes para determinação da EM pelo método de coleta total de excretas.
No entanto, considerando o coeficiente de variação (CV%) e o período de coleta, verifica-se (Tabela 3) que o modelo platô com reposta linear teve ajuste melhor que os modelos linear e quadrático, pois apresentou os menores valores de AIC e BIC para ambas as variáveis. As estimativas dos parâmetros do modelo platô linear para EMA e EMAn indicam que a variabilidade se estabiliza entre 3 e 4 dias de coleta de excretas (Figura 1).
Portanto, pode-se inferir que o período de quatro dias de coleta total de excretas é suficiente para produzir dados confiáveis semelhantes aos obtidos com cinco dias de coleta, gerando CV inferior a 1,16%. Caso a opção seja por menos que quatro dias de coleta, haverá acréscimo de 2,38 e 2,19% no CV, para EMA e EMAn, respectivamente, evidenciando menor precisão no método.
Conclusões
O período de quatro dias de coleta total de excretas foi suficiente para estimar a energia metabolizável para o milho e apresentou confiabilidade semelhante ao de cinco dias de coleta total de excretas.
Literatura Citada
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