Os desafios que a avicultura brasileira tem enfrentado nos últimos anos são inúmeros, desde a gripe aviária até as oscilações do preço do frango vivo nos últimos meses. Atualmente, um dos pontos que merece atenção do setor produtivo consiste na adoção de boas práticas de manejo ao longo do processo produtivo.
A cadeia produtiva de frangos de corte perde anualmente mais de dois milhões de dólares devido às mortes antes da chegada à linha do abate. Tais perdas ocorrem em grande parte durante as operações pré-abate, ou seja, as atividades "pós-porteira" são vistas negativamente como "terra de ninguém". Além disso, em termos de logística, pouco investimento em conhecimento e pesquisa é observado relacionado ao transporte de cargas vivas, por falta de profissionais qualificados, o que aumenta ainda mais os gargalos produtivos nesta área.
De que adianta o produtor se preocupar com as 7 semanas de produção dos frangos dentro dos aviários, se perdas ocorrem ao longo da pega, carregamento, transporte e espera junto ao abatedouro? Essas perdas sejam por mortalidade ou condenação de carcaça tem uma importância grande no ciclo econômico da produção. A pergunta é: A quem interessa essas perdas?
Preocupar-se com as perdas pré-abate é lucrar mais perdendo menos, minimizando descartes ou condenações de carcaças. Para isto, é preciso entender os principais problemas e as soluções existentes, visando à redução dos prejuízos com a mortalidade das aves antes da chegada à linha do abate.
Este tema é o que tentaremos descrever nesse texto para aqueles que tomam as decisões possam mudar o olhar e quem sabe, melhorar o enfoque do controle do pós-porteira na avicultura brasileira.
1. Principais pontos críticos na etapa de transporte
1.1. Densidade por caixa
A densidade de aves por caixa é decidida conforme o peso médio das aves e estação do ano, visando praticidade, redução do número de caminhões e economia. No entanto, o excesso de aves por caixa, variando entre 8 a 10 aves, interfere nas trocas térmicas das aves, aumentando o estresse térmico do lote. É importante observar que de acordo com o turno que será realizado o transporte das aves, os reflexos são diferenciados.
Existe um limite entre 3 a 7 aves por caixa em que a mortalidade no turno da tarde e noite foi reduzida até a mortalidade mínima nas densidades de 7 aves (Figura 1). Acima de 8 aves por caixa, há um pequeno incremento no número de aves mortas. Por outro lado, durante o turno da noite, ocorre um aumento na mortalidade, devido à exposição ao vento, favorecendo a perda excessiva de calor. A ave tenta compensar através dos mecanismos de tremor, vasoconstrição periférica e eriçamento das penas. No entanto, a persistência nesta situação resulta em mortalidade por frio (FURLAN; MACARI, 2002).
Figura 1: Valores médios da interação entre o número de aves por caixa e os diferentes turnos, em relação ao número de aves mortas (Fonte: Vieira, 2008)
1.2. Microclima da carga
Ao longo da carga transportada, existem diferentes núcleos térmicos. Isto se deve em função da cabine do caminhão, do posicionamento das caixas, bem como das próprias aves no interior das caixas. A ventilação é desuniforme, tendo mais efeito nas caixas diretamente expostas ao vento (as caixas de cima, na parte superior e frontal do caminhão, por exemplo) e menor nas camadas do meio. Nas pesquisas realizadas pelo NUPEA (Núcleo de Pesquisa em Ambiência) verificamos a ocorrência de "bolsões" térmicos em vários pontos da carga, relacionados com a menor ventilação. Com isto, a parte central e traseira do caminhão são regiões inadequadas sobre o ponto de vista de condições bioclimáticas e do bem estar destes animais (Figura 2).
Figura 2: Perfis dos comportamentos da variável ambiental temperatura (L2Temp.) e da umidade relativa (L2UR) ao longo da fileira lateral 2, para um cenário de verão, distância longa, turno da manhã e sem molhamento da carga. (Fonte: Barbosa Filho, 2008)
De acordo com os vários cenários avaliados durante anos de pesquisa, percebe-se que há a necessidade de melhorar as condições bioclimáticas de transporte. Atualmente em função do sistema convencional que é adotado em cada granja essas medidas acabam sendo pontuais e isoladas umas das outras em diferentes situações. Em médio e longo prazo, novas tecnologias deverão surgir de condicionar o direcionar uma ventilação específica para as cargas vivas, visando uma padronização de cenários e consequentemente melhoria no bem estar dos mesmos.
2. Reduzindo as perdas no transporte de aves: principais soluções
2.1. Adoção da melhor densidade de aves por caixa
A escolha da densidade deve acompanhar a época do ano, turnos, peso das aves ao abate (entre 35 a 42 dias). Em dias e turnos mais quentes (durante a tarde, por exemplo), devem estar entre 5 a 7 aves, sendo 7 aves ideal sob o ponto de vista térmico, com peso vivo entre 2 a 2,5 kg (VIEIRA, 2008). Esta densidade favorece as trocas térmicas, além de ser viável em termos operacionais durante a pega e o carregamento. Nos dias e turnos mais frios (por exemplo, durante a noite e no início da manhã), a densidade a ser adotada varia entre 6 a 8 aves, pois a adoção de baixa densidade (abaixo de 5 aves por caixa) pode gerar efeitos inversos aos períodos quentes.
2.2. O molhamento antes do transporte
Na etapa de carregamento, pouca informação é dada a respeito deste manejo, justificando para o molhamento da carga a redução de calor no lote, nas horas mais quentes do dia. No entanto, os operadores molham a carga independente do horário e condição, com isto, as perdas aumentam por influência do mau uso deste recurso.
No molhamento, deve-se ter muita atenção com a uniformidade de aplicação. Deixar a mangueira ligada em um ponto só da carga favorece a desigualdade de umidade na carga, promovendo os chamados "bolsões" térmicos. Para isto, devem-se molhar todas as partes igualmente e no inverno ou em dias e horários mais frios, suspender a atividade para não provocar estresse por frio. Recomenda-se que a atividade de molhamento seja feita em dias de temperatura elevada e umidade relativa abaixo de 60%.
3. Principais pontos críticos na etapa de espera no abatedouro
O galpão de espera tem por objetivo prover condições térmicas favoráveis, diminuindo a mortalidade nesta etapa, sendo decisiva na diminuição de perdas desde a pega até o abate
Poucas empresas se preocupam com a distância percorrida pelos caminhões, ordenando a chegada e saída do galpão, de modo que, os cuidados tomados nas etapas de pega, carregamento e transporte, sejam perdidos durante a espera, caso se ofereça um ambiente térmico inadequado. Sabe-se que se trata de uma condição de trabalho bastante complicada, pois visa atender a empresa integradora, o produtor e muitas vezes a capacidade de abate. Mesmo assim insistimos na necessidade de um planejamento, não somente em função dos "turmeiros - trabalhadores da área", mas também em função de uma otimização da logística de transporte associada ao bem estar dos animais.
3.1. Distância granjas-abatedouro
A distância possui grande influência na sobrevivência das aves, ou seja, quanto maior a distância de transporte, maior a mortalidade na chegada ao abatedouro (VOSLAROVA et al., 2007).
A variação da mortalidade de acordo com as combinações de tempo, distância e velocidade de transporte, dentre outros fatores, também podem contribuir para a variação destes valores (Tabela 1). Todavia, a distância é um dos principais fatores que influencia na condição de espera pré-abate, determinando o uso da climatização, bem como a intensidade dada pelo tempo em que os caminhões aguardam no galpão. Portanto mais uma vez, reafirmamos a necessidade de um planejamento consciente da logística do transporte dessa carga viva.
3.2. Tempo de espera
O tempo de espera é um dos fatores de grande variação nos abatedouros, sem padronização quanto ao intervalo de tempo ideal que proporcione condição de conforto térmico. Sem dúvida, este é o principal parâmetro determinante na eficiência da climatização nas aves como agente de remoção de calor. O controle térmico é necessário para reduzir os efeitos negativos do meio externo no bem-estar das aves. Nos abatedouros, o tempo de espera adotado pode variar entre zero até 17 horas. Ou seja, existe uma divergência quanto às recomendações, o que dificulta o bom planejamento do manejo bioclimático e do tempo a ser adotado, durante o qual as aves serão mantidas nestes galpões, em regiões de clima tropical. Deve-se considerar que em se tratando dessa temática, cada caso é um caso específico, que varia de empresa para empresa, porém deve-se adotar como certo: adaptações de ajuste da realidade vivida.
4. Reduzindo as perdas na fase de espera no abatedouro: principais soluções
4.1. Manejo e controle da climatização no galpão de espera
Os principais fatores bioclimáticos a serem observados fora e dentro de um galpão de espera consistem na temperatura e umidade relativa, sendo a instalação de um termohigrômetro é necessária para o acompanhamento periódico da condição térmica do ambiente. O ideal é que tenha um em cada lateral do galpão e no centro geométrico à meia altura da carga. A leitura deve ser feita de hora em hora, e o operador treinado adequadamente para avaliar e conduzir ações que auxiliem no controle do conforto térmico das aves.
4.2. Controle do tempo de espera
Para cada fator influente na proporção de aves mortas antes do abate, temperatura externa, distância granja-abatedouro, existe uma recomendação quanto ao tempo de espera. Cabe à empresa escolher qual destas variáveis possui o maior peso na mortalidade.
Em relação à temperatura externa, quanto maior os valores ao longo do dia e ano, maior a necessidade do tempo de espera, desde que o ambiente seja devidamente climatizado (ventiladores, nebulizadores e ocasionalmente o molhamento).
Com o passar do tempo, os efeitos da climatização se distribuem ao longo da carga, possibilitando perda de calor e um ambiente mais confortável. Além disso, quanto mais quente o ambiente externo, os animais se tornam cada vez mais sensíveis à mudança benéfica de condição ambiental no galpão de espera. Tempo de espera menores devem ser adotados em temperaturas mais amenas ou até mesmo baixas, devido ao risco de estresse por frio.
Quanto às diferentes distâncias entre as granjas e o abatedouro, os maiores percursos (acima de 51 km) estão relacionados com a permanência curta no galpão de espera (Figura 3).
Figura 3: Valores médios da interação entre a distância granja-abatedouro e os diferentes intervalos de tempo de espera, em relação ao número de aves mortas, sendo intervalos de tempo de espera: Curto: menor que 1 hora, Moderado: 1 - 2 horas, Médio: 2 - 3 horas, Alto: acima de 3 horas e faixas de distância: Longe: acima de 51 km; Médio: 25 - 50 km; Perto: abaixo de 24 km (Fonte: Vieira, 2008)
As aves ao chegarem ao abatedouro já se encontram em estresse irreversível, em função do esgotamento das reservas energéticas. Com isto, se tornam insensíveis ao tratamento climático e quanto maior o tempo aumenta-se o número de aves mortas no caminhão, recomendando-se o menor tempo possível entre a chegada e o abate (abaixo de 2 horas). Para distâncias menores (abaixo de 24 km), as aves ainda se encontram em condições de reversão do quadro de estresse, respondendo efetivamente aos efeitos da climatização. Para trajetos menores, intervalos acima de 3 horas auxiliam na redução de mortalidade (Tabela 2).
No geral, considerando todos os fatores que influem nas perdas pré-abate e relacionando-os com o tempo de espera, a recomendação é de 2 horas, variando entre 1 e 3 horas. Este intervalo abrange os benefícios promovidos pela climatização e consequentemente, o retorno parcial ou total à condição de conforto térmico.
5. Considerações Finais
Visando atingir os objetivos de redução de perdas durante as operações pré-abate de frangos de corte, a observação cuidadosa dos principais pontos críticos deve ser prioridade no planejamento de um carregamento, bem como na logística de transportes. O treinamento de todos os envolvidos assume grande importância, para que todos possam trabalhar com eficiência e consciente das ações a serem tomadas no caso de problemas que possam surgir ao longo do processo.
Enfim, a união do setor avícola, juntamente com a colaboração dos pesquisadores nesta área, poderá auxiliar cada vez mais neste desafio atual de redução de perdas e sustentabilidade da competitividade da avicultura brasileira. É importante deixar claro que os profissionais que trabalham com logística de distribuição fiquem atentos a essa área do conhecimento, uma vez que poucas soluções são apresentadas para as cargas vivas.
6. Referências Bibliográficas
BARBOSA FILHO, J.A.D. Caracterização quantiqualitativa das condições bioclimáticas e produtivas nas operações pré-abate de frangos de corte. 2008. 174p. Tese (Doutorado em Física do Ambiente Agrícola) - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz'''', Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2008.
FURLAN, R.L.; MACARI, M. Termorregulação. In: MACARI, M.; FURLAN, R.L.; GONZALES, E. (Ed.). Fisiologia aviária aplicada a frangos de corte. Jaboticabal: FUNEP/UNESP, 2002. cap. 17, p. 209 - 230.
VIEIRA, F.M.C. Avaliação das perdas e dos fatores bioclimáticos atuantes na condição de espera pré-abate de frangos de corte. 2008. 176 p. Dissertação (Mestrado em Física do Ambiente Agrícola) - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2008.
VOSLAROVA, E.; JANACKOVA, B.; VITULA, F.; KOZAK, A. VECEREK, V. Effects of transport distance and the season of the year on death rates among hens and roosters in transport to poultry processing plants in the Czech Republic in the period from 1997 to 2004. Veterinari Medicina, Czech Republic, v. 52, n. 6, p. 262-266, 2007.