Resumo
Campylobacter são a principal causa de doença bacteriana intestinal em humanos, identificada em muitos países. Mais de 80% dos casos são causados por C. jejuni e cerca de 10% dos casos são causados por C. coli. As fontes de infecções em humanos por C. jejuni e C.coli, são consideradas principalmente, a manipulação e / ou consumo de carne contaminada, especialmente carne de frango.
Palavras- chave: campylobacter, frangos, humanos, saúde publica
Introdução
Campylobacter (C.) spp. têm sido o foco crescente de atenção nos últimos 30 anos, devido ao aumento da frequência com que têm sido isolada a partir de humanos, animais, alimentos e água. Diversas Campylobacter spp. (C. jejuni, C. coli, C. upsaliensis, C. lari, C. concisus, C. Fetus subsp. fetus, C. jejuni subsp. doylei, C.hyointestinalis) demonstraram ser causa de diarréias. C. jejuni é um causa frequente de morbidade em humanos, em países industrializados ou em desenvolvimento, e representa uma considerável drenagem nos recursos da economia e da saúde pública (Butzler, 2004). C.jejuni e C. coli são geralmente consideradas comensais de gado, animais domésticos, animais de estimação e aves. Um grande número de Campylobacter foi isolado de animais jovens com enterite, incluindo os porcos, cordeiros e bezerros, mas os organismos são também encontrados em animais saudáveis. Surtos de hepatite aviária foram relatados, porém o papel patogênico de Campylobacter spp. não é claro. Uma possível exceção é a morte de avestruzes associada ao Campylobacter e enterite em aves jovens (OIE, 2008). Campylobacter são a principal causa de doença bacteriana intestinal em humanos, identificada em muitos países. Mais de 80% dos casos são causados por C. jejuni e cerca de 10% dos casos por C. coli. Em humanos, a infecção está associada com enterite aguda e dor abdominal, com duração de 7 dias ou mais. Embora tais infecções geralmente são auto-limitantes, as complicações podem surgir e incluindo bacteremia, síndrome de Guillain-Barré, artrite reativa e aborto. As fontes de infecções em humanos por C. jejuni e C.coli, são considerados principalmente, a manipulação e / ou consumo de carne contaminada, especialmente carne de frango. No entanto, o contato com animais de estimação e gado, o consumo de água contaminada ou leite cru e viagens para áreas de alta prevalência também são considerados fatores de risco para a doença em humanos. O controle de Campylobacter na cadeia alimentar, especialmente na produção de frangos, tornou-se um dos principais alvos de esforços na prevenção e controle.
Campylobacter - patógeno alimentar singularmente sensível
Como regras gerais, Campylobacter são organismos que possuem células na forma de bastão, espiral, Gram negativo, com tamanho variável entre 0,5 a 0,8 microns. Possuem flagelos polares e recurso de motilidade em movimentos de "saca-rolhas". Crescem em condições de microaerofilia, contendo de 3 a 10% de oxigênio. São facilmente destruídos pelo calor, não sobrevivem os processos térmicos de uso comum no preparo dos alimentos. A maioria das bactérias patogênicas transmitidas por alimentos são consideradas organismos relativamente robustos, como consequência da necessidade de sobreviver às condições hostis impostas tanto pelo processamento quanto pela aplicação de práticas de conservação de alimentos (Park et al., 2000). Neste contexto, para a espécie Campylobacter parece improvável ser um patógeno de origem alimentar, uma vez que dentro de tal categoria de agentes patogênicos, C. jejuni e C. coli possuem singulares exigências para seu crescimento e uma sensibilidade incomum ao estresse ambiental. Deste modo, para esta espécie, parece faltar muitas das respostas adaptativas que podem ser correlacionadas com a resistência ao estresse em outros patógenos alimentares. Como citado, os organismos são geralmente incapazes de crescer na presença de ar e crescem otimamente em atmosferas contendo, normalmente 5% de oxigênio. Além disso, Campylobacter tem uma faixa de temperatura de crescimento restrita e ao mesmo tempo, que crescem otimamente a 42°C, não crescendo a temperaturas inferiores a 30°C. Estas duas características de crescimento impõem restrições severas sobre a capacidade das bactérias Campylobacter se multiplicarem fora de um hospedeiro animal e, consequentemente, ao contrário a maioria das outras bactérias patogênicas, essas bactérias normalmente não são capazes de multiplicação em alimentos quer durante o processamento ou armazenamento. As Campylobacter também são altamente suscetíveis a várias outras condições ambientais. São muito sensíveis à dessecação e não sobrevivem bem em superfícies secas. Da mesma forma, são mais sensíveis ao estresse osmótico que outras bactérias patogênicas e não crescem em concentrações de cloreto de sódio a 2%. Mais uma vez, quando comparados para outros patógenos de origem alimentar, apresentam maior sensibilidade a pH baixo, sendo incapaz de crescimento em pH abaixo de 4,9 e podem ser mortos facilmente a valores de pH inferiores a este. E, quanto à temperatura, C. jejuni e C. coli são também sensíveis à exposição a altas temperaturas, assim não sobrevivendo em alimentos que foram pasteurizados ou adequadamente cozidos (Forsythe, 2002).
Campilobacteriose em humanos
A partir da analise de surtos de Campylobacter foi possível notar que o período de incubação varia de um a sete dias, embora 24 a 48h seja o mais comum. Os dados também indicam que a maior parte das infecções em humanos ocorre a partir da ingestão de um número relativamente baixo de células bacterianas, as quais se multiplicam no indivíduo até aparecerem sinais clínicos. Porém, nem todas as infecções são sintomáticas. As infecções são 40 a 100 vezes maior em pessoas com AIDS/SIDA, indicando que indivíduos imunocomprometidos são mais suscetíveis à campilobacteriose, assim como crianças menores de dois anos de idade. A presença de febre e outros sinais prodrômicos antes do aparecimento de diarréia, sugerem que os efeitos inflamatórios da infecção precedem a perda de função das células intestinais que causa a diarréia. Segundo Wassenaar & Blaser (1999), colites e enterites produzidas pela Campylobacter devem ser consideradas doenças inflamatórias, em virtude do processo inflamatório intestinal elicitado e pela característica da das fezes, como aquosas e não com uma grande quantidade de sangue. As infecções por Campylobacter podem levar ao desenvolvimento de doenças auto-imunes, como artrite reativa e doenças neurológicas, sendo que a mais perigosa é a síndrome de Guillain-Barré (GBS), caracterizada por inflamação aguda dos nervos periféricos. De acordo com Jagusztyn-Krynicka et al. (2009) aproximadamente 30 a 40% dos casos de GBS ocorrem em consequência à infecção por Campylobacter e estima-se que a frequência de GBS é de um ou dois casos a cada 1000 diagnósticos. As complicações da campilobacteriose, como para outros patógenos, variam com fatores relacionados à bactéria e ao homem. Em países desenvolvidos, as infecções por Campylobacter são atribuídas ao consumo de frangos não preparados corretamente, leite não pasteurizado e água contaminada com a bactéria. Apesar de uma variedade de animais albergar a bactéria, o risco de contaminação em humanos é maior pelo consumo de frango. Os níveis de infecção para humanos são relativamente baixos, 500 a 800 ufcs, desta forma tornando-se fácil e frequente a ocorrência da campilobacteriose. Países em desenvolvimento e desenvolvidos apresentam diferentes perfis da doença em humanos. Certamente, em países desenvolvidos os sistemas de notificação e rastreamento de surtos tem mais recursos e são mais eficientes, assim dispondo-se de um maior número de dados epidemiológicos e mais acurados. Além de notificação, há outras diferenças, por exemplo em países Sul-americanos, encontra-se mais portadores sãos de Campylobacter, ao contrario dos países desenvolvidos em que estes portadores são raros e têm muito baixa apresentação. Provavelmente o estado de portadores sãos em países da America do Sul pode ser relacionado com aspectos ligados â baixas condições de saneamento básico, o que pode promover maior oportunidade de transmissão da bactéria a partir de reservatórios e fontes de contaminação, especialmente em crianças. No tratamento das infecções em humanos os antimicrobianos fluorquinolonas e macrolídeos são as classes de escolha. Resistência â diversas classes de drogas já foram relatadas na literatura, tanto em isolados de humanos como de animais.
Recente trabalho, de Gormley et al. (2010), demonstrou perfis idênticos de resistência a antimicrobianos em cepas isoladas de frangos e de humanos. Globalmente, a incidência de resistência a vários antimicrobianos chave no tratamento da campilobacteriose é crescente e perfis de múltipla resistência são emergentes. A tendência de resistência em isolados humanos tem mostrado associação com o uso de antimicrobianos na área veterinária.
Infecção por Campylobacter em frangos de corte - algumas considerações
A infecção por Campylobacter em frangos conduz a um alto nível de colonização do trato intestinal em uma associação aparentemente comensal, com pouca ou nenhuma patologia (Smith et al., 2005). O comensalismo da bactéria em frangos é discutido em virtude da sua elicitação de alguma resposta imune e capacidade de invadir e persistir em órgãos internos da ave. Foi estimado que as doses mínimas de Campylobacter para colonização em frangos de corte estão aproximadamente entre 35 ufc e 104 ufc (Line et al.,2008) e mesmo para um alto nível de colonização, 109 ufc por exemplo, é possível um pequeno nível de invasão das células do trato intestinal sem ocorrência de problemas pela resposta inflamatória. È provável que se a bactéria não invadir em número suficiente para causar inflamação severa, poderá então causar inflamação local, a qual pode ser suficiente para controlar a Campylobacter e direcionar uma resposta imune adaptativa, sendo que tal resposta pode ser auto-limitante e não permitir a ocorrência de uma patologia severa. Para Campylobacter, há indução de resposta pró-inflamatória durante a colonização em frangos de corte, contudo esta resposta não conduz à patologia, além de ainda ter sido demonstrado que a infecção pode induzir formação e aumento anticorpos séricos. Quanto aos pintos de um dia de idade, a não observação de heterofilia nas infecções por Campylobacter foi atribuída à imaturidade do sistema imunitário da ave, permitindo uma pobre migração em reposta ao sinal do enterócito (Smith et al., 2008). Em estudo com C. Jejuni em frangos foi observado acréscimo dos títulos de anticorpos circulantes, porém esta resposta não foi capaz de resultar no rápido clearence da mucosa intestinal, como esperado. A inabilidade do sistema secretório e da resposta imune sistêmica para a eliminação de bactérias quando no intestino e a ausência de resposta inflamatória, são aspectos típicos da microbiota comensal. Estes comensais em indivíduos saudáveis são dificultados de fazer translocação a partir do lúmen intestinal para órgãos como o baço ou fígado devido a resposta imune células T dependente. Neste contexto, o aparecimento de C. Jejuni em órgãos, durante infecção em aves demonstra não ser somente uma infecção superficial como parece ser o caso de outras bactérias comensais e sua colonização não é unicamente baseada em replicação rápida e eficiente no muco intestinal (Van Deun et al.,2008). As Campylobacter podem ser encontradas em embriões em desenvolvimento, penugem e suabes colhidos em incubatórios e pintos recém-eclodidos. Ainda, foi recuperada de órgãos linfóides de pintos de um dia inoculados, deste modo levantando o questionamento a ser respondido: "quando, como e se" a Campylobacter se estabelece naturalmente nestes tecidos, sendo que um melhor entendimento da imunologia das aves e dos mecanismos de sobrevivência que a Campylobacter utiliza para movimentar em todo o corpo das aves é essencial para a compreensão de sua ecologia dentro destes hospedeiros (Cox et al., 2009a). Em lotes de frango de corte, a Campylobacter usualmente aparece na segunda ou terceira semana de vida dos mesmos. Alguns estudos mais recentes tentam elucidar este fato e citam como possibilidades: a) o aparecimento de Campylobacter nos lotes coincide com o declínio do titulo de anticorpos maternais (Sahin et al., 2001); b) a C. jejuni é capaz de evitar sua expulsão do intestino de frangos por mecanismo de invasão e evasão temporal de células epiteliais das criptas intestinais e persistência no intestino através da rápida multiplicação no muco, sendo que a interação estreita com o epitélio do ceco pode ser acompanhada de translocação da bactéria para o baço e fígado (Van Deun et al.,2008); c) o potencial de colonização por Campylobacter em frangos jovens pode ser reduzido se a contaminação ocorrer com células da bactéria no estado de biofilme (aderidas a alguma superfície) ao invés de células no estado planctônico. Células em estado de biofilme são menos capazes de sobreviver ao estresse da passagem pelo trato gastrointestinal de frangos. Aproximadamente 98% das bactérias se encontram em estado de biofilme (Hanning et al., 2009); d) a fase ("on" ou "off") de apresentação um ou dos dois flagelos influencia na colonização e no tempo de excreção da C. jejuni em frangos de corte. Quando as Campylobacter infectam o trato intestinal de frangos, uma pequena parte delas podem tornar-se não móveis, chamada de variantes fase "off". Como consequência estas variantes "off" são menos hábeis em colonizar e são mais rapidamente excretadas no ambiente. Esta excreção aumenta a concentração de bactérias na matéria fecal, facilitando a colonização de novos hospedeiros e nestes a variante "off" pode ternar-se fase "on", móvel,colonizando este e outros eficientemente. Ainda a respeito da Campylobacter em frangos, a colonização por uma ou mais espécie ou ainda, por diferentes cepas também são temas de estudos in vivo. Assim como para outras bactérias, a variabilidade genética entre as cepas devem ser consideradas no que diz respeito ao potencial de colonização e sobrevivência em frangos. Particularmente para Campylobacter, os estudos de modelos são difíceis devido a sua natureza de instabilidade genomica e variabilidade na expressão de fenótipos. Fato este que ocorre provavelmente pelo funcionamento mínimo do sistema de reparo de erros genéticos (mismatch reapair system) associado a grande quantidade, em seu genoma, de adenina e timina, sendo numerosas destas adeninas e timinas homopoliméricas, o que confere instabilidade e variabilidade nas expressões (Hendrixson, 2006). Quanto a colonização por diferentes cepas de C. jejuni em frangos algumas considerações foram publicadas por Konkel et al.(2007), os quais citam que na colonização por C. jejuni algumas cepas são hábeis em competir e inibir uma segunda cepa no estabelecimento da colonização, porém a concomitância de várias cepas em um mesmo frango é possível. Shibiny-El et al. (2007) citam que a idéia corrente dos fatores que permitem uma espécie ou cepa se tornar dominante no intestino de frangos parece mais complicado do que o simples fato de ser a primeira cepa que se estabelecer a cepa dominante na colonização. Também citam não ser comum o isolamento de mais de uma espécie ou subtipo a partir da mesma ave. Na conclusão de seus estudos com C.jejuni e C.coli em frangos de corte, as duas espécies competem igualmente e colonizam as aves até os 35 dias de idade, independentemente da ordem ou do dia de inoculação. A partir dos 35 dias de idade dos frangos a espécie C.jejuni declinou e a C.coli tornou-se dominante nos isolados. Se não houver competição a C.jejuni não declina em frangos com esta idade, o que leva a sugerir que o declínio observado foi devido em parte pela competição com C.coli, mas também provavelmente influenciado pelas mudanças no desenvolvimento dos frangos (imunidade e flora intestinal) a partir desta idade. A substituição de um isolado por outro poderia ser usado no controle desta bactéria em frangos, pela substituição por isolados sensíveis a antimicrobianos, por exemplo. Finalizando estas considerações, uma análise de fatores de risco na infecção de lotes de frangos por Campylobacter demonstrou alguns pontos que podem ou não interferir. Entre os fatores de risco para maior contaminação estão: os meses de verão, as criações tipo free-range e orgânica, lotes com mais de 15.000 aves, presença de outros animais nas propriedades, bandeja de bebedouro tipo nipple e as caixas de carregamento para o abate O uso de ácidos na prevenção da contaminação não foi eficiente no estudo, e o uso de bacteriófagos, bacteriocinas, probioticos e prebióticos diminuem porém não eliminam totalmente a Campylobacter dos lotes de frangos. Os pontos que mostraram não influenciar o status de Campylobacter em lotes de frangos foram: as medidas higiênicas de separação de roupas, botas no trabalho com diferentes lotes e limpeza das mãos dos granjeiros; intervalo entre lotes e número de empregados. Para Stern (2008), o uso de exclusão competitiva de mucosa em pintos no dia do nascimento também parece não ter influência na capacidade de colonização de Campylobacter.
Campylobacter em produtos avícolas
A incidência e a quantidade de Campylobacter em carcaças e cortes de frango variam com as condições de manejo durante a criação e com as medidas higiênico-sanitárias nas operações de abate e subsequente manipulação das carcaças. Em carne in natura de frangos de corte, a ocorrência de amostras contaminadas variaram de 0% a 100%. Geralmente, os pesquisadores isolam este microrganismo a partir de carne de frango recém-abatidos. Nas partes externas do frango a maior frequência de isolamento de Campylobacter são o pescoço, peito e região da cloaca. Na parte interna da carcaça a bactéria já foi isolada de coração, fígado, proventrículo, moela e intestino. A contaminação das carcaças de frango por Campylobacter tem sido definitivamente relacionada à presença da bactéria no conteúdo intestinal das aves, sendo a evisceração um ponto crítico para a contaminação no abate. Outro ponto importante na contaminação de carcaças por Campylobacter são as penas das aves. Rosenquist et al. (2006) coletaram carcaças em frigorífico após a depenadeira, estas apresentaram frequências de Campylobacter próximas aos níveis identificados após a evisceração e o resfriamento. Neste estudo, a prevalência da bactéria no abate foi acima de 70%. A escaldagem das aves também é apontada como ponto critico na contaminação de carcaças para patógenos como a Campylobacter e Salmonella. (FAO&WHO, 2009). No Brasil, a pesar de ser o maior exportador mundial de carne de frangos, são limitadas as informações sobre esta bactéria na cadeia de produção de aves. Paralelamente, a legislação vigente não contempla o controle de C. jejuni como agente infeccioso. Existe apenas una menção a este microorganismo como patógeno na legislação número 451 de 19 de setembro de 1997 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Ainda, no Brasil, em estudos realizados por pesquisadores a contaminação de carcaças e partes de frangos apresentaram níveis de até 98% (Aquino et al., 2001; Kuana et al., 2008). Para os demais países da America do Latina os dados disponíveis são poucos, tal qual no Brasil, e antigos, assim podem não refletir a realidade da situação de presença do microrganismo em produtos avícolas. Nos Estados Unidos, foi conduzido estudo com dez empresas, maiores integradores de frango, durante três meses para pesquisa e contagem de Campylobacter em carcaças de frango. Dentre as carcaças analisadas 74% delas não apresentaram células contáveis da bactéria e 3,6% das carcaças comercializadas apresentaram uma baixa contagem do microrganismo (Stern & Pretanik, 2006). Para a União Européia, foi publicado no início de 2011 dados a respeito de Campylobacter na cadeia avícola e em carcaças de frango o nível médio de contaminação entre os países pertencentes foi de 75,8%, com variações de 4,9 a 100% de ocorrência (EFSA, 2011a). No contexto dos produtos avícolas, os ovos de mesa são reconhecidamente implicados como importantes na veiculação de Salmonella a humanos. No que diz respeito â Campylobacter em ovos, estes parecem não ser significantes como fontes de transmissão, contudo as poedeiras comerciais podem albergar Campylobacter nos folículos ovarianos, trato reprodutivo, baço e cecos (Cox, et al., 2009b). Em relação a surtos determinados por ovos, um estudo global mostrou que a Campylobacter contribuiu para 0,6% dos 584 surtos e 97,4% foram atribuídos a Salmonella (Greig & Ravel, 2009). No Brasil, a viabilidade de Campylobacter em ovos comerciais foi verifica através da inoculação in ovo ou submersão destes em agua pepetonada com 105cfu/mL de C. jejuni, e armazenados por 24h a temperatura de 25°C. Em nenhuma das amostras analisadas foi observado o crescimento de C. jejuni, demonstrando que nas condições experimentais utilizadas, a bactéria não foi capaz de sobreviver e multiplicar no interior de ovos comerciais (Paula et al., 2009). Os poucos dados a acerca da contaminação de produtos avícolas deve-se ao fato que a presença de C. jejuni é monitorada apenas em países desenvolvidos e naqueles em que houve grandes surtos de campilobacteriose em humanos. Nesses países já foram impostas leis e restrições. Como já mencionado, no Brasil ainda não há um acompanhamento regular deste patógeno na indústria de carne, a menos que exigido pelo cliente externo.
Campylobacter produtos avícolas e a saúde pública
É fato a carne de frango e produtos derivados serem o principal veiculador de Campylobacter à humanos. Devido a importância deste agente nos países desenvolvidos o foco de atenção chegou aos demais países. Países da America Latina que exportam frangos e estão sob legislação dos importadores, como o Brasil, começaram a se preparar para as novas regras de controle de Campylobacter em carne de frangos. A presença natural deste patógeno em animais, a alta incidência na avicultura e os graves problemas de saúde pública que gera, a campilobacteriose em humanos tem recebido a atenção através de programas específicos de controle na avicultura, em diversos países. Neste contexto, atualmente existe uma comissão internacional, em conjunto do Codex Alimentarius e Organização Mundial da Saúde (FAO / WHO), que desenvolve propostas de Diretrizes para o Controle da Salmonella e Campylobacter em carne de frango, tendo em vista a importância destes agentes em intoxicação alimentar associadas a produtos de avícolas e também por representarem barreiras ao livre comércio destes produtos. A falta de informações epidemiológicas em países em desenvolvimento a respeito da seriedade das infecções causadas em humanos pode ser de modo geral devido à alguns fatores como: poucos laboratórios clínicos incluem a investigação de Campylobacter nos exames de rotina; número pequeno de laboratórios de pesquisa desenvolvendo trabalhos com esta bactéria; insuficiência de dados para estimar a real incidência das infecções humanas; falta de notificação compulsória e ausência de programas de vigilância para a campilobacteriose. Ainda, possíveis causas do contraste de informações entre esses blocos de países podem ser devido ao desconhecimento da etiologia pelos corpos médico em hospitais; pouca divulgação da campilobacteriose e suas consequencias; pequeno número de pesquisas sendo desenvolvidas; metabolismo diferenciado dos demais enteropatógenos bacterianos; metodologia específica e totalmente diferenciada das utilizadas normalmente nos exames de coprocultura e pouco interesse financeiro. Além do exposto acima, como comentado no item campilobacteriose em humanos, para a baixa incidência da doença nos países em desenvolvimento, deve-se considerar também a influência em potencial, de a susceptibilidade dos indivíduos ser mudada devido a imunidade adquirida por exposição ao agente. Os produtos avícolas têm a importância em saúde pública bem quantificada quando são implicados como principais veículos na campilobacteriose humana e os impactos destas infecções são apresentados, a exemplo: nos Estados Unidos o custo estimado com doenças em humanos causadas por 14 patógenos alimentares é de 14,1 bilhões de dólares e 90% deste custo é devido a apenas cinco patógenos: Salmonella spp., Campylobacter spp., Listeria monocytogenes, Toxoplasma gondii e norovirus. Neste país, a Campylobacter está em terceiro lugar no ranking, com custos para saúde estimados em mais de 1,7 milhões de dólares e tendo como principal veículo aos humanos, carne de aves (Batz et al., 2011). Na União Européia, o custo da campilobacteriose para os sistemas de saúde pública devido à perda de produtividade são da ordem de 22,4 bilhões de euros por ano e assinalado ainda que parte dos casos não são comunicados. No ano de 2009 foram contabilizados 198.252 casos em humanos notificados nos países pertencentes (EFSA, 2011b). Os impactos também são apresentados não somente através de quantificação econômica, a exemplo do levantamento realizado no Uruguay, onde durante os anos de 2001 a 2008 foram estudas 249 casos de crianças acometidas por diarréia com sangue (representando 30 a 40% das diarréias). Destes casos, em 49 deles foram realizados exames mais completos, e nestes, Shigella e Campylobacter apareceram como mais frequentes, com os mesmos 14,3% de isolamento cada (Mota et al., 2010). A finalizar este rol de problemas causados pela Campylobacter, porém não com menos importância, está a resistência aos antimicrobianos, que está inclusa nos custos com a campilobacteriose e representada no sofrimento do paciente por ter de conviver com a sintomatologia por ineficiência das drogas em determinadas cepas infectantes.Sem quantificação de custos diretos e indiretos para campilobacteriose, como em vários outros países ocorre, apresenta-se o Brasil. Neste, apesar de carcaças de frangos terem apresentado índices de contaminação por Campylobacter acima de 80%, como citado anteriormente, a bactéria é um dos agentes menos frequentes nas infecções transmitidas por alimentos à humanos e foi responsável por 0,13% dos surtos notificados, ao contrario da Salmonella, que foi responsável por mais de 40% dos surtos, sendo ovos e produtos que os contém os alimentos envolvidos nesses surtos. A par das complicações geradas pela campilobacteriose e a complexa biologia desta bactéria nas aves cabe inferir que aos profissionais, indústrias e pesquisadores da área avícola, o futuro é de muita dedicação e trabalho. Uma vez sendo os médicos veterinários sanitaristas por excelência e responsáveis pela saúde pública na multidisciplinariedade que esta agrega, estes devem aceitar seu papel como agente de mudança. Medidas de prevenção e de intervenção para o controle de Campylobacter em aves são mandatórias. A EFSA (2011b) indica por exemplo, que se na União Européia, não mais que 25% dos lotes de frangos forem positivos para a bactéria, o número de casos de campilobacteriose em humanos poderia reduzir em 50%, E, se mais 5% dos lotes fossem livres, a estimativa seria de 90% de redução de casos em humanos. Outro item é de que se for estabelecido um limite de número células por grama de carne de frango in natura, dependendo do valor, o risco para saúde pública poderia ser reduzido em 90%. Várias são as estratégias disponíveis para controle de Campylobacter em avicultura, porém uma única estratégia parece não ser suficiente para esta bactéria. A falta de maior conhecimento da interação da Campylobacter com os frangos, como citado anteriormente nas considerações, limita um controle eficaz do microrganismo, sendo o melhor conhecimento da imunologia de interação hospedeiro-patógeno e a padronização de perfis genéticos, ponto complicado para um bactéria alta variabilidade, chaves para o controle de Campylobacter na produção avícola e subsequente redução de risco para humanos.
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